Todos os andares da prisão pareceram tremer com a explosão e tudo parou, desde os Senhores do Tempo que deixaram a luta para trás, até os guardas-daleks, que praticamente despencaram no chão como bonecas de pano, agora que não tinha mais quem os controlasse. Estava feito. Shada não era mais dos daleks.

...

— Não vai ter muitos problemas para consertar essa bagunça? — Doutora perguntou para Romana.

Ela e sua amiga — e antiga companheira de viagens a algumas regenerações atrás — subiam para o último andar da prisão, que não fora afetado pela explosão, assim como nenhum dos demais, apenas aquele em que os daleks se concentravam. A Senhora do Tempo suspirou antes de responder, já planejando tudo o que teria que fazer.

— Meu trabalho aqui será temporário, apenas até conseguirmos um novo diretor para Shada — Romana explicou.

— Você já teria meu voto, caso se candidatasse para o cargo — a Doutora brincou, fazendo a outra sorrir.

— Creio que o Conselho não terá a mesma opinião, já que prisioneiros extremamente perigosos acabaram fugindo nessa confusão toda. Alguns eram prisioneiros de Shada a mais tempo do que somos capazes de contar — Romana disse séria, as mãos atrás das costas.

As duas deixaram o andar destroçado para trás, onde restava apenas fuligem e nada mais. No último andar se localizava o transmat da prisão, o qual inúmeros Senhores do Tempo haviam utilizado para irem para o mais longe possível daquele lugar abandonado no meio do espaço profundo. Entre eles os criminosos mais procurados da galáxia e, claro, aqueles que foram os companheiros da Doutora durante toda aquela empreitada.

Se fosse outra ocasião, a Doutora provavelmente não deixaria nem Mestre, nem Rani e nem o Monge simplesmente escaparem assim, mas ela sabia que eles deveriam. Aquela não era a última regeneração deles e ainda teriam muita coisa pela frente. Principalmente o Mestre, que causaria muita dor de cabeça para sua décima regeneração quando se encontrassem novamente...

— Doutora? — Romana chamou a atenção, vendo que a outra parecia aérea.

No último andar, poucos restavam, alguns tentando colocar as coisas em ordem e dois sumindo pelo transmat.

— Você por acaso chegou a ver dois Senhores do Tempo por aí? Ahmar e Arijwani, sempre andavam juntos... — A Doutora descreveu os rostos de seus dois companheiros de cela no andar destruído.

— Muitos regeneraram na batalha, Doutora, outros fugiram, então... — Romana tentou suavizar e a outra apenas deu um sorriso triste, compreendendo a situação. Eram milhares ali dentro, encontrar os dois, ainda mais se tivessem regenerado ou ido embora, seria difícil. — Sinto muito.

— Tudo bem. — A Doutora balançou a cabeça, tentando fingir uma leveza que não estava sentindo. Não era nisso que essa regeneração se tornou especialista? Fingir que nada estava acontecendo e acabar afastando seus amigos enquanto isso? Bem, era algo a se corrigir... — Quem sabe eu os encontre por aí? O universo é enorme, mas ao mesmo tempo minúsculo.

A Doutora se aproximou do transmat agora vazio. O objeto era apenas uma plataforma localizada no centro de uma sala, com computadores por todos os lados, que um ou outro Senhor do Tempo operava, tentando colocar aquela prisão de volta aos eixos.

— Já vai? — Romana questionou, sendo deixada para trás pela amiga, que havia subido na plataforma do transmat.

— Você sabe que eu não sou muito fã de despedidas. — A Doutora se virou para a Senhora do Tempo. — Diga tchau por mim a Narvin, Drax, Corsário e meus dois amigos, caso eles ainda estejam aqui. — Deu um último sorriso. — Até outro dia, Romana.

Quando a luz do transmat a envolveu, a última coisa que viu foi Romana a acenar-lhe.

...

Era Natal. Sempre era nesses momentos, e não podia entender bem o porquê. Ou já sabia e apenas se negava, afinal, era um momento em que muitos humanos se negavam a encarar as piores coisas da vida e decidiam apenas celebrar. Não era assim para todos, Yasmin sabia, pois sempre ocorriam crimes e acidentes nessa época, muitos motivados pelo próprio espírito de Natal, ou o desejo por desfrutá-lo. 

Ao menos nessa véspera, ela, Ryan e Graham tiraram um momento de sua noite para entregar pratos quentes de sopa para pessoas que precisavam. Talvez fosse apenas para apagar o próprio sentimento de impotência, mas quando viam aquelas pessoas ali, sabendo que podiam estar congelando nas ruas, sabiam que era o mínimo que poderiam fazer.

— Parece que houve um acidente com um ônibus em uma avenida de Nether Edge — disse Graham, parando um minuto para olhar o telefone.

— Vai ver tem outro Tim-Shaw por aí — brincou Ryan.

Eles sorriram, mas o de Yasmin acabou se desfazendo.

— Ei, garota, ainda está pensando nela? Ela está bem, Yaz, combatendo alienígenas por aí.

— Eu sei, mas às vezes desejo que tenha uma grande ameaça, sabe? Ou ao menos algo pequeno, algo que...

— A faça voltar — Ryan completou. — Eu sei. Mas vamos pensar no melhor, que ela venceu e continuou, e só não teve tempo ainda de nos ver.

Se um dia tiver, Yasmin pensou. 

Contudo, passos acompanhados por pequenos sinos surgiram ao fim da fila.

— Com licença, é aqui o sopão? Encontrei alguns humanos que precisam muito disso.

Havia um pequeno grupo ao lado da mulher, que cedeu seu sobretudo e casaco, e estavam intimidados, mas logo os três amigos pararam o que faziam para dar-lhes atenção, ao mesmo tempo em que tocavam na Doutora para se certificar de que era real.

Naquela noite, ela também ficou e ajudou naquilo como podia. E conversaram sobre tudo o que haviam feito nesse tempo. As pessoas mal entendiam o que ela dizia sobre explodir CyberMestres, ser posta pelos Judoon numa prisão dominada por Daleks e acabado por ter de se aliar com antigos inimigos, mas os companheiros dela ouviram com atenção e sentiram o peso de tudo aquilo. Ao final, sentaram para comer batatas fritas e aproveitar aquela companhia.

Não que fosse um recomeço, devia ser uma despedida, mas foi um longo abraço depois de tudo. Principalmente Yasmin, da qual mal desgrudou, porém, teve de dizer adeus mais uma vez. Ao menos agora estava fazendo com calma. Ou será que não era um adeus...?

...

Já faziam anos desde Shada e tantas outras aventuras, especialmente quando se fala do que a Doutora já chamou de “O segundo fim dos Senhores do Tempo”, mas ela também parou para visitar Gallifrey em algumas ocasiões desde que muitos que escaparam de Shada voltaram para as ruínas do planeta.

Haviam boatos de que os CyberMestres ainda estavam por aí, se reerguendo. Ela de fato encontrou alguns deles, e não se surpreendeu ao também encontrar o Mestre. Muito sangue outra vez foi derramado, porém, ela conseguiu mais uma vitória. À custos muito altos, ainda assim.

As vielas da cidade principal andavam cheias de vida de novo. Crianças brincavam nos subúrbios e um sentimento apertou os seus corações para encerrar toda a dor. Não, para amenizar, pois ainda lembrava de todos que sabia que não tiveram sorte. De todo modo, uma nova presidente estava no poder, ouviu dizer que era a General, mas não tinha certeza. Rassilon devia estar vagando por aí ainda, talvez um dia voltasse para causar mais problemas, contudo, no momento tudo estava indo bem, e isso bastou. 

Passeou pelo Panopticon, lembrando de todos os momentos do passado. Falando em passado, ainda tinha dúvidas de quem era. Encontrou algumas respostas, mas não tinha certeza de nada. Talvez isso estivesse caminhando para mudar, contudo, de um modo inesperado.

Foi quando ouviu um sussurro no canto de seu ouvido. Não, no canto de sua mente. Ela sabia quem conseguiria um contato tão facilmente assim e seguiu esse ruído, até encontrar em uma pequena sala familiar a figura de Khayin, tentando ser imponente.

— Tem aproveitado a nova vida? — a Doutora perguntou, notando a mudança nas roupas dele. Estava mais Gallifreyano do que Noir agora.

— Desde que contou quem era em Shada — ele disse, a ignorando. —, eu sabia que já tinha ouvido a seu respeito. E sabia muito mais do que dizia. Eu olhei os arquivos, Doutora Basil. Doutora Ruth, se preferir. Oh, desculpe, creio que isso foi um spoiler.

Ele apertou um botão e um tubo desceu sobre o corpo dela, imobilizando-a. Estava tão cansada desses truques, mas já devia ter aprendido a nunca pensar na possibilidade de acontecerem.

— Você sabe da Criança Atemporal? — ela perguntou, tentando forçar a fala.

— Se sei? Tem a ver sobre como toda a Divisão começou. E agora estamos retomando. Você dará um passo fundamental, mas para isso precisará resetar.

A Doutora escancarou os olhos, aflita. Tentou se debater, mas a pressão ao seu redor apenas aumentou. Khayin apertou outro botão e uma centena de cabos decaiu sobre ela.

— Pare com isso! O que pensa que está fazendo?!

— O mesmo que os Daleks, mas dessa vez do jeito certo. A placa de Rassilon disse tudo o que eu precisava. Agora diga olá para o futuro, Doutora, pois não se lembrará de quem foi nos últimos dois mil anos.

Com isso, ele provocou uma onda que percorreu todo o seu corpo, retirando por fim a última centelha de vida dela em questão de minutos. Começou a brilhar mais uma vez, nessa ocasião sem tanta potência, mas mudando mesmo assim para um rosto que já conhecia, mas que ainda estava longe de entender onde se encaixava.