Ashes To Ashes escrita por Kori Hime


Capítulo 1
Ashes To Ashes




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/791774/chapter/1

Hua Cheng sentou-se no degrau da entrada do templo principal da capital, enquanto observava do outro lado da rua um artista tentar malabarismos com pequenas bolas feitas de pano e areia. Os movimentos não eram formidáveis, as três bolinhas caíam no chão com frequência e uma até caiu em seu rosto. Mesmo assim, o artista insistia e causava risadas no público que passava e parava para vê-lo.

Alguns comentários eram maldosos, zombando da pouca habilidade manual. Mesmo que os movimentos do artista não fossem ágeis e não capturassem as bolinhas de maneira adequada, Hua Cheng notou que todos saíam com sorrisos nos rostos. Eles estavam sendo entretidos as custas dos erros e tentativas frustradas do artista. Isso não era o suficiente para um aplauso?

Devagar, o Rei dos fantasmas se levantou, ele parou um momento, enquanto crianças corriam e brincavam na rua. Depois, voltou a caminhar até onde o artista estava. A aparência de Hua Cheng era de um homem ainda jovem, com os cabelos curtos, amarrados por uma fita. Sua trança lateral, caía pelo rosto displicente. Nessa forma ele não usava o tapa olho, estava mais parecendo um homem na casa dos vinte anos, elegante em suas calças pretas e casaco vermelho. Enquanto andava, o tilintar dos metais em suas botas faziam barulho e chamava atenção. Ele era bonito, sabia disso, e uma boa aparência era quase a coisa mais importante que as pessoas preservavam.

Ninguém gostava de se aproximar de homens com roupas sujas, rasgadas ou de aparência velha. As pessoas não davam comida para crianças maltrapilhas e abandonadas. Ninguém prestava atenção em gente como aquele malabarista, a não ser quando essas pessoas se propunham a passar por situações como aquelas.

O artista deixou as bolinhas caírem novamente no chão e Hua Cheng abaixou-se para pegar. Ele sorriu, estendendo a mão para devolver. Enquanto o artista deslanchava em sorrisos, com uma expressão animada por tê-lo reconhecido, Hua Cheng começou a aplaudir.

— Parabéns, eu me diverti muito com a sua apresentação. — Ele disse, enquanto as pessoas ao redor ficavam chocadas. Todos estavam zombando daquele rapaz malabarista, mas um jovem de tão boa aparência veio para dar sua atenção.

Hua Cheng pegou um saco de moedas e despejou-as todas dentro da caixinha de doações que o artista havia colocado a sua frente. Até então, ali dentro havia apenas um pedaço de pão duro, uma florzinha murcha e uma pedra.

— Obrigado. — A voz do artista ficou levemente embargada. Hua Cheng ignorou seus olhos lagrimejados. — Como está sua alteza real?

— Ele está bem, sempre fala de você.

Hua Cheng notou que a sua aproximação fez com que as pessoas mudassem a postura e começassem a ver mais do que um artista com cabelos despenteados e roupas encardidas.

— Já faz um tempinho que eu não o vejo. — Os olhos brilhantes de Shi Qingxuan pareciam perdidos em algumas lembranças. — Digo, ele veio me ver algumas semanas atrás, mas deve estar ocupado agora.

— Sim, sim, gege vem trabalhando com dedicação em seu templo.

— Aposto que Chuva de sangue atingido por uma flor está sempre presente para ajuda-lo. — Ele deu uma piscadinha e voltou a sorrir. — Sinto muito que tenha visto meu show. Preciso treinar mais um pouco e quem sabe assim eu recebo mais do que pedras e pão velho.

— E uma flor. — Hua Cheng comentou.

— Ah! Sim, foi um rapaz jovem que deixou mais cedo. Quando eu tentei conversar, ele saiu correndo como se eu fosse um demônio ou coisas do tipo. — A gargalhada de Shi Qingxuan era divertida e ele não parecia incomodado com as ofensas que ouvira do público.

— Pode me acompanhar no almoço? — Hua Cheng perguntou, de forma simples. Ele sabia que as condições daquela pessoa eram precárias e ele não gostava muito de receber caridade. Mas, um almoço não parecia ser uma proposta tão horrível, ainda mais porque sua aparência magra dentro de roupas esvoaçantes sujas e rasgadas era um tanto demais para negar ajuda.

— Tem certeza? — Certamente a pergunta se referia ao fato de ele ter algo melhor para fazer com Xie Lian, mas naquele momento o deus marcial estava de fato trabalhando em seu santuário.

Os dois caminharam pelas ruas da capital e Hua Cheng ouviu os comentários de Shi Qinxuan. Ele conhecia agora muitas pessoas, e sabia detalhes de suas vidas, coisa fácil de conseguir para alguém que possuía uma desenvoltura no diálogo. Eles entraram em uma casa de chá, e Shi Qingxuan quase foi expulso, pelos seus trajes simples. Hua Cheng deu alguns passos, ficando na frente de Shi Qingxuan. O homem quando viu sua elegância e postura, fez uma reverência e os colocou na melhor mesa do lugar. Também trouxe todas as comidas que foram solicitadas, além de um bom licor para companhar.

— Já faz tempo que eu não como tanto assim, acho que exagerei. — Shi Qingxuan suspirou, abrindo seu leque e abanando o rosto corado. Mesmo assim, ele continuou comer e beber.

Hua Cheng mantinha um diálogo tranquilo com Shi Qingxuan, evidentemente, esse falava muito mais e fazia comentários sobre todos os assuntos que o interessava.

— Quais as novidades? — Ele por fim perguntou, piscando e levando a garrafa de licor até a boca. — Algum ser milenar para ser destruído? Ou alguma nova calamidade surgindo.

— Nada como isso aconteceu. — Hua Cheng respondeu. — Por que não aceitou a ajuda que sua alteza ofereceu?

— Oh! Bem, eu... eu não quero que sua alteza me veja como um mendigo, mesmo eu sendo um. — Ele deu uma risada forçada e depois seus ombros se soltaram. — Ele não me contou tudo sobre sua vida, mas fui descobrindo aos poucos como ele viveu os últimos oitocentos anos. Se sua alteza conseguiu, eu também vou conseguir.

Hua Cheng não tinha o que dizer sobre aquilo, até porque, ele mesmo tinha Xie Lian como inspiração.

De qualquer forma, há dois dias, ele estava no templo Puji, observando Xie Lian cuidar do canteiro de flores com a dedicação e o cuidado de sempre. Enquanto regava as plantas, dizia que sentia saudade de seu amigo, Mestre do Vento. Confidenciando a resposta de Shi Qingxuan, quando ele ofereceu ajuda. O olhar entristecido de Xie Lian era muito grave para Hua Cheng suportar, ele não poderia deixá-lo preocupado, sentindo-se de mãos atadas sem poder agir. Ele era muito gentil e respeitava as decisões das pessoas, dizendo que Mestre do Vento o buscaria caso precisasse de mais ajuda.

Hua Cheng não era como Xie Lian, pelo menos quando o assunto eram outras pessoas. Mas quando os assuntos afetavam a vida do deus marcial, ele não poderia simplesmente ficar parado assistindo.

— Seu show é péssimo. — Ele falou sério.

— É, eu sei. — Shi Qingxuan deu mais um longo suspiro, entornando a garrafa de bebida.

— Mas...

— Mas? — Ele de repente ficou interessado, suas costas ficaram eretas e por um momento ele parecia ter a mesma altivez de antigamente.

— Você consegue atrair um público.

— Sim, sim. — Gesticulou com a mão, voltando a soltar os ombros, sem nenhuma classe, perdendo a postura. — Eles apenas queriam me ver errar.

— Talvez, se eles soubessem que isso é proposital.

— Proposital?

— Sim. — Hua Cheng bebeu o licor que Shi Qingxuan ofereceu. — Em meu cassino, nós temos uma parte para entretenimento, mas anda muito vazia. Quem frequenta esse lugar que ver coisas... diferentes.

— Que tipo de coisas diferentes?

— Eles já estão acostumados com a morte, com a desgraça e outras pragas. — Hua Cheng pousou o queixo na mão e olhou pela janela, o sol da tarde esquentava as ruas da capital e as pessoas pareciam ziguezaguear pelas ruas, tentando fugir do calor.

— Naturalmente eles não esperam ver um mendigo se apresentar.

— Não, mas eles se interessariam por um Deus caído. — Hua Cheng olhou para Shi Qingxuan.

— Eu sei que pareço um tolo lá fora, mas, Chuva de Sangue atingido por uma flor, você não pode achar que eu vá me rebaixar para os seus fantasmas. — Ele pareceu ofendido, mas Hua Cheng não se importava com isso.

— Eu diria que, pelo menos na Cidade Fantasma, sua apresentação renderia lucros.

— Não... não é certo. — Ele encolheu os ombros. Hua Cheng não respondeu, parecia que ele falava consigo mesmo.

— Posso oferecer um espaço para você apresentar um show, o que quiser apresentar, também posso oferecer segurança, e um lugar para descansar.

— E-eu não posso simplesmente ser um de seus lacaios, não pense que eu vou fazer o que você quiser.

— Não quero que faça nada, além do que você quiser fazer. — Ele continuou, com tranquilidade em sua voz. — Aqui, tenho um contrato, é só preencher e assinar.

Ele tirou de dentro do casaco vermelho um pergaminho. Shi Qingxuan o desenrolou e seus olhos claros percorreram as sentenças. Depois, ele o olhou com surpresa.

— Isso é uma brincadeira?

— Não sou de brincar, pelo menos não quando gege não está por perto. — Ele sorriu.

— Aqui diz que você irá me liberar do contrato se eu retornar aos céus.

— Sim, ainda pode acontecer. — Hua Cheng retomou a atenção para o licor, enquanto notava o semblante sorridente do antigo mestre do vento.

— Também pede para eu ser discreto sobre nossos negócios.

— Sim, ninguém precisa saber que eu o contratei pessoalmente. Diga que ninguém sabia, até você se revelar.

— Parece que pensou em tudo. — Mestre do Vento pousou o pergaminho na mesa. — Tem uma caneta de tinta?

— Claro. — Hua Cheng provavelmente teria qualquer coisa que fosse necessário para acabar aquele encontro e ele poder ir de volta para os braços de Xie Lian.

— Está feito. — Qingxuan disse, assoprando o papel para a tinta secar. — Eu realmente posso fazer o show que eu quiser?

— Sim, é claro. — Hua Cheng estava satisfeito, ele lacrou o pergaminho e criou uma mágica para fazê-lo desaparecer. — Encontre, Mei Ling, ela irá ajudá-lo.

Shi Qingxuan moveu a cabeça e, antes de se despedirem, ele ainda pediu para fazer uma marmita com a comida que restara na mesa.

 

Hua Cheng parou ao lado da janela da cozinha do templo Puji e observou Xie Lian cozinhando. Ele não resistiu e depois entrou, abraçando-o pela cintura o beijando no rosto.

— San Lang, chegou em boa hora, trabalhei o dia todo. A comida está quase pronta.

— Que ótimo, gege, não comi nada o dia todo. — Ele se sentou na cadeira e aguardou ser servido.

— O que achou?

— Quem sabe um pouco de pimenta da próxima vez?

— Boa ideia. — Xie Lian sentou-se ao lado dele e eles fizeram a refeição, conversando sobre o trabalho realizado no templo. — O que fez hoje?

— Nada especial, assisti um show de rua.

— É mesmo? — Xie Lian sorriu, animado, gostava de ouvir as histórias dele e Hua Cheng sempre se sentia eufórico por dentro ao ser contemplado daquela forma pelos seus olhos. — Me conte sobre essa apresentação.

Hua Cheng contou como o artista não era familiarizado com as bolinhas e o malabarismo, mas que ele era muito persistente, por isso o show parecia ser divertido.

Xie Lian se divertiu com a história.

— Estava pensando, gege não quer me acompanhar até meu cassino essa noite? Teremos um show novo.

— Parece divertido, eu quero ir sim. — Xie Lian concordou rapidamente.

A carruagem os levou para a Cidade fantasma. Eles foram recepcionados no mercado fantasma e Xie Lian sempre era muito gentil com cara um que se aproximava, mesmo os mais inconvenientes. Eles receberam também alguns presentes e Hua Cheng orientou que fossem levados para sua residência.

Quando chegaram à toca do jogador, a mesa de jogos parou para recepcionar o recém chegado mestre. Hua Cheng não deu muita atenção para todos e direcionou Xie Lian para a outra parte do salão. Mei Ling fez uma reverência educada em sua frente, apontando para o corredor onde os dois deveriam seguir.

Xie Lian estava bastante curioso com o que aconteceria, comentando sobre a plateia cheia e as cortinas vermelhas cobrindo o palco no centro do salão na parte de baixo, era preciso descer os degraus, mas o camarote de Hua Cheng ficava acima de todos, com uma visão total da apresentação.

Eles se sentaram em poltronas confortáveis, com almofadas e foi servido bebida para cada um. Xie Lian não bebia álcool, por isso seu copo era apenas com um drinque de frutas suculentas.

— Veja, tem um morango. — Ele comentou, feliz, e saboreou a bebida.

— Gege está se divertindo?

— Muito. — Xie Lian deixou o corpo sobre a mesa e arrastou o corpo mais para frente, olhando a plateia. — Está realmente cheio, você contratou essa nova atração?

— Mei Ling cuidou de tudo. — Ele apenas respondeu isso.

— Me perguntou o que vai acontecer. — Xie Lian se virou, quando as luzes foram diminuindo e uma fumaça espalhou-se pelo palco. — Vai começar.

Hua Cheng concordou, e naquele camarote escuro, ele aproveitou para se aconchegar melhor com os braços ao redor da cintura de Xie Lian. Não havia ninguém ali, nem a plateia conseguia vê-los lá de baixo, mesmo se virassem as cabeças para cima.

Xie Lian ficou arrepiado, dava para sentir seu corpo trêmulo, quando Hua Cheng o pegou desprevenido e o beijou. As mãos dele ainda alisavam sua cintura, enquanto Xie Lian tocava o seu rosto, virando o corpo para que o beijo se aprofundasse.

Uma música iniciou, o que acabou tirando a concentração dos dois no beijo. Hua Cheng sorriu, enquanto Xie Lian se recompunha, ajeitando a roupa e virando-se para olhar o palco.

A música começou bem leve e de depois se agitou, as cortinas foram erguidas e do centro do palco emergiu uma mulher, uma dançarina. A plateia estava animada, eles gritavam e se agitavam nas cadeiras, enquanto a dança se desenrolava no palco.

— Ela é muito graciosa. — Xie Lian respondeu. — Me lembra as danças do palácio.

Hua Cheng apenas sorriu, vendo-o tão animado. A apresentação reuniu outras dançarinas e ele reconheceu cada uma delas vindas direito de sua própria mansão. A dança possuía uma coreografia nova, e provavelmente aprendida em pouco tempo, apenas naquela tarde. Era de se julgar que Mestre do Vento sabia o que fazia.

A sua identidade ainda não havia sido revelada, pois sua forma feminina, naqueles trajes, parecia bem diferente do que se era visto nas estátuas de seus antigos templos. Hoje abandonados.

Shi Qingxuan vestia uma saia rodada com muitas medalhinhas douradas, o que fazia um som divertido quando ela rodava. O véu em seu rosto era vermelho, e os longos cabelos castanhos estavam soltos em cachos sensuais. A plateia estava hipnotizada com a apresentação, cochichavam sobre quem poderia ser. Não era ninguém do reino fantasma, só poderia ser uma pessoa do mundo mortal.

A curiosidade aumentou, em consequência, o desejo pela sua identidade revelada seria ainda mais cobiçada.

— San Lang... — Xie Lian virou-se. — Eu não pude deixar de notar que aquela dançarina no centro do palco é muito parecia com uma pessoa que eu conheço.

— Sério? — Hua Cheng inclinou seu corpo, a perna, antes dobrada sobre a poltrona, voltou a sua pose original.

— San Lang, você por acaso foi se encontrar com Mestre do Vento?

— Gege...

Xie Lian riu.

— San Lang é um homem muito honrado e gentil. Eu fico feliz de ser seu companheiro.

— Fica? — Hua Cheng sentia o coração acelerar sempre que ouvia aquelas palavras.

— Claro, você sempre ajuda as pessoas, eu o admiro muito.

— Gege, eu fico até sem palavras. — Ele ensaiou abraçar Xie Lian, mas acabou recebendo-o em seu colo, com o pulo do deus marcial. Hua Cheng sorriu, ganhando alguns beijos em seu rosto, depois um longo beijo nos lábios.

— Como sabia que Mestre do Vento era um bom dançarino?

— Eu não sabia. — Hua Cheng voltou a beijar Xie Lian, a apresentação era aplaudida com efusão, enquanto eles se beijavam no camarote privado. A felicidade de Xie Lian era, antes de tudo, o principal objetivo do Rei fantasma. Uma vez alcançado o objetivo, seu coração se enchia de alegria.

Quanto as apresentações da dançarina misteriosa? Faz um grande sucesso, atraindo o interesse de vivos e mortos. Mas quase ninguém descobriu sua identidade.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gente, amo que amo.
Gostaram? O que acharam? beijos



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ashes To Ashes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.