Lucas fechou as cortinas do cômodo, acabando com qualquer luz do entardecer que pudesse entrar, logo após guardar os itens de costura que acabara de usar.

Pegou o celular, acima da mesa, e o colocou no chão, em pé, contra a parede. Alcançou a boneca e os outros objetos necessários e foi para o piso de madeira, sentando-se de pernas cruzadas, bem de frente ao celular, o mais afastado que o espaço permitia.

Deixou as coisas ao seu lado, a boneca em seu colo, e pegou a vela branca junto do pires. Riscou um fósforo, acendeu a vela e pingou a cera para que a vela colasse no prato. Aproveitou a chama para acender o incenso de ervas no suporte acanoado e soprou o fogo, deixando o palito queimado à direita.

Segurou a boneca com as duas mãos e a ergueu até a altura dos olhos, contemplando cada detalhe do seu corpinho macio, recheado de algodão orgânico, feito com um tecido que ele não sabia qual era, mas que provavelmente era ecologicamente correto, de uma blusa antiga de Daniela. Seus olhinhos eram formados por pequenos botões cor de cinza, ornados com cílios feitos à caneta nanquim. Sua boca feita com um barbante vermelho formava um sorriso meigo, tal qual o de sua namorada.

Seus cabelos, também feitos com barbante, eram pretos e longos, chegando abaixo da cintura da boneca. E, falando em cabelo, Lucas enfiou a mão dentro do bolso do moletom e, pelo tato, conseguiu pegar os dois fios de cabelo de Daniela, que não teve dificuldade em encontrar, já que eles estavam por toda parte. Separou-os e amarrou cada um nos pulsos da boneca, como pulseiras.

Sorriu, satisfeito e pigarreou, voltando a ergue-la, dessa vez acima da vela, tomando cuidado para não a chamuscar, se concentrando em virá-la, a envolvendo com a pouca fumaça que saía do fogo.

— Tenho a honra de consagrar esta boneca com os poderes da terra, água, fogo, ar e espírito — citou, fixando seu olhar no objeto. — Que deve ser utilizado de acordo com minha vontade e lei divina. Que ele possa servir-me bem neste mundo, entre os mundos, e em todos os mundos. Assim seja.

Lucas repetiu sua fala mais seis vezes.

— Eu te batizo Daniela, em nome dos ancestrais e dos antigos deuses. Viva, é agora o que eu desejo que você seja. Tudo o que lhe seja pedido, que aconteça agora, tal como eu mandar que seja! — Ele puxou o copo de água para perto, molhou a ponta dos dedos e pingou sobre a testa da boneca. — Com as maiores bênçãos de nosso Senhor Damballah. Assim seja.

Ele encarou a boneca Daniela e a virou, como se mostrasse para o celular. Virou-a novamente e a colocou em seu peito, a envolvendo com seus braços o máximo que pôde, em um abraço apertado e caloroso. Após alguns segundos, voltou a observá-la e, lentamente, a aproximou de seu rosto, lhe dando um beijinho em cada bochecha.

— Ai meu Deus! — A voz gritou, vindo do celular.

— Sentiu isso?! — perguntou Lucas, tanto surpreso, já que não estava tão confiante sobre o ritual, como animado, pois afinal, funcionou.

— Sim! Faz de novo! — Daniela pediu, a voz alegre.

Lucas deu mais alguns beijinhos pelo rosto da boneca, e Daniela começou a rir. Às vezes sua voz saía engasgada, mas era o sinal que ficava ruim com absolutamente nada.

— Não é igual pessoalmente, mas acho que dá pra sobreviver até a quarentena acabar.

— Concordo com você, e ela aqui também.

Apagando a vela, Lucas abriu as cortinas e continuou conversando com Daniela, com a pequena Daniela no colo.