Sobre Todas as Promessas escrita por Mr Mandias


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Um pequeno conto sobre ódio e amor, pra exercitar minha capacidade de escrever romance.



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*

Aos onze anos de idade Harry Potter tinha pouca noção, pelo menos em nível racional, sobre do que se tratava odiar e, principalmente, ser odiado por alguém.

É claro, havia Draco Malfoy, o garoto que havia tentado conquistar alguns votos de amizade em seu primeiro dia naquele maravilhoso, e estranho, castelo. Mas aquilo não era ódio verdadeiro, ele sabia. Malfoy, assim como ele próprio, era apenas um garotinho. Ele poderia sabotar suas poções e rir de qualquer tentativa falha de Harry em realizar um feitiço novo durante as aulas, mas ele não o afogaria no lago negro e esconderia seu corpo na floresta proibida para que ninguém jamais o encontrasse. Não, Draco Malfoy não o odiava verdadeiramente, pelo menos, ainda não.

Os Dursley eram outra história, certamente era possível haver algum ódio dentro daquela família. Mas Harry não achava que eles o teriam alimentado e mantido vivo, mesmo que de maneira pobre, por todo esse tempo, se realmente o odiassem.

Então foi uma surpresa quando, durante uma aula de astronomia em conjunto com o grupo de alunos da Sonserina, casa rival a sua própria, ele se sentiu, pela primeira vez em sua vida, pelo menos que ele pudesse lembrar, verdadeiramente odiado.

A pessoa que o encarava de forma dura, inacreditavelmente dura, não era um adulto intimidante, um bandoleiro invasor, um bruxo das trevas infiltrado ou um professor valentão. Não, era muito mais terrível que isso, era uma garotinha bonita.

Era um pouco condescendente da parte dele chamá-la de garotinha. Ela, afinal, estava no mesmo ano que ele; possuía, provavelmente, uma idade semelhante; e tinha, até que se prove o contrário, a mesma altura que ele próprio. Harry jamais admitiria que ela era alguns centímetros mais alta.

Enfim, uma garota bonita. Uma garota bonita que o encarava como se estivesse plenamente confortável com a ideia de afogá-lo no lago negro e desovar seu corpo em algum canto úmido da floresta proibida, uma garota bonita que parecia convencida de que era capaz disso.

Além disso, como já bem citado anteriormente, a garota tinha uma aparência invejável. Seus cabelos eram de um dourado rico, da cor do sol, e contrastavam com uma pele pálida, exceto pelas bochechas, que possuíam um tom de rosa característico e natural. Os olhos tinham um tom escuro de azul, porém brilhante, ele poderia ficar curioso divagando sobre a cor exata, e perder algum tempo encarando, se esses mesmos olhos não estivessem olhando em direção a ele como se o mesmo tivesse acabado de assassinar um filhote de cachorro indefeso.

Era, francamente, um pouco desconcertante. Dentre os traços finos e delicados da garota, a coisa mais próxima que o jovem Harry poderia listar como algo semelhante a um defeito era um nariz fino e empinado, um pouco maior do que o que seria considerado proporcional em condições normais. Mas até essa característica destoante parecia combinar com a garota e destacar o restante de seus traços marcantes. Em resumo, era o tipo de garota que teria feito seu coração falhar uma ou duas batidas se ele estivesse particularmente interessado na beleza feminina naquela idade.

Ele tinha lembranças desbotadas em relação a esse evento, mas lembrava bem de ter tentado uma conversa. Infelizmente, seu eu de onze anos não estava, de forma alguma, preparado para ter uma conversa saudável com uma garota. Não uma garota da Sonserina e, especialmente, não uma garota que parecia lhe odiar.

“Olá, eu sou Harry.” Ele tentou, um pouco incerto de como proceder.

A garota não demonstrou estar impressionada. Sua cabeça pendeu para o lado esquerdo, no que poderia ser um gesto de desdém ou um vício comportamental fofo, e seus olhos estreitaram.

Ela, obviamente, não respondeu.

Por sorte, Harry não precisou se humilhar em uma nova tentativa de estabelecer uma conversa. A professora adentrou pela porta e não perdeu tempo em se apresentar e dar instruções detalhadas sobre o que fariam naquela noite.

Era a primeira aula de astronomia, então seria uma noite calma, as instruções eram simples: junte-se ao aluno que está ao seu lado, se dirija para uma das alcovas com visão para o céu noturno e trabalhem juntos para encontrar as constelações das páginas sete, oito, nove, dez e onze.

Era uma aula simples e instrutiva, com o claro propósito de introduzir os alunos ao uso de seus equipamentos e deixá-los mais familiarizados um com o outro e com as estrelas que eles estudariam a fundo nos próximos anos. Qualquer um com um telescópio e um gráfico de estrelas poderia completar aquela lição com certa facilidade, inclusive Harry.

Isto é, se ele não tivesse deixado seu telescópio no dormitório.

Como ele poderia adivinhar que eles iriam para uma abordagem prática logo na primeira aula?

Para piorar, a garota ao seu lado, no enorme observatório, não parecia muito interessada em seu drama e já buscava suas estrelas por conta própria.

Ele relutou em interrompê-la, mas que escolha tinha? Se ele não realizasse a lição, o que ocorreria com ele? Seria punido? Perderia pontos? Teria que cumprir uma detenção desagradável? Ele ouviu dizer, inclusive, que no escritório do zelador mal humorado haviam grilhões e correntes, nos quais os alunos desordeiros costumavam ser pendurados e deixados para passar a noite, alguns dos alunos mais velhos chegaram a insinuar que a punição ocorria na floresta!

Com um olhar pelo observatório em direção a extensa floresta proibida e uma breve espiada em direção à feição da loira bonita ao seu lado, Harry decidiu que não seria pendurado com grilhões em floresta alguma.

“Ei.” Harry hesitou ao ver os olhos da menina deixarem o equipamento para encará-lo, aborrecidos. “Desculpe, mas não sei seu nome.” Apesar da pausa em sua fala, a garota não deu indícios de que responderia a pergunta implícita, o garoto suspirou, mas voltou a falar. “Pra ser honesto, eu deixei meu telescópio no dormitório, você poderia, por favor, deixar que eu use o seu enquanto você faz suas anotações? Eu agradeceria muito.”

Apesar de seus pensamentos anteriores, Harry jamais admitiria seu medo de ser levantado pelos calcanhares e preso a uma árvore intimidante para passar a noite cercado por animais mágicos desconhecidos e potencialmente letais. Não, ele tinha seu orgulho.

No entanto, a garota não parecia particularmente impressionada com sua tentativa. Na melhor das hipóteses, ela parecia surpresa. Na pior, sua expressão indicava um misto entre indignação, causada pela sua audácia em pedir algo emprestado a ela; e alegria sádica, decorrente da perspectiva de vê-lo ser punido.

Ela demorou alguns segundos para responder, mas quando finalmente a resposta veio, a dureza em sua voz o surpreendeu.

“É claro que não.” Falou ela simplesmente. “Você deve ser ainda mais idiota do que eu pensava se acha que eu entregaria minhas posses nas mãos de um maldito Potter.”

Harry se surpreendeu, mas, por conta da intromissão oportuna da professora, não teve tempo de perguntar o que ela queria dizer com aquilo.

“O que está havendo aqui, senhor Potter e senhorita Greengrass.” Perguntou a mulher ao escutar parte da comoção, se aproximando da dupla.

A menina, a quem agora Harry podia dar o nome de Greengrass, olhou para a aproximação da mulher mais velha com feição irritada, seus olhos voltaram para Harry antes de assumir um brilho malicioso e, francamente, um pouco cruel.

“Potter não tem um telescópio, Professora Sinistra.” A garota sorriu e, Harry pensou, teria sido lindo se ele não soubesse que estava prestes a sentir-se miserável. “Acredito que não ter o equipamento indicado para as aulas seja uma boa razão para detenção.”

A sobrancelha esquerda da mulher levantou-se em uma feição de curiosidade genuína e um pequeno sorriso brilhou no canto de sua boca.

“Professora.” Interveio Harry antes que a situação piorasse. “Eu tenho um telescópio, eu apenas cometi o erro de não o trazer comigo hoje, prometo que não vai se repetir.”

A mulher o interrompeu com um gesto antes que ele pudesse se estender em suas desculpas. Ela parecia levemente aborrecida, senão um pouco divertida, mas não excessivamente preocupada com sua falha em manter seu equipamento básico ao alcance das mãos.

“Isso é mais comum do que você pode pensar, senhor Potter. Não se preocupe excessivamente.” Esclareceu ela, para o desgosto da garota loira que pareceu ter seu presente de natal tirado de suas mãos. “Mas não deixe que isso se repita, ou eu serei obrigada a aplicar a punição sugerida pela senhorita Greengrass.” Falou em um alerta balançando a cabeça ao citar a sugestão da garota.

Greengrass, por sua vez, fechou ainda mais a cara.

“Senhorita Greengrass.” Chamou atenção a mulher. “Vejo que está realizando suas anotações.” Apontou ela. “Deixe que o senhor Potter use seu telescópio enquanto isso.”

A garota demonstrou sua concordância através de um aceno relutante, não hesitando, no entanto, em deixar claro seu desagrado ao mandar olhares fuzilantes na direção de Harry.

O garoto de cabelos pretos, por sua vez, suou frio e tentou terminar sua observação o mais rápido possível. Por alguma razão, o garoto não gostava da ideia de desagradar a menina Greengrass e, claramente, manter as mãos em cima de sua posse, mesmo que temporariamente, causava profundo desgosto a garota em questão, que passou o resto da lição rangendo os dentes e soltando pequenos bufos de desagrado.

Harry teria achado fofo se ele não fosse o alvo do desprezo da loira.

 

**

Apesar de achar que os danos foram pequenos, na pior das hipóteses, Harry ainda sentiu que devia alguma coisa a garota e, por conta disso, alguns dias depois, tratou de mandar, por uma das corujas da escola, uma carta pedindo desculpas junto com algumas guloseimas excessivamente açucaradas as quais tinham sido adquiridas com um dos alunos mais velhos da Grifinória e, diga-se de passagem, custado um preço ultrajante.

O contrabandista de guloseimas alegou que a primeira visita a Hogsmeade ainda não havia sido marcada e, portanto, estava vendendo seus escassos suprimentos pessoais, por isso o preço abusivo. Harry não engoliu, em sua opinião ele estava sendo roubado, pura e simplesmente, mas ele não estava em condições de negociar.

É claro, ele não achava que a garota responderia sua carta, então foi uma surpresa ver, na noite daquele mesmo dia, a mesma coruja entrar pela janela de seu dormitório. O pássaro carregava uma missiva curta e, francamente, grosseira, onde a garota deixava claro os seus sentimentos negativos e exigia que ele nunca mais tivesse a audácia de lhe endereçar uma carta, independente dos motivos que pudessem o levar a tomar essa decisão idiota. Junto com a repreensão da garota, estava a carta que ele havia endereçado a ela mais cedo. O lacre de cera rompido indicava que ela, pelo menos, havia se dado o trabalho de ler. Curiosamente, os doces superfaturados não haviam voltado. Ele assumiu que ela resolveu ficar com eles ou jogá-los fora.

Harry lamentou, o açúcar poderia fazer com que ele se sentisse menos desanimado naquele momento.

Ao longo daquele ano, Harry teve a oportunidade de ser exposto ao ódio incondicional de Greengrass por diversas vezes. Seja nas aulas de poções, ministradas por um homem que compactuava com seu desgosto por ele, onde ela, por vezes, se esforçaria para arranjar situações onde ele se colocaria em problemas; ou nas aulas de astronomia, onde eles continuavam trabalhando juntos, a contragosto, na maior parte do tempo, e ela parecia planejar a melhor forma de jogá-lo do parapeito do observatório; ou nos corredores, onde, em certa ocasião, ele ouviu Pansy Parkinson se referir a ela como Daphne.

Daphne Greengrass, esse era o nome da garota que o odiava com todas as forças em seu bonito ser.

Harry lembrava bem dos eventos que levaram a Grifinória, naquele ano, a se sagrar, em cima da hora, campeã da Taça das Casas. Afinal, ele estava no centro dos acontecimentos em questão. Mas, curiosamente, o que mais se destacava em sua memória da noite de festa no salão principal não era a comemoração dos seus colegas; ou a comida deliciosa; nem mesmo os diversos abraços e beijos no rosto que recebeu das mais variadas garotas vestindo gravatas vermelhas, agradecidas por ele ter, supostamente, feito algo para conquistar o primeiro lugar. Não, tudo isso empalidecia com a lembrança de olhar por cima de seu ombro e encontrar Daphne o fuzilando com os olhos fixamente, de sua posição na mesa da Sonserina, sentada ao lado de seus pares deprimidos e indignados.

Por alguma razão, ele não achava que os acontecimentos fariam ela odiá-lo menos.

Felizmente, as coisas ruins são passageiras e criança alguma, com onze anos, perderia seu sono por muito tempo por algo como isso.

 

***

Alegrias a parte, seu segundo ano em Hogwarts começou em uma nota sombria. Se no primeiro ano Harry havia aprendido, com a ajuda de Daphne, o que era ser odiado; em seu segundo, logo ficou claro, ele experimentaria o que significa ser temido, isolado, hostilizado e excluído.

Se antes haviam diversos amigos, mesmo que casuais, não demorou muito para que a escola passasse a considerá-lo um tipo de vilão ou uma espécie de bruxo das trevas em processo de aprendizagem. Bastou que fosse revelado o seu terrível, e bastante irrelevante, dom para se comunicar com serpentes.

Em que pese o fato de ele nem mesmo ter conhecimento prévio sobre essa habilidade ou sobre o quão sombria ela, supostamente, era; ele não achava que era muito bom como um ofidioglota. Afinal de contas, suas tentativas de interagir e manter uma conversa com Greengrass no ano anterior e naquele ano variavam de levemente frustrantes a seriamente traumatizantes, com graus diversos de gritos e olhares de desprezo, sempre por parte dela.

“Tire suas mãos sujas de minha faca de prata, Potter.” Comentou ela quase que de forma distraída ao separar alguns vermes cegos de aparência mais saudável para compor a poção que os dois deviam preparar em conjunto. “Use a sua, ou você a esqueceu em seu dormitório, como costuma fazer?”

A essa altura ela já deveria ter esquecido ou, pelo menos, deixado de se importar com o incidente do telescópio.

“Você não vai deixar isso pra lá?” Resmungou Harry de forma retórica, já sabendo a resposta, enquanto pensava em uma maneira de cortar os ingredientes necessários sem usar a faca de Daphne como um apoio. “Eu preciso usar um apoio, ou eu vou contaminar a maldita mistura. Como espera que eu faça isso sem usar sua faca?” Questionou o garoto.

Greengrass não parecia convencida, apenas levemente aborrecida.

“Eu não sei e não ligo.” Falou ela categoricamente deixando a raiva escapar em seu tom de voz. “Apenas tire as mãos de minha faca de prata, você vai sujá-la ou algo assim.”

O garoto de doze anos respirou fundo antes de verificar se o soturno professor de poções continuava a uma distância segura da mesa que dividia com Daphne.

“Ótimo, então você corta os ingredientes e eu os separo.” Falou se afastando dos utensílios em debate. “Assim eu não preciso contaminar sua amada faca, roubá-la, ou qualquer outra coisa que você acha que eu faria com ela.”

Os olhos azuis da garota finalmente deixaram o trabalho minucioso que realizava para encarrar seu parceiro.

“Isso não foi o combinado.” Negou ela de forma grave e levemente sádica, deixando sua cabeça pender para o lado esquerdo. “Arranje um jeito de fazer isso ou peça ajuda para o Professor Snape, talvez ele esteja disposto a auxiliar um aluno necessitado.” Insinuou a garota levantando a sobrancelha.

Greengrass era uma menina esperta e cruel. Ela sabia muito bem que era mais provável que Harry fosse enviado para detenção pelo resto do período escolar do que receber qualquer tipo de ajuda.

No fim das contas, a tentativa patética de cortar os ingredientes sem um apoio adequado o levou para a enfermaria, onde teve que passar a noite enquanto os cortes em seus dedos se curavam.

Ele tinha razão, acabou contaminando os ingredientes da poção, não com nenhum reagente na mesa de trabalho, mas com seu próprio sangue.

Estranhamente, Daphne teve a decência de visitá-lo na enfermaria durante o início do horário de jantar.

Ao vê-la esgueirar-se pelas portas duplas da ala hospitalar, Harry chegou a única conclusão possível: ela havia ido até lá para zombar de sua condição ferida e se gabar por tê-lo colocado lá. Curiosamente, assim que o pensamento passou pela sua cabeça ele notou algo na expressão da garota se aproximando do leito que ocupava, ela parecia estar se sentindo culpada.

Desnecessário dizer que isso o surpreendeu e causou-lhe desconforto.

Se Harry chegou a pensar que Daphne havia ido até aquele local para oferecer-lhe um ramo de oliveira e pedir desculpas pelas suas peripécias ofensivas a saúde de seus dedos, ele enganou-se. Afinal, a garota, ao parar ao lado de seu leito, não demonstrou interesse em começar a conversa e apenas o encarou com os braços cruzados e expressão irritada.

Decidindo que não valia a pena prolongar o silêncio desconfortável e sentindo que quanto mais demorasse para ceder e iniciar a conversa por conta própria, mais Daphne ficaria irritada, Harry tomou a iniciativa.

“Você precisa de algo?” Perguntou estupidamente.

A garota demorou alguns segundos considerando uma resposta.

“Não.” Decidiu ela, simplesmente, sem dar sinal de que continuaria falando e franzindo ainda mais a testa.

“Certo.” Comentou Harry com incerteza estampada em seu rosto. “O que exatamente você está fazendo parada aí?”

“Eu posso ficar parada no lugar em que eu bem entender.” Retrucou Daphne mal humorada.

“Eu nunca insinuei o contrário.” Tentou Harry, ainda sem saber o que pensar da situação. “Mas tem certeza que prefere ficar aqui do que em qualquer outro lugar?” Falou o garoto fazendo um gesto em referência ao leito que ocupava. “Não sei se percebeu, mas eu estou aqui, você nunca parece muito ansiosa para dividir oxigênio comigo.”

Isso irritou a garota.

“Eu venho até aqui para me desculpar e tenho que suportar sua condescendência irritante.” Bufou ela. “Como já era esperado.”

Agora foi a vez de Harry encará-la, incrédulo.

“O que?” Perguntou ele como se a ideia lhe soasse absurda. “Se você veio se desculpar por que ficou tanto tempo parada encarando minha cara como se eu fosse um livro desagradável ou algo assim? Isso não faz sentido!”

Era a primeira vez que ele levantava a voz ao falar com ela. Em defesa de Harry, as poções de Madame Pomfrey costumavam deixá-lo irritadiço.

Mas a Daphne eram devidos seus próprios méritos, ela não demonstrou surpresa por mais que alguns segundos.

“Eu estava decidindo se você merecia, é claro.” A garota bufou novamente. “Eu trouxe isso.” Disse ela ao depositar, na mesa de cabeceira, o que parecia uma pequena de travessa, preenchida com diversos dos pratos comuns, incluindo alguns dos favoritos de Harry, nas refeições de Hogwarts. “Lembrei que você me enviou comida quando pediu desculpas pelo telescópio, achei que seria educado retribuir.” Esclareceu ela se afastando da cama. “Claramente foi um erro.” Concluiu dando sinais que iria se retirar.

Harry demorou alguns segundos para sair de seu estupor surpreso.

“Daphne, espere.” Chamou o garoto em voz alta antes que a menina Greengrass alcançasse a saída. Ela paralisou como se tivesse sido atingida por um raio e o encarou de forma dura. “Quer dizer.” Parou, sem saber o que falar. “Obrigado, a comida daqui é horrível. Aceito suas desculpas, a propósito.”

Ele achou que ela voltaria a se aproximar ou, pelo menos, daria chances para uma breve conversa, mas ela não demorou a reformar sua feição de desprezo e virar as costas.

“Não me chame pelo meu primeiro nome, Potter, nunca.” Falou ela enquanto passava pela porta de saída, deixando para trás um garoto atordoado e confuso.

Era incrível e até um pouco tranquilizador que, apesar dos diversos graus de desprezo e temor com que fora tratado naquele ano, Greengrass parecia ser a única, com exceção de seus amigos mais próximos, que ainda agia da mesma forma de sempre, o odiando e desprezando incondicionalmente.

 

****

Se o encontro na enfermaria serviu para algo, foi para instigar a curiosidade de Harry em relação as razões de Daphne para odiá-lo. Quando questionados sobre o assunto os amigos de Harry tinham pouco a oferecer. Ron acreditava seriamente na teoria de que não era necessária qualquer razão para uma garota da casa das cobras odiar um garoto da casa dos leões. Hermione, após revirar os olhos com a sugestão do ruivo, levantou a hipótese da garota apenas ser naturalmente mal humorada e antissocial.

A teoria apontada por sua amiga de cabelos castanhos até poderia ter seu mérito; mas, nos meses seguintes, Harry percebeu que Daphne não parecia tratar ninguém como o tratava. Ela ria com as garotas na mesa da Sonserina e parecia ter um relacionamento amigável ou neutro com a maior parte dos alunos com quem interagia.

A dúvida se estendeu, sem qualquer nova pista, até meados do seu terceiro ano quando, em uma conversa com o professor que lecionava Defesa Contra as Artes das Trevas, que curiosamente era um velho amigo de seus pais, Harry descobriu algumas coisas interessantes.

“Eu não entendo.” Comentou Harry intrigado. “Você disse que meus pais costumavam brigar muito, isso quer dizer que eles se odiavam? Como eles acabaram juntos?”

A ideia de que duas pessoas que não se davam bem acabaram, no fim, se casando e tendo um filho, dificilmente cabia na noção de mundo do adolescente. Seus pais, figuras idealizadas e sem defeitos, não deveriam ser seres de carne e osso, com problemas e desavenças, isso simplesmente não cabia nas fantasias juvenis do pobre órfão.

Remus riu melancolicamente, apoiando-se no parapeito no qual descansava.

“Essas coisas acontecem, as vezes.” Comentou o homem de aparência cansada. “Não pense que não havia amor no relacionamento de seus pais, você é a prova viva de que havia muito. No entanto, os dois resistiram muito tempo antes de aceitar que havia mais do que implicância e desgosto no relacionamento deles, principalmente sua mãe.”

A expressão de Harry não abrandou. Ao contrário, o garoto parecia ainda mais confuso e inquieto após o esclarecimento.

“Isso o incomoda?” Perguntou Lupin curioso.

Harry demorou um pouco para responder, como se considerasse a pergunta.

“Eu acho.” Comentou ele sem compromisso, enquanto balançava os ombros em um gesto de descaso. “Veja, digamos que tenha uma garota.” Comentou ele após alguns segundos de hesitação.

Remus afastou-se do parapeito surpreso, rindo de forma contida.

“É mesmo?” Perguntou o homem. “Isso soa como uma história interessante.”

“Eu não tenho certeza.” Respondeu o garoto olhando para o chão e afundando as mãos nos bolsos de sua calça. “Ela me odeia.”

“Você está certo disto?” Provocou o homem mais velho, ainda bem-humorado.

Harry provavelmente teria ficado aborrecido com a provocação implícita, mas nem ao menos percebeu, concentrado em tentar definir seu relacionamento, ou falta de relacionamento, com a garota em questão.

“Foi ódio a primeira vista.” Explicou. “Pelo menos é isso que parece.”

Remus riu.

“Isso é estranhamente familiar.” Ponderou o homem. “Talvez ela apenas tenha vergonha de interagir com você, não se preocupe.” Aconselhou. “Eu posso saber de quem se trata?” Perguntou, não resistindo a curiosidade.

Harry hesitou, mas não demorou muito antes de suspirar derrotado.

“Daphne Greengrass.” Respondeu o jovem, sabendo que o professor saberia muito bem de quem se tratava.

O sorriso conhecedor de Remus diminuiu, dando lugar a uma expressão mais contida de entendimento.

“Bom, isso explica as coisas, um pouco.” Comentou o homem visivelmente menos animado do que anteriormente. “Mais sorte da próxima vez, Harry.”

“O quê?” Exclamou o adolescente confuso e incrédulo. “O que você quer dizer?”

Agora foi a vez de Remus demonstrar confusão.

“Vamos lá, você não sabe?” Questionou o homem mais velho com uma sobrancelha levantada. “Alguém deve ter contado.”

“Contado o que?”

Remus respirou fundo. Harry demorou para entender a expressão do velho amigo de seus pais, mas imaginou que se tratasse de um misto de lamento com impotência.

“Acho que os tradicionais chamam isso de rixa de sangue.” Explicou o homem. “Talvez você já tenha ouvido falar?” Perguntou o homem esperançoso.

A esperança foi vã. Afinal, Harry não demonstrou saber do que se tratava o termo.

“Bem, é basicamente uma disputa entre famílias.” Falou o homem procurando a melhor forma de explicar. “Eu sei que os Potter e os Greengrass não se dão bem há gerações. Lembro de seu pai ter comentado que um de seus antepassados, alguns séculos atrás, rompeu um noivado com uma jovem da família Greengrass para casar-se com uma garota que havia acabado de conhecer, ou algo assim. Não é surpresa, sua família está repleta dessas histórias. Entre as famílias antigas, os Potter são os que costumam se envolver em eventos não muito respeitáveis. Mas, desde que isso ocorreu, há um ódio mútuo entre as famílias.”

O garoto teve dificuldades para processar que, após todo esse tempo, ele finalmente havia descoberto o motivo ou, pelo menos, uma pista para o ódio que Daphne nutria por sua pessoa.

“Você está dizendo que ela me odeia por algo que um dos meus antepassados fez? Algo que eu não tive culpa alguma e nem mesmo sabia sobre?” Elaborou o garoto em busca de confirmação.

Remus considerou por alguns instantes antes de confirmar com a cabeça.

“Talvez ela tenha outras razões. Mas, basicamente, sim.” Respondeu o homem. “Essa seria uma suposição bastante segura.”

“Inferno!.

“Sim, essas coisas acontecem.” Consolou o homem mais velho, oferecendo um tapinha no ombro e um riso sem humor. “Como eu disse antes, mais sorte da próxima vez.”

 

*****

Naturalmente, a descoberta de que Daphne o odiava por conta de um antigo problema familiar que, diga-se de passagem, pouco tinha a ver com ele, fez com que Harry murchasse em sua motivação e coragem para manter contato com a garota.

Se ele fosse honesto consigo mesmo, diria que estava decepcionado.

Não é como se os dois adolescentes tivessem muito contato, mas o corte abrupto do pouco que tinham foi uma mudança brusca na rotina de Harry. Seu comportamento estranho, obviamente, acabou por chamar a atenção da garota.

Harry mentiria se dissesse que os constantes olhares de Daphne durante as aulas, que variavam de desconfiados a curiosos, não o incomodavam. Poções ficou exponencialmente mais difícil com a atenção afiada da garota sobre si e, nas noites de astronomia, ele mal conseguia manter seus olhos nas estrelas por tempo o suficiente sem sentir os olhos dela fazendo buracos na parte de trás de sua cabeça, figurativamente falando.

Naqueles dias, Harry debatia consigo mesmo quanto tempo demoraria para ela confrontá-lo para tirar a limpo a mudança, aparentemente incomoda, de comportamento, ou, mais provavelmente, hostilizá-lo sobre isso.

Ele estava correto.

Cerca de um mês após sua conversa com Remus, Greengrass o emboscou em um corredor vazio, após o jantar em uma sexta-feira.

“Ei!” Ele lembrava de ter dito ao sentir-se ser arrastado para uma sala de aula vazia. “Cuidado, o que você pensa que está fazendo?”

A garota pareceu ainda mais aborrecida ao escutá-lo falar, mas não deu indícios de soltar sua gravata antes de garantir que os dois estavam sozinhos a portas fechadas.

“Cale-se, Potter.” Resmungou ela irritada. “Você me obrigou a isso.” Ela desperdiçou mais um olhar cauteloso para a porta fechada antes de voltar a falar. “Espero que ninguém tenha visto isso, se rumores surgirem eu vou lhe responsabilizar.” Ameaçou a garota estreitando os olhos.

“Você me arrastou até aqui.” Apontou Harry, incrédulo. “E eu nem mesmo sei o motivo disto.”

A garota revirou os olhos.

“Não seja um bebê chorão.” Repreendeu. “E não se faça de idiota, o que diabos há com você? Está doente, por acaso?”

Agora foi a vez de Harry de revirar os olhos.

“Cuidado, Daphne.” Falou, repreendendo-se internamente por deixar escapar o primeiro nome. “Alguém pode acusá-la de se importar.”

“Não seja ridículo.” Descartou a menina com uma facilidade invejável, sua feição mal se alterou, com exceção de um brevíssimo indício de hesitação. “Professor Snape e Professora Sinistra insistem que devemos trabalhar juntos, seu desempenho ridículo está afetando meus estudos.”

Pela primeira vez em um mês, Harry lembrou o quanto a garota a sua frente podia ser exasperante e precisou respirar fundo para conter a dor de cabeça que ameaçava se formar.

“Eu desisto.” Suspirou Harry. “Eu não consigo entender.”

“Bom.” Zombou Daphne. “Não é surpresa que você falhe em entender algo, mas eu seria incapaz de desenhar se você não deixar claro do que diabos está falando.”

“Disso!” Gesticulou o garoto. “Você já deixou claro que me odeia.”

Os olhos da garota se arregalaram minimamente, mas ela foi impedida de começar a falar pela continuidade do discurso inflamado de Harry.

“Você espera que eu não fale com você além do mínimo necessário, não toque em nada seu, não respire alto quando estou ao seu redor.” Fez uma pausa. “Que diabos! Semana passada você me repreendeu por pensar muito alto.”

Um sorriso brilhou no canto da boca da garota. Era a primeira vez que ele a via ostentando um sorriso genuíno, mesmo que pequeno, e não uma paródia distorcida e maldosa.

Por alguma razão, o humor dela o irritou ainda mais.

“Bem.” Começou a garota de forma altiva, ainda em tom de zombaria. “Aquilo foi uma piada.”

“Na frente do Snape.”

“Eu não tenho culpa se ele estava por perto, era sua aula, afinal.” Se defendeu a Greengrass, movimentando sua cabeça para esquerda, conforme ela tendia a fazer quando estava de bom humor, ou quando via uma oportunidade de dificultar a vida de Harry.

“Ele concedeu pontos por aquilo!” Lembrou o garoto se irritando ainda mais.

“Aonde você quer chegar?” Perguntou a menina finalmente, cansando, por hora, da zombaria.

“Bem, não é óbvio?” Questionou, retoricamente, o garoto após alguns segundos de consideração. “Você tem pedido, por todo esse tempo, que eu me comporte desse jeito e, quando eu finalmente faço, você me arrasta para uma sala vazia para me repreender.” Esclareceu o garoto. “Eu desisto de tentar entender o que se passa na sua cabeça, Greengrass.” Concluiu. “Apenas me deixe em paz.”

Sua frase de despedida deve ter sido chocante o suficiente. Afinal, a garota permaneceu paralisada na sala em que discutiam e não tentou ir atrás dele, tampouco gritou para que ele voltasse.

Estranhamente, o fato de ela não o ter obrigado a continuar a conversa tensa incomodou mais do que ele se permitiria admitir.

As coisas se acalmaram depois da conversa, embora Daphne demonstrasse claramente não estar satisfeita, através de olhares e, ocasionalmente, discussões inflamadas, os adolescentes não conversaram seriamente sobre a associação confusa que mantinham.

Pelo menos não até meados do ano seguinte.

 

******

Por conta do desastre, também conhecido como torneio Tribruxo, Harry havia imediatamente abdicado de frequentar as aulas de astronomia. Ele achava que se preparar para o torneio que tinha plenas capacidades de matá-lo era mais importante que saber os efeitos das estrelas em rituais esotéricos ou em poções obscuras. Se Daphne se incomodou com o seu descaso ela não demonstrou.

Por outro lado, o garoto achava que seria muito problemático desistir de poções, Snape certamente daria um jeito de estragar sua alegria se ele assim o fizesse, independente da autorização especial para deixar de frequentar as aulas.

Portanto, não foi surpreendente encontrar-se na biblioteca com a garota da Sonserina, em uma tarde de sábado.

O projeto de poções atual pouco interessava a Harry e, francamente, ele daria tudo para estar escondido na torre da Grifinória ou em alguma sala de aula pouco usada, em detrimento de estar em público, sujeito aos olhares e provocações de todo corpo estudantil.

“Por Merlin.” Murmurou Daphne cerrando os dentes em irritação. “Isso é irritante.”

Harry lhe dirigiu um olhar de descaso. Ele sabia do que ela estava falando, mas perguntou assim mesmo.

“O que?”

“Isso!” Falou a jovem gesticulando em direção a um pequeno grupo de estudantes, com gravatas verdes e amarelas, aglomerados em uma mesa próxima, rindo, sussurrando e apontando para Harry. “Ser obrigada a manter você por perto é um problema muito maior do que eu estou disposta a lidar, Potter.”

“Sim.” Assentiu o garoto desinteressado, os olhares e risadas não eram nenhuma novidade para ele. “Você já deixou isso bem claro, culpe Snape.”

O silêncio voltou a tomar conta da dupla, apenas perturbado pela ocasional passagem das páginas.

Era um dia agradável e Harry adoraria estar em qualquer outro lugar que não fosse a maldita biblioteca, isso o levou a divagar novamente. Não demorou até ele se distrair com o grupo de alunos que, momentos atrás, havia perturbado Daphne.

Era muito mais comum, nos dias de hoje, ver grupos de jovens com gravatas amarelas e verdes, as vezes azuis, andando juntos. O fato de nenhuma das três casas apoiar Harry como um campeão, ocasionou em uma união ímpar e inédita no infame sistema de casas de Hogwarts.

“Você deveria usar.” Comentou Harry distraidamente ao notar uma peça faltando no vestuário da garota sentada a sua frente, em comparação ao grupo barulhento de alunos, um pouco distante.

Greengrass o encarou confusa por alguns segundos antes de questioná-lo.

“Eu deveria usar o que, exatamente?” O tom curioso e amigável era incaracterístico nas conversas entre os dois, mas era uma mudança bem-vinda, talvez a garota estivesse amolecida pelo clima agradável daqueles dias, ou tivesse resolvido dar a Harry uma folga por conta dos acontecimentos recentes.

Harry apontou para o distintivo usado por todos os alunos no grupo risonho anteriormente apontado por Daphne.

“Aquelas coisas.” Respondeu. “Eu fico surpreso que você não use.”

A jovem da Sonserina pareceu desconcertada.

“Por que eu usaria?”

A pergunta pegou Harry de surpresa. Honestamente, ele não sabia o que esperar quando fez a sugestão. Na verdade, ele pensou que havia uma boa chance da garota nem mesmo tomar conhecimento de suas palavras.

“Bem, você me odeia.” Listou ele. “Além disso, eu não imagino que seus colegas de casa sejam muito compreensivos com os que não seguem as tendências de moda.” Zombou.

Daphne revirou os olhos voltando a ler o livro que ocupava sua atenção anteriormente.

O descaso da garota irritou Harry.

“É sério, Daphne.” Insistiu o Potter. “Você deveria usar os distintivos. Eu realmente não me importo com eles.” Argumentou. “Além do mais, se você não usar, eles podem pensar que é uma boa ideia causar a você algum incômodo para fazê-la de exemplo.”

“Não me chame de Daphne.” Falou a garota distraidamente, quase de modo preguiçoso, sem tirar os olhos do livro de poções. “E eu não ligo se você se importa ou não, Potter.” Explicou ela. “Eu apenas não o uso porque é infantil e de extremo mal gosto.” Os olhos dela endureceram um pouco. “E, afinal, fazer de exemplo? O que diabos você pensa que somos? Uma maldita seita?”

Harry deu de ombros com um pequeno sorriso irônico.

Daphne balançou a cabeça exasperada, deixando o silêncio voltar a tomar conta do ambiente.

“Além do mais.” Comentou ela distraída, depois de alguns segundos. Seu, já bem conhecido, vício comportamental, denunciando o bom humor. “Eles não combinam com meus olhos.”

Harry poderia jurar ter detectado um tom de piada na sentença proferida pela garota, assim como um pequeno sorriso no canto de seus lábios delicados.

Provavelmente um delírio, mas ele gargalhou assim mesmo.

Por pouco tempo, embora. A repreensão da bibliotecária não tardou a cortar o humor da situação, em definitivo.

O bom humor de Daphne não mexeu com a cabeça de Harry.

Ele certamente não fez manobras mais arriscadas que o necessário ao voar com um dragão furioso durante a primeira tarefa, bem em frente a arquibancada onde se concentravam os alunos da Sonserina, isso teria sido ridículo. Bem como não houve indícios, no fundo de seus pensamentos, de olhos azuis e cabelos dourados ao ser informado que a coisa que ele mais temia durante a segunda tarefa era um refém e não um objeto inanimado.

Quando sob a cruciatos, em um cemitério, ao fim do torneio; com o cadáver de seu colega e rival ao seu lado; e achando que não sairia daquele lugar vivo; ele, certamente, não agradeceu que ela estivesse em Hogwarts, segura e feliz em meio ao seu ódio por ele.

 

*******

“Isso é ridículo.” Ele lembra de ter resmungado para seu padrinho, em uma de suas muitas conversas privadas durante as férias que separavam o quarto e o quinto ano. “Remus Lupin, ele fala demais.”

Sirius riu com vida brilhando em seus olhos, de uma forma que Harry não lembrava de ter visto antes. A jovialidade, e a saúde, retornando ao homem o animava e o enchia de felicidade e esperança de um futuro melhor.

“Seu rosto está vermelho, Harry?” Provocou o velho Maroto. “Aluado não me contou muito, como ela é?”

Harry considerou a pergunta por alguns instantes assumindo uma posição mais confortável no sofá e tomando mais um gole de sua cerveja amanteigada enquanto encarava o teto, distraído.

“Ela é linda, é claro.” Disse o menino, envergonhado, para a diversão de Sirius. “Mas tem uma personalidade horrível.” Admitiu em tom de culpa resignada.

Sirius, desta vez, gargalhou de forma espalhafatosa, mas diminuiu sua demonstração de diversão diante do olhar afiado de seu afilhado.

“Nós não nos damos bem na maior parte do tempo.” Explicou o garoto. “Eu nem sei a razão pela qual não consigo tirar ela da minha maldita cabeça, ela geralmente está gritando comigo, ou zombando de mim, ou, ainda, tentando dificultar a minha vida de alguma forma excessivamente complicada.”

Sirius balançou a cabeça levemente, sem tirar de sua face o pequeno sorriso, que deflagrava um misto de provocação e orgulho pelo adolescente a sua frente.

“Geralmente, essas coisas são assim.” Tranquilizou ele, sem julgar. “Me diga, você comentou que vocês normalmente não se dão bem.” Elaborou ele. “Isso significa que as vezes é diferente?”

Harry hesitou.

“Sim.” Começou o jovem de cabelos negros. “No ano passado ela foi agradável de se estar ao redor, em alguns momentos.” Explicou. “Eu não diria aberta ou calorosa, mas menos disposta a partir para agressões verbais ou disputas de gritos em plena potência.” O jovem fez uma pausa antes de acrescentar, tardiamente, um detalhe. “Embora, isso não signifique que faltaram gritos e insultos, as vezes.”

Sirius riu novamente, o homem tinha dificuldades em levar qualquer coisa a sério, como Harry bem sabia, e estava particularmente disposto a se divertir com o constrangimento de seu afilhado.

“Eu vou beber a isso.” Disse o homem tomando um gole de sua própria cerveja amanteigada, Harry suspeitava que ele havia adulterado a bebida em questão com algo mais potente. “É como ver uma restituição dos fatos, em tempo real.” Murmurou ele em tom de incredulidade divertida.

“Isso não é engraçado.” Protestou Harry de forma fraca, mesmo ele podia ver o humor na situação.

Sirius balançou a cabeça.

“Permita-me discordar.” Sorriu o homem bagunçando o cabelo do mais jovem em um gesto afetuoso. “Mas me parece muito engraçado.”

O silêncio confortável voltou a tomar conta da sala, antes de Harry voltar a falar, arriscando a pergunta que rondava seus pensamentos há meses, talvez anos.

“Sirius.” Murmurou o garoto com uma feição contemplativa. “Você acha que eu devo deixar isso para lá? Esquecê-la?”

Sirius Black tomou o último gole de sua cerveja amanteigada misturada com whisky de fogo.

O homem era, sem dúvidas, a definição de um mal feitor; um canalha contumaz; e, não menos importante, um brincalhão incorrigível. Mas, nem mesmo ele poderia deixar de notar a seriedade, e a insegurança, implícita na pergunta feita pelo filho de seu melhor amigo.

O Black suspirou.

“Eu tenho certeza que seria um conto frustrante, incomodo, indigno e absolutamente hilariante para todos que pairam ao seu redor.” O homem fez uma pausa. “Pensando bem, talvez você deva tentar.” Brincou o homem.

“Almofadinhas!” Repreendeu Harry em tom de riso.

“Sério agora, garoto.” Começou. “Se você for algo semelhante ao seu pai, e eu arrisco dizer que é, você vai se descobrir extremamente incapaz de tirar essa garota de sua cabeça.” Explicou o homem coçando a barba por fazer. “Provavelmente, seria divertidíssimo ver outro Potter se contorcer por causa de uma garota mal humorada, mas eu seria um péssimo padrinho se deixasse você fazer isso apenas pela minha própria diversão.”

Os olhos de Harry demonstravam, naquele momento, confusão com pitadas de esperança.

“Só para ficar claro.” Começou o jovem. “Você está dizendo que eu devo fazer uma tentativa séria? Mesmo sabendo que ela me odeia?”

Sirius suspirou se esticando na poltrona confortável e antiga que ocupava.

“É.” Concordou. “Merlin me perdoe por sugerir uma coisa dessas, mas eu acho que sim.” O homem suspirou exasperado. “E lá vamos nós, outra vez.”

 

********

 

Bem, se Harry tinha qualquer esperança de ter uma oportunidade para agir sobre seus, recém-admitidos, sentimentos por Greengrass, ele se decepcionou terrivelmente.

“Isso está se tornando um hábito ruim, Greengrass.” Resmungou o garoto ao ser arrastado para um armário de vassouras. “Mas isso é novidade.” Disse olhando para o espaço apertado aborrecido. Honestamente o pequeno armário tornava obrigatória uma proximidade com a qual, no momento, ele não estava confortável.

A escolha de local para uma reunião o surpreendeu, um pouco. Normalmente, a garota o arrastava para alguma sala ampla e, francamente, empoeirada pela falta de uso. O espaço apertado era novidade.

“Cale-se.” Repreendeu ela, levemente envergonhada. “Você têm evitado os corredores com salas em desuso. Fui obrigada a tomar medidas drásticas.” Ela tinha razão, ele estava abusando do mapa do maroto para encontrar as rotas mais populosas possíveis, em um esforço para evitar a garota que se mexia desconfortavelmente no pequeno armário. “E o que há com você me chamando de Greengrass, de repente?”

O garoto suspirou aborrecido sussurrando um pequeno encantamento que fez surgir no ambiente uma pálida bola de luz, iluminando suavemente o espaço, antes escuro.

Havia sido uma má ideia, ela estava ainda mais deslumbrante do que ele lembrava. E, como se não bastasse a proximidade, a garota ainda portava a feição aborrecida que o atraía tanto.

“Eu acho que suas repreensões finalmente fizeram algum efeito.” O garoto cerrou os dentes após um breve olhar para o adereço que enfeitava a frente do uniforme da garota.

Daphne suspirou.

“Eu me sentiria tentada a amaldiçoar você por encarar meus seios se não soubesse que não são eles que estão chamando sua atenção, no momento.” Resmungou a garota soando frustrada. “Isso te incomoda tanto?” Questionou apontando para o pequeno emblema que a marcava como um membro do pequeno grupo de Umbridge.

A mão castigada de Harry se contraiu ao pensar na mulher detestável. Ele não pode evitar que a frase dolorosamente familiar passasse em seus pensamentos: eu não devo contar mentiras.

“Eu não poderia me importar menos.” Mentiu o garoto por entre os dentes. “Posso ir embora, agora?” Perguntou cansado.

“Não!” Exclamou a loira em meio a uma careta de frustração. “Seu mentiroso hipócrita.” Dessa vez foi Harry quem demonstrou a sua frustração, bagunçando seu próprio cabelo em uma tentativa de afastar a tensão. “A pouco menos de um ano você estava todo condescendente dizendo que eu deveria usar um maldito distintivo feito com o único propósito de humilhá-lo publicamente.”

O argumento da garota o atingiu um pouco perto demais do coração para que ele ficasse confortável sob o escrutínio da loira.

“Aonde você quer chegar?” Questionou Harry de forma evasiva.

A garota zombou.

“Talvez você possa começar me explicando o que mudou.” Instruiu a garota. “Estava tudo bem até Dolores Umbridge aparecer.” Listou ela. “Era um acordo, estávamos nos dando bem. Mas agora você age como uma maldita criança. Fazendo birra durante as aulas, evitando as pessoas e andando por aí como se todos lhe devessem alguma coisa. Cresça, Harry.”

“Você escuta a besteira que está saindo da sua boca delicada, Daphne?” Perguntou o garoto, se amaldiçoando pelo deslize duplo. Discutir com ela mexia na cabeça dele de maneiras estranhas. “O único acordo que havia era que eu aceitaria sua merda sem reclamar muito, na tentativa de manter uma paródia ridícula de paz.” O garoto fechou o punho para evitar socar a porta. A distância curta começava a incomodá-lo ainda mais., Neste momento, eles gritavam praticamente no rosto um do outro. “Você quer comparar a participação em uma das brincadeiras infantis e, francamente, inofensivas de Malfoy com o fato de você ter concordado em agir nos melhores interesses da mulher que não perde uma oportunidade de me chamar de mentiroso e questionar minha sanidade? Não me faça rir, Daphne.”

Pelo menos a garota demonstrou estar abalada com sua pequena explosão. O que não mudava o fato de ele estar se sentindo culpado. É claro que ele estava a evitando por estar magoado, frustrado e se sentindo traído; mas a verdade é que já estava na hora de admitir que ela não devia nada a ele, gritar não ajudava em nada.

“Tudo bem.” Voltou a falar ele após alguns segundos de silêncio desconfortável, onde nenhum dos dois adolescentes sabia o que falar. “Eu acho que é bom encerrar isso, o que quer que seja, por aqui.”

“O que?” Perguntou a garota, de repente, alarmada.

Harry balançou a cabeça de forma triste.

“Eu sinto muito que você esteja se sentindo obrigada a me suportar e lidar com isso, mas nós dois sabemos que você me odeia.” Harry suspirou. “Eu fui tolo em prolongar isso por tanto tempo. Não se preocupe, pedirei para que McGonagall interfira e me arranje novos parceiros.”

Daphne riu sem humor.

“Essa é sua solução?” Perguntou ela sem olhar para ele.

“Sim, considere-se livre para me odiar abertamente sem se preocupar com seu desempenho nas aulas.” Harry jamais conseguiria dizer aquilo, não fosse o peso absoluto do cansaço e irritação que o subjugava nos últimos dias.

Por um momento, o garoto pensou que ela aceitaria os novos termos e deixaria o armário sem dizer nada.

Ele percebeu o engano ao notar o brilho nos olhos dela tomar um rumo mais resoluto.

“Quão cego você é, seu canalha?” Resmungou a garota aborrecida antes de tomar uma atitude surpreendente.

Ela o beijou.

Sem dar qualquer explicação ou indício que o faria.

Em um momento ela estava o encarando como se o seu maior desejo fosse esfaqueá-lo e no outro ela o puxava por sua gravata em direção ao seu rosto.

A confusão e frustração só durou pelos breves instantes entre a iniciativa de Daphne e a capacidade cognitiva de Harry perceber o que estava acontecendo.

Os lábios da garota se mexeram contra os seus em um incentivo ou, mais provavelmente, uma cobrança e o gosto de seus lábios macios o invadiu como uma droga, junto com o cheiro de morangos frescos que tomou conta de seus sentidos.

Em algum momento entre o ataque de Greengrass e o suspiro contente que marcou o fim do contato íntimo, Harry lembrou-se de verificar se não estava sonhando.

Definitivamente, não estava.

“O que foi isso?” Perguntou Harry assim que Greengrass se afastou minimamente, ainda mantendo os corpos colados e os braços em volta de seu pescoço.

A garota deixou escapar uma pequena risada incaracterística.

“Seu pensamento estava indo para lugares estranhos.” Sussurrou ela colada em seu pescoço, causando arrepios por todo o corpo do garoto. “Foi a única maneira de tirar sua mente das besteiras que você estava falando.”

Curiosamente, nem um dos dois parecia ansioso para se afastar e a discussão anterior parecia ter ocorrido em outro local, outro tempo.

“Daphne.” Cedeu o garoto após alguns minutos. “Eu sei que isso não muda as coisas.” Elaborou ele. “Porque você me odeia tanto?”

A jovem demorou para responder, presa em pensamentos e pouco ansiosa para romper o clima tranquilo que havia caído sobre o armário de vassouras.

“Leonel Potter, notório e infame mal elemento.” Citou ela como se estivesse lendo as informações em um livro. “O canalha que roubou a virtude de Ivanna Greengrass, sua noiva na época, apenas para abandoná-la meses depois.” Cuspiu a garota entediada, como se, no momento, a história lhe causasse mais cansaço do que fervor. “Eu cresci ouvindo sobre você e sua família.”

“Coisas boas, eu espero.” Resmungou ele ironicamente.

“Segundo meus avós, cada Potter desde Leonel foi um canalha incorrigível e um causador de problemas, por excelência.” A garota suspirou. “Eles me alertaram que você não seria diferente, que eu deveria manter distância.”

“Você tem feito um bom trabalho.”

A garota riu e estapeou seu ombro de forma bem-humorada.

O silêncio voltou a tomar conta do ambiente enquanto Harry começou a acariciar os cabelos dourados da garota com quem dividia o espaço apertado, pensativo.

“Daphne…” Resmungou o garoto em tom de brincadeira.

A garota se limitou a resmungar, indicando que estava ouvindo.

“Você deveria se casar comigo, assim consertaríamos as mágoas familiares.” O que Harry pensou ser uma piada espirituosa, dita no calor no momento, não pareceu tranquilizar Daphne.

De fato, a menina agiu como se tivesse tomado um choque ou sido estapeada. Na verdade, a sua próxima ação foi marcar a face de Harry com um tapa, surpreendentemente, doloroso.

“Você não devia ter dito isso.” Falou de forma venenosa, se afastando e abrindo as portas do pequeno armário que antes ocupava de forma quase confortável. “Fique longe de mim.” Disse em alto e bom som, antes de fugir pelo corredor, deixando para trás um Harry confuso e arrependido.

 

*********

“Como você se sente?” Foi a primeira coisa que ela perguntou ao encontrá-lo encarando as estrelas na alcova que os dois dividiram por anos durante as aulas de astronomia. Harry notou, mesmo sem encará-la, que ela estava inquieta e, talvez, um pouco preocupada.

Ele considerou a pergunta por alguns segundos, pensando sobre os últimos acontecimentos e pesando cuidadosamente todas as coisas que passavam por sua cabeça naquele momento.

Inevitavelmente, sua mente o traiu e o levou a pensar nela. Mais especificamente sua relação, ou falta de relação, com ela.

Normalmente, ele não era avesso a ideia de gastar seu tempo livre pensando em Daphne ou planejando maneiras de consertar, ou criar do zero, seu relacionamento instável. Mas, no momento, era egoísta da parte dele perder tempo com isso.

“Estou bem, considerando todas as coisas.” Falou após quase um minuto de silêncio contemplativo, ainda sem encarar a garota. “Calmo.” Acrescentou tardiamente.

A menina emitiu um som que poderia ser considerado uma zombaria ou uma exclamação de dúvida.

“Você está dizendo a verdade.” Murmurou a jovem, após alguns instantes. “Isso é estranho.”

Harry franziu a testa, finalmente virando para encarar a garota, que se encolhia, próxima a parede.

“Você parece surpresa.” Disse ele desconfiado. “Eu não mentiria, Greengrass. Pelo menos, não para você.”

A garota tremeu levemente, seus olhos tristes denunciavam que ela entendia a gravidade da situação.

“Eu apenas esperava encontrá-lo em uma situação mais lamentável do que a atual.” esclareceu ela, seus olhos no chão.

Ela tinha razão.

Seria perfeitamente esperado, considerando a personalidade que o garoto sabia que possuía, que ele estivesse, neste momento, amaldiçoando alguma coisa ou gritando descontroladamente em meio a raiva.

“Aconteceria, mais cedo ou mais tarde.” Falou ele com cuidado.

“Harry.” Falou Daphne, finalmente levando seus olhos azuis a encarar os verdes do jovem a sua frente. “Dumbledore está morto.” Afirmou os fatos, cansando da conversa subjetiva que vinham mantendo até então. “Isso é horrível e eu estou preocupada.”

Harry, ao ouvir os fatos que ele já conhecia muito bem, não pode evitar esfregar os próprios olhos em um gesto de frustração.

“Eu não sei o que você quer que eu diga, Daphne.” Murmurou, ainda com certo assombro. “Há razões para ficar preocupado.”

“Quão ruim isso vai ser?” Questionou a jovem temerosa, deixando sua cabeça pender para a esquerda.

Era estranho.

Eles haviam ficado meses sem se falar, fora o estritamente necessário. Não que tenham faltado tentativas por parte de Harry, mas até aquele momento a garota parecia evitá-lo como uma praga, desde o fático dia em que se beijaram em um armário esquecido pela magia.

E agora isso.

Uma conversa, finalmente.

Era tudo que ele quis, por muito tempo, mas agora não parecia apropriado.

“Vai ser ruim, muito ruim.” Respondeu finalmente, sabendo que uma tentativa de tranquilizá-la através de uma mentira branca seria, provavelmente, contraproducente. “Mas você é uma garota esperta e o mundo é um lugar muito grande.” Comentou ele, após alguns instantes. “Talvez seja um bom momento para férias prolongadas em família. Entende o que eu quero dizer?”

Foi a vez da garota franzir a testa e demonstrar aborrecimento.

Finalmente, alguma familiaridade. Ele não estava acostumado a lidar com uma Greengrass insegura e preocupada, mas uma irritada era outra história.

“Pronto para seguir seu próprio conselho, Potter?” Questionou ela afiada, cruzando os braços na frente do peito.

De repente, a pequena alcova parecia pequena demais.

“Sim, é claro.” Falou Harry com descaso.

Daphne bufou.

“E, há alguns momentos, você estava dizendo que nunca mentiria pra mim.” Zombou estreitando os olhos e levantando o queixo. “Que tal não ser um hipócrita, para variar, Potter?”

“Eu tenho algumas coisas que preciso fazer.” Esclareceu de forma vaga.

“Essas coisas.” Começou a jovem, desconfiada, enquanto sinalizava aspas com os dedos. “Vão permitir que você volte para Hogwarts no próximo ano?”

“Improvável.” Respondeu o garoto analisando suavemente a feição fechada da menina a sua frente.

Daphne era realmente linda, até mesmo quando estava irritada. Ou, melhor dizendo, especialmente quando estava irritada. Mas, havia algo estranho, além da raiva, na expressão da garota. Harry arriscaria dizer que ela estava o analisando profundamente.

Ela pareceu pegar algo nas entrelinhas da conversa, algo na expressão dele.

“Por favor, me diga que estou errada.” Implorou a menina, arregalando levemente os olhos. “Você não pretende sobreviver.”

O silêncio sepulcral que tomou conta do ambiente foi toda a resposta que Daphne precisava.

“Maldição.” Disse a garota em voz alta deixando a alcova com abertura para o céu para adentrar o cômodo mais amplo da torre.

Harry não demorou para segui-la.

Cortava o seu coração ver Greengrass andar em círculos na torre, claramente atormentada.

“Escute, Daphne.” Falou em tom tranquilizador para a jovem, que o encarou ainda transtornada. “Eu não pretendo me jogar na frente de um feitiço da morte, se é isso que você está insinuando.”

“Droga, Harry!” Gritou ela, perdendo a compostura pela primeira vez naquela noite. “Eu não penso que você é um suicida. Eu já teria feito algo sobre isso, se pensasse.” Repreendeu ela.

“Então qual é o problema?” Questionou ele abrindo os braços confuso.

“O problema, Potter.” Começou ela. “É que você pretende sair por aí, fazendo algo que até Merlin desconhece e, ainda por cima, não tem confiança nenhuma na sua capacidade de sobreviver para contar a história.”

“Que escolha eu tenho, Daphne?” Levantou a voz o garoto. “É assim que as coisas acabam, eu sempre soube, agora mais que nunca.” Revelou. “Se os planos de Dumbledore tiverem sucesso, eu terei uma chance, mas há coisas que precisam ser feitas.”

“Uma chance?” Perguntou incrédula.

“Você esperava mais?” Zombou o Potter. “Mesmo se tudo correr bem, ainda sou eu contra ele, no fim.”

Daphne estremeceu, era compreensível que ele não estivesse confiante.

“Harry.” Murmurou ela após alguns minutos de silêncio desconfortável, onde os dois apenas se encararam. “Você tem uma escolha.” Alertou ela.

O garoto balançou a cabeça resignado, preparado para cortar qualquer ideia.

“Não, escute.” Interrompeu ela, prevendo a recusa imediata. “Você insinuou que eu devo deixar o país.” Começou ela. “Eu concordo.”

“Isso é bom.” Comentou Harry com certo alívio, não faria mal saber que ela permaneceria em segurança.

“Não me interrompa.” Repreendeu a loira com um olhar gelado. “Eu concordo e farei isso, mas com uma condição.” Alertou.

“E que condição seria essa?” Perguntou o rapaz de cabelos negros com desconfiança, sentindo seu estômago afundar em um pressentimento ruim.

“Você deve vir comigo.” Disse Daphne, resolutamente.

Harry suspirou e seus ombros caíram.

“Ir com você?” Questionou incrédulo, vendo a garota assentir. “E quanto a sua família, Daphne? E quanto as minhas responsabilidades? Todos as pessoas que conheço aqui?”

“Você não tem responsabilidade, nenhuma.” Teimou ela. “Se as pessoas forem inteligentes, elas abandonarão esse lugar esquecido por Merlin o mais rápido que puderem.” Ela mordeu o lábio inferior, levemente envergonhada. “E você não precisa se preocupar com a minha família, eu posso cuidar disso.”

O jovem Potter balançou a cabeça lentamente com uma feição entristecida.

“Isso não vai acontecer, Daphne.” Ele murmurou. “Eu lamento.”

Lágrimas surgiram no canto dos olhos da garota.

Era a primeira vez que ele via sequer um indício de choro no rosto da loira e isso o perturbou.

“Você faria isso?” Questionou. “Ignoraria meu pedido? Me abandonaria assim?”

Harry estremeceu e seu corpo ficou rígido.

“Do que você está falando, Daphne?” Questionou cuidadosamente.

A garota ficou vermelha, limpando os poucos indícios de lágrimas que ainda permaneciam, insistindo em não descer por seu rosto pálido e bonito.

“Você me pediu em casamento.” Lembrou ela. “Você deixará Leonel Potter orgulhoso se abandonar a sua noiva desse jeito.”

Isso era um golpe baixo, até mesmo para ela. Mas Harry podia reconhecer a cartada desesperada da garota pelo que ela era.

O Potter se aproximou correndo os dedos pela bochecha da menina a sua frente.

“Eu me lembro bem.” Murmurou, encarando os impressionantes olhos azuis que haviam o encantado a anos atrás, naquela mesma sala. “Você me rejeitou.” Levantou uma sobrancelha. “Me bateu, se bem me lembro.”

Os ombros de Daphne caíram, mas ela não se afastou do toque gentil em seu rosto, muito pelo contrário, pareceu se inclinar para ele.

“Isso só mostra o quão ignorante você é.” Tentou ela fracamente. “Agressão física é uma maneira tradicional para uma jovem bruxa aceitar um pedido de casamento.”

Harry não pode deixar de achar graça da tentativa fraca de Daphne. Forçou-se, no entanto, a interromper sua risada.

“E quanto ao fato de você não ter falado comigo durante um ano inteiro?” Questionou com uma sobrancelha levantada.

A jovem deu de ombros sem olhá-lo nos olhos.

“Eu estava envergonhada, é claro.” Encarou-o desafiadoramente após proferir mais uma desculpa fraca.

Harry riu mais uma vez, sem se afastar.

“Me beije logo, idiota.” Demandou a loira, sem conseguir deixar de transparecer sua frustração.

Ele, é claro, fez como foi mandado.

Os lábios da jovem de gravata verde pareciam ainda mais suaves do que ele lembrava. O gosto familiar voltou a invadi-lo, assim como na primeira ocasião em que experimentou dos lábios de Daphne.

Desta vez, no entanto, havia algo diferente. Um toque salgado em seus lábios. Harry se afastou alguns centímetros, quebrando o beijo, para perceber que Daphne chorava.

“Eu queria tanto poder ir com você.” Desculpou-se ele. “Não pense que não.”

“Eu sei.” Limitou-se a dizer ela, com voz embargada.

“Eu tive vontade de fazer isso por tanto tempo.” Comentou ele antes de iniciar um novo beijo. “Há tanto que eu preciso te dizer antes de ir.”

Daphne o interrompeu após aquelas palavras.

“Não!” Afastou-se ela, limpando as poucas lágrimas que ainda permaneciam.

“O que?” Questionou Harry incrédulo, pensando que ela se afastaria novamente.

“Há muito que eu preciso dizer também.” Apontou ela. “Mas não hoje.” Falou de forma firme. “Você vai me deixar, fazer o que precisa fazer, mate o monstro e metade do país, se achar necessário, mas volte vivo.” Disse ela segurando firmemente na gravata vermelha, que Harry usava de forma desleixada. “E então nós vamos conversar sobre isso.”

Harry teve vontade de protestar, de dizer que talvez aquela fosse a última chance. Mas, ao encarar os olhos azuis, ele entendeu.

Ele precisava voltar.

Não havia alternativa. Não havia como ele deixar Voldemort privá-lo de uma vida ao lado da mulher a sua frente.

Finalmente, ele assentiu sorrindo.

“Eu prometo que não vou morrer. Eu prometo que vou acabar com isso.” Ele a beijou. “Prometo que vou atrás de você.” Novamente. “Vou me ajoelhar na frente dos seus pais, se for preciso, e farei eles me aceitarem. Eu não me importo se demorar todos os anos que eu tenho a disposição, nós vamos consertar a relação entre os Potter e os Greengrass.” Ele depositou mais um beijo nos lábios doces da garota que o encarava com um sorriso raro e sincero. “E, finalmente, eu vou me casar com você e nunca mais sair do seu lado.”

“Você promete muito.” Resmungou brincando. “Vai cumprir tudo isso?” Ela riu se aconchegando em um abraço apertado.

“Tudo isso.” Confirmou ele. “Você vai me ajudar a cumprir minhas promessas?”

Ela fechou os olhos contente.

“Tudo bem, eu vou ajudar.”

O sol apontou no horizonte, mas nenhum dos dois jovens notou, distraídos, como estavam, nos braços um do outro.

Harry quebrou uma de suas promessas, mas apenas uma, quando morreu, mesmo que temporariamente, naquela floresta sombria. No entanto, após o fim da batalha de Hogwarts, ao sentir a garota familiar, que ele lembrava de ter conhecido em sua distante primeira aula de astronomia, derreter em seus braços; rindo do quão longe eles haviam chegado; ele soube que cumpriria todas as restantes. Afinal, agora ele sabia, não havia ódio entre famílias o suficiente no mundo para manter Harry Potter e Daphne Greengrass separados por mais tempo.

 


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Notas finais do capítulo

Críticas construtivas são bem vindas. Por favor, comente, quero saber o que você pensa sobre a história.

Obrigado por ler.



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