Mostr'aquel matador escrita por BobV


Capítulo 1
V - Capitulo Unico.


Notas iniciais do capítulo

E7 A E A



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Desde que nasci, nunca conheci o que é o amor de que tanto falam. Mesmo que me digam que ele tem diversas formas, nunca experimentei nenhuma delas. Sendo órfão, nunca cheguei a sentir o amor que os pais sentem pelos seus filhos. Como cavaleiro, dediquei minha vida aos treinos e nada mais. Tenho um irmão que diz que me ama, mas o que sinto vindo dele é um sentimento que conheço muito bem, pois está presente em meu âmago: ódio.

Será isso o amor? Apenas uma forma pomposa e bonita de chamar o ódio?

Eu vejo os outros falando com tanto ardor desse tal sentimento. Alguns dizem que matariam e morreriam por ele. O mito de Tróia narra a guerra iniciada por causa do amor de uma mulher. Certamente ele era um sentimento bem forte, perigoso e até certo ponto matador se foi capaz de fazer isso. Dizem que é mais afiado que a própria excalibur que consegue quebrar qualquer escudo, que é tão quente que consegue derreter o mais gelado de todos os esquifes de gelo. Dizem até que ele é capaz de transformar as pessoas.

Sem dúvida alguma, era bem poderoso.

Até mesmo minha deusa prega esse tal de amor. Nós, cavaleiros, lutamos com o nosso máximo, dedicamos cada fibra do nosso corpo por esse sentimento que ela tanto defende.

Ainda assim não sei o que ele é.

Como posso lutar por algo que não compreendo? Algo que não sei se é bom ou ruim?

Parei pensativo nas escadarias da casa em que eu era o guardião, a casa de gêmeos, fechei meus olhos e esperei. Esperei e continuei esperando. Talvez tenha ficado prostrado ali quase o dia todo. Vi o sol sair do topo da minha cabeça e ir se esconder entre as montanhas no vale distante. Eu sabia que cedo ou tarde aconteceria e minha espera seria recompensada.

Não tardou muito para que eu sentisse sua presença. Eu vi aquela figura coberta em branco saindo da casa anterior a minha, báculo em mãos, subindo as escadas sem pressa. Uma luz no breu da noite, uma divindade que quando passava, todos paravam para reverenciar. Ela caminhava com tanta graça que parecia estar flutuando.

No exato momento em que a vi, senti uma pontada, algo parecido com uma agulha penetrando meu crânio. Me esforcei ao máximo para esconder as tremedeiras provocadas pelos calafrios que acometeram meu corpo.

Era a maldita voz em minha cabeça. Embora tenha convivido com ela por toda a minha vida, eu nunca me acostumei com sua presença. Eu me recusava a fazer isso.

Essa praga gritava obscenidades que, graças a Athena, só eu podia ouvir. Ela sempre dizia para subir até o décimo terceiro templo, a morada da deusa. Lá, eu deveria agarrar seu pescoço e apertar até ver as lágrimas descendo de seus olhos. E eu não deveria parar enquanto meus dedos não estivessem ensopados com o líquido que corre em suas veias.

Por muitas vezes, eu pensei em fazer isso mesmo. Talvez assim essa voz parasse de me importunar. No entanto, eu sempre me repreendia após ver o reflexo da minha própria face com um sorriso distorcido na frente do espelho.

A medida que ela se aproximava, pouco a pouco os gritos se tornaram sussurros. E então, ante a presença dela, aquela voz torpe já não era mais tão incômoda assim. Esse era um milagre que eu não conseguia explicar. Quando ela estava por perto, sentia um calor, uma sensação de calma e paz que não conseguia alcançar nem mesmo em sessões de meditação profunda. Tudo por causa daquela maldita voz que me incomodava.

— Posso passar por sua casa, guardião?

Sua voz era uma melodia anestesiante que nunca cansaria de ouvir.

— A senhora não precisa de minha permissão para passar. Tudo aqui neste santuário lhe pertence. - Tentei uma resposta firme ao me ajoelhar. Ainda sentia vestígios da outra presença na minha cabeça.

— Esse santuário pode ter o meu nome, mas ele também pertence a vocês e a todos os que vieram antes e que sacrificaram suas vidas para proteger a paz na Terra.

— Nós apenas seguimos sua liderança. Somos cavaleiros e esse é nosso dever como seus servos.

— É só isso? Vocês se julgam apenas soldados como outros qualquer que podem ser descartados?

Não sei dizer o motivo, mas percebi o que parecia ser um certo desapontamento em sua voz.

— E se deixasse de ser um cavaleiro, você ainda lutaria pelas causas que acredito?

Aquela pergunta me pegou de surpresa. Ao defender a Terra dos outros deuses, Athena sempre pregou a paz. Ela era a deusa da guerra que pregava a paz. Sinceramente, ela era um mistério pra mim. Muitos diziam que Athena amava todos os seus cavaleiros de forma igual. Será que aquilo era possível? Era possível um ser divino amar mortais como ele.

— Eu sempre achei que a razão de todos nós lutarmos juntos para defender a Terra é por compartilharmos as mesma crenças, correto?

Eu nunca havia pensado naquilo. Até então, havia decidido se tornar um cavaleiro por achar que era o certo a se fazer. É isso que soldados fazem.

— Embora me chamem de deusa, eu sou feita de carne e sangue como todos vocês. Uma faca em meu peito e eu sangrarei e morrerei como qualquer outra pessoa.

— E é por isso que devemos protegê-la.

— Não é a mim necessariamente que vocês tem que proteger. Mas sim todos os ideias que e eu e vocês acreditamos. Um dia nem eu e nem vocês estaremos mais aqui. Precisamos de alguém para carregar nosso legado, alguém defenda todos aqueles que não tem força para fazê-lo por conta própria.

Ela veio até mim. Seu cosmo era quente como o sol da manhã.

— Eu estou bem ciente do sacrifício que todos vocês fazem em nome da paz na terra. Vocês abdicam de tudo, doam por completo suas vidas. Eu não posso pedir mais nada.q Como sua deusa, A única coisa que posso lhes oferecer-

As mãos dela, pequenas e delicadas, desceram até meu rosto. Elas eram suaves como uma pluma, confortáveis e sedativas. Existia mistérios além das galáxias naquelas mãos. Elas pareciam ser capazes curar a mais atroz de todas das doenças, de apaziguar o mais agitado dos corações ou purificar a mais distorcida das mentes.

— É meu amor. Eu nunca deixarei que vocês se tornem simples soldados. Todos são especiais para mim.

As palavras dela me afetaram de um jeito que não explicar. Senti um formigamento na pele, uma sensação alienígena que arrepiou meus cabelos.

Com um simples "boa noite", ela se despediu e seguiu seu caminho.

Assim que suas mãos deixaram meu rosto, como uma onda que bate violenta contra as pedras no litoral, a já conhecida voz voltou pra me atormentar, mais alta que de costume, mais cruel e vil do que nunca. Ela me provocava, me torturava, me fazia imaginar coisas que não queria, me dizia para correr atrás dela e fazer todos os tipos de atrocidades imagináveis.

Mesmo com a cabeça parecendo querer explodir, me sentei nas escadas novamente, fechei os olhos, respirei fundo e rezei.

Rezei para que a deusa me ajudasse a desvendar essa palavra de quatro letras tão poderosa que não sei o significado.

Ainda que ele fosse perigoso, ainda que corresse o risco de ser completamente estraçalhado e desmontado por dentro, ainda que ele me transformasse em outra pessoa, eu queria experimenta-lo. Pois ele parecia ser contendor da voz demoníaca que importunava.

Se ele era a sensação de calma e conforto, esse sentimento pacificador, eu roguei para que minha deusa me o mostrasse e me ensinasse. Mesmo que a voz em minha mente repetisse diversas vezes que não merecia tal coisa, eu agora o queria como um sedento que procura água no deserto. Pois eu também queria dar esse sentimento a ela.


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Notas finais do capítulo

Imagem da capa
https://www.deviantart.com/aranelfealoss/art/Face-the-Light-you-carry-inside-673690718

Fic baseada na cantiga de amor conhecida apenas como "Pois naci nunca vi Amor" do trovador galego-português Nuno Fernandes Torneol. A cantiga é do século XIII está escrita em português arcaico, que não tem uma tradução muito fácil.
Tenho certeza que muitos já ouviram pelo menos o primeiro trecho da cantiga.

Pois naci nunca vi Amor
e ouço del sempre falar;
pero sei que me quer matar,
mais rogarei a mia senhor:
que me mostr'aquel matador,
ou que m'ampare del melhor.



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