3. Vocês que pediram

Descobrir sobre minha habilidade foi como descobrir sobre a minha sexualidade. Pra mim, era natural desde sempre. Mas, do nada, as pessoas começaram a achar estranho e eu tive que esconder.

Um dia seu pai te acorda e você sabe que tem ovos para o café da manhã sem nem mesmo sentir o cheiro. Depois, você escuta seus pais pensando na morte do seu tio. Eles se recusam a te contar, mas você sabe mesmo assim. E sua mãe está planejando uma surpresa de aniversário, mas, antes mesmo de ela começar a preparar, você já sabe e pergunta quando vai ser.

“Eu nunca falei nada de surpresa, Nico.”

“Falou sim. Você fala toda hora, mamãe!”

Eu não sabia que ela pensava naquilo toda hora.

Eu simplesmente sabia das coisas. Sabia de tudo.

E, por isso, de repente eles estão te levando em psiquiatras e padres para ver o que há de errado.

Como esse garoto sabe tudo em que estamos pensando sem nem mesmo falarmos?

Deve ser coincidência. Ele é muito inteligente, não?

Mas não é possível. Ele deve ter o demônio no corpo.

Foi quando eu entendi que o que eu escutava dentro da minha cabeça não podia sair dali. Era problemático. Todo mundo me achava estranho. Afinal, como que Nico sabe absolutamente todas as respostas que a professora quer? E por que ele cobre tanto as orelhas, como se alguém estivesse gritando?

Até meus treze anos, foi muito difícil suportar. As dores de cabeça eram constantes. Eu não conseguia fazer amigos, porque todo mundo por dentro é podre e eu sabia de cada detalhe. Eu não precisava estudar nada, porque podia ouvir os pensamentos dos professores durante a prova. E a minha cabeça era só dor.

Foi aí que eu tomei coragem de falar com os meus pais, contar tudo isso que tava acontecendo dentro de mim desde que me fechei quando era pequeno. Eles acreditavam em mim. Minha mãe é farmacêutica, o que ajudou no processo de conseguir um remédio que tornasse mais suportável. E meu pai é psicólogo, o que, de certo modo, ajudou.

E assim as coisas foram se encaixando. Na mesma época, conheci Will Solace, o menino loiro do sorriso fofo. Ele gostava de mim e nem sabia, era uma gracinha. Will gostava muito dos meus olhos e de como eu era quieto. Quase sempre ponderava se deveria falar comigo. E quando eu tentava sorrir para ele, virava a cara imediatamente.

Foi tudo ficando bem.

Era mais fácil me desligar de tanta informação.

Era mais fácil agora que eu tinha minha família do meu lado.

No entanto, eu continuava essa coisa insociável. Tinha treze anos e parecia um dos zumbis antipáticos do ensino médio. De toda forma, os anos passavam e eu aprendia a não escutar. Se eu soubesse de tudo que meus pais pensavam, seria impossível viver numa família com eles.

Hades e Maria sempre com medo. Com medo de eu descobrir seus segredos obscuros. De ouvir o ódio que não externavam.

Depois de um tempo, formulei uma teoria sobre essa capacidade estranha. Bianca, minha irmã, me ajudou nisso. Gostamos de imaginar como se, para mim, os pensamentos fossem ondas. Eu consigo captar todas, assim como posso me distrair e não escutar realmente nada. Dá pra aumentar uma e esquecer as outras.

Certo dia, meus anos como lobo solitário acabaram. Foi uma experiência desagradável. Apaixonei-me. O ruim já começa aí. O menino era um cabeça de vento e essa era a coisa mais fofa, me dava paz. Na maior parte do tempo, seus pensamentos eram genuinamente idiotas e distraídos. Era confortável.

Nós viramos amigos e saímos e vivemos um milhão de coisas. E um dia ele me beijou. E foi a pior coisa de todas.

Porque quando nós nos beijamos, ele ouviu os meus pensamentos.

Esse garoto me fez conhecer gente e me ensinou boa parte do que sei sobre a primavera. Mesmo assim, depois de beijá-lo, eu decidi definitivamente que nunca o faria novamente, com quem quer que fosse. É muito pra mim. Eu escuto, não sou escutado. Eu vejo, não sou visto. Gosto das coisas como elas são.

Quando me senti sendo ouvido… Foi traumático. Tanto pra mim quanto pra ele. Acabei tendo que contar sobre tudo. Ele foi embora, como todo mundo, porque eu era estranho. E eu também não quis ir atrás. Nem um pouco. Seria pior que a morte.

E, no entanto, aqui está Will Solace, com seus cabelos loiros e seu sorriso lindo. Aqui está ele implorando com todas as forças para que eu o beije. Ele me deseja tanto, tanto…

Eu não posso, meu amor. Peça tudo, menos isso. Pode levar o que quiser. Menos isso.

Não acho que vou suportar que alguém me alcance de novo.