Livro das Sombras N.º 32 escrita por Melodie


Capítulo 1
Sophia




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          Eram cerca de 1h ou 2h da manhã. Pelo menos é o que imaginava. A temperatura era amena, mas ela tremia. Saiu das sombras bem na frente do Subway, que já estava fechado. Seu estômago resmungou. Viajar nas sombras sempre aumentava seu apetite, deveria ter comido mais antes de sair do alojamento e agora era tarde demais. O estacionamento da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos era enorme, do tipo que dava pra fazer uma luta livre com um robô gigante , ela sabia disso porque já tinha feito três andares abaixo no subsolo.  Lembrar disso a fez ter um arrepio. Odiava estar de volta.

          A pequena praça arborizada em frente não era tão bonita à noite, parecia estar tomada por névoa. À esquerda o grande prédio se erguia. O principal e os anexos de vidro preto logo depois do estacionamento quase vazio. 

          As câmeras de seguranças não podiam vê-la ali, era um dos pouquíssimos pontos cegos. Foi preciso só alguns minutos e um código hacker novo para acessar o sistema de vigilância e colocar o vídeo interno em looping para garantir que não seria vista entrando, embora entrar fosse a parte fácil. Droga! Por que ela estava fazendo aquilo mesmo?

          Havia algo naquele chamado. Sophia sabia demais para considerar que um fantasma aleatório apareceria para ela pedindo para resgatar um garoto justo no Fort Meade. Aquele lugar tinha segredos mais obscuros que brigas políticas e informações sigilosas de guerras. De alguma forma, sabia que voltar ali era importante. Ela só não esperava o que iria acontecer.

          Quando você é uma hacker excelente e que sabe exatamente no que está se metendo entrar por uma porta lateral de um dos prédios mais seguros do país era fácil. Eles deviam pelo menos ter trocado as chaves de acesso, pensou.  Os corredores estavam da mesma forma que se lembrava. O carpete verde musgo que odiava, os quadros com paisagens aleatórias em molduras simples de madeira, as portas de metais algumas com fechaduras simples outras com acesso por cartão magnético. Ela precisava sair daquele prédio e entrar no anexo II, o prédio menor com vidros escuros, era lá que estava o elevador branco. 

          Tinha feito esse trajeto várias vezes quando era mais nova que era quase automático para o seu corpo, só que dessa vez o frio na barriga a fazia hesitar a cada corredor, seus instintos gritavam para correr. Lembrava de passear por aqueles corredores com todo mundo sorrindo quando passava e de comer uma rosquinha todos os dias na Dunkin'. Suas memórias felizes agora pareciam sombrias e assustadoras. "É o destino de todos os filhos do submundo" disse Magnólia, sua tia-madrinha, uma vez. 

          A filha de Hades balançou a cabeça afastando os pensamentos, era preciso muita concentração para não se perder ali, ou pior ser pega. Se engana quem acha que o prédio fecha à noite. Sempre tem alguém de plantão buscando comida nas maquinas.

          Ela estava usando uma calça branca skinny, um sobretudo creme e os cabelos escondidos no gorro.  Se Día a visse assim com toda a certeza a acharia a coisa mais brega do último século, porém essa é a única cor que passa despercebida no elevador. Com a maquiagem certa ela seria um ótimo fantasma no Halloween. 

          Ela atravessou o corredor e virou à direita. As portas duplas de aço com fita vermelha demarcava o LOCAL RESTRITO. Ao seu comando, as luzes piscaram duas vezes e as portas se abriram com um rangido metálico que ecoou no silêncio. Tudo seguia conforme o plano.

          — Aolohomora. — sussurou com um sorriso nos lábios. — Agora é a parte difícil.

          As portas se fecharam deixando-a na quase escuridão completa. A luz fraca vinha de um corredor à sua frente. A partir daquele ponto seus poderes não funcionariam. Ela se sentiu como uma criança indefesa novamente.

          — Pare com isso! Você é Sophia Grayward, a garota mais poderosa do mundo. Nada pode derrotar.

          Talvez fosse bobo falar em voz alta a frase que o pai a havia feito repetir sempre que sentia medo, geralmente quando fantasmas a acordavam à noite, contudo aquilo ainda a fazia se sentir melhor, a fazia pensar que seu pai não era tão ruim afinal de contas. 

          Vozes se aproximaram e ela entrou na primeira porta que viu, xingando silenciosamente o ranger da madeira. 

          Para seu asar, era um dos laboratórios de pesquisa. O vidro da janela ficava somente 60 centímetros do chão, o que fez com que tivesse que se abaixar para não ser vista. O odor de formol atingiu suas narinas como ácido. Ela teve que cobrir a boca com a mão quando olhou na direção do cheiro. Havia um corpo atrás dela. 

          Imagine uma sala de aula de química, com uma bancada de metal e cadeiras altas dos dois lados da bancada. Microscópios de diferentes formatos, tabletes e uma máquina que lembrava o braço robótico do Tony Stark no teto apontada para o centro da sala, para o corpo, era bem assim. Lasers analisavam o corpo a todo momento, os dados captados eram passados em uma tela pouco acima da cabeça de Sophia. Química não era a sua matéria, então não fazia a menor ideia do que era aquilo. Sem contar que como disléxica metade das palavras pareciam números, ou eram números? 

          — Quil vai mandar o relatório de mortalidade M amanhã e vamos comparar com os dados humanos da semana passada.  — disse uma voz atrás ela.

          Ela olhou para trás, espiando rapidamente pelo vidro quando duas figuras de branco passou por ela. Uma era uma mulher alta e esguia que segurava um iPad, o outro era um homem baixinho com óculos meia lua. "Pai" .

          Sophia não estava preparada para aquilo. Esperava que ele não estivesse aqui, na casa nas montanhas talvez, em LA quem sabe, mas certamente não estava esperada que estivesse ali, apenas alguns passos dela. Aquela voz calma e firme que fazia os pesadelos irem embora, aquela voz que a acalmou tantas vezes, aquela voz de um sádico e psicopata. Argh! Nenhuma palavra era suficiente para descrever o monstro que aquele homem era. 

          — Certo, Dr. Hayalk. Amanhã o conselho vai se reunir para o...  —  as vozes sumiram no corredor. Ela espiou pelo vidro transparente, não havia sinal de ninguém por ali. Estava fácil demais, entretanto não iria reclamar da sua própria sorte enquanto se encaminhava para o estômago da fera de concreto.

          Eles estavam vindo do elevador branco, só podia ser.  Sophia saiu do laboratório, agradecida por poder respirar normalmente, e seguiu apressada pelo corredor com o coração batendo acelerado. No final do corredor completamente branco estava o elevador, uma porta de aço dupla com a porta fechada quase invisível aos olhos, exceto pelo leitor de digital que brilhava em azul elétrico. Na lateral duas portas grandes de vidro levavam à salas com baixa iluminação. Antes que pudesse ter acesso ao sistema do subsolo algo puxou a sua orelha. Era uma sensação estranha de formigamento. 

          Não dava para ver muito no cômodo à esquerda. Uma luz alaranjada vinha de tubos na parede mais distante. O cartão de acesso destrancou as portas de vidro e em um clique elas se arrastaram. Havia algo naqueles tubos, em todos eles. Uma forma se mexeu sob o líquido alajando que lembrava gelatina.

          Sophia franziu o cenho. 

          Algo se mexia. Algo vivo. Uma mão tocou o vidro do tubo e ela abafou o grito.  

          Eram humanos. Humanos em tubos como em um filme de ficção científica. E a forma como se moviam, era como bebês no útero da mãe.

          Pressionou as mãos contra o rosto para que a sua respiração tremida não fosse ouvida. Sophia sabia o que era aquilo. Seu estômago se revirou tanto que quase vomitou o jantar. Ela focou nos tablets ao lado dos corpos, tentando achar um nome familiar. Por um instante teve medo do que encontraria. O coração batia tão alto que parecia um terremoto. O penúltimo tubo era o de seu chamado. Grace, Jason. 16 anos. 

          Olhou para o vidro. Não dava para ver quase nada, só bolhas e líquido viscoso.

           — Tá, certo. Respira. Você sabe o que fazer. 

          Seus dedos tremiam. Ela quase errou o código duas vezes, o que seria uma tragédia que faria todos os alertas tocarem. Estaria cercada antes que dissesse Mississípi. O líquido começou a ser absorvido por pequenos furos no chão. 

           — Vamos! Rápido!  — disse baixinho enquanto mexia distraidamente na corrente da pulseira. 

          Por um segundo tinha esquecido das pulseiras. Uma proteção necessária caso precisasse lutar. Duas pulseiras, uma em cada pulso, de bronze com L's formando meios quadrados. No braço esquerdo, uma pulseira mais delicada, com corrente feita de ouro e uma pedra que oscilava entre bege e marrom, a pedra de Galdo. De longe seu bem mais precioso.

          Glup. O líquido já estava na metade, ela agora podia ver o seu objetivo. O jovem loiro estava preso pelo pescoço. Ele era bonito, de uma forma quase irreal, como um filme sobre o garoto popular perfeito da escola. Suas feições eram firmes, seu corpo desenhado todo o corpo com músculos. E ele estava nu. 

          Sophia se forçou a manter os olhos para cima sentindo seu rosto corar. 

          Foi quando tudo deu errado.

           — Você não imagina a minha honra em recebê-la de volta, princesa.  — disse uma voz sarcástica vindo da porta de vidro.

 

 


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Notas finais do capítulo

Eita. Por que sempre tem que aparecer alguém?



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