Impossível escrita por kjuzera


Capítulo 12
"O sol já nasceu faz tempo"




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A cidade era exatamente como Bakugou lembrava. Saiu do castelo no que constatou ser o meio da manhã, mas sem saber exatamente quanto tempo ficou preso. Logo se deparou com um fervilhar de pessoas barulhentas sem a mínima noção de espaço pessoal. 

Com sua estatura acima da média e braços cobertos por tatuagens, Katsuki chamava muita atenção. Precisou usar sua capa fechada na frente, cobrindo seu peito e braços, mas mesmo assim ainda recebia olhares desconfiados. Cada esbarrão que ele levava nas ruas lotadas era um lembrete de como ele odiava aquele lugar. 

Caminhou para longe do castelo onde esperava encontrar algumas vielas mais tranquilas. Achou um lugar que parecia ser uma taberna e entrou. 

Estava vazia ainda, empregados ainda limpando o chão e as mesas sujas da noite anterior. Usou de toda educação que tinha para mandar servirem o maior assado disponível e perguntar se tinham um cavalo para vender. 

— Você tem dinheiro pra pagar? - a taberneira era uma senhora gorda e sardenta que perguntou sem parar de esfregar um pano sujo num caneco de cerveja.

Bakugou suspirou irritado. Puxou de seu saquinho umas três moedas e de mão aberta às bateu no balcão, impaciente. 

A taberneira apenas ergueu uma sobrancelha olhando para os moedas douradas que ele revelava. Sem se deixar impressionar, ela manteve o rosto neutro e rapidamente olhou para os lados checando se mais alguém estava olhando. Pegou as três moedas, as colocando no bolso do avental. 

— Eu vou precisar acender o forno e mandar buscar o cavalo. - ela disse com uma boa vontade que antes não parecia presente. - Vai demorar um pouquinho, você pode usar um dos nossos quartos para aguardar. 

Bakugou viu ela jogar pra ele uma pequena chave metálica com uma numeração. O bárbaro ficou sem entender pois obviamente não queria a droga de um quarto. 

— Você está fedendo, vai espantar meus clientes. - ela disse indo pra cozinha - Suba as escadas, último quarto à direita. Eu vou bater na porta quando estiver tudo pronto. 

O bárbaro teve vontade de discutir pelo insulto, mas precisou admitir que ela tinha razão. Talvez o cheiro de podridão daquela cela não estivesse impregnado apenas na sua mente, e sim em todo seu corpo. Fez como ela mandou e encontrou um quartinho até razoável apesar de toda a taberna ser de madeira e o chão ranger a cada passo seu. 

O quarto contava com uma mesa, uma cadeira e uma cama de aspecto limpo. No canto do cômodo também tinha um barril cheio de água, um sabão e uma tina. No chão, um buraco servia para escoar a água para o espaço ao fundo da taberna que ele via por uma janela. 

Comparado à cela que ele tinha passado os últimos dias, aquele quartinho era o paraíso. 

Deixou suas coisas no chão, para em seguida tirar suas botas e roupas, as largando de qualquer maneira. Foi até o barril de água e abriu a tampa, vendo o próprio reflexo na água parada. 

Não ficou surpreso ao perceber que realmente estava imundo. Seus olhos não estavam mais inchados mas os hematomas ainda eram visíveis. O nariz parecia reto e não doía, então considerou que só era feio mesmo. Tinha cortes na boca e no supercílio, mas não tinha perdido nenhum dente, então se considerou um cara de sorte. 

Jogou água no rosto e a sensação de frescor foi aliviante. Nem ele sabia o quanto estava precisando daquilo. Usou a tina para tomar banho, esfregando o sabão no corpo com vontade. O cheiro da glicerina não chegava a ser um perfume, mas era o suficiente para tirar a nhaca do corpo dele. 

Tomou cuidado ao limpar o corte no braço que, graças à Uraraka, tinha fechado bem, contando agora com um cascão que eventualmente deixaria apenas uma cicatriz. Lembrou que quando chegaram ao castelo ela tinha ido correndo tomar um banho quando lhe ofereceram. Depois voltou toda limpa e perfumada apenas para foder com a vida dele.

Jogou mais uma boa tina de água sobre a cabeça pra tirar o sabão do corpo. Ela devia estar feliz agora. Tinha conseguido salvar ele, libertá-lo. "Devia me agradecer", ela chegou a dizer quando foi levar comida pra ele. 

Agradecer o quê? Por deixar ele vivo pra ver a guerra que travariam com a tecnologia do mundo dela? Que honra! Jogou mais água na cabeça espantando aqueles pensamentos. Ele ia fazer uma boa refeição, pegar um cavalo e encontrar o Kirishima. Era esse o plano e ele ia seguir o maldito plano. Nada ia dar errado dessa vez.

Óbvio que como um lembrete o pequeno hematoma em seu pulso esquerdo queimou de leve. Cutucou a mancha e esfregou na água de todo jeito e nada dela sumir. A missão que tinha recebido de Hawks tinha um prazo para ser cumprida, sob uma pena que ele suspeitava ser mortal. Aquela mancha dolorida devia ser só o início. 

Detestava magia com todas as forças! Se Hawks era um mago tão poderoso por que não matava o cara ele mesmo?! Preguiçoso do caralho. 

Terminou de se banhar e foi pegar sua capa e calças que, puta que pariu, precisavam urgentemente de uma limpeza também, agora ele realmente percebia. Juntou tudo e enfiou no barril de água. Depois esfregou aqueles tecidos como se fosse a merda da cara daquele gavião desgraçado numa pedra. Nunca tinha lavado roupa com tanto gosto na vida. 

Quando estendia a capa na janela e as calças sobre a cadeira, bateram na porta. 

— Está pronto o assado!!! - a taberneira gritou do outro lado da porta.

A mulher só faltou gritar novamente, só que de susto, quando o bárbaro abriu a porta repentinamente, revelando sem pudor toda a magnitude da sua nudez. 

— Mulher, me arranje umas roupas secas. - ele disse sem nem se dar ao trabalho de se tapar. 

— Ah eh.. ahm.. sim.. ahr… - a taberneira corria os olhos pra cima e pra baixo em uma mistura de surpresa e admiração, sem saber se olhava bem para se lembrar depois ou se saia correndo. 

— Eu devolvo depois. - ele completou, achando que era esse o motivo da hesitação dela.

Ela não respondeu, apenas balançou a cabeça e saiu apressada pelo corredor gritando algo como "Jerry, meu filho, me arranja umas roupas suas, seu imprestável!!!".

O bárbaro seguiu sem entender a mulher enquanto ele comia seu assado no balcão da taberna, usando as roupas do filho dela que claramente eram pequenas demais para ele. Ela o encarava fixamente com a face rechonchuda toda vermelha enquanto esfregava a mesma caneca dezenas de vezes.

 

*~*~*~*~*~*~*~*

 

Com o coração na mão, Uraraka repensou várias vezes antes de concluir pela milésima vez que não havia outra maneira de parar Hawks. Mesmo que ela o atrasasse, mesmo que ela morresse, nada disso pararia o feiticeiro de buscar outros universos. Matá-lo era a única opção.

Engolindo o choro, ela vestiu seu avental de funcionária da cozinha que já tinha usado tantas vezes para ir visitar Bakugou no calabouço. Juntos eles conseguiriam bolar um plano. Não sabia exatamente a extensão da força do bárbaro, e talvez ele fosse o mais indicado para pensar nessa estratégia. 

Só de considerar que estava se tornando uma assassina, seu choro já ficava mais difícil de engolir. O que sua família e amigos diriam se soubessem? O que aquele mundo estava fazendo com ela? 

Desceu as escadas ainda meio trêmula, já com seu tradicional saco de lixo mal cheiroso em mãos.  Não tem outra alternativa, ela repetia para ela mesma. É o único jeito.

Chegou ao corredor do calabouço e viu que ao longe, onde normalmente ficava um soldado de guarda, não havia ninguém. Achou estranho, olhou para os lados buscando o sujeito, e nada. 

Sentiu algo muito ruim apertar em seu peito, a angústia de uma possibilidade que ela não queria aceitar de jeito nenhum. Não. Correu pelo corredor, passando a porta da prisão e indo direto até o fundo, passando por todas as demais celas semi abertas e vazias. 

O cheiro de esgoto nem a incomodou quando seus olhos bateram nos ferrolhos da porta que ela abriu e fechou tantas vezes. A porta estava apenas encostada, assim como todas as outras que ela passou. 

Empurrou com tudo a porta mesmo já sabendo que não encontraria ninguém lá dentro. Não podia ser verdade. Viu apenas os grilhões abertos presos na parede, e mais nada. Ninguém. A diminuta cela nunca pareceu tão ampla e vazia. 

Sem saber exatamente o que fazer, para quem recorrer, Uraraka correu de volta. Correu para fora do calabouço, subindo as escadas com passos largos. Não queria chorar, não podia chorar. 

Foi em direção às áreas mais movimentadas do castelo, onde várias salas tinham acesso restringido pelos soldados da corte. Correu pelos corredores procurando aquele maldito soldado que ela cumprimentou tantas vezes na porta do calabouço. 

Era inútil, todos eles lhe pareciam iguais, vestidos da mesma maneira, com o mesmo elmo estúpido. Não podia ser verdade. Ela não queria chorar, não podia, ninguém podia saber. Se viu próxima às cozinhas, onde muita gente circulava, soldados passavam escoltando nobres, empregados corriam para todos os lados atarefados, e ela simplesmente não tinha para quem perguntar. Ninguém podia saber.

— Ei, moça. - ela sentiu uma mão pesada cair sobre seu ombro. 

Olhou para trás assustada, os olhos já invariavelmente lacrimejando, o pânico aumentando. 

— Procurei você na cozinha mais cedo e ninguém sabia de nada, que sorte encontrar você aqui! - um homem de armadura disse simpático. 

Era o soldado. Aquele que guardou a prisão todos aqueles dias, quem ela estava procurando e que acreditava que ela trabalhava na cozinha. Nem ele podia saber.

— Ah sim… - ela disse esfregando os olhos - Eu não estava me sentindo bem essa manhã então... - ela falou sem ter certeza de que era uma boa desculpa para não estar na cozinha. 

O soldado pareceu não se importar nenhum pouco. 

— Era só pra avisar que não precisa mais levar o lixo lá pro calabouço, o prisioneiro foi executado ontem a noite. Ainda bem né, não aguentava mais ficar parado lá naquele fedor… 

A coisa ruim que ela sentia no peito, aquela angústia, a possibilidade que ela mais temia se concretizou como uma pedra caindo sobre ela. 

Tudo pareceu ficar em segundo plano em volta dela, nada era mais incisivo que a dor que ela sentia. Em volta dela as pessoas continuavam passando apressadas, o soldado em sua frente eventualmente foi embora e nada mais fazia sentido. 

Ela tinha se tornado a assassina que ela tanto repudiava mais rápido do que esperava. Bakugou tinha sido morto e a culpa era toda dela.

 

 

*~*~*~*~*~*~*~*

 

Hawks analisava alguns estudos antigos sobre equivalência de materiais quando ouviu passos apressados se aproximarem indiscretamente, para em seguida ter sua porta escancarada à força. 

— POR QUÊ?!  

O feiticeiro apenas largou o livro que lia e apoiou o rosto na mão, olhando com desdém a garota normalmente bochechuda mas agora extremamente inchada e vermelha pelo choro excessivo. 

— Você está atrasada. - ele disse simplesmente, para depois retomar a leitura - O sol já nasceu faz tempo e sabemos que seus olhos não vêem bem no escuro. 

— Por quê…? - ela repetia se debulhando em lágrimas, se permitindo cair sentada no chão. - Eu tinha a desculpa perfeita…. Você não precisava ter avisado ao rei! Não precisava!!!

Hawks suspirou retirando seus óculos, de saco cheio dos gritos e choradeira. Se levantou e foi onde ela soluçava e chorava abraçada nos próprios joelhos. Ele se abaixou ao lado dela, e a abraçou, como se a consolasse. Bem próximo, com a voz mansa e tranquila, ele murmurou:

— Não tem porque mantermos em nossas vidas pessoas que não têm importância, que não vão ter utilidade no futuro. Veja você, por exemplo, está viva ainda pois vai nos conseguir uma boa troca. - ele explicou enquanto afagava o cabelo dela. 

Uraraka queria empurrá-lo, tinha nojo dele a tocando daquela forma. Mas tinha medo, as ameaças ficavam ainda mais aterrorizantes nas palavras tranquilas. Ele pegou o rosto dela entre suas mãos, obrigando-a a olhar pra ele.

— Se eu fosse você, eu me concentraria exclusivamente na pesquisa pra tirar esses pensamentos ruins da cabeça. - ele disse passando os polegares em suas bochechas, secando as lágrimas que escorriam - Seria horrível se o príncipe Shouto precisasse de um novo escudeiro depois de tantos anos… Aquele garoto sardento é tão esforçado. 

Ochako sentiu que ia vomitar. Seu corpo todo tremia e a dor no peito era esmagadora. Seu choro virou engasgos e ela mal conseguia respirar. Hawks se afastou fazendo um último carinho no topo da sua cabeça como faria com um bichinho de estimação. 

— Vamos, vamos, ainda temos muitos livros pra ler. - ele disse animadamente - Vou inclusive acender umas velas para não cansar seus olhos. 


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Notas finais do capítulo

Então galera, muitos sentimentos nesse capítulo. Minha idéia original era deixar todo mundo pensando que Bakugou tinha morrido mesmo e depois revelar que o Hawks tinha libertado ele. Mas ficou tão triste e tão dramatico, que eu preferi evitar todo esse sofrimento e deixar ele inteirinho pra Uraraka. Coitada.

Próximo capítulo: "Tudo fica mais legal se tiver um nome legal."
Dia 20/06, sábado que vem! E estejam preparadas pois é um capítulo.... revelador eu diria.



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