Luar Puro escrita por Zena Faith


Capítulo 16
Assustada


Notas iniciais do capítulo

Não acredito, finalmente consegui corrigir todos os capítulos, e agora vou poder lançar os mais novos, muito feliz, espero que vocês gostem.
Nos vemos sexta feira, já estou com saudades.
Se houverem erros me avisem, as vezes escorrego na concordância, fiquei muito entusiasmada em postar esse capitulo.
Fiquem bem.



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Eu posso ver cada partícula flutuando no ar, como uma chuva de pequenos ciscos caindo por todo o mundo, uma coisa secreta e tão simples que inspirava de uma forma que podia fazer qualquer pessoa enxergar o mundo com outros olhos.

Tudo parecia em câmera lenta agora, meu mundo tinha congelado em uma sequencia para sempre.

Era torturante, doloroso e melancólico. Eu poderia muito bem estar submersa no mar, presa em uma bolha do desconhecido.

E não conseguia, em absoluto, nem quando me esforçava com todas as minhas energias, esquecer do momento em que tudo mudou, o momento em que meu mundo nunca mais seria apenas meu.

Era como um sonho vivido, cada lembrança carregada de um sentimento forte que impregnava minhas células com sensações fantasmas.

Terra molhada

Seus olhos, escuros e doces refletiam os meus próprios, carregando a dor da perda como um membro durante anos a fio, uma criança tomada de sua infância, o peso da força e responsabilidade crescendo junto ao animal que se apossava de nossas almas.

Chuva

Seu rosto risonho em cada fase de sua vida, apagando toda a dor e medo que vinha com os obstáculos, misturado ao meu sempre estoico enquanto os anos escapavam por meus dedos assim como a liberdade que era trancada comigo atrás das barras.

Fogo

Seu coração carregado de guerra e esperança enquanto seus inimigos vinham, o meu batendo em conjunto ao seu, gritando em coragem e desespero para fugir daqueles que roubaram minha vida e o amor que um dia conhecerá.

Vento

A sua alma em paz apenas á espera do que sempre lhe foi destinado, sua ânsia cantando uma canção que apenas alguém torturado e faminto poderia escutar em meio à corrida desesperada por esperança, pelo finalmente, por ter o sabor da própria liberdade.

Cada sentimento, cada sensação, cada olhar, cada descoberta, cada respiração, cada momento da minha vida de repente tinha se entrelaçado ao de outra pessoa, como se estivéssemos interligados desde o nosso nascimento, uma corrente adormecida apenas esperando o momento certo para ser acordada.

Toda aquela solidão, todo aquele sentimento de sempre estar sozinha, de ter um pedaço faltando... se fora.

Nada tinha sito mais assustador, do que ver um completo estranho se tornar o centro da minha existência.

Não fazia sentido, não podia ser possível.

Quando ele olhou em meus olhos, a sensação foi de desabamento, eu comecei a cair, meu corpo falhando e me deixando no chão, mas não era meu corpo, não, era algo mais profundo, incorpóreo, vital, algo vibrando no amago do meu ser.

Minha alma.

Não faz sentido...

Até agora, enquanto estou sentada na cama, meus braços se enrolando ao redor dos meus joelhos, mesmo agora, eu podia sentir essa sensação de flutuação debaixo dos pés, como se a gravidade não estivesse me segurando mais. Meu corpo estava contrariando meus comandos mentais.

Eu não respondo quando a batida na porta soa, meus olhos perdidos em pensamentos profundos e conflituosos, a semântica dos acontecimentos não fazendo sentido, não quando eu não tinha qualquer outra coisa para comparar com o que estava acontecendo com meu organismo, com minha cabeça e pior ainda... com meu coração.

— Você não pode se esconder no quarto para sempre, uma hora vai ter que sair e contar o que está acontecendo.

A voz de Bella flutuou pelo quarto e me enlaçou em seu tom divertido, não virei meu rosto quando respondi.

— Não estou pronta para falar ainda.

— Foi tão ruim assim?

Sua preocupação se acentua, uma brisa suave sopra meus cabelos quando ela se aproxima com destreza e rapidez, respiro fundo tentando absorver oxigênio suficiente para dar força ás palavras, a ação em si é mais difícil do que em todas as vezes que estive faminta ou machucada.

O cheiro de Bella também não ajuda, antes o que me confortava agora parecia incomodar, como um intruso invadindo o espaço ocupado em meus pulmões.

— Eu... eu não sei explicar, é por isso, não sei o que aconteceu.

Ela buscou pela cadeira giratória e a colocou a minha frente, se sentando com cautela, seus olhos fazendo uma varredura sobre meu corpo e rosto, procurando o que não estava lá de verdade.

— Eles te machucaram?

Uma pontada de familiaridade em sua voz me fez ter um momento de lucidez.

—Paul tentou.

Ela respirou fundo, de forma humana e preocupada quando não precisava claro, os vampiros nunca precisariam respirar, não pelo mesmo motivo que os humanos.

— Não estou surpresa com isso, ele também já tentou me atacar.

Isso prendeu minha atenção, o suficiente para me fazer virar o rosto e observar o comentário irônico dela, seus lábios se abrindo sobre um sorriso de dentes, brancos, retos e perfeitos.

— Ele fez isso?

As sobrancelhas de Bella se levantaram em afirmação, suas mãos colocando os cabelos para trás.

— Ah sim, eu ainda era humana, tinha acabado de descobrir sobre os lobos, não aconteceu nada de ruim, Jacob interveio.

Isso era típico de Jacob, ele era muito protetor, até quando não queria ser.

— Então... essa é uma reação normal dele?

Não imaginava o por que de Paul ter sido tão descontrolado com Bella, ainda mais quando ela ainda era humana e não representava ameaça nenhuma para ele, agora me sentia muito menos arrependida por ter feito ele se subjugar a mim.

— Bem, ele é instável, essa é a palavra para ele.

Uma cena rápida passou por minha mente, um lobo cinza escuro prendendo sua mandíbula em meu pescoço.

Não acho que o perdoaria tão facilmente.

— Violento soa mais adequado.

Sua risada fez meu rosto se contorcer querendo acompanhar a mesma ação, meus lábios se fecharam um contra o outro e inspirei mais uma vez com dificuldade. Bella não deixou passar despercebida a ação, seu cenho se enrugou e ela se concentrou.

— O que foi?

— Não consigo respirar... parece que o oxigênio... não sei, não parece suficiente.

Minhas palavras saiam sem folego, descompassados.

— Você não precisa ir para a escola hoje.

Eu tinha me esquecido da escola, me esquecerá do que tinha acontecido na piscina com Julian, tinha me esquecido do numero solitário de Erin na minha lista telefônica, tinha me esquecido da misteriosa e arrogante Silver... tinha me esquecido de tudo que andava me preocupando antes.

— Tem certeza? Pensei que a escola fosse importante, para me manter fora do radar.

— E é, mas se às vezes, quando você se sente mal, não é obrigado a ir, há maneiras de justificar uma falta, uma doença é a melhor delas.

— Simples assim?

— Não, na verdade, Alice vai ter que ligar, ou Jasper, imagino que eles não vão ficar muito felizes com isso, mas duvido que a obriguem a ir.

— Desculpe.

— Pelo quê?

— Não estar sendo sincera com você.

— Eu ainda acredito no livre arbítrio, mas você sabe, Edward não tem controle sobre seu dom, então espero que ache uma forma de não contar a ele, pelo menos, enquanto não estiver pronta para se abrir.

— Imagino que ele ficaria muito decepcionado em me tirar a informação a força.

— Não tanto, mas o suficiente para ficar envergonhado.

Com apenas um ultimo olhar ela sai do quarto, fechando a porta atrás de si, sou deixada mais uma vez, com toda a confusão dentro da minha cabeça, dentro do meu coração, dentro da minha alma.

E assim, revivo cada momento da noite anterior, com um novo medo, que não é nem ruim e nem bom, apenas desconhecido.

Parecia uma visão ou um sonho, eu não tinha certeza, estava paralisada pelo sentimento avassalador e por cada imagem da minha vida em se entrelaçando com a do estranho em uma ordem cronológica brilhante e clara demais, cada momento da minha vida dando significado a dele e vice versa.

Eu posso ver um bebê no colo de uma deusa indígena, um rosto delicado e cheio doçura com lindos olhos escuros risonhos, posso ver sua alma se expandir assim como os anos da sua vida mais tarde, uma criança correndo na praia entre seus pais, tão amado e protegido.

Eu posso vê-lo durante seu luto, quando a perda o atingir com tanta força, e uma raiva e tristeza gigantesca implodir em febre e descontrole, o levando a assumir uma responsabilidade muito grande, rápido demais, cedo demais.

Posso ver seus sorrisos, seus infinitos sorrisos iluminando o caminho de guerra, luta e medo... a pureza que ele mantém dentro de si apesar de todos os percalços e então... a forma como ele ainda continua, intacto, perfeito, puro.

Um adulto se formando em meio a uma vida simples e feliz, apenas esperando pacientemente, por aquilo que ele sabe estar guardado para ele.

Tudo que eu posso ver é ele...

Me lembrar do momento faz um arrepio escorregar por meus braços, a sensação é tão estranha e ao mesmo tempo acalentadora, como se fosse certo, mesmo que parte de mim lutasse para não aceitar.

Isso não foi o pior, eu achava que sentir-me daquela forma tinha sido o ponto alto, mas estava tão enganada, era apenas a ponta da grande bola de caos que eu me tornaria.

Eu vi como a febre ardeu em seus olhos, em como a nevoa prateada envolveu seu corpo de forma tão linda e fez seu corpo se transformar, o meu coração batendo tão forte e descontrolado, emocionado pela forma que ele se transformara... apesar de já ter visto tantas vezes em Sam, ou em mim mesma... nada se compararia ao que aconteceu quando ele se transformou.

Foi magico... como um milagre.

Foi realmente real?

Assim que ele assumiu sua forma e encontrou meus olhos foi como se o mundo estalasse.

De repente os polos se alinharam, como se cada ponta da minha historia, do meu ser, se ligassem finalmente, dando um significado único a minha existência, eu tinha acabado de me ligar para sempre aquele estranho, a partir daquele momento, eu era ele, e ele era eu.

Me senti sendo sugada pelo olhar dele e de repente eu não era apenas eu, eu era parte dele... e de algo maior também.

Nossas mentes estavam entrelaçadas, podia escutar seus pensamentos ecoando nos meus, uma confusão de lembranças e pensamentos, seu alivio colidindo com minha confusão, sua felicidade se misturando ao meu medo, um turbilhão de sentimentos colidindo.

É você...

Quem é você...

 

Finalmente...

Não entendo...

 

Nunca me senti tão completo...

Nunca me senti tão perdida...

E então piora, não somos mais apenas nós dois, uma cacofonia de vozes alvoroçadas cai como uma onda sobre nós, fazendo minha mente tinir em espanto com a força de cada pensamentos diferente e intruso, meus olhos procuram loucos ao redor, só para encontrar cada lobo do bando transformado, cada um me encarando, até mesmo Sam, sua voz se destacando apenas por um segundo acima da dos outros.

O que é isso!

Não é possível!

Estou tão confusa!

Não devíamos termos permitido que isso acontecesse!

Alguém me ajude, não sei o que está acontecendo!

Socorro!

É tarde demais, fomos expostos!

O que está acontecendo Ayira?

EU NÃO SEI!

Minha cabeça parece que vai explodir, eu não posso aguentar todos eles, não parece certo, precisa apenas parar.

Um uivo atormentado explode do meu peito e rasga pela noite adentro em busca de ajuda, e cada um dos lobos acompanha meu lamento com os seus próprios, como se meu desespero fosse forte e imposto o suficiente para força-los a fazer o mesmo.

É como uma canção única, um único uivo.

Estamos todos unidos, conectados e parece como uma maldição.

Minha agonia se afoga entre a deles, me sinto ser engolida por todas as memorias, todas as lembranças deles, estou sendo sufocada por uma enxurrada de pessoas que estão invadindo minha psique.

Não posso aguentar...

Um grito mental soa em minha cabeça enquanto um rosnado rasga a noite.

A dor é instantânea, como se algo se quebrasse, é tão físico e doloroso, posso ouvir ganidos e rosnados enquanto tento recuperar minhas forças para me levantar.

Eu me levantou freneticamente e olho ao redor em busca de uma direção para a qual correr, posso sentir o ar impregnado de desorientação, posso ver Sam sacudindo sua cabeça assim como os outros, mas há ele...

Seus olhos presos em mim...

Com um ultimo olhar que carrega todo o meu medo eu me viro e começo a correr, novamente, eu estou fugindo, minha alma cantando em desespero com a semelhança da minha primeira corrida por liberdade. Eu corro até os limites da terra que separa os Quileutes dos Cullen, e não paro de correr até estar em casa, até poder sentir a dor embaixo das minhas patas, como se estivessem em carne viva pelo meu desleixo e força desnecessária na corrida, meu peito parece que vai explodir, cada respiração mais difícil que a outra, tento uma, duas, três vezes, e apenas na quarta consigo me transformar de volta, há dor é tão cegante e estranha que quando venho a tona, meu corpo está envolto em pedra e frio, tão forte, tão descontrolado, eu sou apenas vampira agora, e bloqueio tudo, excluo tudo e todos ao meu redor.

Como um predador nato, eu escalo pelas arvores até poder ter acesso ao telhado, caminho com tanto leveza e silencio, ignorando qualquer pensamento, eu sou apenas um animal procurando por aquilo que almeja durante a tempestade: abrigo.

Meu corpo nu se impulsiona pela janela e adentra o quarto, todas as ações são mecânicas, sutis e elegantes, sem nenhuma aresta. Eu caminho até o banheiro e ligo a torneira para encher a banheira com a agua mais quente, pois estou tremendo, pelo gelo em meu sangue, pelo medo em meu coração, pelo desconhecido que desliza pela minha mente. Simplesmente entro na agua e me deixo afundar até todos os meus sentidos serem bloqueados, fazendo aquelas sensação de flutuar desaparecer por um momento apenas, em que eu possa fechar os olhos e fingir que nada aconteceu.

Eu fico lá até que a agua esfrie, ignorando a forma como minha pele parece sensível, ignorando meus pulmões, ignorando a sensação que desliza com intrusão de volta no meu corpo.

Não posso suportar...

Emerjo da agua e respiro com violência em busca de ar, passos no quarto fazem minha cabeça girar com brusquidão, meus olhos se fixam na porta como se pudesse ver através dela, inspiro com cautela, deixando o cheiro da pessoa que está em meu quarto invadir meus pulmões doloridos.

Alice.

Tinha estado tão presa na minha parte vampira que achará que ninguém teria percebido minha chegada.

Ela parece andar pelo quarto por um tempo, como se estivesse sentindo os cheiros, da mesma forma que eu, fico paralisada, esperando que ela vá entrar a qualquer momento no banheiro, isso não acontece é claro, todos respeitavam meu espaço, minhas vontades, os Cullen sempre me ensinaram o conceito de privacidade, e não tentavam me importunar quando percebiam minha distancia, não quando não havia sinal de perigo para todos.

Como se finalmente encontrasse o que queria, sinto a presença dela se dissipar, ela sair do quarto e eu posso relaxar meus ombros novamente, pois sei que não serei abordada, não está noite ao menos.

Me levanto da banheira com dificuldade, estava a tanto tempo emersa, preocupada em me livrar daquela sensação que não percebo se alguém tinha percebido minha chegada silenciosa.

Internamente, é como se um peso me puxasse para baixo, externamente, meus pés pareciam flutuar a cada passo.

Ainda sinto todas as marcas vibrando na minha pele, todas aquelas pessoas estranhas, lobos, agora parecem fazer parte de mim.

Não parecia querer ir embora.

Ignorando tudo, eu me visto e me arrasto até a cama em busca de conforto debaixo das minhas cobertas, tento acalmar minha cabeça com pensamentos sobre lugares quentes e macios, ou agua corrente, ou floresta... terra...

Dou um safanão no travesseiro e choramingo em agonia enquanto sou invadida novamente por ele...

Minha noite é agitada, não paro de rolar na cama, meus sonhos são cheios de olhos caramelo de lobo, pelos cor de areia, terra e cinzas...

Fico sentada na minha cama por tempo demais, os sons cada vez mais audíveis da cozinha começam a me chamar, assim como o cheiro saboroso de algo que Esme está preparada para ninguém além de mim. Forço-me a deslizar pelo colchão até ter minhas pernas suspensas acima do chão.

Observo eles balançarem, tentando assimilar essa estranha sensação de flutuação.

O que está acontecendo comigo...

Visto-me com um vestido qualquer que encontro e desço até a cozinha, Esme não está lá, há apenas um prato com algo delicioso sobre a mesa, faço minha refeição calmamente, e percebo que a casa está em completo silencio, o que significa que os Cullen estavam caçando. Depois de terminar subo novamente para meu quarto e permaneço deitada, perdida em um olhar fixo enquanto o tempo se consome, e assim deixo passar o dia, não me importo com a distancia dos Cullen, ou a ausência de Sam em um dia normal de treinamento, paro de pensar assim que lembro da sensação dele dentro da minha cabeça.

Acabo ficando tão cansada que caio em um sono pesado e sem sonhos, acordando apenas quando o dia amanhece novamente.

Decido com um suspiro de resignação que não faltarei a aula novamente, me levando da cama e me arrumo normalmente, quando desço para a cozinha Esme está flutuando ao redor enquanto prepara uma refeição. Rosalie está sentada a mesa fingindo ler uma revista de moda.

Caminho cautelosa até uma cadeira longe o suficiente dela e sorrio de volta para Esme.

— Bom dia, está se sentindo melhor?

Fico tensa assim que escuto as palavras, mas então percebo quão mundanas elas soam, é quase como se ela não tivesse percebido a forma estranha que eu agi no dia anterior ou na noite em que voltei de La Push. Fico encarando seu rosto até conseguir construir a frase correta.

— Sim, estou.

Era a pior das mentiras, eu não gostei de mentir para Esme, ou para mim mesma.

Ela colocou um prato cheio de croissants a minha frente, junto com manteiga, geleia e creme de leite, comecei a comer imediatamente e agradeci quando ela depositou uma xícara de chá ao meu lado.

Ainda me sentia sem folego, e um pouco incomodada com a consistência da comida em si, não estava ruim, porque tudo que Esme fazia era uma delicia, mas, não sei... meu corpo parecia pedir algo mais leve, quente...

Peguei a xícara com pressa e tomei um grande gole, ignorando a sensação de queimação que passou por minha garganta, provocando lagrimas de dor nos meus olhos, voltei a comer sem demostrar quão estranha eu parecia.

— De quem é o enterro?

Engasguei assim que Emmett entrou na cozinha com seu sorriso esperto iluminando o ambiente com humor, ainda tossia com esforço tentando fazer o pedaço de pão descer por minha garganta quando Rosalie levantou seus olhos cheios de desconfiança em minha direção.

— Não me diga que você se tornou uma criança gótica!

O momento não poderia ser mais inconveniente, a luz de todos os meus recém adquiridos problemas, meus recém familiares agora pareciam querer construir uma situação rotineira de insultos e comentários sarcásticos.

— Não a torturem vocês dois, apenas ignore-os querida.

Tomei outro gole de chá e respirei aliviada quando minha garganta se viu livre novamente, procurei o rosto de Emmett e não encontrei nada menos que sua expressão costumeira de quem vai aprontar, Rosalie ao seu lado jogou o cabelo para trás com um gesto elegante e altivo enquanto virava mais uma pagina da revista. Percebi que tinha sido sugada para a normalidade deles e me esquecido por um segundo da sensação de falta de ar que me acompanhava, ou flutuação estranha do meu corpo.

— Então, pequena lobinha, por que todo o visual dark?

Olho para baixo e franzo meu rosto para minha própria roupa. Não tinha feito grandes esforços para me vestir, ou reparado em como tinha combinado as calças pretas com um moletom também preto.

— Ao menos ela está usando botas bonitas.

O sorriso convencido de Rosalie era obvio, eu estava usando seu presente, não era atoa que ela estivesse satisfeita, seus olhos me analisaram de forma avaliativa, quando se levantou largando a revista senti meus ombros endurecerem.

— Se cabelo está maior – ela se colocou as minhas costas e segurou a massa farta de cabelo negro em um rabo de cavalo e em seguida soltava por minhas costas – quer uma trança?

O cabelo bateu alguns centímetros abaixo da cintura, não tinha percebido seu crescimento, andara mais distraída do que tinha imaginado, assenti para a oferta da loira para trançar meu cabelo e relaxei meus ombros enquanto ela trabalhava.

— Então, minhas resposta?

Emmett tinha suas sobrancelhas erguidas em impaciência, foquei minha visão em seu rosto e balbuciei nervosa.

—Oh... eu não estou indo para um enterro, ou... tentando ser uma criança gótica, como Rosalie apontou.

— Que pena... achei que haveria mais ação sobre a reunião dos índios...

— Emmett!

Esme usou uma colher de pau para lhe dar uma palmada de advertência, a pobre colher se quebrou com o impacto, mesmo que não tivesse havido força no gesto em si, Esme ficou boquiaberta enquanto a montanha de músculos balançava de forma descontrolada entre gargalhadas, dei um pulo desconcertado para longe de Rosalie fazendo-a largar a trança não terminada.

— Preciso ir.

Sai da casa em disparada antes que qualquer outro Cullen me parasse, entrei no meu carro, saindo em disparada, o mais longe que eu podia. Eu precisava resolver isso, uma hora ou outra eu precisaria falar com eles, ou Edward falaria por mim. Por que no minuto em que ficássemos no mesmo espaço, ele teria acesso a todos os meus pensamentos e os iria expor para todos os outros, não seria nada agradável. Meu cabelo estava começando a se soltar da trança, não me incomodei em prende-lo, tudo que eu queria era enfiar meu rosto por baixo dos fios negros e desaparecer, para sempre, me sentia tão envergonhada.

Minha reação ao redor dos Cullen era injusta, depois de tudo que fizeram por mim.

Puxei uma respiração fina quando estacionei o carro e desci, entrei na escola sem me incomodar em olhar para os lados, só segui o fluxo e entrei na sala da minha primeira aula.

Ter o que pensar é reconfortante, forço meu cérebro durante as aulas, me concentrando em cálculos, em compostos químicos e em soluções matemáticas, é melhor, mais confortável do que os pensamentos em que insisto em empurrar para a parte mais fechada da minha mente. Quando chega o horário do almoço sigo em direção ao refeitório sem me importar com os olhares ou a motivação que me levou a adentrar no aglomerado de crianças, deixo todos os cheiros me invadirem, fazendo cada agulha em minha garganta cantar em fome.

Me sento próxima as janelas e encaro a paisagem cinza lá fora enquanto cutuco minha comida.

A sensação é de estar fingindo, fingindo não ver, fingindo não saber, fingindo não sentir.

Não poderia estar mais feliz ao ser abordada de maneira tão abrupta por uma pessoa familiar.

— Sabe, quando te dei meu numero não pensava que estaria dificultando as coisas ao invés de facilitando.

Erin estava como sempre, usando suas palavras difíceis e cheias de uma intromissão, como se não tivesse nada a perder se não a oportunidade de fazer algo a respeito dos seus quereres. Soava irritante, mas de uma forma complicada, me interessava.

Ela se sentou na cadeira ao meu lado direito e depositou sua bandeja na mesa com cuidado, ajeitando sua maça verde quando ela rolou vagarosa pela mesa, seus olhos se voltaram para meu rosto assim que ela terminou a pequena tarefa de organizar sua comida, e fiquei mais uma vez cativada por seu semblante curioso.

— Você não come carne vermelha.

Como uma pessoa faminta, não deixei o detalhe passar despercebido, porque tudo de comestível em sua bandeja consistia em tons verdes, vegetais e cereais, nenhum tipo de carne, nada derivado.

Seus olhos brilharam e ela umedeceu os lábios com aponta da língua, era mais rosa do que vermelha, assim como o tom dos seus lábios.

— Ah não, eu sou vegana!

— Vegana?

Testei a palavra em minha língua e senti a questão se acentuar ainda mais.

— Você deve ser uma daquelas carnívoras de carteirinha, só isso para explicar seu desconhecimento sobre a arte comestível, o que eu até entendo, porque só alguém carnívoro poderia ter uma aparência tão forte e perfeita como a sua, diferente da minha, é claro, sou um completo fantasma se dissolvendo na existência da humanidade...

— Está divagando.

Não sei por que a interrompi, nas vezes anteriores em que estivemos tão próximas seu falatório me deixou confortável, então, não podia entender o porquê de agora estar me deixando inquieta.

Dei uma inspiração forte e esperei por sua resposta.

Mel e canela...

Seus olhos se arregalaram com uma emoção e o sorriso se abriu com outra.

—Ainda bem que você me interrompeu, só Deus sabe até onde eu iria.

— Então, uma vegana é uma pessoa que abomina carne?

— Eu não diria que se odeia a carne em si, é mais a matança dos animais.

— Está é sua causa?

— Mais ou menos, bem, esse não é o assunto que eu queria trazer a tona, só me distraia em meu próprio nervosismo e sai pela tangente, enfim, você não quer ficar entediada com meu papo de ativismo e direitos dos animais, só, vamos esquecer essa parte e nos concentrar no principal...

— Qual é o principal?

Minhas sobrancelhas se franziram quando ela fez esse grande gesto com as mãos e exclamou de forma animada.

— Seu sumiço!

— Faltei apenas um dia.

— Bem, tem isso e também tem o incidente na piscina do qual todos estão falando.

Cada pelo do meu corpo se arrepiou, no final, eu tinha deixado uma impressão, e agora precisaria despistar todas as discrepâncias da minha pequena cena da aula de natação.

— O quê quer dizer?

— Pois é, todo mundo anda falando de como a estrela aquática salvou você de um afogamento na aula de natação, então imagino que a falta seja o motivo de você ter se ausentado, você está bem? Houve alguma complicação? Como agua no pulmão ou qualquer coisa do tipo?

Eles não tinham percebido então, a forma estranha como eu agi.

— O quê?

— O que eu quero dizer, em palavras mais simples, na verdade, é o que eu quero perguntar, então, você está bem?

Seus olhos azul e lilás pareciam profundamente preocupados, seus lábios numa linha fina de tensão.

— Estou.

— Então... não foi por isso que você faltou?

— Não.

— Ah meu Deus! Eu sabia!

— De que?

— Não quero ser indelicada nem assustadora, mas bem – ela soltou uma risada nervosa e estreitou seus olhos – mas já sendo, obvio, quando você não entrou em contato, fiquei um pouco curiosa, na verdade, extremamente curiosa, e meu extremismo se juntou a preocupação após saber sobre o incidente. Eu meio que posso ter, sabe, procurado informações sobre você?!

Suas mãos se juntaram em um gesto de desculpas, sua cabeça encolhendo em vergonha verdadeira, mostrando que mesmo tendo se esforçado muito ela ainda se sentia culpada por procurar tanto sobre mim.

— O que você fez?

— Peguei seu arquivo na sala do diretor! Pronto! Falei!

Suas duas mãos se recolheram com pressa quando ela tapou a boca e fechou os olhos, apenas esperando por meu sermão. Eu não pretendia algo assim, porque não me sentia preocupada, não desde que Jasper tinha assegurado todas as informações que constavam no meu arquivo escolar. Todas forjadas e feitas com perfeição absoluta para demonstrar um histórico perfeito e acreditável, como o de qualquer outra criança de dezesseis anos.

Não havia nada a temer.

— Isso é algo ruim?

— Ah sim, é, é horrivelmente ruim, ainda mais quando a pessoa que anda vasculhando seu passado está tentando duramente ser sua amiga.

— Você quer ser minha amiga?

— Por que você está ignorando completamente o fato de que acabei de confessar que andei investigando você? Não se sente... sei lá, um pouco, insultada?

— Não, não me sinto – meus olhos analisaram os seus olhos lilás e azul procurando por medo - você está se sentindo insultada?

— Não, só mortalmente envergonhada e culpada é claro, porque você acabou de se mostrar ser uma pessoa bem aberta e compreensível, me fazendo sentir uma pirralha sorrateira, imatura e insegura, sem contar mesquinha por estar tentando achar algum defeito em você.

Minha risada surgiu de lugar nenhum, e demorei a processar a reação em si enquanto via o rosto de Erin se franzir em confusão e então se decompor aos poucos numa risada cumplice.

Eu estava rindo dela, de sua total e completa falta de papas na língua.

Erin seria uma péssima adulta um dia, do tipo que se entrega ao primeiro sinal de intimidação.

— Você tem uma risada linda...

Foi à frase pequena, simples, carregada de coisas não ditas, provavelmente a coisa mais normal que ela me disse desde que nos conhecemos, e mesmo assim, me fez respirar e controlar meu rosto, meus olhos analisaram seus cílios da cor da neve, suas bochechas coradas.

— O que você descobriu?

— Quer mesmo que eu diga? Tem certeza que não está brava?

— Não estou, apenas curiosa sobre suas suposições.

— Bem, quem está curiosa de verdade sou eu, porque, caramba, você é um deles, você é um dos Cullen!

Não entendi toda sua admiração.

— Na verdade, eu não sou, meu sobrenome é Hale.

— Bem, sim, mas seu pai é casado com uma Cullen, o que faz você automaticamente ser uma também, quer dizer, ainda estou confusa sobre seu grau de parentesco e tudo mais...

— Eu sou adotada.

— Oh meu Deus, então os rumores são verdadeiros, os Cullen são realmente ligados à adoção.

— Não entendo, o que isso tudo tem a ver com eu ter faltado uma aula?

— Desculpe, fugi do assunto novamente, apesar de estar bem impressionada com sua arvore genealógica nada convencional, o que não é ruim claro, na verdade é bem incrível, você vem de uma família que possui o gene beleza na palma da mão, e nem possuem ligação sanguínea para isso...

— Erin.

— Ok, ok, enfim, todo mundo conhece sua família aqui, afinal, eles se formaram nessa escola, e bem, todos conhecem as historias, porque tipo, eles são lendas praticamente.

— Que lendas?

— Bom, só usei a palavra para dar ênfase, a coisa é, ontem foi um dia lindo, brilhante e ensolarado, e como disse, as historias eram bem insinuantes, como a sobre o sumiço repentino dos Cullen assim que o sol decidia aparecer.

— Do que você...

— Olha não tenho nada contra, deve ser muito legal acampar no meio da semana e tudo mais, no entanto, sendo a nerd que sou não vejo vantagem em perder conhecimento para simplesmente se embrenhar na mata para observar a “mãe natureza”.

— Ah.

Por um segundo temi que Erin e sua curiosidade desenfreada junto a todas as impressões sobre os Cullen, tinham a feito chegar à conclusão do que eles eram, e isso fez meu coração gelar e minha mente temer pelo bem estar dela.

Meu suspiro foi de alivio completo, mas ela o interpretou como sendo apenas concordância.

— Não estou julgando nem nada, mas ir acampar fazia mais sentido do que um problema de saúde, ao menos na minha cabeça, bem, digamos que eu estava tentando prever o melhor, e isso consistia em você estar completamente bem, claro.

— Então você...

— Não me diga que você já está vasculhando a sujeira no passado da novata Erin!

Rosas e neve...

Torturada... é assim que me sinto ao descobrir o cheiro de Silver.

Por que esses humanos precisam cheirar tão bem? Porque se distinguem de todos os outros e me prendem em sua teia?

Ela se senta a minha esquerda de forma elegante enquanto cruza as pernas, colocando apenas uma garrafa de agua importada sobre a mesa e uma embalagem chique de salada, talvez ela também tenha aderido ao estilo vegano.

Seu batom vermelho e profundo é aplicado com precisão nos lábios, assim como o traço sobre as pálpebras, deixando seus olhos com uma aparência felina.

Ela interrompe nossa conversa com um aviso implícito no tom de voz, uma advertência para ter cuidado com a sorrateira e divertida Erin, está que ao meu lado tem um grande fluxo de sangue se redirecionando para o rosto, seus olhos se desviam e ela está se levantando enquanto sussurra uma desculpa mal planejada.

— Eu, preciso, estudar mais, então...

— Está mesa possui oito cadeiras, há espaço o suficiente, assim como as outras quarenta mesas no refeitório, incluindo as que estão do lado de fora, não imagino qualquer motivo para você se retirar, além do motivo de Silver, que não se fez clara desde que se sentou.

Sou metódica, a forma como a garota se introduziu foi intencional, ela queria impor a Erin que saísse, não me senti confortável com sua arrogância, não se tratando daquele momento. Apesar de todo meu instinto gritar que eu queria mesmo que Silver estivesse aqui, uma parte também se sentia inclinada a pedir que ela se retirasse caso não pedisse desculpas para Erin, que estava aqui desde o começo.

Não decidi, afinal, as duas não tinham sido convidadas a minha mesa, elas simplesmente se sentaram sem meu consentimento ou opinião. Então as duas que lidassem com isso.

— Ok, tudo bem, tá, eu fico.

Erin parecia toda agitada quando se sentou de volta esperando pela reação de Silver, meus olhos se voltaram para a morena e esperei, seus lábios se torcendo enquanto ela levantava uma sobrancelha de forma zombadora para a albina.

Ela não olhou para mim. Mas deu um suspiro de desdenho.

— Tanto faz.

E simples assim, abriu sua embalagem cara e começou a comer, suas unhas brilhando numa cor prateada enquanto segurava um garfo plástico, ao meu lado Erin começou a comer sua própria comida, foi incentivo o suficiente para eu parar de remexer a minha própria e experimentar o peixe grelhado que Esme tinha guardado em minha mochila enquanto estava distraída com o café da manhã e a conversa insinuante de Emmett e Rosalie.

— Então, quando você vai parar de bancar a raça superior e falar com a gente?

Estava se tornando uma inquisição, primeiro Erin chegava com toda a sua intromissão exigindo o porquê de eu estar demorando tanto para mandar uma mensagem, e agora Silver com sua arrogância característica totalmente em desacordo com a aproximação casual.

Eu não sabia o que pensar de nenhuma das duas.

E não precisei pensar em uma resposta, pois Erin saiu a minha frente.

— Você não precisa ser sempre tão...

— Ser o quê Erin? Uma intrometida stalker como você?

Ela cortou qualquer tipo de comentário engraçadinho que a albina estava prestes a fazer, o sorriso que serpenteava pelos lábios finos e róseos da garota morreu assim que Silver lhe direcionou o olhar gelado.

Ela tinha esse poder sobre Erin, como se soubesse demais.

A albina murchou ao meu lado e Silver se voltou para mim.

Seu olhar diminuindo de intensidade ao encontrar com o meu, era bom saber que ela não conseguia manter a mesma atitude para comigo, Rosalie estava certa, eu exercia certa intimidação sobre as crianças humanas.

Não o suficiente para afastar Silver ou Erin.

— Então, por que o sumiço?

Ela tinha o mesmo olhar da albina quando me abordará, era a mesma curiosidade sobre o dia de acampamento misterioso da minha família, ao meu ver os Cullen ainda não tinham sido apagados totalmente da memoria dos habitantes de Forks.

— Eu estive doente.

Tinha acabado de perceber que respondera a questão anterior de Erin, ela me olhou com as sobrancelhas franzidas em preocupação, e Silver parecia mais intrigada do que satisfeita.

Não era mentira, eu estava realmente me sentindo doente, havia essa falta de ar persistente, como se não houvesse oxigênio suficiente ao meu redor, sem contar na irritação cada vez mais crescente que todo aquele falatório estava me causando.

Sentia meus poderes se ampliando, tendendo mais para minha metade lupina, a febre quente e instável fazendo minha pele brilhante.

— Então não foi apenas um simples incidente, você se afogou mesmo!

— Não exatamente, foi outra coisa.

— Ela não teria como ficar doente, não depois de dar um show na aula, Julian estava certo.

Eu estivera certa desde o inicio, Silver e Julian eram realmente íntimos, se não por que ele iria comentar sobre o que aconteceu na piscina?

Fiquei realmente preocupada com o que ele teria dito e não controlei meu interesse em saber.

— O que ele disse?

Ela abriu um sorriso malicioso e desviou os olhos para a comida.

— Que você é um golfinho.

— O que isso deveria significar?

Erin conseguiu transmitir em suas próprias palavras toda a minha confusão sobre o comentário, mas a morena não respondeu de forma amorosa.

— Significa, sua stalker não tão boa assim, que ela é uma atleta profissional.

— Eu não sou.

Suas sobrancelhas elegantes se franziram sobre os olhos que se reviravam com impaciência.

— Bom, seja qual for o seu motivo para esconder todo esse talento, ele não vai ficar no escuro por muito tempo, o treinador vai recrutar você para a equipe.

— Mas eu não...

— Não se preocupe, Julian não é ciumento, na verdade, ele está ansioso para dividir o pódio com você...

Eu as bloqueei, minha cabeça parecia ter um enxame de abelhas brigando por palavras, era como estar com o bando novamente, suas vozes brigando por atenção enquanto minha sanidade se decompunha de forma violenta, brigando por um espaço apenas de silencio.

Elas estavam falando ao mesmo tempo, suas bocas se mexiam, mas eu não podia escutar som algum de suas palavras, meus olhos se estreitaram e a sensação de fome queimou caminho adentro, se transformando em outra coisa, num fogo vibrante que se espalhava espasmodicamente desde minha cabeça até as pontas dos dedos dos pés.

A febre me atingiu como uma bola de fogo.

— Ayira você nã... – a mão de Erin tocou a minha e imediatamente a arrancou, seus olhos se arregalando – você está ardendo em febre!

A cadeira fez um som horrível quando eu a arrastei na minha pressa em me afastar, o rosto de Silver franzindo em desdenho quando seus olhos encontraram os da albina, como se ela tivesse feito algo errado.

— Você não pode deixar de ser inconveniente por um minuto não é?!

Peguei minha mochila do chão e respirei fundo, tentando ignorar todos os cheiros que invadiam meus pulmões, ou a falta de ar que me fazia tremer.

Canela, mel, rosas, neve...

— Eu preciso ir, desfrutem da companhia uma da outra, até mais.

Eu as deixei com suas expressões de consternação e segui em direção saída com um novo tipo de desespero, um que exigia que eu fizesse algo que não estava nem um pouco ansiosa para fazer.

Estou sufocada, me afogando no ar ao meu redor e só preciso sair dali, só preciso de ar puro, só preciso atravessar esse corredor e seguir em frente até que esteja bem longe, mas como se o momento não fosse desesperador o suficiente, me vejo de frente a um obstáculo, um teste.

Logo a minha frente está o diretor, que tem uma expressão de desconfiança impregnando seu rosto velho e cansado, a primeira coisa que sai da sua boca e uma implicação cheia de acusação disfarçada de formalismo.

— Tudo bem senhorita Hale?

Eu não sei o que dizer, estou paralisada, prendendo minha respiração, algo treme no meu peito, vibrando, como se quisesse sair para fora.

Agora não...

Julian aparece do nada, banhado em uma nuvem de carisma, seu corpo exalando cloro e mar e alecrim quando para ao meu lado.

— Ei, ai está você, por que a demora?

Aquele sorriso, aquele sorriso sincero e feliz é um balsamo para minha inquietação, meus ombros desabam em alivio e solto minha respiração com calma, sentindo a falta de ar diminuir.

— O que está acontecendo senhor Rodriguez?

Os olhos de Julian brilham com malicia quando ele me olha e logo em seguida se direcionam para o diretor, ele abre ainda mais seu sorriso brilhante e coloca as mãos dentro da jaqueta do time de natação.

— Muita coisa na verdade, o professor Emmanuel está impressionado com nosso trabalho em dupla, ele pediu que fossemos até ele no horário do almoço, pois acredita que nosso conhecimento pode ser de muito aproveitamento, então decidiu que vamos apresentar para toda a turma, você sabe, dar uma aula, na linguagem adolescente e tudo.

Ele é perfeito, não bombeia uma vez sequer, me vejo olhando para ele com admiração pois nunca conseguiria inventar qualquer coisa que fosse para enganar alguém, eu era uma péssima mentirosa e não escondia isso.

— Sobre o que é o trabalho de vocês senhorita Hale?

Bem, eu não estava livre de toda forma, os olhos desbotados do diretor estavam em meu rosto, sua atenção fazendo um fio invisível puxar algo mais primitivo dentro de mim que acendeu minha irritação, a febre se acentuou, quase podia sentir ela se expandindo ao meu redor, minha voz saiu impaciente e certeira.

— DNA.

Meus olhos seguraram os seus esperando pelo momento que ele me desmentiria.

— Apenas DNA?

— Não, é sobre as possibilidades de mesclagem nos seres humanos e suas raças.

Um rosnado crescia dentro do meu peito, segurei a respiração e esperei.

Não se transforme...

— Soa mais legal quando você fala.

Julian sorri impressionado pela mentira elaborada, se ele soubesse...

— Bem, isso é impressionante, que bom que estão se dedicando dessa forma, preciso ir, não fiquem muito tempo por aqui, o horário de almoço esta quase terminando.

Esperamos até que o diretor vire no próximo corredor, assim que ele some eu me viro e continuo a caminhar rapidamente em direção a saída, para fora do colégio.

— Ei, ei, onde você vai novata?

Sua mão agarra meu braço, fico tão chocada com seu toque que me deixo ser puxada e me desmonto em uma bagunça confusa, surpresa e frenética de descoberta.

Ele está me tocando, de novo.

— Preciso sair daqui.

Eu digo sem folego olhando para sua mão em meu braço, eu sei que não é um toque de verdade, porque há tecido entre nós, uma camada segura de algodão entre nossas peles que me impede de agir de forma estranha pela ação tão simples. Ele afrouxa o aperto até soltar meu braço e eu levanto meus olhos para o seu rosto repentinamente preocupado, toda a posição relaxada e carismática caiu.

— Por quê? O que aconteceu?

— Eu não sei se você entenderia.

Eu falo a verdade, minha voz falhando enquanto tento respirar de forma normal. Seus olhos fazendo uma varredura apressada por meu rosto, meus dedos estão tremendo assim como minhas mãos, cruzo os braços para escondê-las, fico tensa quando ele se aproxima mais, apenas uma barreira de ar entre nós.

Seus olhos estão grandes demais, verdes demais, gentis demais.

— Tente.

— Eu sinto muito, não posso... não agora.

Ele parece ponderar ao ouvir a suplica na minha voz, como se entendesse que o momento não era o certo e se dependesse de mim nunca seria.

Ele assente e engole, seus olhos baixando, quase posso sentir uma afirmação que garante que ele não vai deixar para lá, Julian não parecia o tipo de pessoa que esquecia as coisas, eu ainda esperava pelas suas perguntas depois do que aconteceu na aula de natação.

— Ah, tudo bem, tomara que você consiga resolver, seja o que for.

Ele sorri daquela forma novamente, seus olhos comtemplando meu rosto com algo que não sei identificar e que me deixa alerta demais, desvio meu olhar e dou alguns passos para trás antes de parar e suspirar um agradecimento.

— Obrigada por me ajudar, Julian.

Ele cora, seu sorriso diminuindo para apenas uma pontinha tímida inclinada no canto da boca.

— Quando precisar.

Sem mais delongas vou embora.

Entro no carro e abro todas as janelas ainda em busca de ar, mas principalmente, do meu passe livre, dirijo em direção as terras Quileutes, até a casa de Sam, usando apenas o seu cheiro para chegar lá.

Não é difícil encontrar sua casa, é apenas um lugar simples e confortável no meio da floresta, estaciono o carro e fico parada esperando, inspiro com cuidado e deixo a floresta, a agua e a terra me invadirem, assim como o cheiro sorrateiro dele.

Paul.

Seu cheiro e sua presença se fazem presentes, o lobo escorregando do meio da floresta, ele trota lentamente e para em frente ao meu carro, entre eu e a casa, com um aviso, ele está bloqueando meu caminho até seu alfa. Quando sai da escola e dirigi as cegas até aqui não imaginei que precisaria lutar uma batalha antes de chegar a Sam, estava me acostumando com as ações humanas e me esquecia de que meu mundo era dividido em dois, nada era simples.

Meu próprio lobo não está longe, apenas uma ação de Paul desencadearia minha transformação, tudo que ele precisava fazer ela agir, e eu explodiria para fora deste corpo e faria o que ele tanto queria. Minha pele poderia muito bem estar em chamas neste momento, assim como meu interior.

Sam sai de dentro da sua casa acompanhado por Encantad, ele assobia feroz e Paul vai embora contrariado.

Meu suspiro é mais de alivio do que de impaciência.

Desço do carro e caminho até ele, ignorando todos os avisos que gritam para que eu cuide das minhas costas, onde eu sinto cada olhar venenoso de lobo me atingir como flechas.

— O que foi?

Minha respiração é descompassada, ofegante.

— Tem algo errado comigo... preciso que você me diga o que está acontecendo.

Não controlo mais a tremedeira, só me deixo ir, meus olhos queimam com lagrimas não derramadas de agonia e o medo de aquilo acontecer de novo.

Sam me encara com o mesmo medo, ele tanto quanto eu não entende o que aconteceu na noite anterior, e por isso se manteve afastado, se ele não foi até mim foi porque esperava que eu fosse até ele, no entanto, agora, frente a frente, é como se ele não soubesse como agir.

Emily olha para o marido com uma expressão sofrida de compadecimento, diante da confusão de Sam ela dá um passo à frente e sem medo ou cautela coloca um braço ao meu redor, no primeiro momento me sinto tensa, mas assim que seu braço está ao meu redor, é como se fosse Bella ou Alice, o toque transmite apenas conforto e eu relaxo, meus olhos procurando os dela em busca de ajuda enquanto respiro com força.

— Venha querida, vamos fazer algum chá para você.

— Ok...

Deixo que ela me leve para sua casa, Sam está logo atrás, como se não tivesse certeza em confiar na minha instabilidade, vigiando todo o caminho até dentro da casa.

Emily me coloca sentada numa poltrona velha que cheira a Sam e lobo e joga uma manta de cores bonitas sobre meus ombros, suas mãos num movimento de vai e vem para me aquecer, em seguida ela caminha até a cozinha e coloca uma chaleira no forno, Sam continua de pé seus olhos em mim.

Sam não parece nada como antes, só está lá, paralisado, como se eu fosse um ponto qualquer que ele estivera encarando por muito tempo, perdido em seus pensamentos. Viro meu rosto sentindo-me envergonhada por encara-lo tão abertamente quando não tinha ciência nem de si próprio.

Eu tinha vindo até ele, e precisava que fosse forte o suficiente por nós dois.

Emily volta mais rápido do que eu esperava, sinto alivio percorrer minha corrente sanguínea, não sabia quanto aguentaria em todo aquele silencio distante do seu parceiro, ela me da um sorriso gentil quando coloca a caneca em minhas mãos, agradeço num sussurro encaro o vapor subindo no ar. Os dois se sentam lado a lado, suas mãos procurando uma a outra até se entrelaçarem de forma intima, como se tivessem feito aquilo um milhão de vezes.

Amor...

— O que você está sentindo?

Meus olhos queimam e eu os fecho com força, impedindo que as lagrimas se derramem, pois não sei se aguento ver pena no rosto deles, não consigo ser julgada agora, não quando me sentia tão miserável e sufocada.

Por que parece tão difícil falar com eles sobre isso, aqui, agora?

Quando decidi para onde ir não tinha pensado em como seria a reação deles ao me ver, não depois daquela noite tensa e assustadora, não depois da ultima coisa que provoquei em todos antes de fugir. Ainda podia sentir o eco da minha dor na deles, podiam escutar cada uivo, sentir cada reação... eu ainda carregava a marca de cada um, e não conseguia me livrar da sensação de que devia continuar sentindo, independente de quão confusa estava, ou do tanto que negasse que nada tinha acontecido. Queria pedir desculpas, queria chorar com tanta força, pedir perdão por estar bagunçando suas vidas com todo o peso do que eu era, com todo o perigo que ainda traria para todos.

Eu só queria... parar de sentir aquela dor de ausência.

— Ela está longe demais, esse o problema.

A voz de Sam era clara, calma e sucinta, como se confidenciasse um sentimento próprio, sussurrando ele em confidencia, entendimento brilhando em seus olhos enquanto ele focava minha existência novamente.

— Do quê?

Emily olhou para o parceiro sem entender, seu rosto se alternando enquanto se voltava para mim.

— De Seth.

Seth... Seth... Seth... Seth... Seth....

Seu nome cantou em minha mente, ligeira e freneticamente, cada palavra se fixando dentro da minha cabeça, bordadas em meio á realização e surpresa, apenas um nome, para descrever toda a minha agonia, todos os meus sentimentos mais torturados.

Quem é você?

Por quê?

O que significa?

Por que eu?

— Isso não faz sentindo... eu não...

— Tudo bem, se acalme, esqueça o que Sam disse, me diga, o que está sentindo?

Quando sua parceira se levantou Sam acompanhou ela, ficando de pé e a espera quando ela se colocou ao meu lado, sentando sobre o braço da poltrona, suas mãos apertando meus ombros, o toque quente e simples acalmando, mandando embora qualquer receio, porque ela não tinha medo, ela estava perto, ela confiava em mim. Diferente de Sam que de repente se tornara mais protetor que o normal, sua inquietação se fazendo presente.

Minhas mãos tremulas se apertaram ao redor da caneca, pude sentir uma pequena rachadura surgir, o barulho tão mínimo que Emily nunca poderia ter ouvido, afrouxei meu toque e pisquei algumas vezes.

— Eu não consigo respirar, é como se do nada o ar ao meu redor começasse a me sufocar, essa sensação de vazio crescendo no meu peito e me fazen...

O som explode longe na estrada, mas perto o suficiente para avisar que vem na nossa direção, reconheço instantaneamente o barulho do escapamento da moto, congelando assim como minhas palavras, sito meus olhos se arregalarem com o cheiro que o vento trás.

A sensação de alivio é instantânea, mas assustadora demais e eu fico paralisada, meus ombros se enrijecendo sob as mãos de Emily que se vira para o marido e pergunta preocupada.

— Quem é?

Fico encarando meus pés quando Sam começa a se movimentar depressa para a porta, suas narinas se expandem no ar, mas ele já sabe quem é, sua ligação o permite.

— É Seth, ele a sentiu.

Meu corpo reage assim que escuto seu nome, sua chegando se fazendo muito constante e aterradora, meus corpo se levanta tremulo e deixo a xicara cair no chão.

— Por favor, não, não deixe ele vir até aqui, eu não consigo...

Emily imediatamente entende minha urgência, seus olhos se tornam calmos e ela segura minha mão para que a tremedeira se controle, seus olhos procuram o do parceiro com um pedido sensato.

— Ok, está tudo bem, Sam, leve-o para longe.

Sam parece calmamente forçado, seus olhos me olhando com intensidade quando responde para sua parceira.

— Você sabe que não posso fazer isso.

A dor em sua voz não se esconde.

— Apenas para uma caminhada, até que possamos conversar, por favor.

O pedido de Emily é sincero e paciente, como se ela tivesse todos os argumentos do mundo para convence-lo a fazer o que ela quer.

Vejo uma luta interna brilhar nos olhos escuros de Sam, seus ombros se arqueando, o peito subindo e descendo com respirações profundas e controladas, ele olha uma vez para a esposa e deixa sua expressão relaxar em candência.

— Ok.

Sam arranca sua camisa pela cabeça e se desfaz dos sapatos e então sai da casa nos deixando em um silencio pesado de nervosismo e cautela.

— Venha, jogue uma agua no rosto enquanto eu limpo o chão.

Ela está me levando em direção ao banheiro, mas não posso deixar de escutar a agitação lá fora, meus ouvidos tinindo com o dialogo rápido, o protesto na voz dele... e então o som de lobos se libertando, quando a porta se fecha atrás de mim eles partem.

Seguro nas laterais da pia, tentando respirar normalmente depois de jogar agua no rosto e pescoço, a noção do quão perto estivemos novamente, depois de um dia em tortura... e foi apenas isso, quase cem metros de distancia, e apenas a consciência de que ele estava ali simplesmente aliviou todo o meu ser.

O que era isso?

— Ayira?

A batida na porta me fez dar um pequeno pulo, estava tão distraída, não era do meu feitio.

— Já estou saindo.

Quando sai ela me entregou uma pequena toalha felpuda de rosto, e me enxuguei enquanto seguia ela de volta para sua sala conjugada, a bagunça de cacos de cerâmica e chá não estavam mais lá, minhas bochechas coraram quando me dei conta do pequeno incidente que provocará.

— Eu sinto muito.

Seus olhos sorriram quando ela se sentou e fez um gesto de deixa para lá.

— Não se preocupe com isso, não era minha caneca preferida.

Sentei-me e comecei a dobrar a toalha com dinâmica, esperando por qualquer coisa, só queria escutar sua voz, era melhor do que o silencio.

— Eu não sou exatamente a pessoa mais adequada para explicar tudo para você.

Abri minhas mãos sobre meu colo e encarei os traços que marcavam a pele clara demais, totalmente em contraste com as cores terrosas da casa de Emily.

— Não pode apenas, não sei, me fazer acreditar que não estou enlouquecendo?

Ela respirou fundo e levantei meus olhos, seu corpo se recostou e ela olhou para cima, como se procurasse pelo seu, por ajuda para se expressar.

— É diferente para você Ayira, por você ser o que é.

Eles provavelmente tinham discutido sobre tudo após minha partida, depois de tudo que os lobos viram através daquela... daquela conexão  caótica. Sam obviamente tinha compartilhado seus pensamentos com a companheira, só isso explicaria o tom de entendimento.

— E o que eu sou.

Não era uma pergunta, meu tom era amargurado, o sorriso fechado e irônico não permitiam uma resposta, mas ela o fez da mesma forma, sua voz se enchendo de um sentimento simples de admiração, de fé.

— Você é um milagre, é algo sagrado e antigo.

Não, eu não era...

Se eu era um milagre, porque meus pais estavam mortos, por que eu estivera tanto tendo presa, porque os Volturi fizeram todas aquelas coisas, porque sussurram tantas vezes que eu mesma tinha sido a ruina da minha família.

Eu sou uma maldição...

— Não tenho certeza sobre isso, a maior parte da minha vida é um rastro de dor e destruição.

— Não diga isso, você não acredita nessas coisas de verdade.

Ela se inclinara para frente, seus olhos procurando os meus com tanta insistência que me forçava a encara-la, sentia meu rosto tremer, segurando todas as expressões de fraqueza.

— Minha vida... não foi nada como a de vocês...

Eu não tinha nascido no seio de uma comunidade unida, com tanta historia e união, não sabia como era a sensação de conhecer todos os meus antepassados e guardar seus segredos, não tinha amigos, família... não tinha tido uma terra, um lar.

— Eu sei, não entendo, mas sei.

Seu tom disse tudo, que todas as minhas dores tinham sido compartilhadas pelos Quileutes, nada mais poderia ser escondido, as perguntas e indagações sempre viriam agora.

— É, imagino que agora provavelmente todos já saibam.

— Não precisa se sentir envergonhada, não deixe seu passado dominar o seu futuro.

Deixei suas palavras se dissiparem no ar, não queria mais falar sobre mim.

Nosso desvio do assunto sumiu da mesma forma que surgiu e Emily seguiu em frente.

— Sam sabe mais sobre a ligação do lobo, sobre a transformação, sobre o imprinting...

Imprinting...

A palavra alienígena sugou toda minha atenção, fazendo meus olhos focarem em Emily com uma curiosidade gritante.

— O que é um imprinting?

A expressão dela se tornou tão intensa, tão profunda e límpida.

— Isso é o que está atormentando você... é a ligação do lobo a sua parceira.

Parceira...

— Eu não entendo...

— Nem eu, apenas sinto que é verdadeiro, é diferente para uma humana se ligar ao lobo, nós não temos a experiência toda, só sabemos quão sincera e real é a lealdade deles para conosco.

Agora fazia tanto sentindo, a forma como Sam sempre parecia estar prestes a se jogar a frente de Emily, sempre protegendo-a com os olhos e a alma, seu comprometimento em estar sempre ao seu lado, seu cheiro marcando ela como sua.

— Você, então você está ligada a Sam?

Ela meneou a cabeça delicadamente e sorriu tímida.

— Ele está ligado a mim.

— Como isso funciona?

A expressão dela parecia estar entre um dilema, suas mãos se ergueram em um gesto de confusão.

— É por isso que eu acho que está conversa deveria ser com Sam, ele me disse... me disse que por você ser quem é, tornou a ligação em si uma coisa totalmente diferente... isso nunca tinha acontecido antes, em nenhum dos outros imprintings do bando.

O conceito ainda era incerto, não conseguia entender como isso tinha haver com o que vinha sentindo ou com o que acontecerá com o bando naquela noite.

— Como eu faço parar?

Me arrependi no mesmo momento em que as palavras se derramaram da minha boca, uma magoa profunda apertando meu coração. Emily parecia compartilhar a mesma sensação, seus olhos brilhantes demais.

— Não há como, você só aceita ele e tenta entender.

— Mas eu não... eu não acho apropriado... não sei se...

Como eu poderia acreditar nisso, como poderia sequer considerar que tinha sido ligada eternamente a alguém sem meu consentimento, que eu tinha que olhar para aquele estranho e supor que ele era meu parceiro?

— Você precisa entender o que é, só assim vai poder processar o que está acontecendo consigo mesma, entenda, Sam sabe que você é diferente e o que aconteceu precisa ser resolvido entre todos vocês, você agora faz parte do bando.

Não fazia sentido, porque eles não tinham me aceitado.

Estava prestes a protestar novamente quando o som do telefone ressoou pela pequena casa, fazendo Emily pular e minha mente se fechar como um punho, guardando todas as questões novamente.

Os passos dela ressoaram pelo chão de madeira quando ela foi em direção ao telefone e atendeu, seu cheiro mudou instantaneamente.

— Alô... oh, olá... sim, estou bem... ah sim, ela está aqui, quer que eu passe para ela? Ok, claro, só um instante.

A voz de Emily estava tensa, quem quer que fosse do outro lado da linha não a fez se sentir confortável, levantei meu rosto e encontrei suas sobrancelhas franzidas.

— É para você.

Fui até lá e peguei o aparelho colocando sobre meu ouvido, Emily se afastou e foi em direção cozinha como se precisasse fazer algo urgentemente.

— Olá?

Testei a palavra em minha língua, esperando som sair do outro lado.

— Como você pode sumir assim?!

A voz de Alice gritou do outro lado da linha e senti meu coração começar a bater mais forte, tinha me esquecido completamente de todos eles.

Nunca tinha escutado Alice gritar, nunca tinha visto qualquer reação turbulenta vindo dela, me surpreendeu a ponta de me fazer abrir a boca em choque.

— Eu estive preocupada com você desde aquela noite, esperei no escuro e tive paciência com seu silencio, lhe dei espaço para tomar a decisão e vir até mim... ai recebo uma ligação da direção informando que você cabulou aula sem mais nem menos, e para completar não atende nenhuma das minhas ligações... sabe quão desesperador é escutar um celular chamando uma vez, três vezes e mais uma infinidade de outras vezes sem receber um sinal sequer de vida?! É horrível!

A vergonha caiu como enxurrado sobre meu corpo.

— Me desculpe...

— Não quero suas desculpas mocinha, quero que volte para casa imediatamente, nós vamos ter uma conversa séria sobre comunicação, não vou deixa-la se fechar em um casulo enquanto tudo se acumula em seu interior até que se tornar uma bola de autodestruição, não vou deixa-la fazer isso consigo mesma.

Eu não queria que isso acontecesse, não pensado nas consequências, na verdade, não sabia que elas existiriam...

— Tudo bem, estou a caminho.

— É bom mesmo, nós quase quebramos um tratado para nos certificar que você estava viva!

— Eu sinto muito, estarei em casa em breve.

Meu rosto queimava corado.

— E, por favor, diga a Emily que sinto muito pela intromissão.

Ela desliga e eu coloco o aparelho de volta, meus olhos procurando por Emily.

— Ela sente muito pelo incomodo.

Desvio meus olhos e me sinto cada vez mais perturbada com a explosão de indignação de Alice.

— Está tudo bem, só fiquei um pouco surpresa.

Não sabia quão próximo aos vampiros os lobos eram, Bella tinha dito em algum momento que se encontrara algumas vezes com Emily, mas pelo jeito tinha sido apenas ela.

— Me desculpe.

Realmente sentia muito, todas as palavras de Alice tinham me feito enxergar a situação com mais clareza. Eu tinha fugido da escola, e aparecido sem ser convidada na casa de uma mulher que mal me conhecia.

— Está encrencada?

Seu sorriso tem a intenção de tranquilizar, e fico momentaneamente encabulada.

— Eu... acho que sim...é tão ruim?

Seu sorriso se abre mais ainda, como se ela soubesse demais qual era o gosto da situação.

— Se você é realmente uma adolescente, deveria estar tremendo agora.

— Ah.

Olho quieta para o nada, medindo meus sentimentos em relação a situação nova e inusitada.

— Não se preocupe, apenas os escute com atenção e os responda quando questionarem, fale a verdade.

Eu era boa em não mentir, isso deveria ajudar.

— Não tinha percebido quão excluídos eu tenho os mantido.

Na verdade tinha, só não queria admitir que tinha me comportando tal mal ultimamente, evitando perguntas ou assuntos delicados, me escondendo deles.

— Vai ficar tudo bem, venha aqui.

Seus braços se estenderam em minha direção e timidamente dei passos cautelosos até ela e me deixei abraçar. Emily tinha um abraço bom.

— Obrigada por me receber em sua casa Emily.

Sussurrei sobre seu ombro, inspirando com delicadeza e deixando seu cheiro se acentuar em meu coração.

Castanhas e verde...

— Imagina, espero a ver em breve, você ainda não conversou com Sam.

Ela se afastou mas manteve suas mãos sobre meus ombros.

— Certo.

— Minhas portas estão abertas quando você precisar.

— Até mais.

Me desvencilho dos seus braços e vou em direção ao meu carro, quando começo a manobra-lo para sair da propriedade o lobo aparece a frente, e dessa vez não é o mau humorado Paul.

Seth...

Ele está lá, paralisado, Sam logo surge atrás dele e isso é o suficiente para me fazer dar partida e ir embora.

Pelo retrovisor posso ver o bando se reunindo ao redor dele, e também vejo a dor em seus olhos enquanto parto, sua dor ecoando em meu peito, me lembrando do que eu vou sentir pelo resto dos dias enquanto estiver longe.

Quando estaciono o carro na garagem respiro fundo e entro em casa, posso sentir o peso no ar, todos estão lá, reunidos ao redor da sala enquanto Edward toca piano, me deixando totalmente desarmada, a melodia lúgubre desliza até o meu peito, fazendo-me desmoronar em lagrimas de libertação.

A musica para e todos os rostos estão voltados para mim.

Eu encontro o olhar de Edward primeiro, deixando as lagrimas escorrerem junto as minhas barreiras, me abrindo completamente para ele, o convidando como se convida um amigo.

Ele desliza com gratidão em minha mente e vê tudo, seus lábios se torcendo em um sorriso aliviado ao entender o que tem se passado comigo desde aquela noite.

— Ela teve um imprinting com Seth.

Dentro do meu peito a palavra canta como o som do piano, mas nos outros, é realização, surpresa, descontentamento, fascinação...

Alice está ao meu redor, me abraçando, e Bella se junta ao abraço, o frio me envolvendo como a floresta me envolvia todas as vezes que me transformava, a sensação de acolhimento e carinho só me faz chorar mais, pois estou cansada de tentar esconder, é cansativo demais.

Nós ficamos assim por um tempo, então as duas começam a me levar pela escadas, posso sentir Rosalie a nossas costas nos acompanhando.

Alice deixou as outras vampiras no meu quarto enquanto entravamos no banheiro, ela me sentou no vaso e ficou agachada a minha frente enquanto eu ainda chorava, e começou um sermão longo e sensato sobre guardar segredos autodestrutivos, fugir da escola, deixar celulares fora de alcance e principalmente, sobre avisar para onde estaria indo se tivesse noção que demoraria muito tempo.

No final, ela me abraçou e sussurrou que tudo ficaria bem, depois me deixou sozinha para que tomasse um banho, seu nariz havia se torcido e me informado que eu cheirava mal, se não estivesse tão abalada por minha libertação provavelmente teria rido. Tomei um longo banho e lavei meu cabelo, Alice bateu na porta e me entregou um pijama e roupa intima, me vesti lentamente nas calças e camisa de cashmere e deixei a sensação de falta de ar sustentar meus gestos.

Quando sai, Alice, Bella e Rosalie estavam também vestidas em pijamas, as duas nem um pouco satisfeitas com as roupas escolhidas pela minha mãe postiça, elas me fizeram comer o pequeno banquete que tinham organizado em cima do carpete felpudo no centro do quarto. E depois Alice proclamara em entusiasmo sem limite que estavam tendo uma noite das garotas e que isso significava que o assunto sério seria discutido na manha seguinte.

Em nenhum momento elas tocam no assunto imprinting, mas Alice não deixa o assunto garotos ficar de fora, seus conselhos me deixando cada vez mais corada enquanto Bella resmunga seu desconforto e Rosalie critica os ideais de Alice.

Não saiu exatamente como ela havia planejado e no final, eu adormeço ao redor deles enquanto assistimos a um filme adolescente em meu MacBook.

Tudo que eu sei, é que estou no lugar certo, com as pessoas que eu quero, e não é a sensação de abandono constante que vai me fazer esquecer, que essa ainda é a minha vida, as implicações ainda estariam lá quando eu acordasse, e eu lutaria para entende-las.

Meu ultimo pensamento antes de fechar os olhos foi um nome, quatro letras, olhos escuros... terra molhada, chuva, fogo e vento.

Seth...


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Notas finais do capítulo

Beijos L.



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