Veris: Sobre Rainhas e Reis escrita por G J Laudissi


Capítulo 2
II. Ira - parte 1


Notas iniciais do capítulo

Queria agradecer aos leitores que deixaram meu coração quentinho ao comentarem no primeiro capítulo: juliarcanedo, Brutus Howel e Julia Potter! Espero que vocês continuem gostando! Esse capítulo vai ser bem mais levinho, acho que a cabeça de todo mundo deu aquela bagunçada com o tanto de informação do anterior haha
IMPORTANTE: Deixei um mapa de Veris no começo do primeiro capítulo, se alguèm que está acompanhando quiser vê-lo, é só voltar la!



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As palavras de Sora o atingiram de tal maneira que Brannon demorou a expressar qualquer reação, e deu graças a todos os deuses de Veris que ela não estivesse mais ali quando finalmente absorveu o impacto do que havia sido dito, a humilhação proposital a qual ela lhe forçara, pois estes mesmos deuses bem sabiam que ele não seria capaz de saber o que faria se Pravahi não tivesse se esgueirado pelo grande corredor de mármore e pedras brancas que se estendia em direção a Ala Leste, dos wiha. Os outros quatro membros das Cortes da Terra e do Ar seguiam em seus lugares, voltando a sentar-se e aguardando a reação de Forestorm, pois certamente não pareciam propensos a intervir.

Com fogo brilhando por detrás de seus olhos, virou-se de supetão e saiu em disparada pelos corredores em pedra negra e polida do chão da Ala Norte, constantemente iluminados pelas tochas mais brilhantes que lançavam um espectro cromático amarelo, laranja e vermelho por todo o espaço pertencente ao Fogo. Ouvindo apenas o som das botas de couro preto que erguiam-se até seus joelhos contra o chão, deixou-se guiar pela memória muscular, virando à direita, e  à esquerda, e em mais um par de direções diferentes, subindo e contornando escadas e grandes salões, amaldiçoando os malditos senhores que dispuseram o Castelo de Gara de modo que os aposentos dos governantes de cada um dos Domínios fosse no ponto mais extremo apontado para o centro de seus próprios territórios, apesar da neutralidade da terra em que estava no momento. 

Seus punhos estavam fechados, e a raiva devia estar muito evidente em cada um de seus gestos e expressões, pois nenhum de seus súditos, sejam eles nobres, conselheiros ou simples cidadãos, ousou dirigir-lhe a palavra enquanto fazia seu trajeto. Não reparou nas bocas que se abriram ao virem-no adentrar os cômodos, mas não chegaram a emitir som ao notar seu semblante. Andou sem notar as luxuosas decorações predominantemente em tons mais escuros, ou nas ricas tapeçarias moldadas à mão em vermelho, vinho e dourado, além do azul brilhante do fogo mais quente.

O Senhor do Fogo abriu a porta dupla de mogno escuro e esculpido com os símbolos de seu domínio sem se importar muito com sua preciosidade, ainda com os punhos cerrados. Era uma benção e uma maldição que ninguém além dos poderosos e extintos hadaires fossem os únicos a possuir magia e seu sangue e poder não estivessem vinculados às famílias reais. Maldição, pois não só a Praga como muitos outros problemas que os Quatro Estados vinham enfrentando nos últimos dois séculos seriam mais facilmente resolvidos com um hadair - o sistema em Veris estabelecido desde a Instauração não foi criado para ser sustentado sem quatro deles por geração, quem dirá sem nenhum. Benção, pois poderia ter queimado aquela construção secular até a base se tivesse qualquer resquício do poder de um hadair agni.

O imenso aposento real não parecia grande o suficiente para Brannon Forestorm e sua fúria, muito menos para o desespero muito bem reprimido que não deveria ganhar espaço ali. 

Não pensava racionalmente na hora em que segurou com os braços fortes a borda de uma pesada mesa de madeira maciça e a virou, levando ao chão mapas, cartas e alguns copos. Não satisfeito, com alguns passos largos alcançou a pequena sala privativa montada dentro do quarto, fechando os dedos ao redor da taça de cristal que repousava na mesinha adjacente a um dos sofás, atirando-a contra a parede coberta com uma enorme tapeçaria de padrão similar às do restante da Ala Norte, enquanto um rugido primitivo escapava-lhe da garganta.

O Rei Agni orgulhava-se de conseguir conter seus sentimentos para que queimassem apenas interiormente, sendo suas expressões suficientes para causar receio em seus adversários. Orgulhava-se de não precisar levantar a voz para ser atendido, gerindo tudo com sarcasmo, uma dose de irreverência, e, é claro, a expectativa dos outros de que ele não conseguisse se conter em alguma situação colérica. Nunca acontecia, entretanto. Pelo menos, quase nunca. Eram situações que podiam ser contadas nos dedos de apenas uma mão - nos seus 26 anos de reinado ou seu curto tempo anterior como príncipe.

E, no entanto, por causa dela, ele perdia o controle. Sentia o peito subindo e descendo rapidamente, o quarto, por maior que fosse, sufocando-o. Todos os seus instintos gritavam para que ele fizesse o caminho contrário e se dirigisse aos aposentos de Sora, para que ela se retratasse, resolvesse seu problema como havia o feito acreditar que faria, ou o diabo mais que fosse preciso. Queria gritar com ela ao lembrar dos olhos brilhantes e da aparente satisfação que teve em manipulá-lo daquela forma. Um Rei do Fogo não costumava implorar. Eles sempre tinham pesados poderes de barganha devido a importância das atividades de seu domínio - principalmente a indústria - e a superioridade de treinamento de seus exércitos. Não estavam acostumados a pedir favores, rogar por eles, geralmente os outros Três Estados se compraziam de negociar. Mas aquela mulher ardilosa fez questão de fazer com que ele admitisse o quão desesperadamente precisava de ajuda, apenas para dizer que era uma pena. Lançou outra taça antes que pudesse raciocinar qualquer coisa, jogando-se pesadamente no sofá, a cabeça apoiada nas mãos, enquanto tentava reunir algum tipo de controle. 

 As coisas não ficariam assim, isso era certo. Tinha de haver outra solução. Mas, por mais que se forçasse a encontrá-la, a raiva nublava seus pensamentos.

A situação nas menores aldeias e vilas da região leste de seu território já progrediam há algum tempo, e ele havia trabalhado incansavelmente, enviando recursos de todos os tipos, inclusive alimentos e outros produtos para repor aqueles que, por ordem dele, foram queimados, mandando tropas para reforçarem a segurança dos locais afetados e tentar ao máximo isolar os contaminados. Não eram permitidas despedidas entre os familiares e as vítimas, as praças de comércio tinham movimentação controlada, os soldados se encarregavam de levar porções de comidas e outras provisões nas casas, e as estradas ao norte estavam fechadas. Tomava todas as decisões que estavam a seu alcance, mas sabia que o povo rogava por uma benção divina e uma assistência que apenas os sacerdotes poderiam conceder. Que apenas o Alto Sacerdote seria capaz de manter as pessoas calmas o suficiente para não colapsarem e botarem todos os seus esforços a perder. Vinha esperando aquela reunião do conselho há pelo menos 2 meses, tentou adiantá-la diversas vezes, sem sucesso. E, por mais que, por hora, os casos não houvessem avançado para o centro de seu domínio, sabia que era uma questão de tempo.

Precisava espairecer, e o único modo de fazê-lo era com a força bruta que possuía. Um pouco mais sob controle de suas emoções - não exatamente calmo - levantou-se, pegando em um gesto rápido a bainha de sua espada e prendendo-a ao cinto com duas voltas da mão forte e precisa. Geralmente, a arma estava sempre ao seu lado, de forma que havia se acostumado com o peso dela e seu leve balançar enquanto caminhava, entretanto, por questão de respeito aos outros governantes - uma súplica insistente da parte deles, na verdade - Brannon sempre entrava desarmado nas reuniões - isto é, se não contassem a adaga escondida em sua bota.

O Castelo de Gara era território irrevogavelmente neutro desde o Início, e, por mais que magia não corresse mais nas veias dos humanos, ela certamente continuava nas terras, protegendo as fronteiras e seu interior de quaisquer possíveis ataques. Por isso, o ruivo sempre achara ridículos e desnecessários os pedidos de que não estivesse armado para as reuniões, era despender tempo demais se livrando de sua companheira fiel se não era possível usá-la para ferir ninguém no Centro do Mundo. Mesmo assim, nem os atuais, nem os antigos regentes flexibilizaram as regras. Aparentemente, os olhares cortantes que ele lançava durante os encontros já eram suficientemente intimidantes, e a possibilidade de tê-lo sacando uma espada, mesmo que não pudesse realmente ferir alguém com ela, ultrapassava os limites do que Veris achava tolerante vindo de Senhores do Fogo.

. . .

Na sala de treinamentos não muito longe de seus aposentos, retirou o casaco elegante em veludo preto, abriu os primeiros botões da camisa branca, dobrou as mangas até os cotovelos e sacou a espada. O barulho típico do metal saindo da bainha ativou seus sentidos de batalha, e, sopesando a espada na mão, movimentou as pernas com pulos curtos e repetitivos, para frente e para trás, aquecendo-se. Depois, nada se ouviu por horas além do choque da arma contra dezenas de bonecos de couro negro resistente dispostos em um semicírculo. Em cada golpe permitia-se lembrar-se de sua fúria para libertá-la.

Sora.

Não teria palavras para começar a descrever o que sentia naquele momento. Um movimento curto e descendente com a espada.

O quão disposto você está?

Dessa vez, foi um movimento horizontal.

Não recusarei uma proposta.

Um golpe diagonal, de cima para baixo, traçando o abdômen e o tórax do boneco de ponta a ponta.

Quanto?

Outro movimento simples.

A Klifo.

Outro.

Seu Domínio.

Mais um.

Quanto!

Um golpe com a empunhadura, como se pudesse afundar seu oponente no chão firme do castelo.

Os agni, seu povo.

Um urro. Lançou a espada, que se enterrou no peito do boneco do lado, já destruído.

Tudo.

Pegou a adaga no cano da bota. Esfaqueou o boneco repetidamente de todos os ângulos possíveis, a respiração ofegante.

Tudo. Tudo. Tudo.

Parou, sem ter mais espaço na destruição para acertar seus golpes. Não era suficiente.

Recuperou sua arma sem muito esforço, por mais fundo que ela estivesse cravada, procurando outro boneco inteiro naquele semicírculo, mas não havia nenhum. Dirigiu-se, então, ao semicírculo mais externo, com 15 outros aparadores para gastar sua energia e raiva. Depois, olhando além, havia outro de 20, e então um de 25.

Recomeçou.

 


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Notas finais do capítulo

Um pouquinho mais do Brannon pra vocês, galera! O que acham dele?



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