A cozinha estava gelada naquela noite. Mesmo com todas as janelas fechadas os moradores ainda sentiam a corrente fria que atravessava as paredes e percorria seus corredores.

Clary Fray estava sentada em uma cadeira de madeira, pés apoiados na mesa, enquanto estremecia com a temperatura do ambiente. A estela brilhava na mão desenhando um Iratze preciso, marcando a pele pálida com a tinta preta. Assim que deslizava o objeto pela pele, já sentia suas feridas se fechando e a dor diminuindo consideravelmente.

Finalizou sua runa e esticou as costas, aliviada de para de sentir todos os arranhões e machucados desferidos por um demônio descontrolado e cheio de chicotes que estalavam e saiam de seu corpo molenga e enorme. Com um arrepio afastou a imagem daquele ser de sua memória e virou o braço, para fazer mais uma runa, pois teriam que patrulhar o Instituto pela noite.

No meio do desenho de “quietude” Alec entrou no cômodo estalando os lábios quando viu Clary vestindo uma regata e calças justas com as pernas para cima da mesa de madeira.

— Bom te ver também – Provocou sabendo que ele não gostava muito dela, mas sem entender o porquê.

— Eu não disse isso – Fuzilou a garota com os olhos azuis abrindo a geladeira para pegar uma água e fechando o eletrodoméstico com uma batida.

— Credo – Reclamou finalizando sua runa e mostrando-a ao rapaz – Acho que está precisando de uma dessas.

Alec revirou as órbitas, sentando ao lado dela com um suspiro e estendeu o braço forte.

— Só porque você faz as marcas mais fortes – Resmungou. Clary baixou os olhos, tocando sua estela na pele bronzeada, fazendo com que o garoto pulasse na cadeira – Desculpe.

— Hum – Arqueou as sobrancelhas, voltando sua atenção para o desenho – Você é sempre assim barulhento ou só quando está irritado?

— Eu não estou irritado.

— É porque eu não fui cortada ao meio por um demônio hoje? – Ignorou a resposta dele, tornando a provoca-lo.

— Seria uma cena e tanto.

— Você adoraria – Sorriu maliciosa – Pronto.

— Obrigado – Admirou o trabalho que ela havia feito em sua pele. A garota era realmente muito boa.

— Já se curou? – Indagou puxando o braço de volta para seu colo e direcionando os olhos grandes e verdes para Alec.

— Não, ainda não.

— Tô vendo que preciso fazer tudo aqui – Brincou iniciando uma nova runa. Lightwood não conseguia tirar os olhos de Clary e da estela, a forma como ela se perdia até mesmo dentro de desenhos simples como as runas e viajava para dentro de sua pintura era mágica. Achou a cena bela, mas não comentou nada, apenas admirou.

— Obrigado de novo – Agradeceu, mas não tirou o membro de perto da garota, deixando que ela analisasse seu trabalho.

— Quer mais alguma coisa?

— Precisão de ataque? – Sugeriu – Vamos todos precisar hoje.

— Espero que eles não venham até aqui – Torceu, tocando mais uma vez sua ferramenta na pele de Alec, para mais uma runa. O garoto mais uma vez se distraiu, olhando para a ruiva. Notou que ela estava com uma blusa muito aberta e que a temperatura do local estava baixa.

— Não está com frio?

— Na verdade sim, mas precisava fazer meu iratze antes de vestir uma jaqueta - Comentou dando de ombros.

— Clary – Olhou bem para o desenho que ela estampava em seu braço e não era nada parecido com o que tinha pedido – Isso não é precisão nenhuma...

— Tem razão – Levantou o rosto sorrindo quando acabou – Eu te enganei.

— O que? – Estreitou os olhos pronto para pegar suas lâminas sefarim no bolso de trás da calça.

— Calma, bobinho. Eu só desenhei a runa de comunicação em você.

— Você o que? Porque?

— Você não fala comigo – Clary tinha uma aparência triste – E me odeia e eu nem sei porque. Me desculpa pro chegar assim na sua família, por ser caçadora de sombras e por ficar aqui no Instituto. Eu sinto muito, Alec, mas eu vou ficar aqui e nós precisamos ter uma convivência boa. Ou, pelo menos melhor que essa.

Alec riu, o som seco saindo pelo nariz.

— Clary, você entendeu tudo errado.

— Então me explica.

— Bem espertinha – Mudou o assunto – Desenhando runas malvadas para me fazer falar.

A garota direcionou os olhos pidões para ele, fazendo com que Alec abrisse a boca mais uma vez.

— Está bem. Eu tenho ciúmes, é isso que queria ouvir?

— É um começo – Se animou – E o que eu posso fazer sobre isso? Eu já me desculpei. Quer que eu diga que você é um caçador incrível? Porque é. E eu sei que sua família não te trocaria por nada nesse mundo e que o Jace e a Izzy te amam mais do que qualquer coisa e eu não chego nem aos seus pés nessa comparação.

— Não é sobre isso – Riu mais uma vez. Uma vermelhidão começou a se espalhar pelas bochechas dele – É de você.

— E... O que foi que eu disse?

— Não, Clary. Eu tenho ciúmes de você. De você com o Jace porque você dá mais atenção a ele do que a mim.

— Oh – A boca da garota fazia o “o” gigante e sua cabeça estava confusa. Tudo em que acreditava era loucura de sua cabeça e agora Alec dizia... Dizia que gostava dela?

— Me desculpe pelas palavras cruéis, eu queria te manter longe para não estragar as coisas. Para que você pudesse morar aqui para sempre.

Clary piscou algumas vezes antes de murmurar.

— Você ta dizendo que gosta de mim?

— É.

— Ah – Ainda não compreendia completamente a situação.

Alec se aproximou lentamente, passando a mão pelo pescoço da garota e unindo seus lábios em um beijo carinhoso e apaixonado. Separou suas bocas e então se afastou, deixando seus corpos longe um do outro, mas ainda sentados um ao lado do outro.

— Alec... Você não era gay? – Sussurrou, fazendo com que o garoto gargalhasse. Sua risada gostosa inundando o local.

— Clary Fray, é nisso que você está pensando agora?

— Sei lá – Deu de ombros rindo junto – Você não?

— Maluca...

— Ei – Mordeu a boca um pouco nervosa – Pode fazer de novo?

Com um sorriso malicioso, Alec Lightwood tocou mais uma vez os lábios da garota.