Poeta anônimo escrita por Artemísia Jackson


Capítulo 2
A ideia


Notas iniciais do capítulo

Capítulo revisado pela minha nova e querida beta Júlia (ponho o user dela depois, se ela tiver um), e com alguns acréscimos de informações, amores :)



Boa leitura, espero que gostem!



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— Shoto tá estranho, você não acha, Deku? — indagou Ochako, observando o bicolor sumir entre os corredores da U.A. 

De fato, Izuku havia percebido o quanto o colega de classe mostrava-se mais cabisbaixo que o de costume. Temia ter uma parcela de culpa naquilo, já que uns dias atrás, discutira com Todoroki por este último ter uma arrogância demasiada irritante, a qual o fez tratar mal um jovem rapaz perdido entre as classes. 

Midoriya se recriminava por ter abdicado de sua tão famosa postura diplomática, brigando ao invés de dialogar amigavelmente. Lembrava-se com pesar de dizer que Shoto odiava o pai, mas se tornava uma cópia perfeita dele a cada atitude arrogante que dedicava aos outros. Aquela fala havia dado fim a discussão, pois o bicolor pareceu tão impactado que desistiu de bolar argumentos e virou as costas, abandonando o corredor que levava às classes de forma rápida e silenciosa.

— Não é culpa sua — comentou Uraraka, interrompendo os resmungos que Izuku não percebia estar soltando. — Você só disse verdades, não tem porque ficar se culpando. Vai ver ele tá só refletindo, e isso é bom. — concluiu a jovem, dando de ombros enquanto começava o caminho para a saída, arrastando consigo o amigo resmungão. 

— Será que é bom mesmo? E se no final, eu fui pior que ele e o pai dele juntos? Tenho certeza que Shoto não é uma má pessoa, eu não devia ter dito aquilo. — Midoriya comentou, passando a mão pela testa e pelos cabelos num sinal claro de preocupação. 

— Não diga besteiras! — ralhou a amiga, dando um tapa leve em seu braço direito que estava entrelaçado ao dela. — Você não foi pior que ninguém, só esqueça isso, seja lá qual for o problema de Todoroki, não tem a ver com você e não é da nossa conta. 

O tom de voz utilizado pela jovem deixava claro que não havia brecha para discussão. Os dois saíram da U.A e seguiram seus respectivos caminhos para casa após uma breve despedida. 

Mesmo com os argumentos de Uraraka martelando em sua mente, Izuku não era capaz de abandonar o sentimento de culpa que o assolava, acompanhado da certeza de que ele tinha que fazer algo, qualquer coisa, para ver o mínimo brilho no olhar ou sorriso que fosse vindo do amigo Todoroki. 

 

—____________


"Você não tem moral pra odiar seu pai se pretende se tornar igual. Cada atitude arrogante que toma te deixa um passo mais próximo de ser igual a ele." 

A frase se repetia incessante em sua mente, fazendo-o cair em profunda reflexão sempre que se deixava ser levado pela voz de Izuku ecoando. Era a primeira vez em muito tempo que Shoto se permitia dar atenção a alguma opinião alheia, ainda que fosse contra sua vontade. Por si, deixaria passar em branco e esqueceria tudo. 

Porém, algo o impedia de agir ao seu modo do "botão foda-se on". Talvez fosse o fato de ter levado uma dura de alguém tão bondoso e pacífico, ou talvez fosse aquela admiração secreta que nutria por Midoriya, ou ainda porque ele tinha merecido a dura. Shoto não possuía intenção alguma de ser grosso com o garoto perdido, mas quando ele fez um contato físico tão repentino, agarrando seu pulso exatamente como seu pai fazia quando gritava consigo... Foi inevitável, e quando se deu conta, sua voz já estava gritando com o garoto, exigindo que ele caísse fora e o deixasse em paz, espalhando gelo pelo corredor e lançando o jovem longe com suas rajadas gélidas e potentes de poder. 

Todoroki sabia que tinha agido muito errado se descontrolando daquele modo. Mas o mais curioso era o fato de que o que realmente o incomodava era a lembrança das palavras de Midoriya. Ele não se arrependia exatamente do seu ato — ora, as pessoas não deviam sair tocando as outras de forma tão descuidada! —, mas lamentava ter decepcionado o outro, e a única coisa que sabia com certeza em meio àquela confusão mental era que nunca mais queria ouvir Izuku falando consigo daquele modo, nunca mais queria precisar daquilo.

Tão absorto estava em seus pensamentos que esqueceu-se do ambiente ao redor. Voltou a si com Bakugou gritando para que ele parasse de ser idiota e prestasse atenção na aula — pois àquela altura, o professor Aizawa havia pausado sua explicação enquanto esperava que Shoto finalmente saísse dos seus devaneios. 

— Agora que Todoroki finalmente se incomodou em prestar atenção, podemos voltar a explicação da matéria — retomou o professor, descruzando os braços e apontando para algo na lousa que não prendeu a atenção do meio a meio, já que este acabou sendo laçado pelos olhos verdes de Deku — que o encaravam visivelmente preocupados. 

Ao observar aquela imensidão esmeralda sobre si, Shoto teve um súbito estalo de consciência. De repente, soube o porquê de não desejar decepcionar Midoriya nunca mais: aqueles olhos eram belos em demasia para que brilhassem com sentimentos negativos.

 

—__________


No refeitório, todos conversavam animadamente, exceto Izuku, que estava compenetrado em sua tarefa de encarar o bloco de notas de forma inquisitiva, como se ele pudesse lhe oferecer todas as respostas que precisava. Sem saber muito bem o que queria, começou a escrever aleatoriamente. 

Ora rápido, ora lento
Ah, essa inconstância do tempo…

Parou, procurando na mente as palavras que poderiam combinar com o início. Pensou em escrever um breve haicai, mas logo mudou de ideia: deixaria tudo muito vago. Mais alguns minutos de contemplação do teto até que a inspiração viesse, fazendo os dedos de Midoriya voarem com o lápis pelo papel, no desespero de anotar antes que esquecesse. 

Que logo leva os bons momentos
Mas arrasta os dias de tormento
Hoje é um dia de lamentos 
Espero que amanhã, seja de contentamentos. 

Dando-se por satisfeito com aquele pequeno poema, Izuku sorriu. Estava acostumado com aquelas pequenas criações, pois sempre escrevia quando estava com muitas coisas na cabeça, como que para esvaziar tanto a mente quanto o coração, e não podia negar que existia uma satisfação especial no ato de pegar um sentimento triste ou ruim para criar algo bonito e profundo. 

E embora ele fosse modesto em muitas coisas — porque odiava se achar superior — não negava que tinha lá sua habilidade com as palavras. Por diversas vezes teve suas redações escolhidas como as melhores da turma, passando na frente até mesmo de Katsuki — aluno mais competitivo de todo o 1°A — e Momo — uma das alunas mais inteligentes e cultas da sala. 

— Deku, o que tá fazendo? — indagou Lida, arrancando o jovem poeta de seus pensamentos. — Agora é hora do almoço, devia se concentrar em sua comida, para ter forças na próxima aula. Qual o motivo de sua negligência? — espiando cuidadosamente com o canto do olho, Tenya tentava identificar o que tirava a atenção do amigo em um momento tão importante como a hora da refeição. 

— Ah, não é nada demais, lida… Tô só escrevendo algo — explicou Midoriya, coçando a nuca de modo envergonhado, voltando sua atenção ao prato à sua frente, disposto na mesa do grande refeitório. 

— O que você tá escrevendo, Deku? — intrometeu-se Ochako, que estava sentada ao lado de lida e agora se esticava para poder encarar o amigo envergonhado. 

— Ah, um poema, mas não é nada demais — respondeu, baixando o olhar para o papelzinho rabiscado. 

— Deixa eu ver! — esticando-se ainda mais, Uraraka alcançou o papel, depois de praticamente amassar Tenya no processo. 

Correu os olhos pela pequena folhinha e pareceu surpresa ao terminar sua leitura, entregando o papel para lida em seguida, voltando seus olhos redondos e inquisitivos para Izuku. A jovem estava dividida entre sentir-se magoada pelo amigo não ter lhe contado e sentir-se orgulhosa por todo aquele talento que ele mostrava possuir. 

— Por que não me contou que é um poeta? — perguntou a jovem, com um biquinho de descontentamento se destacando em seus lábios. 

Àquela altura, lida também o encarava, esperando por respostas. O papel continuava em sua mão. 

— Não é nada demais, por isso não contei. Não achei que iam se importar com isso, parece bobagem… — desabafou Midoriya, com os olhos ainda abaixados devido sua vergonha. 

— Claro que não é bobagem, é um talento! — exclamou lida, espantado com tamanho disparate. — Não se deve menosprezar aquilo que nos torna especial, aquilo em que nascemos naturalmente especialistas — discursou o líder da turma, de forma entusiástica e dramática. 

— Não sou especialista — rebateu Midoriya, com uma careta de discordância acompanhando seus gestos frenéticos de negativa com os braços e mãos. — Não sei escrever como John Keats, Izumi Shikibu ou Camões. 

— Ele só quis te elogiar e dizer que mesmo não sendo profissional, tu é bom no negócio, Deku — esclareceu Ochako, revirando os olhos. — Mas que bom que tem uma mulher na sua lista, porque tu ia apanhar se não tivesse. 

— Claro que tem, Izumi é um clássico da poesia do Japão, todos amantes da poesia são obrigados a saber disso, até os misóginos idiotas… — ponderou Izuku em seus resmungos intelectuais, franzindo o cenho em concentração. — Se bem que esses panacas sempre diminuem o grande trabalho de Izumi, mas isso é porque morrem de inveja, inúteis como são, não sabem escrever uma linha como ela faria… Não sei nem como uma raça misógina pode dizer que ama a poesia, porque essa não é uma arte para preconceitos, mas uma arte para contemplação de tudo que é belo e…

— Tá, tá, já chega de resmungar feito uma velha — reclamou Uraraka, com a boca cheia, esticando-se para dar um tapa na cabeça do amigo tagarela. Pretendia esperar até que a comida descesse por sua goela, mas o falatório de Midoriya tirava sua concentração ao mastigar. 

— Que feio, Uraraka, não se fala com a boca cheia, isso é falta de modos! — repreendeu Tenya, que até havia gostado dos devaneios de Izuku. — E nem se bate na cabeça dos amigos, que conduta mais grosseira. 

Dotada de toda paciência e "donzeleza" que possuía, Ochako virou-se para os garotos e abriu a boca para exibir o bolo massento de comida que ainda mastigava, chocando a dupla de amigos, que soltou um barulho de repulsa vindo da garganta. 

— Que horror, aposto que ela anda vendo muitas séries americanas! — exclamou Deku, horrorizado, embora um resquício de sorriso pudesse ser visto em sua face. 

— Sim, é uma tremenda falta de educação — lida, ao contrário de Izuku, não tencionava sorrir, realmente chocado com a cena. Certas coisas não eram comuns no Japão. 

— Não sejam frescurentos, ninguém mandou me irritar — a amiga replicou, com zero remorso na sua voz. Levantou-se para levar seu prato à área de lavagem, saindo da grande mesa, passando por Tenya e Midoriya no processo, sorrindo para este último. — Deku, usa seus poemas pra conquistar suas futuras pretendentes, aposto que vai virar um galã de dorama! 

Rindo, Uraraka saiu andando, e logo lida a seguia, resmungando sobre sua conduta nada educada. No entanto, Izuku permaneceu parado, ainda que soubesse que o horário do almoço acabaria em pouco tempo. Uma lâmpada havia se acendido em sua mente, e agora ele consumia de sua luz, que refletia em seu sorriso enorme: acabava de ter uma grande ideia! 

"Ochako, sempre salvando minha vida" — pensou com seus botões enquanto se levantava rápido como um raio, para levar seu prato à área de lavagem. Tinha uma missão para cumprir — e quanto mais rápido a cumprisse, melhor. 

 

—___________


Todoroki andava lentamente pelos corredores, sem pressa alguma de chegar aos vestiários. Não sabia se estava evitando a ducha ou o amigo Izuku, mas o fato era que simplesmente não estava muito a fim de interagir com os garotos de sua turma enquanto via os documentos deles sendo expostos. Na verdade, ele nunca estava com tal disposição, sendo sempre o último a entrar e a sair dos vestiários, por detestar aglomerações e bagunça. 

A tal ducha era algo que devia ser breve, no máximo cinco minutos. Dali, os alunos teriam mais dez de intervalo para enfim voltarem a sala. Visto que já havia gasto cinco minutos só para chegar aos vestiários, Shoto havia perdido metade do intervalo que o aguardava ao sair. 

Não se importava, até porque a satisfação de encontrar o ambiente vazio era muito maior que a de vagabundear pelos corredores. Foi até seu armário pegar o uniforme limpo, pondo-o em cima do banco mais próximo antes de entrar na ducha e fechar a cortina que impedia que alguém o visse em seu momento íntimo.

 Deixou a água fria percorrer suas costas, esfriando seus músculos ainda quentes devido ao treinamento prático para heróis. Havia tido dificuldade de se concentrar naquele dia, sempre perdendo a postura ou errando o golpe ao encarar os malditos olhos esmeraldas de Midoriya. Sinceramente, de tantas duplas que poderiam ter sido formadas, tinha que ser logo ele e Izuku? Às vezes, o destino era mesmo um idiota sádico. 

Balançando a cabeça em negativa, Shoto se lembrou que destino não era algo em que acreditava. Achava injusto e imaturo jogar em uma entidade qualquer a responsabilidade por sua vida e suas escolhas; acreditar em tais bobagens tornava o ser humano suscetível a justificar seus erros. Existissem entidades ou não, havia o livre arbítrio e cada ser era responsável por suas ações, fossem elas boas, ou ruins. 

"Se bem que existem pessoas que não tem muita escolha na vida. Será mesmo que todos nós temos uma escolha?" — devaneou Todoroki, desligando o registro do chuveiro. Sempre que se banhava — rápida ou lentamente — se perdia em reflexões filosóficas complicadas, quase sempre relacionadas a existência e sociedade, embora quase nunca conseguisse respostas. 

Enxugando-se de forma veloz e hábil, Shoto continuou imerso em pensamentos, deixando o modo automático guiar suas ações. Vestiu-se sem estar realmente presente naquele momento, ainda divagando sobre suas escolhas na vida. A mente voltava traiçoeiramente ao dia da discussão com Izuku, àquelas palavras que eram tão verdadeiras e desagradáveis ao mesmo tempo. 

Perdido no tempo, Shoto dirigiu-se ao seu armário para guardar as roupas sujas. Ao abrir a porta, observou com estranheza um papel colorido flutuar até o chão, com a leveza de uma pena. Sua cor era rosa pálida, e lembrava papéis de pequenas notas escolares. O jovem largou suas coisas dentro do armário antes de se abaixar para pegar o papelzinho, observando-o com curiosidade conforme se levantava lentamente. 

"E na beleza do seu olhar 
Encontro sentido em quase tudo
Em meu interior, jaz o pedido mudo
Deixe-me fazer tudo brilhar"

Todoroki não soube identificar quanto tempo perdeu encarando aquele kanji mal escrito, que apesar de feio, revelava palavras tão bonitas. Saiu do transe ao lembrar-se da aula de matemática que o esperava dali alguns minutos.

Enfiou o papel no bolso e saiu às pressas rumo a sala de aula. Mas mesmo em meio as suas preocupações, ainda sentia o coração bater acelerado em meio sua euforia, imaginando mil coisas a respeito do bilhete. 

Poderia ter sido um engano ou apenas uma brincadeira de mal gosto feita por algum dos seus colegas de classe. Ou poderia ser mesmo o que ele imaginava que era; uma admiradora secreta. Tinha mil questões acerca dessa última hipótese, mas precisaria pensar nelas depois — afinal, naquele exato momento, uma professora de matemática o esperava bem emburrada em seu posto e, infelizmente, a possibilidade de ter alguém gostando de si não era maior que a possibilidade de ser devorado vivo por uma MidNight estressada.

 

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Notas finais do capítulo

Curtiram? Críticas, sugestões e elogios são sempre bem vindos!



É isso, vejo vocês na próxima, cherries :)



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