Dual escrita por carlotakuy


Capítulo 2
Acordos


Notas iniciais do capítulo

Olá, fico feliz que esteja por aqui! Um novo capítulo em comemoração!



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Beatriz acordou com uma terrível dor de cabeça. Foi aos tropeços se organizar para a faculdade agradecendo imensamente o fato de ser sexta-feira. Entretanto, quando vestia desajeitada sua calça jeans, ela quase caiu com a cara no chão.

Parada em frente ao seu espelho do quarto ela viu, refletida ali, nas mechas lisas, a garota da noite passada. Ela não podia encontrar Thomas daquele jeito. De maneira alguma.

Lutando agora para tirar a calça jeans Beatriz​ correu até o banheiro afundando os cabelos na pia. Os lavou como se fosse uma necessidade fisiológica e quando se olhou novamente no espelho soltou um longo suspiro.

Ela pensara em jogar na cara do colega de sala que ele flertara com ela a noite inteira, para rir da sua expressão e revolta. Mas depois de ter entrado naquele box por si mesma e gostado, Beatriz não queria nem cogitar aquele assunto.

A noite anterior ia ficar para trás.

Tinha que ficar.

De frente ao seu reflexo no banheiro do corredor, com os cabelos ainda molhados, ela assentiu para si mesma. Lavou o rosto com produtos tirando todo o resquício de maquiagem restante e terminou de se arrumar.

Pegou apressada a bolsa e os óculos, e trotou escada abaixo com o tênis em mãos. Entrou na cozinha como quem chega de uma maratona e quando sentou à mesa, abaixou-se para calçar e amarrar o cadarço.

Uma risadinha de fundo acompanhou seus movimentos e a voz de Eliza soou, junto com a da empregada.

— Quem vê ela desse jeito nem imagina que era a garota bonita de ontem.

Com a cabeça abaixada Beatriz deixou um sorriso surgir em seu rosto.

Você não sabe o quanto agradeço por isso, mãe.

•••

Beatriz foi até a instituição nervosa, com a sensação que a qualquer momento um meteorito pudesse atingi-la diretamente na cabeça. Mas além dessa sensação tudo parecia bastante normal.

O ônibus que ela pegou, o simpático porteiro, a animada funcionaria que a cumprimentara enquanto varria uma das salas pelas quais ela passou e finalmente alguns colegas de sala.

O ar que Beatriz nem percebeu que prendia saiu num suspiro antes dela sentar em uma das grandes mesas do pátio, onde boa parte dos​ estudantes aproveitavam a abertura da lanchonete para começar a pedir seu café da manhã.

A garota cumprimentou os colegas não ousando interromper uma discussão acalorada sobre uma das matérias que pagavam e afundou no banco duro enquanto abria a bolsa e tirava de dentro dela uma pequena pasta com artigos que uma das professoras havia passado para o dia.

A normalidade de ter seus amigos perguntando sobre o assunto, sobre a opinião dela e reclamando sobre a necessidade de quatro artigos em uma só aula preencheu Beatriz de uma forma inexplicável.

Quem sabe ela nem precisasse ter feito toda aquela loucura durante a manhã para despistar...

Um calafrio percorreu sua espinha e ela fechou os olhos com força. Maldita força do pensamento​.

— Bom dia Aninha— a voz de Thomas veio irritante como sempre.

O grupo ao redor cumprimentou animado o garoto e logo o puxou para o debate sobre o tema anterior, fazendo-o sentar-se à mesa. Beatriz precisou respirar profundamente duas vezes até ter certeza de que ele não tinha qualquer noção de que ela era a garota da noite anterior.

Quando percebeu que Thomas realmente não a reconheceria, Beatriz se sentiu internamente​ desapontada. Ainda que seus pensamentos reforçassem que era ótimo eles não terem que lidar com toda aquela situação.

Se encostando na cadeira e observando a cena se desenrolar na sua frente Beatriz tentou entender o que causava tanto furor nos seus amigos, mas sua atenção a traía sempre que Thomas falava alguma coisa, inferindo que determinados assuntos eram irrelevantes e dando razão a alguns colegas.

Ele estava vestido como sempre, com uma de suas muitas camisas lisas e calça escura. Os cabelos que estiveram bem penteados no dia anterior pendiam desengonçados ao lado da sua cabeça mostrando, longe da noite escura, mechas aloiradas.

De relance Thomas a pegou olhando para ele e sorriu arrogante. Beatriz bufou internamente e olhou para o outro lado. Era estranho conhecer o outro lado do garoto. Ela não o via mais com tanta raiva quanto antes ou sob a ótica de que era apenas mais um mimado displicente.

Era estranho.

— E você Ana? – a voz de uma das garotas a acordou.

Todos os olhares estavam sobre ela e Beatriz abriu um lento sorriso, rebatendo o olhar de Thomas.

— Ah, eu? Discordo totalmente dele.

Thomas riu, aceitando o desafio, e pelo tempo que durou o começo das aulas eles dominaram a conversa debatendo a necessidade de estudarem determinados autores na cadeira teórica.

Ali nada parecia mais estranho. E Beatriz agradeceu por isso.

•••

Depois das aulas com uma pasta apoiada no braço direito e um copo de suco com leite na mão oposta Beatriz trilhou meio desajeitada o caminho que levava a parte exterior da instituição, onde a natureza era peça chave na decoração.

Árvores cresciam em abundância ali e a grama se estirava sob os pés dos estudantes preguiçosa, ignorando seus inquilinos. Ao redor de toda exuberância primaveril daquele pequeno pedaço da faculdade pequenas mesas de madeira, assim como bancos, davam lugar para alunos aproveitarem o cálido sol da manhã.

A poucos passos da mesa que sempre sentava, sob uma mangueira antiga, Beatriz deixou cair sua bolsa. Ela esparramou-se no chão, espalhando seus cadernos e canetas. A garota bufou audivelmente e xingou baixinho.

— Não está tendo um bom dia ou é só o seu normal, Ana?

Beatriz nem tentou evitar o revirar dos seus olhos quando viu o sorriso de Thomas enquanto este se ajoelhava para organizar suas coisas.

— Se eu estivesse no meu pior dia você sequer estaria de pé aqui na minha frente – ela entornou o suco melando parcialmente sua mão e a gola da roupa – agora, se conseguir ser no mínimo um cavalheiro – jogou o copo de plástico no lixo ao lado – vai me ajudar a...

As palavras sumiram da sua boca quando ela viu o diário de sua avó nas mãos do garoto. Thomas o havia aberto sem seu consentimento e estava lendo o que parecia ser uma das páginas que ela mesma havia preenchido.

Com um de seus contos eróticos.

A cor sumiu do seu rosto.

— Além de mal educado é mexeriqueiro? – Beatriz tentou tomar o caderno gasto das mãos do garoto, mas ele se esquivou, ainda lendo – me devolve isso Thomas. Agora.

Os olhos esverdeados voltaram-se para ela com um ar de diversão que a embrulhou o estômago. Beatriz recolheu sua mão pondo-a na frente do seu corpo, tentando inconscientemente se proteger.

— Eu não... – ele aumentou o sorriso – eu não sabia que você escrevia esse tipo de texto Aninha.

Beatriz engoliu em seco.

— É o diário da minha avó.

Ele riu.

— Mas essa é sua letra – ele virou-o para ela – vai dizer que não?

Beatriz fez uma careta, derrotada.

— Me devolve isso Thomas.

O garoto riu mais e balançou negativamente o dedo para ela, com um barulhinho de estalo. A bolsa dela balançou​ apoiada no braço dele quase que como rindo de sua dona.

— Minha querida, isso é uma mina de ouro!

O que?

— Eu quero algo em troca – disse direto – eu devolvo se você...

Thomas aumentou o sorriso.

— Fizer tudo que eu quiser por um mês!

Beatriz soltou uma risada com uma bufada e quase derrubou sua pasta, que era a única coisa que permanecia com ela. A expressão do garoto vacilou com a reação da colega, mas depois de rir bastante, atraindo olhares curiosos para eles, ela se recuperou e estendeu a mão, exigente.

Devolve.

— Não.

Agora.

— Já disse que não. Temos um acordo?

— Temos um acordo? – ela riu – Que acordo, garoto? Vai fazer o que?

— Posso fazer várias coisas com isso aqui – ele segurou o diário por uma das folhas e a expressão de desespero no rosto dela o deu o gás necessário – posso rasga, jogar fora, queimar e o melhor: espalhar onde eu quiser.

— Você não...

Beatriz cruzou os braços.

— Você é um monstro! – ela ralhou irritada – Eu nem acredito que cogitei por um momento que...

Os olhos de Thomas brilharam.

— Cogitou o que?

Beatriz queimou em raiva. Ela estava com raiva dele e com raiva de cogitar que ele podia ser ao menos diferente do que sempre havia sido. Era óbvio que ele seria um idiota com ela. Ela não era a garota bonita da noite anterior ou a filha de um grande empresário para ele.

Babaca.

— Eu não vou fazer nada que envolva meu corpo, minha família ou minha vida particular.

Thomas assentiu obediente.

— Estamos combinados?

Estamos — ela grunhiu, estendendo a mão – agora devolve.

O garoto riu.

— Não, seu diário-caderno vai ficar sob o meu poder até o final do nosso acordo – sorriu travesso entregando a bolsa para a mesma – então, te vejo semana que vem, Aninha.

O sorriso de presunção no rosto de Thomas a fez querer se lançar em cima dele pronta para arranhar e destruir aquele nariz irritantemente reto. Mas ao contrário de seus instintos ela arrancou a bolsa de sua mão e saiu sem olhar para trás, sentido um grito de raiva ser controlado pelos seus passos calculados.

Se ela por algum momento pensou em Thomas de um jeito diferente naquele momento ele destruiu qualquer sombra disso. Beatriz o odiava com todas as suas forças. E até mais.

•••

Jogando sua bolsa numa poltrona que mantinha ao lado da cama Beatriz sentou no chão felpudo de seu quarto, controlando pela terceira vez os palavrões que queria soltar. Com um travesseiro abafou seus gritos de raiva e quando recomposta, tomou um longo e relaxante banho.

Depois de almoçar ela gastou seu tempo terminando de ler seu romance esparramada no sofá de sua sala silenciosa. Sua mãe e seu pai estavam fora e seu irmão sumira desde a noite anterior. Se não fosse a risada que ele mandou para seu celular aceitando as condições dela, Beatriz sequer saberia que ele estava vivo.

Nas últimas páginas, quando o casal estava separado e a caminho da reconciliação, o celular de Beatriz tocou. Ela xingou irritada e jogou o Kindle sobre uma das almofadas, catando o aparelho sobre o centro na sala.

Era um número desconhecido.

Beatriz se recompôs, pois poderia ser alguma coisa importante, e atendeu a ligação com seu melhor tom.

A voz que veio do outro lado quase destruiu sua postura.

— Oi, Beatriz? Aqui é Thomas, o garoto de ontem, sabe? É...

— Quem te deu meu número? – a voz saiu arisca.

O garoto do outro lado percebeu, rindo nervoso.

— É uma história engraçada, na verdade...

— Vou adorar ouvi-la.

— Foram seus pais – ele sussurrou e a sobrancelha de Beatriz se ergueu instantaneamente – e os meus. Eles estão aqui do meu lado a propósito – houve uma reclamação do outro lado da linha – quer sair pra jantar? Eu te explico tudo – sussurrou baixinho, fugindo dos ouvidos ao seu lado.

Beatriz encarou a parede decorada a sua frente sem saber direito​ o que pensar. Primeiro: Thomas não havia ligado para ela por iniciativa sua, era o que dava para entender. Segundo: os pais dele estavam do lado ouvindo e esperando sua resposta.

A raiva que ela sentia anuiu junto com sua capacidade de pensamento.

— Ah, claro. De que horas?

— Oito está bom para você?

Os olhos de Beatriz correram até o enorme relógio no topo da escada e quase paralisou quando viu os ponteiros chegando ao número sete. Ela havia passado tanto tempo lendo?

— S-sim – gaguejou levantando apressada – te encontro onde?

— Eu posso ir buscar...

Não. Quero dizer, melhor não... me manda o lugar e nos encontramos lá.

— Certo – Thomas respondeu devagar – tchau, então. Até mais tarde.

— Até.

Quando o celular de Beatriz desligou ela correu desesperada para o andar superior, quase tropeçando nos primeiros degraus.

Ela tinha menos de duas horas para alisar seus cabelos e se maquiar, além de tomar banho e estar no maldito restaurante na hora certa. Xingando Thomas e sua família ela trotou até o banheiro e afundou-se embaixo do chuveiro enquanto o vapor tentava atrasá-la ainda mais.

•••

Eram exatas oito horas da noite e Beatriz estava inquieta na frente do restaurante, batendo o pé em mais um salto alto e com os cabelos estirados voando contra seu próprio rosto.

Por um milagre ela havia conseguido se arrumar a tempo. E ali, em meio a noite da cidade, ela sentia a adrenalina diminuir e outra coisa tomar seu lugar. O que diabos havia acontecido naquelas duas horas?

Ela, morrendo de raiva de Thomas, aceitara ir num jantar com ele. Que os pais dele explodissem! Beatriz não devia nada aquela família.

Uma repressão soou em meio a suas queixas. As duas famílias eram amigas apesar de tudo, e por mais que aquele jantar nada tivesse a ver com sua vontade seus pais ficariam desapontados se ela de repente começasse a insultar seus íntimos.

Beatriz suspirou apertando o casaco contra o corpo. A noite estava fria e a rua movimentada. Se Thomas não chegasse em cinco minutos ela mesma entraria no restaurante e pediria uma mesa para si.

O maldito quase implorara para que ela esperasse por ele na frente do restaurante e ousava se atrasar! A imagem dele só ia de mal a pior!

Observando despretensiosamente alguns carros passarem Beatriz se perguntou, pela primeira vez no dia, qual era o significado do que havia acontecido pela manhã. Thomas simplesmente se apossara de um objeto seu e exigia que ela fizesse algo em troca.

O quão idiota ela era para ter aceitado aquilo?

Podia simplesmente alegar roubo! E apesar de seus contos eróticos ela sabia que escrevia bem, então, pelo menos, não passaria tanta vergonha assim...

Um carro longo e negro parou lentamente na frente do restaurante. A pintura polida ressaltou o passageiro que descia, com seus cabelos castanhos molhados e uma roupa formal demais para um simples jantar.

Beatriz admirou calada enquanto Thomas tomava sua pose de filho de empresário. Ela viu, através do garoto, seus pais nos bancos frontais. Eles falaram algo para ele que sorriu e assentiu, caminhando confiante até a jovem parada na frente do restaurante.

Antes que trocassem qualquer palavra Thomas diminuiu o sorriso, fazendo um movimento com os olhos na direção do carro.

— Aja como se estivesse muito animada em me ver.

Quando Beatriz sequer se mexeu ele fez bico.

— Eu imploro.

A palavra fez um sorriso de satisfação surgir dentro da garota que imediatamente agiu de acordo, abraçando-o com excitação e fingindo falar sem som, como se a chegada dele a deixasse agitada.

Thomas olhou maravilhado para a habilidade dela e percebeu que seus pais iam embora quando toda a euforia dela anuiu. Assim que o carro sumiu de suas vistas ele foi confrontado, com as mãos da mesma indo direto para os quadris.

— O que está acontecendo?

O garoto suspirou e indicou a entrada do restaurante. Com fome Beatriz seguiu para dentro e quando bem acomodados ela voltou a encará-lo. Apoiando os cotovelos na mesa de vidro Thomas deixou um longo suspiro escapar.

— Desculpe colocar você no meio de tudo isso. Depois daquele jantar meus pais ficaram fascinados por você. Sua mãe fez uma grande propaganda e acredito que não passou despercebida.

Ele olhou culpado para a mesma.

— Eles insistiram para que me aproximasse de você e quando eu disse que não tinha seu número...

Beatriz diminuiu sua postura ofensiva e tomou uma das taças dispostas sobre a mesa, bebendo água.

— Eles falaram com seus pais e foi a desculpa perfeita para os quatro. Meus pais quase me deserdaram quando disse que não ia ligar pra você e, bem, fui praticamente obrigado a convidar você pra sair.

Ele ponderou suas palavras por alguns segundos.

— Sem querer ofender sua companhia, claro.

— De onde seus pais tiraram isso? – Beatriz recostou-se a cadeira – De onde meus pais tiraram essa ideia?

Thomas quase riu.

— Não acho de todo mal estar aqui – ele murmurou mexendo sem objetivo um dos guardanapos sobre a mesa.

Beatriz o olhou com raiva, pronta para dizer o quanto lhe incomodava estar ali com ele, mas por um momento ela entendeu que ele também havia sido coagido a estar ali. Eles eram apenas peões.

— O fato principal é que: nossos pais querem isso – apontou para os dois – e não sei sobre os seus, mas aqueles dois dentro do carro são insistentemente irritantes.

Uma das sobrancelhas de Beatriz ameaçou levantar, mas ela a segurou no lugar.

— Então eu pensei em... se não for ruim para você, claro, fazemos um acordo.

Beatriz riu internamente. Thomas havia feito um acordo com ela mais cedo e não havia sido nem um pouco bom. Agora ele vinha com outro?

A compreensão de que para ele Beatriz e Ana eram pessoas diferentes amenizou um pouco aquela raiva, mas esta ainda ardia rancorosa dentro de si.

— Que tipo de acordo?

— Eu gosto de você e sei que você gosta de mim.

— Oi?

Thomas riu de suas palavras.

— Não, nada no gênero romântico. O que quero dizer é que nos damos bem, não é?

Beatriz quis listar todas as coisas que odiava nele, assim como todos os sentimentos obscuros que ele incitava dentro de si, mas ali, naquela mesa requintada num restaurante caro ela não era Ana. Não era a garota que ele interagia na faculdade, alimentando sempre que podia sua raiva por ele.

Para Thomas Beatriz era uma garota de uma noite qualquer que não nutria nada específico por ele e que se davam bem. Bem até demais.

— Não sei onde você quer chegar.

— Quero propor que continuemos com isso. Com esses encontros. Pelo menos por algum tempo. Só para amenizar as coisas com nossos pais.

Ele dobrou e desdobrou o guardanapo.

— Para poder dizer que pelo menos tentamos antes de mais nada.

Diferente de mais cedo a expressão corporal e facial de Thomas demonstrava não superioridade, mas desespero. O garoto parecia aterrorizado com toda a pressão familiar sobre ele e Beatriz até entendeu sua preocupação.

Ele era mimado e filho único. Os pais o bancavam em tudo que fazia e exerciam, como dava para perceber, influência em sua vida devido a tais fatores. Thomas era prisioneiro no seu âmbito familiar das vontades de seus pais.

Beatriz apoiou os cotovelos no braço da cadeira, deitando diligentemente seu rosto na palma de sua mão enquanto observava o garoto na sua frente. Ele ainda esperava sua resposta, dobrando e desdobrando o pedaço de papel.

Naquele momento Beatriz se sentiu poderosa. Ali ela tinha opção de escolha. Thomas não podia chantageá-la ou ameaçá-la, e o gostinho de tê-lo na palma de sua mão era irresistível. Ela quase lambeu os lábios ao vê-lo tão submisso.

Seria sua vingança.

Mas apesar de todo o deleite em Thomas estar desesperado e ela mesma estar no poder, algo falou mais alto. Se aprumando no assento ela se inclinou sobre a mesa e abriu um sorriso divertido.

— Por mim tudo bem.

Thomas piscou atônito enquanto digeria as palavras e o sorriso da garota. Ela havia aceitado seu acordo? De saírem para despistar seus pais?

— Tem certeza?

Beatriz abriu um sorriso de lado.

— Não deveria?

Ele soltou uma risadinha.

— Na verdade não achei que aceitaria. Você pareceu tão... esquiva.

— Mas é tudo de mentira – frisou – então tudo bem. Sei que meus pais vão acabar se tornando insistentes com isso também – mentira.

— Então, estamos combinados – ele abriu o cardápio – o que vai querer no nosso encontro falso?

Beatriz riu.

— Por favor, sua melhor e mais falsa indicação, Tom.

Ambos riram de suas brincadeiras. Com o clima saindo da tensão a dupla mergulhou em algo mais amigável, entre a cumplicidade e a harmonia. Dentro de Beatriz alguma coisa ardia indignada com a sua decisão. Era sua melhor chance de se vingar, como ela podia abrir mão daquele doce gosto da revanche?

Mas Beatriz também não sabia por que aceitara o acordo, mas o aceitou, e sentia que era o certo. Apesar de sua vontade de matar o garoto na sua frente o sorriso dele melhorou seu humor.

Talvez ela devesse ser canonizada por aceitar passar por tamanha provação. Um risinho cruzou seus lábios e ela o escondeu bebendo água.

•••

— Então, aqui estamos nós.

Beatriz assentiu olhando desconfiada para a grande construção de sua casa, aparentemente vazia pelo horário. As luzes dos postes na rua iluminavam precariamente o caminho de pedra entre a grama e sua porta e a mesma​ se perguntou se a empregada ainda estaria lá dentro.

— É, chegamos. Obrigada pelo jantar.

— Não foi nada – Thomas desligou os faróis, escurecendo a parte interna do carro – eu coloquei você nisso. O mínimo que posso fazer é compensar com alguma comida gostosa. Sei o quanto você aprecia isso.

Beatriz sorriu ao vê-lo se lembrar de suas palavras sobre ter ido à confraternização pela comida.

— Foi realmente boa.

— Que tal irmos comer uma pizza da próxima vez? Tem um lugar novo na zona sul que...

O riso da garota o interrompeu e Thomas sorriu vendo a silhueta dela através do espaço mal iluminado. Ela era bonita, mais do que bonita, e tinha algo nela que o atraía. Algo magnético. Talvez não fosse tão ruim eles saírem juntos no final.

— Nós mau voltamos de um jantar completo e você já está planejando o próximo? – ela riu mais um pouco – Não sei muito bem o que achar de você Thomas Mason.

O sorriso dele aumentou e suas mãos se ergueram em sinal de inocência.

— Não sei o que quer dizer com isso.

Beatriz, pela primeira vez em todo o percurso, se permitiu encará-lo. O escuro lhe dava uma coragem estranha e vendo a silhueta dele banhada pela escassa luz da rua ela não conseguiu evitar balançar a cabeça.

Por que quando se encontrava com ela enquanto Beatriz Thomas parecia tão legal?

A companhia dele era boa, a conversa, as risadas. Beatriz quase não sentiu a noite passar ao lado dele enquanto conversavam e comiam distraídos. O que ele tinha contra ela?

Seus lábios se comprimiram.

— Eu achei que você aproveitaria o escuro para me roubar um beijo.

Um sorriso divertido cruzou os lábios do garoto.

— Pode não parecer, mas sou um cavalheiro. Não faria nada que você não quisesse.

Ele destravou o cinto.

— A não ser que você queira.

Beatriz sentiu calor subir dentro de si.

— Não foi o que me pareceu na porta do banheiro.

— Ah, mas ali você queria.

— É? E como você sabia?

Thomas se inclinou para o banco da garota, com a visão precária pela falta de luz. Beatriz conseguiu sentir o cheiro dele antes que ele se aproximasse e prendeu a respiração.

Lá estava ela de novo num jogo perigoso com seu arqui-inimigo. Que tipo de masoquismo era aquele?

— Seus olhos me disseram – ele conseguiu um ângulo em que a luz do poste incidia diretamente sobre a jovem – exatamente como estão dizendo agora.

Beatriz destravou seu próprio cinto com um rápido movimento da mão, fitando com intensidade os olhos do garoto. Ela não acreditava no que estava prestes a fazer. De novo.

— Então isso quer dizer que eu quero? – ela sussurrou, mais sensual do que pretendia.

Thomas respondeu-a com um sorriso contemplativo e por breves segundos a jovem sentiu que sua boca possuía algum segredo oculto prestes a ser desvendado.

— Ah, sim. Quer sim.

Quando Thomas a beijou Beatriz não teve qualquer segundo de indecisão sobre o que queria. Ela o retribuiu tão intensamente que o oxigênio dentro do carro pareceu faltar.

O garoto sorriu entre seus lábios puxando-a para si o máximo de conseguia e ela cedeu enroscando com precisão seus dedos nos cabelos castanhos.

Impulsionando seu corpo Beatriz atravessou o espaço entre os bancos, sentando com leveza no colo do garoto. Ele arfou, surpreso, mas não demorou para que ele afundasse suas mãos na cintura dela, pressionando-a contra seu corpo.

Beatriz aprofundou o beijo e gemeu quando ele se chocou contra ela, fazendo todo o corpo dela queimar em excitação.

— Você...

Beatriz se afastou e desceu beijos suaves pelo pescoço dele, sentindo com deleite o cheiro do seu perfume.

— Eu...?

— Você tem certeza que quer...

Beatriz afundou seu peso sobre o colo do garoto e ele arfou, buscando-a desesperado por um beijo. Ela riu, deliciando-se, e tocou suavemente na boca dele com o dedo.

— Meus olhos não lhe dizem nada?

Thomas riu baixinho agarrando-a com força. Os lábios dele chocaram-se com os dela com intensidade.

— Você não sabe o quanto.


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Notas finais do capítulo

E aí, asjshjas, o que acharam?