Contos da meia noite escrita por Nameless


Capítulo 2
Para não dizer que não falei de flores


Notas iniciais do capítulo

esse tem nota. então é independente das ultimas duas historias que eu postei. É um universo alternativo com umas diferenças que vcs vão perceber e as coisas que aconteceram nos ultimos dois capitulos da fic não aconteceram nesse tá?
se divirtam



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Aconteceu de novo. Pela luz ninguém estava por perto, muito ocupados pensando nas coisas que Morgan tinha dito. E aconteceu na pior hora possível, no meio de uma das aventuras noturnas costumeiras de Andrei, sabe, as não permitidas. Não que Andrei fosse um homem contra lei, muito pelo contrário. Entretanto, noções desesperadas pedem medidas desesperada.

E é por isso que ele estava cuspindo sangue no meio da biblioteca de Morgan. Pressionou a mão na boca, tentando o conter o coagulo de sangue que estava lutando para sair de seus lábios. O livro que ele tanto queria ler caiu da escrivaninha quando Andrei se debruçou nela, tentando preservar o pouco equilíbrio de lhe restava. Com os dedos obstruindo sua boca, as tosses chacoalhavam seu corpo inteiro, como se ele fosse feito de papel como seus companheiros escritos.

Não parava, não parava. Não parava e ele não conseguia respirar. Até que de repente, tão rápido quanto veio, saiu. Foi como se nunca estivesse por perto, como se tudo fosse apenas um delírio invocado pelas sombras. Trêmulo, tirou a mão da boca, observando o objeto inocente que ali se encontrava. Em meio ao sangue, pétalas alaranjadas repousavam delicadamente, fora de ordem e harmonia em meio a situação.

Atrás de Andrei, uma figura se revelou. Morgan, em toda sua imponência que apenas a sabedoria trazia olhava para Andrei com indiferença. O policial rapidamente limpou os restou de sangue de sua boca o melhor que pode, ainda fraco com o ocorrido. O homem mais velho apenas continuou a observar, esperando por uma ação que Andrei não sabia ao certo o que era.

Ao pico de sua impaciência, Morgan decidiu falar. Infelizmente para ele, as pessoas não compartilhavam de seu conhecimento, assim não conseguiam deduzir o que passava na mente do erudito.

— Você sujou minha biblioteca.

Andrei piscou, percebendo o chão sujo de vermelho com direito a alguns pingos no livro que caiu. Com um “Ah é” suave Andrei pegou o livro enquanto tentava limpar o sangue no piso com a sola do sapato.

Morgan colocou a mão na ponte do nariz, por algum milagre parecendo mais velho do que já era.

— Não seu estúpido, você só está piorando! – bradou Morgan, exasperado. Andrei lhe ofereceu um sorriso modesto e falso. Morgan não precisava saber da parte falsa. O homem mais velho recobrou a postura, olhando seriamente para o livro e não se dignando a observar Andrei. – E o que passou pela sua cabeça inconsequente para seu cérebro subdesenvolvido acreditar que foi uma boa ideia passar por cima das minhas ordens?

Tomou mais um passo na direção do policial.

— Na minha casa que, aliás, é uma máquina a centenas de metros de distância do solo? Talvez se tivesse escolhido um livro de anatomia, saberia o quão perigoso isso é para você. – Andrei franziu um pouco a testa, decepcionado que seu estado “frágil” não amenizou a situação que se encontrava. Morgan era um homem seriamente intimidante.

— Justamente pelo estado do meu corpo que vim aqui. Temo que eu tenha sido envenenado quando passamos pela vila. Pelas mesmas pessoas que estavam nos seguindo anteriormente. – Andrei tomou o silêncio de Morgan como consentimento para prosseguir. – Andei pesquisando sobre e existe um veneno badhatiano a partir de flores de cerejeira que se encaixa perfeitamente no...

— O médico, Ganga não te contou nada sobre isso?

Andrei parou sua explicação parcialmente mentirosa. Ele de fato veio procurar sobre venenos que advinham de flores, mas claro que não foi apenas por isso que resolver vasculhar os livros de Morgan. Até porque esse veneno era apenas um pequeno incomodo, nada tão sério como o episódio de tossir sangue tinha ocorrido antes. Apenas algumas tosses aqui e ali, casos isolados e ignorados por um fumante ávido como Andrei.

— Eu falei com ele, mas ele não sabia me explicar o que era. Parece um veneno obscuro.

Morgan sorriu (algo inédito) com o canto da boca para expressar seu escárnio. Não acreditou na mentira (verdade omitida e maquiada) nem por um segundo.

— Não sei dizer se é cara de pau ou realmente tão burro.

Andrei apertou a mão de ferro, se controlando para não retrucar o comentário nada amistoso que Morgan fez. O gelo que ele estava andando estava fino demais para respostas com a que Andrei estava pensando naquele momento.

O sorriso se desfez.

— Você realmente não sabe, não é?

Andrei mordeu a bochecha para não responder a altura. Não funcionou.

— Bom, já que o senhor é tão conhecedor do mundo, porque não me ilumina e me conta?

Alguns momentos passaram em silêncio novamente.

— É Hanahaki, garoto. Você tem Hanahaki.

Andrei, um Tenebriano que apenas sabia dizer oi, desculpa e prendam ele em badhatiano não sabia o que fazer com aquela informação. Ele nem sabia o que ela significava.

Morgan pegou o livro que Andrei estava tentando limpar até pouco e olhou para o título com alguma emoção em seus olhos que Andrei não conseguia identificar.

— Literalmente significa cuspir flores. É uma doença em que seu corpo forma esse coágulos semelhantes a pétalas de flores. Quanto mais pétalas, mas o seu corpo está se deteriorando.

Oh. Isso era mais problemático do que ele pensava. Porque as coisas não poderiam ser mais simples? Um buraco de bala faria muito mais sentido do que essa doença fantasiosa. Flores?

— Flores?

— Não são reais, obviamente. Mas são o melhor que seu corpo pode produzir.

Andrei engoliu em seco, sentindo a vontade de fumar um cigarro. Não que seu pulmão gostasse muito dessa ideia, mas seu cérebro ansiava por nicotina. Andrei odiava não saber das coisas. Não saber implicava em não ter controle o que implicava em ser usado de qualquer forma que o destino e o acaso quisessem.

— Como eu me livro disso?

— Se a pessoa que ama corresponder. Ou claro, você pode ser... Porque está rindo?

Andrei limpou as lágrimas dos olhos, surpreso com a piada de Morgan. Ele merecia isso depois de invadir a biblioteca no meio da noite. Quem diria que o velho tinha bom humor? Mas Morgan não riu, nem ao menos esboçou alguma reação que validasse sua piada.

— Se não acredita em mim, pergunte para seu amigo médico. Suponho que também não acredite no escuro que rouba a sanidade das pessoas e as mata lentamente, já que leva minhas palavras como balela. – Morgan estendeu o livro, que agora contava com as impressões digitais sangrentas de Andrei. – Já que estragou, leia.

Um estudo sobre as flores, por Katsuki Amai

.... até buquês podem ser expelidos pelo paciente caso a doença progrida. Embora curiosos estes casos citados não são amplamente difundidos por sua estranha relação com as sombras. Por seu teor até mesmo “poético” é romantizada em obras como “Meu lírio do campo” e “O vermelho do nosso amor” de contexto literário. Entretanto, é uma doença séria e precisa ser tratada com tanto esmero quanto qualquer outra.

Andrei colocou o cigarros contra o copo para apagar as cinzas. Não era tão bom cinzeiro, mas dava para o gasto. Apesar de tudo, o livro era quase reconfortante. O nome era singelo e inocente, mas o conteúdo era mais do que algum ensaio cientifico sobre a forma das flores ou algo do gênero.

Não, era algo imensamente mais perigoso. Voltou a ler.

... diz Analisa Campbell. Também acrescenta: “Não há como fugir. É algo que cresce com você.            

Quando perguntada sobre a provável cirurgia, Senhorita Campbell se alterou. Ao todo, o humor de fato se torna diferente com Hanahaki.

“Não! Nunca. É ultraje, até mesmo pensar nisso me deixa...” Senhorita Campbell infelizmente começou a sentir palpitações no coração pelo rumo da conversa. Ela recusou a cirurgia para a retirada manual das flores e faleceu duas semanas após nossa conversa. Com três semanas após o descobrimento da doença, Senhorita Campbell foi o caso mais longo datado.

Folheou as páginas até chegar no começo, perto do sumário.

Descoberta em Badhate, é causada pelo amor não correspondid-

Andrei fechou o livro com um baque, só tendo tempo o suficiente para aproximar o lenço que estava em seu bolso até a boca. Seu corpo pareceu querer desmoronar, fraco, com um vazio tão grande que respirar era um pecado.

Isso é, se ele pudesse respirar. Com o sangue vieram as pétalas arroxeadas de uma nova flor. Se apoiando na cabeceira da cama, amassou as pétalas com os dedos e elas voltaram a sua forma original. Apenas mais uma parte do seu corpo sendo expelida, muito longe da versão subjetiva dos livros citados no ensaio. Um toque e elas voltavam ao estado carmesim, patético.

Nem mesmo suas flores duram.

Com dificuldade, alcançou o livro, procurando no sumário pela página de significados. Uma tradição badhatiana, colocada ali tanto pela conscientização quanto para encher páginas, a linguagem das flores.

Comparando as antes pétalas com os desenhos, um “Há!” amargo escapou de seus lábios, trazendo consigo um par a mais de pétalas a serem expelidas pela tosse.

Prímula

Sakuraso

Sentimento de desespero.

 

Estava lá todo o santo lugar que ele ia. Se Andrei estivesse no mesmo quarto que Zao, ela voltaria. Ele tentaria disfarçar com uma risada, e teve que rejeitar as várias ofertas de remédio para gripe de Ganga. Andrei deveria contar ao médico. Talvez ele encontrasse uma maneira, sendo progressiano eles devem ter algum método inventivo e maravilhoso por lá.

Sim, deveria ter.

Mas e se não tivesse? Os depoimentos de Katsuki se tornaram o próprio diário de Andrei. Seus estágios estavam durando ainda menos do que os outros, já que o stress é um grande agravante da doença de acordo com a autora. Os sentimentos a flor da pele, as pétalas agora bem formadas e acompanhadas de botões, os calafrios.

Tudo, tudo era o sinal do seu próprio apocalipse. E o Morgan sabia. Cada vez que eles se encontravam no corredor, que eles por algum motivo sórdido se esbarravam, ele olhava como alguém vê um rato morrendo. Eles ouvem, sabem que o pobrezinho não pode fazer nada, não vai fazer nada, mas não ajudam. Apenas observam a criaturinha gemer em dor.

Pela luz, Andrei. Seus pensamentos nem ao menos faziam sentido mais.

Foi em um dia pacato, tão miserável quanto os outros de andavam tendo. Ele tinha acabado de dividir a muito custo uma garrafa de sakê com Zao. E doeu. Ao mesmo tempo que seu corpo, até sua mente, queriam qualquer pedacinho de atenção que tivessem. E tal qual o sakê que dividiam, queimava a sua garganta como fogo.

Mas o deixava extasiado de uma maneira que nem o álcool nem a nicotina jamais poderiam.

E Morgan percebeu isso.

— Veneno Badhatiano, huh. – disse Morgan sem inflexão na voz, como se estivesse falando sobre o tempo.

Então Andrei abriu uma porta e jogou Morgan dentro de um quarto qualquer. Os punhos de Andrei seguravam a batina avental com tanta força que os nós dos seus dedos estavam brancos.

— Para de fazer isso. – bradou entre dentes. Era um grito contido, sussurrado e censurado pelo medo de Zao ouvir aquela conversa.

Morgan apenas olhou inexpressivo para as mãos de Andrei, prestando mais atenção na prótese de ferro.

— Solta.

— Não até você parar de fazer isso. – retrucou Andrei, apertando ainda mais a roupa do senhor. Morgan continuou a observar Andrei sem entender.

— Isso o quê?

Essa confusão fingida só era mais um combustível para a fúria esperando sair. Um outro sintoma da doença, quem sabe? No momento, Andrei não se importava. Assim como as flores, ele só queria liberar esse sentimento no seu peito.

— Isso! Essas suas olhadinhas quando eu passo perto do Zao, quando eu me dirijo a ele, quando eu estou no mesmo quarto! Esse jeito, essa pena, esse descaso como se eu fosse a droga de mais algum experimento falho seu. Como se eu fosse uma criança burra e patética que só não quisesse fazer essa droga de cirurgia por teimosia.

Cada frase era pontuada por seu dedo de metal batendo contra o peito de Morgan.

— Quer saber, talvez seja! Eu não quero tirar isso. Você, que conhece tudo ao menos sabe o quanto dói arrancarem o último sentimento bom que te resta? Como será morrer sabendo que esse vazio, esse nada nunca vai passar porque eu não fui forte e fiz essa droga de cirurgia!? Hã? Responde!

Assim que Andrei começou a sacudir Morgan, ele sentiu duas mãos o empurrando para trás. Morgan, que era muito mais forte do que aparentava estava arrumando as roupas amarrotadas pelo ataque de Andrei.

— Como você conseguiu chegar no estágio 6 em uma semana e meia? – perguntou Morgan, com uma aparente curiosidade.

Andrei desinflou assim como um balão, toda a raiva indo embora sem nem ao menos deixar saudade. Era só o vazio.

— Como?

— Estágio 6. – disse, como se fosse a coisa mais óbvia do universo- Paranoia. Garoto, eu não olho na sua direção desde o dia da biblioteca. Muito menos falo.

E Andrei não refutou. Não gritou, não questionou. Andrei sempre adorou questionar. Ele apenas soltou um pequeno:

— Ah. Sim. – e tudo, naqueles poucos segundos, clareou em sua mente. Ele leu sobre o estágio 6 da doença. Sobre quase todos eles e de alguma forma, ele não percebeu esse. Era o pior pesadelo, a perda do seu controle sob suas emoções, sua mente.

— Não será o fim da sua vida. – Morgan comentou.

Algum sentimento, um resquício daquela raiva alimentou as próximas palavras de Andrei.

— E como você sabe disso?

Morgan, que ainda estava arrumando a batina, parou. Pela primeira vez desde que chegaram aqui, Morgan olhou nos olhos de Andrei.

— Não tenho aquele livro por curiosidade. – como um hábito nervoso, a primeira fraqueza e talvez a única que Andrei viu no homem de poucas emoções foi colocar a mão na boca. Assim como Andrei fez tantas vezes nos últimos dias para acabar com as flores. Exatamente como Andrei.

— Dói? – o som que saiu da boca de Andrei doeria o coração do mesmo semanas atrás. Era oco. Sem vida. Sem o sentimento que tanto ansiava

— Por um momento. Mas vai passar. A dor, os sentimentos que sente por sei lá quem você foi idiota para se apaixonar e não te querer.

Isso assustaria o Andrei de semanas atrás.

— Como se nunca tivesse existido?

Não assusta mais agora.

— Como se nunca tivesse existido. Vai logo falar com o médico antes que eu fale. Não quero outro corpo aqui. Não queria nem ao menos um vivo.

Andrei não questionou. Ele nem foi falar com Ganga, porque mesmo com todo o conhecimento de Morgan ele não percebeu que Andrei tinha passado do estágio seis dias atrás. Ele estava no estágio sete, como as sombras carinhosamente lhe contaram enquanto ele andava pelo caminho cheio de vento até a oficina.

As sombras estavam ali por ele, como Zao deveria estar. Elas preencheriam o vazio, aquele que Andrei nem sabia que sentia. Sem cirurgia para remover a doença e os sentimentos que sentia por Zao. Sem jogos políticos. Sem lembranças.

Apenas as sombras. Andrei fechou os olhos, sentindo o gosto da escuridão em sua língua. E quando os abriu, tudo ainda estava escuro. As sombras o abraçaram. E nada mais foi o mesmo.


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