O Mundo Cinza Tingido de Felicidade escrita por Hanures


Capítulo 1
Um


Notas iniciais do capítulo

Reescrevendo. ♥ Tenha uma boa leitura.



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Alina  

Quarta-Feira 16:48h

 

— É só a resposta da primeira questão, Alina, a professora não vai saber, eu vou mudar algumas coisas. Ajuda aí fia!

Novamente isso... por que os professores dessa escola saem tanto da sala de aula depois de passarem atividades? Basta sumirem da nossa vista que alguns alunos aparecem na minha mesa pedindo as respostas, entre eles há os que considero perigosos pra mim, pois já chegaram a me ameaçar diversas vezes, hoje em dia basta um olhar deles que já me fazem entender o que fariam se eu negasse, já presenciei a capacidade de cada um e não desejo passar por isso de novo.

— Não vai me ajudar mesmo, Múmia? — Me pergunta Amanda, impaciente, haviam mais três pessoas do seu grupinho por perto.

Eu poderia não me importar e fingir que não estava ouvindo, mas sou fraca demais tanto mentalmente como fisicamente para me opor, se eles não ameaçassem a perturbar o meu irmão mais novo, eu faria isso, talvez. Deixaria eles descontarem em mim, mas... se me machucassem seriamente, alguém me levaria para o hospital e deixaria minha mãe preocupada, com a saúde frágil que ela tem é melhor eu nem pensar em deixar isso acontecer.

— Vamos Alina! Eu vou jogar esse caderno na fonte do pátio depois da aula. Anda logo!

— Mas... — Tento falar mas não consigo, minha voz começara a falhar. A vontade de chorar sempre aparece quando colocam qualquer pressão em cima de mim.

— Já Chega! — Exclama a professora assim que entra na sala se deparando com o espetáculo ao redor da minha mesa. — Eu disse que a atividade é individual! Voltem para os assentos os quatros aí, e deixem de preguiça.

O meu alivio transbordava naquele momento, mas outro pequeno pânico surgiu ao me lembrar do que Amanda disse, eu vou jogar esse caderno na fonte do pátio depois da aula.

 Vou precisar tentar sair da escola e entrar na estação de metrô antes que ela me alcance, mas não posso sair e deixar Júnior esperando sem saber de nada, ou ela pode descontar nele se o encontrar sem mim, o pior é que ele nem sabe que é por minha causa, nunca ousei dizer, o meu medo dele revelar para nossa mãe, era maior, provavelmente resultaria em várias confusões se ela soubesse o que eu passo. Se ao menos ele tivesse um celular...

Faltam menos de quatro meses para eu concluir o ensino médio e me livrar dessa escola, meu primeiro objetivo é trabalhar e tentar pagar um colégio particular mais perto de casa para o meu irmão, não quero que ele continue passando os últimos três anos aqui nessa escola cheia de pessoas agressivas e maldosas, onde nem os supervisores conseguem controlar, e nem mesmo os pais desses alunos quando são chamados.

 

[...]

 

Todas as aulas tinham encerrado e eu estava me apressando para sair da sala, mas ouvi a professora chamando Amanda para ir em sua mesa, ela já estava levando uma pequena bronca pelo ato de tentar colar na atividade, apesar dela já estar bem acostumada.

Não irei continuar aqui ouvindo, é uma ótima oportunidade para sair logo daqui e me encontrar com meu irmão.

Caminhei pelo corredor do outro prédio do ensino fundamental que levava para as salas, avistei Júnior saindo de sua sala e me apressei para chegar perto dele.

Lina? O que foi? — Me pergunta assim que me vê.

— Podemos ir logo? Não estou muito bem. — Inventei uma desculpa, assim ele poderia colaborar mais rápido, abaixei a cabeça para ele não ver meu rosto fingido, tínhamos a mesma altura e para ele era fácil notar qualquer coisa estranha em mim.

— Claro, claro... — Ele finalizou meio tenso e me puxou rapidamente para fora da multidão. As vezes ele age como um irmão mais velho, e eu não me importaria se ele fosse, seria até melhor do que eu.

Passamos pelo grande portão de ferro e não vi nenhum sinal da Amanda, para o meu alivio. Fomos para a estação e me sentei em um dos bancos que estavam vazios, Júnior fez o mesmo. Amanda não viria aqui, já que ela teria que esperar um ônibus sem horários perto da escola, que iria para o centro da cidade.

— É anemia de novo? — A voz do meu irmão me despertou me fazendo lembrar que eu tinha fingido estar doente, porém, para ele parecia que eu estava falando a verdade, pois o meu rosto estava mais pálido do que ele já é e também eu estava um pouco ofegante, tudo foi efeito do meu pequeno pânico de uns minutos atrás.

— Acho que sim, mas já está passando, obrigada por me tirar logo dali.

— Tudo bem, não é a primeira vez que isso acontece. Eu só acho que você deveria tomar café da manhã direito antes de vir pra escola. Não é doloroso você sentir essas coisas?

— Eu estou bem, juro!

— Você nem me ouve mais.

Assim que Júnior terminou de falar, o metrô havia chegado, entrei no vagão rapidamente tentando encerrar o assunto. Estava bem vazio, sentamos um ao lado do outro e para evitar as possíveis perguntas sobre meu estado de saúde, puxei um livro da mochila que eu estava lendo durante a semana, de ficção cientifica “Legend – Marie Lu”, abri na página onde havia parado.

 Geralmente costumo ler clássicos ou obras de época, mas dessa vez resolvi testar algo diferente, faltavam poucas páginas e provavelmente eu iria concluir hoje, ainda havia mais dois da mesma saga mas deixarei para outro dia, pois há outro livro no qual me interessei também na biblioteca da escola e pretendo pegar emprestado amanhã.

 Ler me acalma e me faz fugir da realidade desse mundo que vivemos, além de me fazer esquecer os momentos frustrantes que passo diariamente. Acho que nunca vou me cansar de ler... não, na verdade eu tenho certeza disso!

 

20:26h

 

Havia terminado de jantar e fui diretamente para o quarto, o qual eu também divido com Júnior. Precisava encapar meu caderno para caso Amanda tomasse-o de mim a força e fizesse o que tinha dito antes, ao menos com ele encapado não sofreria tantos danos da água suja daquela fonte. Sou muito magra, sou baixinha e tenho anemia constante, sem falar que o meu joelho não é tão saudável, ou seja, sou frágil demais para me defender ou algo do tipo, Amanda e seus amigos são fortes e me quebrariam facilmente se quisessem, já tentei várias vezes me defender antes, mas nunca deu certo.

Após eu ter terminado, fui na cozinha a procura de minha mãe e ajuda-la com alguma coisa antes dela ir deitar. Ela estava no balcão lendo alguns papeis que pareciam ser contas, suas expressões são forçadas e assim que me ouviu chegar, elas mudaram em um piscar de olhos, e isso me doía o coração.

— Oi, Lina, eu só estou vendo algumas contas que chegaram hoje, eu já guardei uma parte do dinheiro para pagar semana que vem. Não vamos nos preocupar. — Diz ela tentando suavizar a voz.

— Mãe, eu já disse que podemos cancelar a internet, só até as coisas melhorarem, Júnior até concordou...

— Vai demorar muito para melhorar, Lina, e vocês precisam para os estudos.

— A internet não é o único recurso que temos para estudar, sabe disso. E se por acaso precisarmos usar, tem uma Lan House a dois quarteirões daqui.

— Eles cobram baratinho por hora. — Disse Júnior saindo do corredor e se escorando na parede. — Por mim já deveria ter cancelado a muito tempo, eu também posso usar os livros ué.

— Nem gosta de ler. — Discordou a dona Elisa. — Se Lina lhe ajudar a ler mais, e principalmente a gostar disso... eu posso pensar no caso.

— Já vi que não vamos cancelar essa internet nunca. — Replicou Júnior. — Eu vou dormir. — Disse por fim indo para o quarto.

Eu e minha mãe suspiramos e olhamos uma para a outra, ela levantou as sobrancelhas em forma de negação perguntou num sussurro.

— Não quer ajuda-lo?

— Não é que eu não queria... é que eu não consigo, Mãe.

— Já faz tanto tempo que vocês estão assim, só conversam o necessário desde que seu p... aquele homem foi embora. Eu me lembro que vocês eram tão unidos.

— Eu espero que esse cara não volte nunca mais... — Disse me referindo ao meu pai, o qual nos deixou por outra mulher a oito anos. De qualquer forma foi melhor ele ter ido, já fomos maltratados demais por ele. — Mãe, eu vou tentar ajuda-lo de qualquer forma.

— Eu só sugeri isso para ver a sua intenção. Eu vou cancelar a internet de qualquer jeito, já que vocês dois estão de acordo. Eu espero que dessa vez as coisas venham a melhorar, e depois colocamos de volta...

— Não tem pressa, mãe. Vamos resolver tudo isso primeiro. — Disse a fazendo dar um pequeno sorriso. Fui até a pia e comecei a lavar a pouca louça que tinha antes de ir tentar dormir.

 

03:15

 

E aqui estava eu, sentada na cama olhando para minha janela meio aberta, com a mente lotada de diversos pensamentos me aprisionando, sem conseguir dormir após ter acordado no meio de um pesadelo. Ainda consigo lembrar da mobília destruída daquela sala, meu irmão ainda bebê chorando alto e encolhido nos braços da minha mãe quando ela estava praticamente em cima dele, com o rosto no chão o protegendo enquanto era espancada por aquele marginal. E eu... caída no chão com um pedaço pontudo de vidro no joelho esquerdo e ao redor ensanguentado, os braços com manchas roxas e doloridas depois de serem apertados de forma grosseira.

Eu estava próxima da porta de entrada, ela estava aberta e coloquei meu braço fraco para o lado de fora na esperança de que algum vizinho o visse, mas ninguém veio, não conseguia me mover mais e nem falar. Acho que passaram uns dois minutos quando os espancamentos cessaram e meu pai saiu de casa apressado, provavelmente indo em um bar, como ele sempre fazia.

Eu estava paralisada, já não conseguia distinguir nada ao meu redor, apenas o vulto de minha mãe cambaleando indo na minha direção, ela disse algo mas não a ouvia. Colocou o meu irmãozinho sentado ao meu lado, saiu de casa correndo e provavelmente gritando pois seu rosto era de desespero. Júnior me observava inocente, as vezes conseguia distinguir seu rostinho frágil e aqueles olhos verdes enormes me encarando, neles haviam tranquilidade e preocupação, são iguais aos da mamãe. Ele apontou com seu pequeno dedinho uma das manchas do meu braço e em seguida voltava a me olhar, senti uma lagrima quente descendo pelo meu rosto. No mesmo instante entrou minha mãe juntamente com um casal, o homem estava com um celular na orelha, a mulher tirava o vidro do meu joelho e logo o enrolava com uns três panos para tentar parar a hemorragia, ela parecia saber o que estava fazendo.

Só me lembro depois de ter apagado e ao abrir os olhos estava em um hospital, com o joelho enfaixado. Minha mãe cochilava ao meu lado, seu rosto estava com alguns ferimentos leves. Estava com Júnior no colo que também dormia, foi então que tive a certeza que jamais esqueceria esse dia tão frustrante.

 

[...]

 

A única ideia que tive para tentar parar de relembrar esse passado, foi ouvir um pouco de música, coloquei uma com apenas o som do violino, eu amo esse instrumento apesar de não saber tocar, o som dele me acalma muito e me faz imaginar coisas boas e inspiradoras.

 Voltei a deitar mas continuei acordada, Júnior dormia tranquilamente na sua cama ao meu lado, mas eu só via as suas costas bronzeadas, magras e expostas, o seu cabelo preto e ondulado em um corte meio tigela. Eram as únicas características que nós dois tínhamos em comum, o cabelo preto como breu e a magreza, porém Júnior pesava uns quatro quilos a mais que eu. O resto eu herdei do meu pai, como a pele muito branca e pálida que parecia um fantasma, e os olhos escuros que eu odiava ver no espelho, pois eles sempre me lembravam ele...

Resolvi terminar de ler o livro e esquecer um pouquinho esse mundo, talvez eu o conclua pela manhã, já poderia devolve-lo na biblioteca da escola.


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