Abusivo: A história que ninguém conta escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 23
Capítulo 22




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Antes do discurso do nosso ilustríssimo Doutor Chateaubriand, eu pedi humildemente para proferir algumas palavras. - Começa Jean apontando a taça em direção a nossa mesa. — Há tanta coisa que eu gostaria de dizer...tanta coisa está acontecendo em minha vida, tanta coisa está me guiando nesses últimos tempos, não é mesmo? Mas eu só posso dizer que você é o meu grande amor e que enfrentar a vida fica mais fácil quando estamos ao lado um do outro. Não sei como ficar longe de uma pessoa tão linda, uma pessoa que simplesmente sabe exatamente como cuidar de mim, uma pessoa que me ajuda a enfrentar o mundo. A verdade é que o destino nos uniu e eu não estou nenhum pouco disposto a nos ver separados. Case comigo e te juro amor por toda eternidade, Catarina.

Ele desce do palco e a banda volta a tocar animada. Jean caminha com um ar confiante em minha direção sendo aplaudido por todos os presentes, até parar diante de mim que continuo sentada, petrificada. Por alguns instantes eu me sentia fora do meu corpo, apenas observando toda a cena. Meu namorado se ajoelha e abre a caixinha preta aveludada há poucos centímetros das minhas mãos que continuam entrelaçadas. A aliança possuía uma discreta cravação com seis garras que permitia ao diamante brilhante flutuar acima do aro prata em direção à luz, resultando em um anel tão belo que tem sido um símbolo das maiores histórias de amor do mundo… E aquilo me amedrontava, pois só agora pude perceber que estávamos escrevendo a nossa história de amor. Jean segura minha mão direita, posicionando a aliança até a base do meu anelar. Então por alguns segundos uma pergunta surgiu em minha mente: Era essa história que eu queria contar?

 

***

 

O tranco dos pneus do avião me desperta … Olho pela janela e encontro o aeroporto de Campo Grande, finalmente. Espreguiço-me com a certeza de que tudo aquilo havia sido um daqueles sonhos loucos até reparar na fina aliança de noivado que permanecia em seu devido lugar. E caso eu ainda duvidasse, ao meu lado estava Jean soltando seu cinto para pegar as nossas bagagens do compartimento superior. Respiro fundo e então decido me levantar para ajudá-lo, mas o leve empurrão dado por ele já me mostrava que ele não estava de bom humor. O motivo: não sei ao certo, mas deve estar relacionado com o fato de eu não ter conseguido dizer um SIM digno a ele. De qualquer forma foi o que o fez vir comigo e contar para os pais deles antes que descobrissem de outras formas.

Ou talvez, por ter dito mais cedo que era melhor eu terminar a faculdade aqui antes de nos casarmos… Afinal, o que seriam quatro anos?

 Lembro bem de ter argumentado que dos quatro anos, dois ele estaria completamente envolvido com a residência. E nos outros dois se adaptando a rotina do quadro de permanente. Além disso, teríamos tempo para nos conhecermos melhor, pois o casamento era um grande passo. A resposta que tive foi da louça do café da manhã voando para dentro da pia. 

 

— Toma - fala empurrando minha mala em minha direção. 

 

Caminhamos em silêncio por todo aeroporto, bem como dentro do táxi. Ele nem ao menos olhava para mim e aquilo acabava comigo. Eu estava me martirizando por dentro, pois qualquer garota teria reagido mais alegre, mais apaixonada, mais emocionada e eu simplesmente fiquei lá, segundo ele, com cara de indiferença o menosprezando pelo gesto de amor. O que deu em mim? Por que não reagi de forma apropriada? Por que não chorei? Por que não o agarrei e lhe disse milhões de “Eu te amo”?

Viro minha cabeça em sua direção a encostando no banco. Sua mão está no assento entre nós enquanto olha pela janela, pensativo. Aos poucos deslizo minha mão em direção a sua, então a posiciono por cima, segurando levemente. Ele se desvencilha sem me encarar, ainda estou sendo punida.

O táxi nos deixa em nosso apartamento e o silêncio continuava entre nós, algo que para mim já estava passando dos limites. Entramos no elevador sozinhos e vejo como oportunidade para pôr fim nisso:

—  Jean, por favor, será que você pode falar comigo? – Peço. — Esse silêncio está me matando…

— Mesmo? Engraçado, pois você se sentiu bem confortável em usá-lo contra mim quando a pedi em casamento - rebate Jean torcendo os lábios.

— Jean...

 — Quando você me fez passar por mais uma vergonha… agora na frente do cara que eu estava tentando impressionar e sua esposa — continua, nervoso. Ele me encara, enojado. Aproxima-se de mim, me encurralando na parede. — Você como sempre você me fazendo passar por mais uma humilhação. E eu ainda tinha lhe pedido… será que você é capaz de atender algum pedido meu? Eu faço tudo por você… você não é capaz de recompensar nada do que faço! Porque você só faz isso comigo, pois eu duvido que você faria esse tipo de coisa com aquele bando de marginais a quem você chama de amigos.

— Eu já te pedi desculpas… - digo olhando para baixo.

— Isso não é o suficiente - responde Jean segurando meu queixo até me fazer encará-lo.

— Então o que é? - Pergunto, séria.

 

A porta do elevador se abre e Jean sai me deixando sozinha por alguns instantes. Ando atrás dele, até entramos no apartamento. Ele coloca sua mala na sala e eu caminho até o outro sofá sentando.

 

—  O que seria o suficiente para você? - Pergunto mais uma vez.

 

    Ele caminha até a minha bolsa, mexendo sem me responder. Então tira meu molho de chaves de dentro e coloca em seu bolso.

 

— O que está fazendo? - Pergunto me levantando, surpresa.

— Nada - respondeu se afastando — Só lembrei de como aquela vez em que ficou refletindo sozinha aqui no apartamento lhe fez bem.

— Você me deixou trancada aqui… - corrijo andando em sua direção.

— Perguntou o que seria suficiente, certo? - Questiona Jean parando na minha frente já perto da porta. — Quer meu perdão?  Fique aqui e pense em como pode melhorar.

 

Ele se afasta em direção a porta, então a fecha me deixando sozinha.

****

 

— Que anel belíssimo - elogia Sra. Vasconcelos segurando minha mão entre as suas. — Muito mais elegante que o anterior, atrevo a dizer.

 

Estávamos almoçando no Tênis Club, com os seus pais, ou melhor com a mãe do Jean, pois o pai estava de plantão no interior do estado. No fundo, sei que foi uma forma que encontrou para demonstrar sua completa insatisfação com nosso noivado. Sua mãe, no entanto, soube disfarçar muito bem o que realmente pensava do nosso noivado. Claramente se esforçando para agradar o filho.  Porém, jamais me atreveria a comentar isso com o Jean que agora sorria para mim, algo que faço em troca de forma automática.

 

— Já temos uma data? - Questiona minha sogra tomando levemente seu drinque. 

— O mais rápido possível - responde Jean, animado. Então segura minha mão, apertando levemente para atrair minha atenção.  — Passamos os últimos dois dias pensando bastante e decidimos que não queremos esperar muito mais.  Queremos nos casar em dezembro…. No dia do casamento de vocês!

— Que maravilha!!!! - Exclama a mãe de Jean, surpresa. — Mas vocês não acham que está muito em cima? Como farão para dar conta dos preparativos?

— Bom, eu e a Catarina também já resolvemos isso - continua Jean. — Ela vai trancar a faculdade e queremos a ajuda da melhor pessoa que nós conhecemos para fazer o nosso casamento acontecer: a senhora.

— É mesmo? -  questiona a mãe dele não tão animada quanto da primeira vez. Ela toma um gole enorme do seu drinque, finalizando rapidamente — Essa sim é uma surpresa.

— Não gostou da novidade? - Pergunta o Jean, sério.

— Claro que gostei, filho. - Responde minha sogra com um sorriso nervoso — É que…  É uma grande responsabilidade.

— Por isso eu escolhi a melhor - comenta Jean agora olhando para a tela do telefone — O Sérgio chegou…. Vou deixar as duas mulheres da minha vida conversando os detalhes desse grande evento para a família Vasconcelos. Já volto.

 

Ele beija minha testa e a mão de sua mãe em seguida. Em questão de minutos ficamos nós duas sozinhas na enorme mesa redonda.

 

— Sua mãe deve estar muito feliz com a notícia… Ela vai vir te ajudar com os preparativos?  - Questiona a mãe do Jean.

—  Ainda não contamos. - Digo tomando um grande gole do meu suco.

 

A minha cabeça só pensava nas palavras que a mãe de Jean havia dito, “mais bonito que o anterior” e não sei se terei outra oportunidade de ficar a sós com ela.

 

— Desculpa eu perguntar isso…. Mas queria saber se Jean também pediu a Letícia em casamento?  - Questiono.

 

Ela arregala os olhos, olha para os lados para ver se Jean estava retornando e aproxima um pouco mais seu tronco a mesa.

 

— Sim… Mas como sabe não durou muito o relacionamento dos dois. - Ela fala quase como se estivesse sussurrando. — Foi muito conturbado, ela era ótima, devo ressaltar.

—  Eu não entendo muito bem o motivo do término deles até hoje…

— Como eu disse, era um relacionamento conturbado… Nem de perto é igual ao de vocês. Eu olho para você, está tão diferente… Seus cabelos dessa forma a valorizaram ainda mais. E o meu filho também… ele está bem melhor - Para a minha surpresa ela pega a minha mão que estava segurando o corpo e faz um carinho em minha mão. — Eu sei que o meu filho disse que vocês dois tomaram essa decisão, mas preciso perguntar: Você também deseja se casar logo? Tem certeza sobre essas decisões que tomaram?

 

Aquele gesto por um momento me espanta, mas logo dou um sorriso para ela e tiro minha mão.  Tento manter a postura e não decepcionar Jean:

 

— É o que mais quero. O Jean está muito feliz com as nossas decisões.

— Sim, ele está… Só espero que você também. 

 

Ela retorna a postura dela de antes, também sorri e termina o drinque dela.

 

— Achei que você era diferente, mas vejo que somos parecidas… - Ela levanta da mesa e pega a sua bolsa pendurada na cadeira. - Sei que somos capazes de fazer tudo por eles, é muito fácil se encantar por homens como eles, mas assim como eu… Você também abandonou seu futuro para apoiar o futuro dele… É uma escolha difícil. Só espero que não desista tão fácil e muito menos decepcione meu filho. Ele é um bom garoto e já sofreu demais por amor.

 

 Eu não conseguia dizer uma palavra sequer, apenas fiquei parada a vendo ir embora e refletindo sobre as palavras que havia me dito. Jean logo aparece acompanhado de Sérgio.

 

— Então o que vocês decidiram? - Pergunta Jean sorrindo para mim.

— Ela estava exausta…. - Olho para o Sérgio. — Olá.

— Primeira Dama - responde Sérgio — Parabéns viu. Vocês formam um belo casal.

— Obrigada - agradeço sem jeito e então olho para o Jean — Já falou pra ele?

— Ainda não - responde Jean encarando o amigo — Mas é lógico que ele sabe que será o padrinho do meu casamento.

— Ah, meu irmão! Será uma honra - responde Sérgio abraçando meu noivo.

— Você pode levar a Jaqueline, se quiser - digo colocando na face dos dois a surpresa que eu esperava — Claro, se você ainda estiver com ela.

— Jaque é passado. - Responde Sérgio, sério — Enfim, saiba que estou muito feliz por vocês e ainda mais por saber que em breve vocês serão paulistas. Empolgada?

— Sim, mas ainda falta eu agilizar algumas coisas antes de ir - digo. 

— É mesmo? O que seria?

****

Estava sentada aguardando a minha vez ser chamada, havia muita movimentação na secretaria da faculdade para renovação de matrícula, pedido de diploma, transferência e trancamento. No meu caso trancamento de curso e estava com todos os documentos necessários, Jean havia me dito quais documentos eram necessários e não necessários para realizar a ação, em vez de ir até secretaria e descobrir qual eram os documentos necessários, ele me fez levar todos e todos com cópia para não perder tempo.

 

— Próximo por favor. - Diz uma senhora com uma cara nada carismática atrás do vidro com grades.

— Bom dia eu vim trancar a matrícula.

— Você vai precisar desses documentos aqui querida, me traz semana que vem, próximo por favor. - Diz ela me empurrando um papel com uma listagem de documento.

— Eu já estou com eles. - Digo empurrando o envelope pardo por debaixo do vidro.

— Aguarde por um momento aí fora, vou verificar a documentação.

 

Faço como a senhora me pediu e volto a me sentar no lugar que estava antes. Olho para o símbolo da faculdade, parece que um filme do meu tempo por ali passa na minha cabeça, meus olhos logo se enchem de lágrimas e percebo que tudo aconteceu tão rápido de maneira tão intensa.

 

— Você é muito cara de pau. - Diz uma voz conhecida que me tira dos meus pensamentos e me faz olhar para a pessoa.

— Claudia?

— Pelo menos você lembra meu nome, mas não lembrou da nossa existência não é mesmo?

— Eu posso explicar… - Digo ficando em pé, mas ela logo me interrompe.

— Não me interessa as suas desculpas ou melhor dizendo as suas mentiras… Você tem noção da merda que você fez? E agora está aqui toda…Metida a besta.

— Não é bem assim Claudia, olha me desculpa o que aconteceu, mas é que eu…

 

Antes que eu pudesse terminar o que tinha para falar, meu rosto recebe um tapa forte fazendo minha pele aquecer na hora e minha cabeça vira. Quando eu retorno meu olhar para ela, Rodrigo a segurava pela cintura e a fúria de Cláudia era notável.

 

— Vai embora garota, você não presta e nunca prestou. Vai atrás do seu banco sua golpista. - Diz Claudia sendo carregada por Rodrigo para longe de mim

— Eu posso explicar… 

— Vai embora Catarina é o melhor que você faz.

 

Havia formado uma certa aglomeração de pessoas ali, eu apenas saio dali o mais rápido possível para ir a um banheiro e secar meu rosto que estava molhado de lágrimas. Encaro a minha imagem no espelho e tento me acalmar, mas era quase impossível conter minhas lágrimas, sinto que só sei decepcionar as pessoas e novamente perdi meus últimos amigos que me restavam. O erro foi meu, a culpa foi minha, eles estavam certos em estarem bravos comigo e mereci o tapa que recebi. Termino de me acalmar, limpo os borrões da maquiagem, volto para a secretaria e recebi uma confirmação que era oficial, a minha faculdade estava trancada e seria a última vez que estava pisando ali. 

 

         Volto para o apartamento, revejo as mensagens que Rodrigo enviou a muito tempo, minhas lágrimas retornam a deslizar pelo meu rosto até Jean entrar no apartamento e me flagra chorando na sala. Eu tento disfarçar limpando o rosto e me levantando do sofá.

— Aconteceu alguma coisa Catarina? - Questiona Jean se aproximando de mim

— Eu acabei de chegar da faculdade, é oficial agora não estou mais cursando. - Me afasto indo para a cozinha.

— Isso é ótimo, quero te levar daqui o mais rápido possível agora não tem mais nada que te prenda aqui. - Diz Jean que se aproxima e me abraça por trás. — Agora a nossa vida vai começar e será bem melhor em São Paulo.

 

Realmente não tinha mais nada que me prendesse ali, só espero e torço que a minha vida em São Paulo se torne melhor, seria eu e Jean com um casamento à vista , espero poder continuar a cursar a faculdade ali por São Paulo e ser útil a Jean de alguma maneira.


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