Abusivo: A história que ninguém conta escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 11
Capítulo 10




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Papel de parede florido, sofás de tamanhos diferentes com suas pernas e estruturas de madeira curvas, esculpidas de flores que combinavam com o estofado. Estantes de madeira repletas de revistas da moda e retratos, buscava qualquer detalhe que pudesse atrair minha atenção  que não fosse para a recepcionista que me encarava, com um olhar incrédulo por estar com o Jean que naquele momento folheava uma revista, tranquilo.

O jeito como nos encarava reforçava ainda mais o argumento do Jean: Afinal, quem em sã consciência gostaria de sair com uma garota como eu?

— Jean? - chama a bela mulher balzaquiana agora parada no balcão. É quando digo bela nem estou me referindo só a sua beleza, mas a sua  túnica roxa esvoaçante e seus cabelos loiros sedosos.

— Stephanie! - responde meu namorado que se levanta e a abraça empolgado. Ela retribui com um beijo prolongado na bochecha de Jean , ao mesmo tempo em que massageia os braços dele.

Os dois continuam conversando, animados e totalmente alheios a minha presença  enquanto o olhar de incredulidade da recepcionista se transforma em satisfação. A minha vontade era de fugir dali e, no impulso, acabei  levantando e atraindo atenção deles. Jean se afasta da loira e se aproxima de mim, dizendo:

— Stephanie, esta é a Catarina… Minha namorada.

Estendo a minha mão em sua direção com um enorme sorriso. 

— Uau, bem que você me disse que era uma emergência - comenta a personal me encarando debaixo para cima, com desprezo e então continua — Mas não explicou que era o caso de UTI.

— Pois é, eu sei que tem muito trabalho a fazer em tão pouco tempo - responde Jean que agora também me analisou dos pés a cabeça. — Porém, talvez você encontre algo para se aproveitar.

—Aproveitar? - questiono, ofendida. Aquela palavra me ofende mais do que qualquer coisa naquele momento.

— Venha cá, querida. Deixe-me dar uma boa olhada em você. - pede Stephanie gesticulando com uma das mãos.

Aproximo sem graça e então Stephanie começa a me rodear ao mesmo tempo em que sua recepcionista pega um caderno e uma caneta, ficando de prontidão para as anotações que vieram a seguir:

— Mudanças de vestiário completa, calçados … postura - aponta a personal apertando meu ombro o que me obriga a endireitar minha postura —  E pela postura já se vê a necessidade de aulas de etiqueta e boas maneiras… E urgentemente, o cabelo. 

—Eu falei - comenta Jean me encarando. Então seu telefone toca — Com licença, é o pessoal da residência.

Observo o Jean sair do espaço e então encaro Stephanie, nervosa:

— Eu não quero mexer no meu cabelo - falo , mas a minha voz sai quase como um sussurro. — Eu gosto dele assim…

— Gosta? - questiona Stephanie, horrorizada — Meu bem, você precisa aprender a mentir melhor. O fato é que ninguém no mundo gosta do seu próprio cabelo! E ainda mais alguém que tenha um cabelo tão cacheado. Meu amor,  vai me dizer que você não tem problemas em arrumar o seu cabelo todos os dias… Um cabelo cacheado exige muito trabalho e oferece tão pouco… Enquanto um cabelo liso lhe oferece praticidade, poupa seu tempo...

— Sim, mas…

— Sem contar que o Jean já me confessou que te acha linda com os fios lisos - continua Stephanie tocando em uma mecha do meu cabelo.

— Eu sei , ele me falou isso. Aliás, ele veio falando a respeito no carro.

— Então , meu bem. 

— Mas eu não me sinto pronta para fazer isso…

— Querida, você já assistiu uma linda mulher? - pergunta a personal que recebe um aceno de cabeça meu afirmando que sim. Quem nunca assistiu? — Agora , me responda… Quando o Richard pediu para Júlia mudar seu estilo, ela se recusou?

—Não.

— Ela disse que não se sentia pronta para fazer isso?

—Não.

— E sabe o por que dela não ter se recusado a mudar por ele? Porque ela sabia bem que não era todo dia que um príncipe batia em sua porta e mudava sua vida para melhor. Ela sabia que para ter  seu final feliz, é preciso se sacrificar...

— Mas é ficção - rebato, desanimada.

— Para ela sim,mas para você não. Você é a Júlia Roberts e o Jean, Richard Gere.  Você tem a oportunidade que muitas queriam ter de um homem que deseja fazer de tudo para ajudá-la a ser melhor. E tudo o que ele te pediu foi apenas uma mudança de cabelo.

— Eu sei…

— Não , eu acho que você não saiba - interrompe Stephanie, com um sorriso que mais parecia um deboche. — Meu amor, homens como o Jean são… especiais.  Quando eles se apaixonam, são capazes de nos elevar a outro nível, mas eles cansam de nós na mesma velocidade e isso nos leva ao eterno esquecimento.E mulheres sábias, compreendem que são por esse tipo de homem que se devem fazer sacrifícios. 

— Se ele me pedisse, eu pintaria meu cabelo até de verde - revela a recepcionista, suspirando.

— Está vendo?Você não quer perder o seu Richard, não é?

—Não, não quero - respondi , cabisbaixa.  

— Meu bem, cabelo cresce - reforça Stephanie.

— Desculpem , o pessoal da USP me ligou marcando minha entrevista para a próxima semana - explica Jean  entrando novamente — O que decidiram?

— A Catarina tem algo para lhe dizer - fala Stephanie me deixando surpresa.

—Sim, o que foi? - questiona Jean, sério. 

Pela cara dele já sei que pensa que convenci a personal a não tocar em meu cabelo. Eu estava me sentindo egoísta vendo pelos olhos da Stephanie. O Jean não havia me pedido muito, e eu não estava cedendo em nada. Ele só queria me ajudar e eu estava me recusando a aceitar algo que seria ótimo para mim, onde eu estava com a cabeça? Além do mais, fui eu quem pedi para conhecer os pais dele , então precisava ficar a altura. 

—  Concordei em fazer meu cabelo… Uma forma de demonstrar a você o quanto é importante pra mim - declaro.

—  Você não tem ideia do quanto isso é importante pra mim…

O Jean se aproxima e então me beija , apaixonado na frente das duas que aplaudem. Fecho meus olhos enquanto digo para mim mesma que tudo aquilo será bom pra mim.

***

Aos poucos, as roupas surradas do meu guarda roupa deram espaços as marcas mais famosas do mercado, assim como minhas sapatilhas foram trocadas por scarpins e sapatos de salto tão e finos que chegava a duvidar que seria capaz de usá-los.  

Analiso minha agenda da semana com Stephanie enquanto a sua assistente jogava meus poucos tênis no saco de lixo com nojo para colocar novos no lugar.

— Esses não - digo intercedendo pelo par  que está em sua mão.

— Esses? - questiona Stephanie encarando meu tênis com desprezo — Querida, você sabe que isso é uma cópia muito mal feita, não valem nem o preço que pagou..

—Sim, eu sei - interrompi erguendo minha mão em sua direção — Por favor.

— Se é isso o que deseja. - solta assistente me entregando os tênis, sob o olhar jocoso de sua chefe.

Tenho certeza que nenhuma das duas jamais entenderia que por trás daqueles existe uma bela  história de uma mãe que trabalhou por horas a fio para conseguir comprar aquela cópia mal feita para sua filha há alguns anos para que a mesma pudesse usar  em uma apresentação de escola, onde todas as suas colegas tinham o original. Elas não seriam capaz de entender a alegria que tive ao receber aqueles tênis falsificados e usá-los. Aquele tênis fazia parte de uma série de sacrifícios da minha mãe para me fazer feliz. Segurando o tênis contra o meu peito, pude perceber o quanto sentia falta dela que chegava a transbordar pelos meus olhos naquele momento.

 — Continuando,  suas aulas de etiqueta estão marcadas para terça e quinta, no período da manhã., depilação a laser toda segunda e quarta, às sextas você terá pilates para ajudar com a sua postura e eliminar algumas gordurinhas localizadas.... Sabemos que você tem aula, mas é só esse mês e foi muito difícil marcar com eles. Óbvio que algumas semanas não afetarão seu desempenho acadêmico.E sábado você tem salão com a hair stylist Maisie. - continua Stephanie. — Está mais do que na hora de resolvermos esta situação - finaliza apontando para meu cabelo bagunçado.

— Okay, agora que vocês já fizeram a limpa no meu quarto, encheram minhas semana de coisas fúteis, será que posso ir para aula? Já estou atrasada e essa semana o Jean viajou para São Paulo, então estou me virando nos trinta.

— É mesmo? E o que ele foi fazer lá? - pergunta Stephanie , curiosa

— Entrevista para residência em cardiologia pediátrica na USP. Dizem que é uma das mais disputadas do país. 

— Uau , agora mais do que nunca você vai precisar se tornar a melhor versão de si mesma.

— Sim, mesmo que doa um pouco - digo observando minha agenda.

— Um pouco? - questiona Stephanie rindo — Ah , meu bem, você ainda não viu nada.



****

Dor , era tudo o que conseguia sentir pelo meu corpo. Dor das aulas de pilates, dor da depilação e agora sinto meu couro cabeludo ser queimado pela chapinha em contato com o produto, percorrendo por todo meu cabelo. A fumaça piora ainda mais a situação , fazendo meus olhos arderem como se eu estivesse com duas cebolas posicionadas sobre eles , além de me sentir sufocada com aquele cheiro em minhas narinas. Porém, depois de ficar o dia todo dentro do espaço o resultado foi muito além do que eu poderia imaginar : Ali estava Catarina com cabelos tão lisos que ninguém jamais poderia imaginar que um dia foram cacheados.

Sorrio satisfeita para Maisie que está claramente orgulhosa  do seu trabalho.

— Você está linda - elogia a recepcionista enquanto entrego o cartão do Jean — Com certeza seu marido ficará encantado.

— Namorado - corrijo , com um enorme sorriso de felicidade pelo engano da moça — E tomara que sim - finalizo olhando para fora do salão.

Lá fora uma cartola azul e amarela chama minha atenção, bem como sua dona que tenho certeza que conheço de algum lugar, até que meu cérebro encontra a resposta: a loira tiete do Jean.

Ela caminha animada sem se importar com os olhares dos clientes do shopping. Enquanto a persigo com meu olhar , me recordo do dia do sucão com o Jean e ele me explicando a respeito da tradição. Algo que jamais poderia conhecer se não fosse por ele. Uma pontada de saudade toca em meu peito , nunca ficamos tanto tempo sem nos ver… Até que  vejo a loira abraçar um belo moreno de cabelos raspados que está de costas mais à frente. Não sei se era a saudade ou loucura, mas o rapaz parecia o Jean! 

Meu coração peito dispara enquanto sinto meu estômago travar. Saio correndo do salão para conseguir confirmar minhas suspeitas, ao mesmo tempo que minha mente se recusa a admitir que possa ser ele. Não era possível, o Jean estava em São Paulo e só voltaria… Quando ele voltaria? Talvez hoje, ou amanhã… A verdade é que ele não havia dito… Então só podia ser ele…

 O casal caminha mais a frente sem se importar  com o meu desespero. Não consigo ver o rosto do rapaz e então decido acelerar meu passo até que sinto uma mão segurar meu ombro:

— Senhora - chama a recepcionista atrás de mim , ofegante.

— Oi? 

— A senhora…  esqueceu de passar a senha… - explica a jovem se ajeitando — Precisa voltar comigo para pagar pelo serviço.

 Viro-me mais uma vez, entretanto o casal já tinha desaparecido, talvez tivessem entrado em alguma loja, não sei. Só tenho a certeza que me sobrou a dúvida e a conta do cartão.

Caminho junto com a recepcionista, ainda olhando para trás  para ver se os dois apareciam. Pago pelo serviço e ainda dou umas voltas a procura dos dois pelo shopping, mas parece que tinham tomado chá de sumiço, então decido que estava na hora de ir embora e dar um fim aquela busca sem sentido, afinal o Jean não seria capaz de me trair assim tão na cara de todo mundo.

 Já estou no portão de casa quando meu telefone toca e no visor o nome do Patrick surge, o que me deixa surpresa:

— Alô - digo.

Oie, Catarina, tudo bem?

— Sim, tudo bem e com você?

Não muito , já que parece que a minha parceira de trabalho me esqueceu na biblioteca —responde Patrick.

 Merda , penso ao lembrar que tínhamos marcado de fazer o trabalho hoje.

 Catarina? Você está aí? 

— Oi… - digo novamente ao mesmo tempo que tento pensar em uma desculpa — Pois é… sinto muito é que surgiu um imprevisto…

Imprevisto? Que tipo de imprevisto?

—  Então… o cano do meu banheiro estourou... - minto fazendo uma careta para aquela desculpa esfarrapada.— E molhou tudo...

Sério?  Você está bem? Quer que eu vá até aí ajudar ?

— Não! - grito no telefone — Não precisa, as meninas estão me ajudando e já chamamos um encanador. Obrigada.

Okay, qualquer coisa você pode me ligar. Olha, não se preocupe com o trabalho, eu dei uma boa adiantada aqui e acho que consigo mexer na sua parte. Sinto muito pelo encanamento, espero que não tenha perdido nada importante. 

— Obrigada, Patrick  - agradeço sem graça.

 Com relação ao trabalho, não se preocupe,  farei a sua parte ... 

— Ah, não Patrick, não precisa. Eu me viro…

De maneira alguma… eu imagino que você deve estar com a cabeça cheia de coisas ai.Está decidio. Afinal, para que servem os amigos?

— Obrigada, mas… - digo até escutar o barulho de fim da ligação.

Olho por algum tempo para o visor do meu celular ao mesmo tempo em que caminho em direção a saída, pensando na melhor decisão que eu deveria tomar .  O certo seria eu retornar a ligação e confessar que estava mentindo, mas sem dúvida o Patrick me odiaria quando soubesse que não apenas esqueci de ir ao nosso encontro na biblioteca , como estava ocupada mudando meu cabelo, algo que ele já demonstrou ser totalmente contra… Se eu não contar, quando ele me ver na segunda feira, verá meu cabelo mudado e acabará descobrindo. Apesar que eu tenho certeza que ele não verá a diferença entre o meu cabelo escovado e o alisado, então… Deus o que eu faço?

Então meu telefone toca novamente, me chamando para a realidade:

— Oi, amor. Onde você está?

— Oi Jean, estou no shopping, acabei de sair do salão e tenho uma surpresa para...

— Ótimo, vai para saída A que já estou chegando. — desligando em seguida.

Em menos de dez minutos, o carro do Jean encosta na frente da saída onde estou. Entro no carro  e naquele momento a dúvida surge em minha cabeça. Como o Jean chegou tão rápido?

  Olá,  minha gatinha - diz Jean, feliz  tomando meus lábios.

—Oi… - respondo, nervosa. Respiro fundo  ao mesmo tempo em que coloco o cinto pensando na melhor forma de abordá-lo sem estragar o seu bom humor — Você chegou rápido…

— Pois é, estava animado para te ver e contar como foi na entrevista - responde  mexendo no som do carro — Sabe, estou com um bom pressentimento que consegui a vaga. Agora, parando pra pensar, foi uma besteira minha ter ficado tão nervoso , eles me amaram!

— Sério, que b…

— Nossa, você tinha que ver as caras do pessoal que estava lá… - continua animado gesticulando ao volante enquanto percorre pelas ruas da cidade.

—  Legal...

 — E a recrutadora, ela não parava de sorrir!

— Puxa…

— E São Paulo é incrível! 

— É mesmo? E que horas você chegou?

—A movimentação, o ritmo da cidade… Cara, eu já estou completamente adaptado. São Paulo é o meu lugar!

— Fico feliz que esteja se sentindo assim… - digo finalmente sem ser interrompida por sua empolgação. 

— Então, qual é a surpresa? - questiona Jean me encarando de cima até embaixo.

— Tcharam! - digo apontando para mim mesma, mas tudo o que  recebo é um olhar de indiferença. — Eu fiz a mudança definitiva no meu cabelo, as unhas, a sobrancelha…

— Ah tá - responde Jean sem dar a mínima importância.

— O que foi? - pergunto, preocupada, afinal ele insistiu tanto para que eu fizesse tudo aquilo e agora está agindo como se fosse irrelevante.

—Nada.

— Sério, Jean, o que foi? Não era isso o que você queria? - questiono, séria.

— Sinceramente, esperava mais - responde com uma careta.

— Mais? - pergunto, chocada.

— Sim, sei lá. Isso que você fez ficou… normal. Eu ficaria impressionado se você fizesse algo diferente…

— Tipo…

— Sei lá, umas mechas mais claras. Mudasse o tom do seu cabelo - sugere Jean.

— Ficasse loira - continuo , irritada , imaginando bem onde ele queria chegar.

—  Acho que ficaria ótimo - confirma Jean, me encarando — Ué, foi você quem perguntou, só estou respondendo.

Ele volta a se concentrar na direção enquanto tento me controlar para não soltar as palavras que estão fervilhando em minha cabeça:

— Loira igual a Letícia ou loira igual a caloura do sucão?

—  Hã? Como assim?

— Sim, escolhe: Que tipo de loira você quer?

— Se eu quisesse a Letícia, estaria com ela - rebate, sério.

— Então é a loira do sucão…

—Que caloura loira do sucão? Não sei se você sabe, mas existem várias calouras loiras no meu curso! 

— Que horas você chegou?  - pergunto de braços cruzados.

— Que perguntas são essas? Tá ficando maluca?

— Maluca? Talvez, mas eu tenho quase certeza que te vi hoje no shopping … acompanhado.

— O quê? - grita Jean, transtornado. Ele estaciona o carro de qualquer jeito sem se preocupar com os outros veículos — Que merda é essa?

— Você me escutou muito bem - sussurro.

— Eu… no shopping… acompanhado…? - repete bem devagar enquanto observa o movimento fora do carro. Ele fica assim por um bom tempo e então me encara, decepcionado — Como você tem a ousadia de me acusar de algo desse tipo? Logo eu que acabei de te contar que cheguei da entrevista e a primeira coisa que fiz… Foi vir te ver.

— Tudo bem, então me responda que horas você chegou? 

— Outra coisa, só para você saber o Sérgio está saindo com a caloura do Sucão.

— Então, você lembrou quem é a loira da qual estou falando? 

— Se for a que eu estou pensando, sim e ela está com Sérgio. - responde Jean batendo a mão no volante.

— Mas não foi o Sérgio quem eu vi… Foi você! - acuso, brava.

— Tem certeza? - questiona Jean, me encarando sério enquanto aponta seu dedo em minha direção — Você tem certeza absoluta  disso que você está afirmando?

— Tenho, quero dizer… acho que tenho - respondo, indecisa.

— Acha…? Então não é certeza? 

— Não tenho a certeza absoluta, mas eu tenho…

— Você tem o que? O que prova que sou eu? - questiona Jean que volta a dirigir a toda velocidade, me deixando assustada.

— Eu te vi de costas!

— Ah… então o suposto “eu” estava de costas… - comenta Jean debochado.

— Sim ,mas não tinha como ser o Sérgio , pois o rapaz usava o mesmo corte de cabelo que você - alego.

— É mesmo? - questiona Jean que volta a dirigir. Ele passa a mão no rosto, nervoso — Então você me viu de costas e pelo fato do corte ser igual ao meu, eu a estava traindo.

— Jean, só preciso que me diga que horas você chegou… Só isso - peço assustada. Ele dirigia muito rápido e fazia ultrapassagens perigosíssimas. 

Ele freia o carro bruscamente , então se vira pra mim e diz:

— Saia!

— O que? - pergunto, nervosa.

—Saia da porra do carro! 

— Mas Jean…

— Já chegamos à sua casa - fala, bravo sem olhar pra minha cara .

 Solto meu cinto de segurança com cautela e em seguida ele bate no volante freneticamente e então se vira pra mim e diz:

— Preste muita atenção no que eu vou te falar… Eu já tive uma pessoa em minha vida que sempre duvidou de tudo o que fazia a ponto de ficar maluca e parar em uma clínica psiquiátrica. Não vá por esse caminho, ou acabará no mesmo lugar. Entendeu?

—Sim - respondo, sem graça. 

Sinto-me péssima por mais uma vez eu havia estragado um momento nosso por insegurança da minha parte. Minha vontade era de sumir dali , então saio do veículo rapidamente e o Jean sai cantando os pneus. Sinto que acabei de colocar o nosso relacionamento em risco por algo que nem consegui provar.  Abro o portão desejando apenas que aquele dia acabe.

—  Olha só quem chegou.

Dona Esther está parada no meio do quintal enquanto com uma bacia de roupas recém lavadas em sua mão. Ela coloca no chão e em seguida prende alguns prendedores em sua blusa molhada.

— Boa tarde Dona Esther - respondo caminhando para o meu quarto.

— Como está bonita… diferente… - continua me observando. 

—Obrigada - agradeço , sem jeito com o elogio que não parecia em nada com um, o tom de sua voz indicava um mau sinal.

— Vi as caixas de roupas que você se desfez. - comenta Dona Esther se aproximando. Ela cruza os braços e continua — Se você não se importar, gostaria de doá-las para a Igreja…

— Tudo bem, não me importo que o faça. - respondo ao mesmo tempo em que tento abrir a porta do meu quarto, nervosa.

— É claro que não se importa - fala sorrindo — Usando essas roupas novas e que parecem de gente rica… quem se importaria , não é mesmo?

— Pois é - digo finalmente abrindo o meu quarto — Tenha uma boa tarde, Dona Esther.

— A sua mãe deve estar ganhando muito bem.

— Não sei dizer… - respondo sem entender onde ela queria chegar.

Era palpável o clima pesado que estava entre nós, Dona Esther parecia querer me dizer mais do que realmente estava fazendo, mas ao mesmo tempo parecia que estava armando algo…

—  Quando falar com a sua mãe , diga a ela que o aluguel tem de ser pago no quinto dia útil - continua Dona Esther, séria. Ela ergue o dedo em minha direção e continua —  Quinto dia útil, fui clara? Eu não aceitarei mais nenhum atraso.

—  Atraso? - questiono. —  O que isso quer dizer?

—  Pelo visto você sabe tanto quanto eu. Só avisa pra ela que  dá próxima vez, a porta da rua será a serventia da casa. - responde Dona Esther se afastando.

Entro no meu quarto discando o número da minha mãe. Preciso tirar essa história a limpo.  


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