Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 19
Capítulo XVIII


Notas iniciais do capítulo

Alou vocês! Finalmente chegamos ao tão aguardado capítulo de Alana e sua visita ao inferno e vamos finalmente conhecer Eligus, o demônio dos favores.

Boa leitura!



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CAPÍTULO XVIII 

 Alana sentiu quando a água invadia suas narinas e, como sua primeira reação ela abriu os olhos tão subitamente que, a sensação que tinha era de que apenas um segundo se passara desde que entrara na banheira. Como se tivesse apenas piscado. Seu corpo estava estranho, o sentia tão pesado e ao mesmo tempo exausto, levemente enfraquecida como se acabasse de vir de uma longa e cansativa viagem; e talvez realmente isso acontecera. O cenário mudou e, West percebeu finalmente que não estava mais no banheiro da casa de Eva.  

Seu estômago estava embrulhado, um enjoo leve fazia-se presente e se unia com a sensação de tontura, efeitos da viagem, talvez? A morena se curvou, apoiando as duas mãos sobre os joelhos e respirou fundo, tentando estabilizar seu corpo e fazê-lo se acostumar com o novo ambiente. Respirou profundamente algumas vezes, sentindo aos poucos aquela sensação se afastar, West então recordou que Eva lhe dissera de forma implícita que apenas sua alma desceria, seu corpo muito provavelmente ainda estaria mergulhado na banheira e isso, de certa forma, atiçou sua curiosidade; estava enjoada pela estranha viagem que acabara de fazer, que seu corpo na banheira também sentia aquilo? Ainda pensativa ela tocou-se, seus braços, rosto, ombros, buscava algo em seu corpo que deixasse claro que era uma alma, imaginava que almas eram como fantasmas, estaria se vendo, mas não poderia tocar-se. Estava errada. Sentia sua pele, na verdade, sentia como se nada tivesse mudado. Ou apenas não estava conseguindo perceber algum tipo de mudança.    

Seus olhos então se atentaram ao novo ambiente em que estava. O lugar estranho que estava contrariando todas as suas tantas suposições e imagens de como o inferno poderia ser. Estava surpresa com o que via, tudo o que seu pai e tantas outras pessoas sempre contavam naquele momento não fazia o menor sentido, imaginava um lugar de fogo, onde as almas condenadas e demônios estariam queimando numa eternidade agonizante e de grande tormento, mas não era nada do que ouviu e do que pensava.  

Era como se estivesse em uma grande cidade, cercada por prédio altos e os mais diversos tipos de construção de uma cidade comum, contudo essa aonde estava no momento, encontrava-se completamente destruída. Os prédios eram as construções mais altas e parecia cercar todo o lugar, mas quem realmente tinha essa função eram as ruínas que via mais adiante; formando um tipo de cerco ao redor daquela cidade destruída. As ruas não eram como a de uma cidade na terra, Alana conseguia sentir que seus pés estavam pisando em algo terroso, cheio de pedras que machucavam as solas de seus pés; dificultando qualquer caminhada. Dele subia um tipo de névoa quente, como um bafo, o odor forte de enxofre causou um grande incômodo, mas era um cheiro já conhecido.   

Não existia ali qualquer sinal que remetesse a beleza ou vida, era uma cidade desolada e tomada por morte.  

Uma de suas suposições — a existência do fogo eterno — provavelmente era a única coisa que acertara em imaginar como aquele lugar seria. Sim existia o fogo no inferno, este queimava em quase todo o lugar e todas as construções que via, mas não queimava as pessoas que via. Todas pareciam sofrer algum tipo de tormento particular, ela esperava ouvir gritos e gemidos de agonia, mas não tinha nada disso ali. Tudo estava em um silêncio tão absoluto que, causava-lhe uma sensação estranha de sufoco. A ausência de qualquer tipo de barulho, fosse até mesmo vozes, era quase assustador, conseguia ver as tantas pessoas ali, algumas vagavam como se não tivessem uma direção exata para ir e outras apenas se mantinham paradas, as vezes encolhidas em cantos mais isolados, conseguia vê-los com clareza, mas não ouvi-los.  

A impressão que tinha era de estar olhando para um cenário pós guerra e ela não duvidava que uma tivesse acontecido por ali, tudo fora devastado, o cenário era uma imagem que causaria futuros pesadelos e por um segundo ela pensou em todas aquelas pessoas que estavam ali; ela não estava suportando olhar para o lugar sem que sentisse um arrepio em seu corpo, o que estaria se passando na mente de todas aquelas pessoas?  

Demorou um longo tempo para que ela se situasse melhor com o cenário tão silencioso e assombroso até que se visse levemente familiarizado com tudo o que seus olhos viam, lembrou-se que teria apenas cinco minutos ali embaixo e não podia desperdiçar o tempo tão curto olhando o lugar, curiosa sobre cada imagem existente ali. Alana então ousou caminhar, sentindo quando seus passos se mostraram completamente diferentes de quando estava em seu verdadeiro lar, suas pernas estavam mais pesadas, os passos um tanto falhos e enfraquecidos; ela não entendeu o motivo disso, mas quando subisse, faria questão de perguntar para Eva e Kambriel. Cada passo que era dado, sentia-se mais surpresa com o lugar, mas não de uma forma boa obviamente, aos poucos começou a compreender o motivo da recusa do arcanjo em deixá-la descer; seu corpo estava reagindo diferente ao lugar e ela realmente se sentia muito estranha a cada passo dado, era como ter centenas de pesos em seus ombros e sua mente, parecia dominada por um tormento silencioso. Como se houvesse alguém ou alguma coisa ali dentro gritando, lhe assustando, à espreita.  

— Inferno... — Murmurou num sussurro muito baixo, para si mesma; dizendo o nome do lugar aonde estava. Foi estranho como percebeu que a palavra soou por seus lábios como um simples comentário e não como se ela não estivesse caminhando no real inferno e tudo o que a cercava era desconfortável e assombroso. 

Continuou seguindo e começou a perceber que, conforme adentrava cada vez mais naquela cidade destruída, era como se estivesse sendo cercada por uma escuridão incomum. Chegou a uma parte onde não existia absolutamente nada ao seu redor, não tinham prédios ou qualquer outro tipo de construção, nem mesmo as ruínas que vira antes; era apenas ela e as centenas de pessoas a sofrerem em um tormento silencioso e particular e a escuridão. Não existia qualquer sinal de luz ali, fosse de alguma chama que avistava no chão ou de alguma brecha que poderia existir. Era tudo tomado por um breu, uma escuridão pouco aquosa em alguns pontos e muito espessa em outros, a moça ergueu os olhos, já que não tinha os prédios ali para bloquear sua visão de cima, decidiu olhar e ver o que iria enxergar e percebeu que não havia céu, na verdade, não existia nada acima. Alana se deu conta de que tal escuridão ia muito além de uma simples ausência de luz. 

Ali, cercada por trevas, sentiu-se completamente sozinha; mesmo que ao seu redor existissem muitas pessoas vagando por perto.  

Alana seguia rumando sem saber ao certo qual direção seguir ou para onde deveria ir para encontrar Eligus, xingou a si mesma por ter deixado essa pergunta de lado quando Eva estava lhe explicando o que fazer. Rumou para um caminho mais estreito, onde a destruição do lugar era mais predominante ali e por isso encontrou grande dificuldade em seus passos. West temia tropeçar e cair, mas pensou aonde iria cair exatamente, as chamas que via na destruição a cercá-la não conseguia fazer o bom trabalho de iluminar o caminho que tomava e por isso não conseguia avistar absolutamente nada que estivesse por perto. A falta de visão de onde estava e do que a cercava, fez com esse temor dentro de si se tornasse mais real.   

A filha de Jacob West parou assim que deparou-se com o único prédio existente ali que estava iluminado e ainda inteiro, sua construção era como os demais que vira antes, alto e largo. Mas o fogo não fazia-se presente ali, diferente de tudo, a iluminação vinha de pequenas janelas, aonde ela conseguiu ver figuras à espreita; como se esperassem o momento certo para aparecerem e atacar. Seus olhos eram de uma cor amarelada, viva e quase brilhosa, alguns pareciam estar olhando em sua direção e em uma atitude automática, Alana abaixou o rosto para que não os encarasse por tanto tempo. Ela permaneceu parada, porque não sabia se deveria seguir adiante ou tomar outro caminho — se é que existia outro — e, sem saber o que tinha ao seu redor, era quase impossível cogitar a possibilidade de tomar outra direção.  

Alana estremeceu, deveria ter perguntado aonde procurar pelo demônio, durante a caminhada até aquele prédio, avistou apenas pessoas; não sabia dizer se as figuras que avistou nas janelas daquele prédio eram humanos ou demônios.  

— Perdida? — Uma estranha figura surgiu por entre alguns destroços, carregando em uma das mãos o que seria uma vela. A chama, mesmo que pequena e tão simples em meio a toda a escuridão que a rondava, conseguia iluminar com facilidade o ser que se aproximava dela.  

West julgou estar olhando para um tipo de demônio, ele era muito baixo e também extremamente magro, seus braços eram longos e esqueléticos e davam-lhe a sensação que se quebrariam ao menor esforço feito. Suas roupas estavam rasgadas e gastas, eram na verdade pedaços de trapos que cobriam apenas o necessário de seu corpo. A pele parecia apodrecida e, continha manchas azuladas em pontos específicos, os olhos eram fungos e sem vida, demonstrando grande tristeza. — Humanos só aparecem por aqui quando estão procurando por alguém. 

Sua aproximação fez com que ela reparasse em seu odor — enxofre — e em seus lábios, haviam muitos cortes rasos e a pele ali estava ressecada e dura, como se fizesse tempo desde que ele bebera água. Os dentes estavam apodrecidos, até mais do que sua pele e o bafo que saiu de sua boca era quente e de um fedor que embrulhou seu estômago. Aquele demônio ou ser, era uma visão difícil de descrever e de manter o olhar por mais do que alguns segundos sem que sentisse uma vontade quase incontrolável de fugir dali.  

— Eu... — Alana gaguejou, não conseguia encarar o ser com facilidade e precisou desviar os olhos dele durante um tempo. — Eu estou procurando Eligus.  

Ela conseguiu dizer assim que recuou meio passo, mantendo certa distância do estranho ser, os olhos sem vida lhe encaravam com o que ela julgou ser curiosidade e um sorriso apareceu, revelando mais de seus dentes podres. O ser fez menção de tocá-la, parecia atiçado por alguma razão, mas parou antes mesmo de completar tal ação. Os olhos recaíram sobre o medalhão que tinha no pescoço; a proteção que Eva havia mencionado antes e rapidamente ele recuou. Ele ergueu a mão magra e ossuda até a altura de seu rosto e gesticulou como se a chamasse, começou a andar de forma estranha e Alana o seguiu, sentindo que estava sendo observada a cada novo passo.  

O ser a levou até um tipo de beco, algumas pessoas que estavam ali ao vê-los se encolheram em um canto, escondendo seus rostos como se temessem olhá-los. A moça pensou em perguntar sobre aquilo, mas deixou a pergunta se perder em seus pensamentos.   

— Venha, humana! — Chamou o ser quando passou pelas pessoas, jogou a vela que carregava no chão e sua chama se apagou; Alana estava no escuro novamente, mas conseguia ter um vislumbre leve da direção que deveria tomar. Ele agora caminhava de quatro pelo chão, seu corpo se contorcia de um jeito tenebroso e agonizante, ela conseguia ouvir seus ossos se estalando e isso a fez lembrar do ataque de Vivian; era o mesmo som. Agonizante e muito, muito incômodo. Demônio? Perguntou mentalmente outra vez, olhando para a figura a se mover na sua frente com tanta estranheza.   

Seguindo o estranho ser, Alana conseguia perceber com mais clareza o novo lugar e sentiu-se estranha ao pisar em seu interior. Ela foi recebida por uma estranha névoa densa, quente e sufocante, ela estava agora num tipo de... Boate. Sua mente mostrou grande confusão com a nova imagem, sim, o ambiente era um local fechado, com paredes e portas, as últimas sendo de vidro e permitindo que os presentes ali tivessem uma visão de chamas; como se o lado de fora estivesse pegando fogo.  

Percebeu então que, seu corpo parecia mais quente ao pisar naquele lugar, desde que chegara ao inferno a sensação de passar calor a dominava e, mesmo que estivesse com uma blusa fina em seu corpo sentia que a mesma parecia intensificar aquela sensação. Naquela estranha boate, existia luz, mas o trabalho de iluminar o ambiente era apenas para mostrar aonde pisar e onde estavam todos, ela não conseguia ver muito além de sombras das pessoas ali dentro e as sombras dos móveis e objetos existentes ali dentro. Dessa vez não existia silêncio e sim uma confusão de sons, entre uma batida alta de uma música violenta a ser tocada em um volume estridente com as centenas de vozes que formavam um tipo de barulho perturbador; eram arrastadas e baixas.    

Sua presença chamou a atenção de muitos olhos, vários deles eram olhos avermelhados e opacos, sem qualquer tipo de vida existente e outros eram olhos amarelados; estavam todos focados em si, a acompanhando a cada passo dado. A fala de Eva era verdadeira quando ela lhe dissera que os demônios ficavam agitados com a presença de um humano, Alana percebeu isso quando passou muito perto de um pequeno grupo, todos olharam em sua direção e começaram a se agitar, impacientes e eufóricos; como se recebessem um brinquedo ou algo assim. Mas, nenhum deles sequer ousou tocá-la, nem mesmo fizera menção de tal atitude. Pareciam se controlar para não avançar em sua direção.  

West olhava tudo com muita curiosidade e certo medo, percebia que muitas perguntas estavam aos poucos tomando conta de sua mente, mas nenhuma realmente pertinente. Ela tinha que se focar no real motivo de estar ali e no tempo que teria ali abaixo.   

— São todos?... 

— Demônios? — A interrompeu antes que sua pergunta se completasse. — São sim, humana. — O ser lhe respondeu, sem olhá-la, pois, parecia mais interessado em olhar o caminho por onde andava.  

Os dois avançaram até uma escada, subiram juntos para um andar mais afastado de todo o barulho e confusão de vozes e sons para um andar mais silencioso, o piso era todo de vidro e eles conseguiam ter uma visão completa do andar de baixo; Alana notou que existia uma grande aglomeração de demônios ali, bem mais do que havia imaginado. Seguiram pelo corredor até ela se deparar com uma porta metálica, o ser sem nada dizer avançou um pouco mais e abriu, enfiando parte de seu corpo na pequena brecha que abriu com a porta e depois de cinco segundos retornou. Olhando para Alana e dando-lhe espaço para que ela pudesse seguir adiante.   

— É só entrar. Eligus está esperando por você. — Ele lhe disse ao perceber certa hesitação de sua parte, afinal ela não fazia ideia do que existia além daquela porta e muito menos o que poderia esperar quando entrasse. Seu corpo se enrijeceu quando ela deu o primeiro passo e o que seguiu foi uma sensação estranha, não era medo, mas sim incerteza.   

Ao passar pela porta foi recebida por um novo cenário, novos barulhos e claro, o já tão conhecido cheiro de enxofre. Este estava bem mais forte ali, mais concentrado e puro, novamente seu estômago se embrulho e dessa vez ela achou que iria vomitar ali mesmo. Alana levou a mão até sua barriga, sentindo tudo ali dentro revirar devido ao forte cheiro e respiro fundo, mentalmente contando até dez até que sentisse que essa ânsia passasse. Foi então que percebeu que o som que tocava ali estava em um volume mediano — nada que chegasse a causar algum tipo de incômodo — e ela reconheceu a música que tocava.  

— Ópera? — Resmunga, suas sobrancelhas levemente arqueadas em um misto de surpresa e dúvida, depois do som estridente que escutou ao pisar naquele lugar, imaginava que ouviria algo semelhante ali dentro e não o completo oposto de um estilo musical.  

— Dizem que ópera acalma a alma, o que aqui parece ser uma piada muito ruim. — Alana segue a origem da voz até finalmente vê-lo, sentado numa poltrona estofada, era um objeto elegante e muito provavelmente de alto valor; assim como tudo dentro daquela sala que mostrava um tipo de riqueza pertencente a uma pessoa que fizesse parte da realeza.  

O dono da voz ergueu-se de sua poltrona, parecia agir como se fosse da realeza, agia de forma muito teatral e exagerada em seus gestos e trejeitos, e West conseguiu visualizar melhor o homem.  Eligus não chegava nem perto do que imaginou. Era um homem, incrivelmente alto e magro; não como o ser que a guiou até a sala, mas ainda sim magro. Seu cabelo era longo, na altura de seus cotovelos e num tom de ruivo incomum — assim como sua barba — os pelos faciais pouco ocupavam espaço em sua face, mas ainda era um fato que chamava a atenção. A cor de seus olhos combinava perfeitamente com seu cabelo e barba e, diferente do que percebeu nos outros que viu até o momento, existia vida em seu olhar; um tipo de animação. O formato de seu rosto era simples, levemente quadrado e não se encaixava com o queixo pontudo e longo que ele tinha, sua face estava repleta de sardas.   

Foi estranho como Alana sentiu-se ao olhá-lo, em seu pesadelo, quando encarou o ser que lhe atacou, sentiu um grande medo, mas esse sentimento não existia ali.   

Suas roupas eram um tanto peculiares, assim como sua aparência. Por ser um demônio, ela imaginou que ele se vestiria com roupas escuras ou até mesmo um manto estranho que deixasse claro que era um demônio, mas estava errada em pensar assim. O que Eligus usava eram roupas comuns, mas diferente do que um ser humano usaria em seu dia a dia. A blusa azul era justa ao seu corpo, deixando em evidência o quão magro ele era e os detalhes em uma linha grossa dourada fazia-a pensar que era uma blusa fina da alta costura. As mangas eram mais largas, mas ainda sim deixavam claro que seus braços eram finos, os detalhes também eram da mesma linha dourada, mas formavam desenhos que se assemelhavam a espinhos, estes, parecia fechar-se em seu braço. A parte de baixo era uma calça igualmente justa, no mesmo tom de azul e sem os detalhes em dourado.   

— Já tem um tempo desde que recebi visitas humanas, mas saiba que você e toda a sua espécie é sempre bem-vinda, no meu mundo. — O demônio se afastou de sua enorme mesa — ela estava lotada de objetos de valor, estatuetas, caixas, dinheiro... Um tipo variado de coisas valiosas — e se aproximou da humana. Seus passos eram lentos e elegantes, mas ela percebeu que se tratava de uma ação ensaiada, pois conseguia perceber que ele o fazia de maneira já mecânica e sem qualquer naturalidade. — Nem imagino o que uma jovem como você pode estar querendo, mas vamos, sente-se e fique à vontade, como vocês humanos sempre dizem: Sintam-se em casa.   

Eligus mostrou um sorriso simples, mas muito gentil e Alana se perguntou se aquilo também era algo ensaiado de sua parte, ou se ele realmente estava sendo um bom anfitrião. De qualquer maneira, isso a fez recordar-se das instruções dadas por Eva e, não iria se deixar enganar por ele. E percebeu o motivo, se realmente fosse deixar-se levar por sua fala, iria acabar pedindo algum favor a ele; Eligus era muito receptivo e gentil, sua voz era... Atraente, se ele estivesse na terra conseguiria tudo o que quisesse ao abrir a boca e talvez fosse assim que ele trabalhava ali no inferno. 

— Quer algo para beber? Comer? — Ele gesticulou os dois braços num gesto lento e leve, também algo ensaiado, mantendo aquele personagem em ação. Mostrou em lados opostos duas mesas menores, uma contendo garrafas de bebidas e a outra uma variedade imensa de comida. Lembrou-se de Eva lhe dissera para não aceitar nada dele.   

— Não obrigada, estou bem. — Alana recusa tudo gentilmente, esboçando também um sorriso gentil. Mentalmente recitou todas as instruções que lhe foram dadas antes de descer, a mais importante: Era ela quem tinha de direcionar aquela conversa e não deixá-lo falar além do necessário. — Na verdade, eu não vim até aqui para pedir favores, tenho algumas perguntas e acho que você poderá respondê-las. — Foi direto ao ponto. 

Sua fala mudou a feição do homem, aos poucos a expressão calma e tão neutra de Eligus se transformou em algo mais natural; como ela havia notado, sua máscara de demônio gentil e receptivo fora jogada fora. West conseguiu perceber quando seus lábios pálidos se uniram e formaram uma linha reta perfeita, um brilho curioso apareceu em seus olhos avermelhados e ele finalmente passou a agir como quem realmente era.   

— Perguntas, é? Isso é novidade. — Ele gesticulou para que a jovem se sentasse em uma das três poltronas também estofadas do outro lado da mesa e Alana escolheu a do meio, sabendo que teria uma visão mais centralizada dele. Já Eligus, demorou um pouco para sentar-se novamente e quando o fez, manteve certa distância de sua mesa. Olhando-a com atenção. — Bem, vamos fazer isso do modo correto então. Muito prazer, sou Eligus.   

O demônio estendeu a mão em sua direção em um comprimento casual, algo mais formal. Mesmo que ela já soubesse quem ele era. 

— Sou Alana. — A humana imitou sua ação, esticou a mão e apertou a do demônio em um comprimento rápido e muito formal também, a soltando segundos depois quando passou a sentir-se estranha ao fazê-lo.   

— Bem, Alana, em que posso ajudá-la? Quais são suas dúvidas? — Questiona e, nesse momento centenas de perguntas se passaram por sua mente, desde o motivo para que ela tenha se oferecido para descer até o inferno, o qual era a razão para que Kambriel estivesse na terra e principalmente, sobre seu pai e o motivo de ele ter procurado pelo demônio. West demorou para responder, sabia muito bem com qual pergunta deveria começar, afinal, era por causa disso que estava ali, diante de Eligus, mas existia uma hesitação.

Ela também queria respostas sobre seu pai e a visita que ele fizera antes. Contudo tinha em mente que seu tempo era curto e, não poderia desperdiçá-lo com perguntas pessoais.   

— Estão acontecendo estranhos ataques em Grória a cidade aonde moro, muitas pessoas estão sendo mortas dia após dia e eu sei que são demônios que estão causando isso e, gostaria de saber se você faz alguma ideia de quem possa estar por trás desses ataques. — Não era uma pergunta, Alana sabia disso.   

O cenho de Eligus se franziu, como se ele estivesse em dúvida sobre sua fala.   

— Sua pergunta não faz sentido, Alana. — Ele disse dando com os ombros. — Você acabou de falar que sabe que são demônios fazendo isso e quer saber se eu sei quem está por trás desse ato? Já tem sua resposta.   

— Eles não iriam fazer isso por conta própria. Sempre há um líder. — Ela diz, unindo um pouco do que sabia pela conversa com Kambriel e Eva e unindo seus conhecimentos básicos sobre hierarquias. Seu pai era pastor quando ainda estava com vida e, como todo pai pastor, Jacob West lhe ensinara o básico sobre o que aprendera em seus anos de estudos teológicos e principalmente, sobre como as hierarquias funcionavam. Não apenas no mundo sobrenatural, mas em seu mundo mesmo. — Tem sempre alguém no comando, observando tudo e dizendo o que deve ser feito e quando fazer. 

Eligus arqueou uma sobrancelha, seu olhar fixou-se no rosto firme de Alana e agora ele a encarava como se acabasse de perceber algo muito importante. Seus lábios lentamente se esticaram e, o sorriso que ele exibiu era como de alguém que tinha enfim entendido algo nas entrelinhas. O demônio puxou o ar para seus pulmões fechando os olhos ao aspirar e se inclinou para frente, apoiando suas mãos sobre a mesa lotada de coisas.   

— Com qual enviado do Céu você está trabalhando, Alana? — A pergunta veio de forma muito direta e isso a surpreendeu, West percebeu que era tarde demais para que ela tentasse disfarçar ou esconder a surpresa em seu rosto.   

— Desculpe, o quê? — Foi tudo o que conseguiu pensar em responder, enquanto ela procurava em sua mente qualquer lembrança de algo que Eva poderia ter lhe dito sobre ele descobrir que ela só estava ali no inferno, porque o arcanjo e o demônio com quem estava, não podiam descer. Não encontrou nada.  

— Ora, está carregando um... — Ele gesticulou uma mão no ar como se procurasse por algo. — Odor que não pertence a você e nem vou mencionar esse medalhão que está pendurado em seu pescoço; o reconheço e sei que não é seu. — O demônio aponta com o queixo em direção ao grande medalhão que Eva lhe emprestou, a proteção que ela garantiu a Kambriel em seu tempo no inferno. Quanto ao odor, ela não sabia a exatamente o que ele estaria se referindo, se seria o cheiro de Eva ou o de Kambriel. 

Alana sentiu que seu coração estivesse batendo mais acelerado naquele momento, porque ela tinha dicas apenas de como prosseguir com uma conversa já orquestrada e não com Eligus descobrir que tinha aliados. Sua mente começou a pensar em algo, poderia contornar aquela situação e retornar para o que realmente queria, mas percebeu pela expressão no estranho rosto do demônio que ele não se mostrava incomodado por saber que ela estava com um enviado do Céu. Ou se estivesse, estava fazendo um ótimo trabalho escondendo tal sentimento.   

— Eu conheço esses seus... Amigos? — Perguntou outra vez, agora demonstrando um tipo de interesse em seu tom de voz. Algo que atraiu a atenção da moça.   

— Kambriel... — Ela praticamente sussurra o nome do arcanjo, sentindo-se estranhamente culpada por ter se deixado ser descoberta tão facilmente. — E Eva.  

Ao dizer o nome dos dois a morena imediatamente fecha suas mãos com força, sentindo os dedos doerem com sua ação. Ok, ele agora sabia sobre o arcanjo e o demônio que caiu, o que poderia acontecer depois? Ele não iria mais querer prosseguir com aquela conversa? A expulsaria dali? A mandaria para outro lugar? Sua mente pensava apenas no pior.

— Escolha interessante para aliados... Mas, faz muito mais sentido agora. Principalmente sobre o que está perguntando, não quero ofender, mas esse tipo de assunto não se diz respeito à sua espécie, tão pouco é algo que me perguntam. — Declara o demônio, relaxando o corpo em sua cadeira de aparência sofisticada e cara. — Geralmente vocês descem aqui para me pedir favores incomuns ou... Coisas impossíveis, mas perguntas sobre ataques demoníacos? Isso é uma novidade e tanto!  

Alana permanece em silêncio, pensando em suas próximas palavras. Lembrou-se de não deixá-lo falar mais do que o necessário, isso era um aviso fixo em seus tantos pensamentos.   

— Eles não podem descer, por isso eu vim. — Explicou muito brevemente e logo sua mente trouxe a conversa que ouviu entre Kambriel e Eva na cozinha, a estranha e desconhecida língua com a qual estavam mantendo um tipo de discussão nada amigável antes de ele finalmente concordar com aquela ideia. Era óbvio que existiria resistência por parte dele em deixá-la descer, sabia dos motivos e até entendia a preocupação, mas Alana era a única ali que poderia ajudar com isso e bem, ela queria saber mais do que quem estava por trás daquele caos.   

Eligus assentiu, ele conhecia suas próprias regras, obviamente.   

— Entendo que tenha feito essa viagem até aqui, mas sinto em lhe dizer que não posso ajudá-la ou ajudá-los com isso. — Sua resposta veio rápido, cortando dela qualquer nova direção que ela poderia criar para a conversa. — Sou um demônio, sim, é bem óbvio, mas eu não sei quem está causando esses ataques que acontecem.   

As sobrancelhas da humana se uniram.   

— Eva disse que você sabe tudo o que acontece entre os dois mundos! — West tentou, imaginando que ele estivesse mentindo sobre isso. Talvez pudesse conseguir arrancar a verdade dele se insistisse nesse assunto.   

— Eva... Imagino o tipo de coisa que ela deve ter falado sobre minha pessoa, mas faz meses que não tenho informações sobre o mundo dos homens, faz tempo desde a última vez em que subi. Soube desses ataques, as notícias correm com rapidez por aqui, mas não tenho nem ideia de quem possa estar causando isso. — Ao dizer o nome da mulher ele demonstrou certo nojo, mas ao prosseguir com a frase, seu tom mostrou um tipo estranho de tristeza. — Pode dizer a eles que, seja lá qual demônio que está liderando essa bagunça, está quebrando regras importantes; de ambos os lados. 

Há uma pausa breve em sua fala.  

— Mas, você está certa em supor que exista um líder orquestrando tudo, realmente existe alguém no comando — O homem retornou a sua resposta. — Há muitos comentando sobre essas mortes, tanto aqui quanto na terra e, os demônios que estão fazendo isso não estão por conta própria, são agitados demais, compulsivos e previsíveis; um bando de descontrolados.  

— Então você faz uma ideia de quem seja? Um nome, talvez? — Ela questionou levemente esperançosa, torcendo mentalmente para que ele lhe dissesse um nome ou qualquer pista que poderia levar para Kambriel.   

O demônio negou lentamente.   

— Não. — Ele torceu os lábios num falso lamento. — Entenda, precisa saber como as coisas por aqui são, sim, temos um líder maior e com toda certeza sabe bem quem é. — Alana concordou, o nome dele foi sussurrado em sua mente, mas ela não o diria em voz alta. — Mas existe também os seus... “Filhos”, por assim dizer, ou melhor dizendo, seus intermediários. A alta hierarquia do inferno, os primeiros! 

Ele fez mais uma pausa dramática e Alana se perguntou se ele fazia parte dessa alta hierarquia. Pôde reparar por seu estilo de roupas e com tudo o que tinha dentro de sua sala que, era provável que sim.  

— Para que esses ataques estejam acontecendo com tanta frequência na terra e levando tanta gente a morte é óbvio que, quem está por trás disso seja alguém do topo e tem um motivo e tanto para esse tipo de atitude, esses demônios não obedeceriam a qualquer um assim, sem que recebessem alguma coisa em troca e sem se importarem com as consequências por seguir esse líder. — Eligus parou de falar de repente, como se deixasse aquele curto tempo para que a humana conseguisse associar e entender melhor cada palavra dita. Ele levou a mão até sua barba e de forma pensativa, começou a brincar com ela, enroscando seus dedos pálidos e finos nos fios grossos e ruivo. — Tão pouco seria algo que aconteceria sem um motivo, o que ele quer com esses ataques? Uma batalha? Intervenção do Céu? Apenas causar caos? 

— Acha que seria possível que seja ele quem está no comando desses ataques? — Alana ousa perguntar, talvez poderia chegar a algum lugar por conta própria através de suas perguntas. A negação veio rápida.  

— Acredite, Alana, o chefe jamais causaria algo desse tipo sem que levasse toda uma legião a terra. E além disso, o Céu já teria enviado os seus para o mundo dos homens assim que o primeiro ataque acontecesse. — Diz, mantendo sua ação em brincar com a própria barba. — Disse que Kambriel a enviou, deve então saber de seu posto no alto, se o céu mandou apenas um arcanjo então sabem que isso não é obra dele e sim de apenas demônios comuns. Mesmo se fosse, até parece que seus ataques se limitariam em apenas uma cidade pequena.  

Explica muito calmamente, a simples menção dele fez com que ela estremecesse levemente na cadeira, West se perguntava se o encontraria enquanto estivesse no inferno e mentalmente torcia para que isso não acontecesse.  

 — Baltazar pode ajudar com isso, é um dos grandes que vive na terra, ligação direta com a alta hierarquia e também com Lúcifer. — Revela, esboçando um leve sorriso quando viu que isso causou uma reação positiva na moça, porém um tanto hesitante ao ouvir o nome dele. — Mas não vá falar com ele sozinha, ele não gosta daqueles que são do alto, mas se estiver com o arcanjo com quem se aliou será mais fácil convencê-lo a falar o que sabe, Baltazar gosta de vocês, humanos, mas é perigoso estar sozinha com ele. E por favor, não leve Eva. 

— Por que? 

— Eles têm um passado complicado e bem, se não quiser que uma verdadeira briga entre um demônio e um demônio caído aconteça no mundo dos homens, será sensata em deixá-la de fora desse encontro. Até mesmo fora do alcance dele. — Explicou, omitindo muita coisa em sua fala, mas dando a Alana exatamente a resposta que ela veio buscar.  

Alana desviou brevemente seus olhos do demônio pensando em cada palavra dita por ele, repetindo tudo o que ele lhe dissera mentalmente para quando voltar, dizer exatamente cada palavra para Kambriel e Eva. Principalmente sobre a parte de que era um demônio da alta hierarquia que estava fazendo tudo aquilo.   

Era estranho para ela ter esse tipo de conhecimento quando poucos humanos como ela o tinham, estava ciente sobre a existência de anjos, demônios, estava ciente em como descrever com precisão o inferno e como era estar nele... Não havia percebido isso antes, mas, aos poucos, ela estava imitando os passos de seu pai. Ele sabia sobre o mundo dos anjos e demônios e também já estivera sentado naquela mesma cadeira antes, conversando com Eligus sobre algo que ela não fazia a menor ideia e lá estava ela, diante de um demônio de favores.   

— Tem mais alguma coisa em que posso ajudá-la? Algum... Favor que queira pedir? — Sua voz a trouxe de volta, tirando-a de seus tantos pensamentos. Alana o encarou novamente e assentiu, não para a pergunta se ela tinha algum favor, mas sim, para o algo a mais que poderia ajudá-la.  

O real motivo que a levou a tomar a louca decisão de descer até o inferno.   

— Eu quero que me conte o que Jacob West veio fazer aqui.   


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Notas finais do capítulo

Eu sei que o capítulo ficou bem maior do que de costume, mas acreditem, tirei muita coisa desse capítulo e joguei no próximo (que está também grandinho).

Nos vemos em breve!



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