Immortality escrita por lisa gautier


Capítulo 4
Capítulo Três


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Como estão sobrevivendo nesse cenário esquisito de quarentena? Espero que bem, de verdade. Enquanto isso, vamos nos entreter um pouquinho -- aqui está mais um capítulo! Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/788919/chapter/4

CAPÍTULO TRÊS:

Motivos

1921

Depois de anos sem o marido, Bella aprendera a lidar consigo mesma.

Alguns dias ainda soavam como um tormento, como se tudo fosse cinzento. Ela sabia que não era a única mulher a passar por aquilo, a única família atingida com a pandemia. Muitas vezes, encontrava conforto ao listar as razões pelas quais comia, as razões pela qual bebia. Não era uma lista imensa, pensava Bella, mas uma lista bastante convincente. Ainda tinha seus pais, mesmo que o casamento deles finalmente tivesse se partido e, acima de tudo, tinha sua filha, que a cada dia lhe relembrava mais e mais Edward. Aquela menina, tão doce e bela, a ancorava, como um lembrete constante do porquê precisava viver, seguir em frente.

Uma das colegas de enfermaria, Lizzie, havia comentado com Bella que talvez a mesma se sentisse melhor casando novamente. Ainda era muito nova, saudável; talvez nem todo homem se agradasse com sua vontade de trabalhar, mas não era nada que não pudesse ser consertado. Bella ficara em silêncio, absorvendo as palavras enquanto sentia seu estômago revirar-se bruscamente, quase fazendo-a dar um solavanco. Era muito cedo para tal mudança e, sinceramente, duvidava que algum dia chegaria a hora de tal. Memorou-se de quando Edward a beijava com maestria e devoção, das vezes que se esconderam na dispensa da cozinha para que pudessem dividir um momento; das noites após o casamento, quando tentava engolir gemidos enquanto Edward perdia a cabeça entre suas pernas. A memória vivida do corpo de Edward descansando rente ao seu, nu e exausto, fez com que ela compreendesse rapidamente que nunca seria capaz de dividir tamanha intimidade com outro homem.

Ele tinha partido deixando muitas lacunas, muitos parágrafos incompletos. Viveram pouco de suas vidas, terminando logo após um gosto muito doce do que poderia ser. Não deveria ter acabado tão cedo. Ainda haviam muitas noites que deveriam ser preenchidas por seus gemidos e suor. Muitas manhãs na cozinha do apartamento, entre refeições fartas e risadas. Muitas tardes com Nessie, muitas tardes com outros filhos que viriam a ter.

— Mamãe! — Nessie atravessou a casa, choramingando. Era uma tarde quente, ensolarada, e ela estava completando três anos. Era muito ágil e esperta, mais desperta que a maioria das crianças. — A vovó não quer deixar eu comer bolo!

E era claro que Nessie, tendo sido alimentada no útero com as incontáveis confeitarias de Elizabeth Masen, ainda era apaixonada por açúcar. Bella sorriu pequeno, acariciando-lhe os cabelos; pegou-a no colo, beijando a bochecha.

— Mas o que houve com a sua avó, hein? — indagou. — É claro que você pode comer bolo, é seu aniversário.

Nessie ficou um pouco manhosa, escondendo o rosto na curva do pescoço da mãe. Na cozinha, René tentava cozinhar de forma desastrada. Vanessa, sua filha mais nova, incomodava ao seu redor, tentando chamar a atenção. No jardim, Charlie Swan cavava um buraco na terra, furioso; apesar de divorciado de René, parecia que suas obrigações com a hortinha da casa não tinham acabado. Um bolo rosado, já degustado após o almoço, estava coberto por uma redoma de vidro; com uma mão livre, Bella abriu-a e catou um pratinho antes de sentar Nessie à mesa.

— Ah, Bella, por favor! Tenha piedade! — bufou René, olhando-a de soslaio.

— Mãe, pelo amor de Deus, qual o problema dela comer bolo no próprio aniversário? — Bella revirou os olhos. Não considerava muito os conselhos maternos de René, pois se criara mais sozinha que pela mulher. Além do mais, Nessie era uma criança centrada e comportada; não haviam motivos para privá-la de algo que tanto amava.

— Ela está ficando gorda, Bella — disse René, mordendo a boca para abafar a própria voz. Bella parou de cortar a fatia de bolo, virando-se incrédula para encarar a mulher ruiva.

— Ela é uma criança. — murmurou.

— E... ? Isso não muda o fato que está gorda! — disse com dureza.

Por um instante, Bella olhou a filha, alheia àquela discussão: Nessie ainda tinha as pernas gorduchas de um bebê e o rostinho em formato de coração. Rubor pincelava-lhe as bochechas. Não havia nado de errado com sua aparência e, muito menos, com sua saúde. E, apesar da afirmação de René, Bella serviu um pedaço maior de bolo a criança e disse com rispidez:

— Bom para ela, não? Sinal que temos comida em casa.

Depois que finalmente saíra a herança dos Masen, Bella continuara a trabalhar apesar de ter diminuído a quantidade de turnos. Passava mais tempo com Nessie, dedicando-se de corpo e alma a maternidade. Aquele dinheiro fora o suficiente para que pudesse pagar uma babá e pudesse fugir um pouco do caos que sua família ainda carregava, não permitindo mais que René cuidasse de Nessie nas tardes que ficava no Hospital. Amava-os, obviamente, e os via como um dos motivos para manter-se saudável — mas frequentemente René lhe tirava a paciência.

Charlie entrou logo depois, suavizando o rosto ao ver a neta alegre e com a boca suja de glacê. Encheu-a de elogios e a fez desistir de comer depois de tantas cócegas. De bom grado, Nessie abandonou o doce e seguiu o avó pela sala, cantarolando algo com ele. René em seu posto, agora, bufava.

 

[...]

 

O corpo caiu aos pés do rapaz de cabelos acobreados:

Molengo, vazio de sangue e vida. Contorceu-se uma última vez, sofrendo um espasmo. O rapaz agachou-se, averiguando o próprio serviço. Ele estava morto, era óbvio que estava. E agora era inofensivo. Fizera de si sua própria vítima, pagando vida com vida. Edward sentou-se no genuflexório da igreja, pensando pouco sobre seus atos. Como o garoto cristão que fora, não era grande fã da Lei de Talião — costumava pensar em misericórdia, reabilitação. Fora esperançoso, positivista. Mas, naquele momento, não sentia-se muito amigo de seu antigo eu. Havia mudado muito. Era culpa daquele espiral em sua mente, daquela consternação. Era uma confusão obscura sua mente. Sentia um pouco de paz fugindo da realidade, entregando-se àquele pecado. Ou não era um pecado?

Edward ergueu os olhos, encarando a nave e altar da igreja. Simples, clara e limpa; uma cruz de madeira pendia do centro. Não havia grandes vitrais e nem a presença de santos de gesso. Casara-se ali, lembrava o vampiro. Era uma igreja protestante. Não tinha mudado muito desde a Primeira Guerra Mundial, apesar de aparentar estar um pouco abandonada. Talvez mudasse agora com a morte do pastor. Edward tornou a olhar o corpo, questionando silenciosamente se as chamas do inferno seriam mais ardentes por matar um “homem de Deus”. Nem notava, mas dava de ombros: nada grandioso a acrescentar a sua pena, pois já havia perdido sua alma de qualquer maneira.

O rapaz Cullen, outrora Masen, observou mais uma vez o cenário antes de levantar-se. Agarrou o cadáver pelo cangote da roupa, arrastando-a até os fundos da igreja. Largou-o próximo a uma poça d’água e sujeira. Mais um ataque de animal, previu Edward. A polícia muito desconhecia, pouca tecnologia dispunha; a jugular rasgada podia ser um cão selvagem, um lobo. Talvez até mesmo um animal maior, mais selvagem. A igreja ficava na estrada que levava a Chicago, rodeada da floresta e seus caçadores naturais. Edward lambeu os lábios, absorvendo as últimas de gotas de sangue.

Fora uma longa caminhada de Columbos até Chicago. Evitara usar sua velocidade inumana, pois haveriam muitas pausas pelo caminho. Pulava de sete em sete cidades, deixando um rastro de corpos. Mudara a rota poucas vezes. Nunca o pegariam, sabia. Caminhava devagar, como se rumasse pagando seus pecados. Se era uma caminhada condenada, aquela cidade seria seu maior castigo. Ali crescera, ali casara e estabelecera família. Não via Bella há anos, sentia com amargor. Não tardara muito para que Carlisle saísse de Illinois, mudando-se de estado antes que percebessem sua incompetência em envelhecer. Ele a espiara uma última vez antes de partir. Como um macaco, entrosado nos galhos de uma árvore.

Era 1919 e ele a vira entrando em casa, carregando uma Nessie sonolenta no ombro. Estava um pouco mais saudável do que nas lembranças de Carlisle, com as bochechas magras mas rubras. Talvez estivesse começando a recuperar o peso, pois suas costelas não eram mais tão salientes — ou apenas o vestido verde de cós baixo enganasse bem. Ela passara aquele feriado, Ação de Graças, com seus pais e irmãzinha; Edward soube no momento em que avistara Bella carregando no canto do corpo uma travessa pesada de comida. Imaginara Charlie insistindo que ela comesse mais, ajudando René a preparar uma quantidade obscena de comida para que ela beliscasse nos outros dias da semana. A travessa fora depositada em cima da mesinha de entrada e Bella dedicara ambas mãos a cuidar da filha, enchendo-lhe as bochechas de beijos delicados e levando-a para a cama. Edward podia memorar a alegria doce de vê-la deitar a criança na cama antigamente do casal; por um instante, sentiu-se contente. Contente por, pelo menos, ter-lhe dado uma filha, pois assim sua vida não ficaria tão vazia. 

Mas logo depois que a criança fora depositada na cama, Bella rumou até a sala; moveu-se até a pequena borda da lareira, segurando a fotografia de seu casamento. Despejou algumas lágrimas enquanto apertava o porta-retrato contra o peito. E, quando seus olhos ardiam e não demonstravam nada além de dor, sentou-se e tomou uma xícara de chá. Sozinha

Aquele era o tipo de dor que nem os melhores filhos do mundo poderiam aliviar, um vazio que jamais seria devidamente preenchido. Edward descera de seu esconderijo natural, sentindo todo o ar lhe fugir dos pulmões mesmo que não respirasse. Sentiu-se tonto, com o peito e estômago pesados. Encostou-se contra os tijolos do prédio, perdendo seu ponto gravitacional. Quis morrer, morrer de maneira definitiva: que não houvesse vida além daquela existência vampírica pois já vira demais com os próprios olhos. 

Relembrando aquilo, Edward assimilou seus pensamentos; Esme sentira uma dor tão forte quanto a dele. E, por isso, lançara-se de um penhasco quando ainda humana. E Carlisle a trouxera de volta a vida, transformando-a numa vampira. Edward não ergueu os olhos, encarando a estrada de terra enquanto amaldiçoava Carlisle por não respeitar o rumo natural da vida. 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então... O que acharam? Me contem!
X



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Immortality" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.