Drania escrita por Capitain


Capítulo 39
Oração


Notas iniciais do capítulo

eu sei.
um mês sem postar e aí eu venho com essa de capítulo curto. Pois é, eu me explico lá embaixo.
Boa leitura.



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Eu tenho que me manter consciente, pensei. Ada... tudo isso foi culpa minha. A correnteza continuava nos puxando mais e mais na direção das corredeiras, e Ada não se mexia. Meus pulmões pareciam querer explodir, e eu não tinha nada em que me segurar. Talvez se eu conseguisse descer até o fundo... multiplicando o esforço que eu colocava em minhas pernas, eu lutei contra a correnteza.

Quantos minutos haviam se passado? não podia ter sido mais do que dez segundos, certo? Ada iria ficar bem, se eu só conseguisse... vinda de algum lugar á minha frente, eu vi uma linha brilhante serpenteando pela água. Uma corda. Alguém tinha uma corda. Eu só precisava alcançar a corda. Tudo ia dar certo.

Meus pulmões protestaram um pouco mais, e a correnteza voltou a ganhar terreno. Tentei sentir Ava, e as informações que eu recebia eram conflitantes. Ela não estava consciente. Puxei o braço dela com força, e passei-o por cima do meu ombro, tentando diminuir a área que nossos corpos ocupavam. Com esse pequeno ganho, eu fui capaz de virar a mesa contra a correnteza mais uma vez, e voltei a avançar, centímetro por centímetro, até a corda, que descia o rio em minha direção.

Estendi a mão esquerda, que estava livre, meus dedos quase tocando a corda, uma, duas vezes. Minhas pernas não paravam de chutar, e ou tinha que me esforçar para manter minha mandíbula fechada. Estiquei a mão mais uma vez, agarrando a corda com força. Usando o novo ponto de apoio, eu venci a correnteza, rapidamente escalando a corda, carregando Ada em minhas costas.

Uma eternidade parecia passar enquanto eu me puxava para fora da água, até a margem do rio, e colocava Ada sobre a grama. Assim que estava livre da água, eu procurei sentir o seu coração. Nada. O que eu faço? Zhar, o que eu faço?

— Saia da frente. - A voz de Alice era mortalmente séria.

— Ela bateu a cabeça - eu falei - e não está respirando. nós precisamos...

— Saia. - Alice repetiu, e vendo o fogo em seu olhar, eu obedeci.

Alice se ajoelhou ao lado de Ada, e rapidamente avaliou seus sinais vitais. Então respirou fundo, e fechou os olhos.

— Não importa o que aconteça - ela disse - não deixe que ninguém me interrompa.

 Com os olhos fechados e as mãos estendidas sobre Ada, Alice começou a entoar uma oração. Embora eu não conseguisse entender as palavras, a cadência era familiar. A prece à ordem, a prece de Vraal. Eu a sabia de cor, na sua versão em língua comum, e sabia que os marinheiros cantavam uma versão diferente, mas eu nunca tinha ouvido a versão que Alice proferia, com a voz alta e clara, sem nenhuma hesitação ou falha de dicção.

Seus lábios se moviam suavemente de uma palavra à outra, e as frases se desenrolavam de uma maneira mais refinada e harmônica do que a versão na língua comum. A oração carregava mais peso. Mais beleza. Mais poder. As mãos de Alice brilhavam com uma forte luz branca, e havia uma estranha presença ao seu redor, quase como se houvesse uma força calmante no próprio ar.

As outras crianças vinham correndo para ver o que estava acontecendo, e até mesmo um velho pescador descia a beira do rio mancando para chegar mais perto. Eu sinalizei para que não interferissem, mas não foi necessário. O pescador e as crianças fizeram um semicírculo ao redor de Alice e Ada, fechando os olhos e se colocando de joelhos. Um dos meninos me puxou pelo braço, gesticulando para que eu fizesse o mesmo.

Eu obedeci, sem perguntar duas vezes. Havia algo natural na forma com que eu me ajoelhava. Sim, essa era a ordem das coisas. As criaturas impuras deviam se ajoelhar perante o poder do Deus da Ordem, maravilhar-se em sua glória, em sua magnanimidade, em sua supremacia absoluta. Perante à Ordem, não tínhamos outra escolha a não ser prostrar-nos e esperar que a Sua vontade fosse nos permitir a dádiva da vida...

A luz lentamente se desvaneceu. Alice havia terminado a prece a algum tempo, porém seus efeitos ainda preenchiam o ar ao nosso redor, mantendo-nos de joelhos em reverência. O que era aquilo? Poder divino? Eu nunca fora religiosa. O que eu estou fazendo? Ada abriu os olhos devagar, com uma expressão serena no rosto. Então ela se virou e tossiu, cuspindo água, e quebrando o encanto. De repente, eu podia me mover de novo, e minha cabeça estava limpa.

— Ada! - os meninos correram abraçar a amiga, e o pescador bateu palmas, agradecendo Alice.

Ela parecia distraída. Estranha. Olhou em volta algumas vezes, como se procurasse algo no ar, e então fechou os olhos por um longo instante.

— O que foi isso? - eu perguntei.

Alice piscou e olhou para mim como se houvesse acabado de acordar.

— Perdão?

— O que foi isso?

— Uma prece - ela disse, sua voz subitamente cansada - eu nunca havia tentado pedir uma cura como essa. Acho que você vai precisar me carregar de volta para... - seus olhos rolaram para cima e ela desabou no chão.

— Alice!

Eu tentei correr até ela, mas o mundo ao meu redor se desfez em uma nuvem de fumaça negra.

— Alice! - eu gritei para a escuridão - Alice, você está bem?

Eu pisquei, e o vazio se foi.

— Alice... - olhei ao redor. Havia fogo e fumaça por todo lado, e o chão nada mais era do que uma cratera de areia negra por vários metros em todas as direções. A única coisa que se destacava era um poste alto de madeira, um pelourinho manchado de sangue. Na base do poste, havia um corpo.

— Aurora. - Eu tentei me aproximar, mas meu corpo não me obedeceu. Olhei para mim mesma, em confusão. Eu havia praticamente desaparecido, a silhueta de meus braços e parte do meu vestido brilhando tão fraca que era difícil de enxergar, com a luz do fogo ao meu redor. O que...?

Minha memória voltou aos poucos. Eu estava nos fundos da cabana de Rasth, procurando Aurora, e alguma pista que me levasse até Alice. E Aurora... aurora estava...

Encarei o corpo imóvel da bruxa por algum tempo. Não tinha mais jeito. Aurora estava morta. Eu não podia mais me mexer. Goroth devia estar em algum lugar da floresta, devastado e sedento de vingança. Alice ainda estava presa em algum lugar, e eu não tinha conseguido encontrá-la. Estava tudo perdido. Eu havia voltado dos mortos para nada.

Foi quando o corpo se mexeu.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

eu mereço uma boa surra, siceramente. fiquei esse mês inteiro escrevendo um poema/canção/oração/mito sobre os deuses criadores e o início do universo e a traição do deus da terra com a deusa da lua e a deusa do sol com seus três filhos e tal, que só ia complicar mais esse capítulo e confundir mais a cabeça de vocês leitores, já não bastando metade do livro ser um eterno flashback, hehe.
tentando escrever poema em élfico e depois traduzir e explicar que deus é filho de que deusa, porque o mar tem tal nome e porque cada deus criou sua raça e toda essa vibe de silmarilion.
mas não se preocupem. vocês vão ver esse poema alguma hora. só que provavelmente não em Drania.
acabei me empolgando tanto com o começo do universo que não consegui terminar o capítulo enquato o poema não ficasse pronto, e no fim cortei o poema da história completamente (até porque, a Oracão de Vraal era pra ser tipo um pai nosso, não um gênesis inteiro com edição especial da Jornada para o Oeste e DLC de Mahabharata).
enfim.
capítulo novo muito em breve, agora que eu finalmente saí desse buraco de construção de universo, a história pode respirar de novo.
vejo vocês por aí :)



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