— Todo mago precisa aprender seis habilidades básicas - a aula de aurora começou cedo no dia seguinte - Concentração total, força de vontade, controle de energia, gerenciamento de runas e Proferimento. Como aprendiz de um mago, você estudaria cada uma dessas habilidades, e mais algumas, para aprender a criar feitiços do zero: estudar o fogo em todas as formas e situações possíveis, descrever o fogo utilizando uma runa, memorizar essa runa totalmente, associar essa runa a um som ou palavra, transferir o significado da runa para a palavra, criar um gatilho verbal, e proferir a runa. Nós não temos tempo para isso.

Eu tinha me perdido na primeira frase de Aurora. O dia começara bem. Notei que Goroth estava nos observando à distância, com a sua expressão um pouco menos carrancuda. Assim que ele percebeu que eu o avistara, ele virou-se e foi embora.

— Felizmente - Aurora não pareceu perceber meu pequeno momento de distração -existem alguns atalhos. Em primeiro lugar, não iremos aprender a fabricar feitiços, ou a escrever runas. Essas habilidades levam muito tempo para conquistar, e não são estritamente necessárias. Em segundo lugar, você é muito distraída.

Opa.

— Das habilidades realmente necessárias, você já aprendeu o básico sobre energia, e como usá-la para outras coisas além das funções naturais do seu corpo - ela sorri - para os vivos, essa é uma das partes mais difíceis. A habilidade que você mais precisa agora é concentração total. É o que vamos treinar primeiro.

***

A pedra oval em que eu estava me concentrando era de um cinza-azulado, com pequenos veios escuros em tons de verde. À primeira vista ela parecia bem sólida, mas depois de observá-la por duas horas, eu sabia que não era assim. era muito leve para ser completamente sólida. Haviam pequenas pedrinhas pretas, do tamanho de grãos de areia, encrustados por toda a superfície dessa rocha, e várias rachaduras.

Depois da aula matinal, Aurora havia me dito para analisar uma pedra, como exercício de concentração. E depois havia desaparecido entre as construções élficas, murmurando alguma coisa sobre livros e botânica. Decerto iria estudar coisas mais interessantes do que a minha pedra. Inscrições élficas. Estátuas antigas. Cogumelos mágicos. Enquanto isso, eu estaria encarando uma pedra.

Não generalize, Aurora tinha dito. Analise cada detalhe. Eu teria suspirado, se respirasse. Haviam três rachaduras principais, duas das quais estavam bem próximas uma da outra, na metade inferior da pedra. A rachadura na parte superior era simples, tinha apenas três bifurcações, e cinco braços principais. As inferiores eram uma confusão de pequenas rachaduras, entroncamentos e divisões, como duas árvores vizinhas entrelaçando suas raízes.

Ouvi o som de uma pedra rolando e perdi a concentração. Goroth estava mais uma vez encostado a uma grande rocha, me observando. Eu tentei ignorá-lo e voltar a prestar atenção na pedra, mas foi em vão. Finalmente, eu desisti e virei-me para ele.

— O que foi? - eu perguntei.

O orc tinha uma expressão calma, e talvez um pouco envergonhada.

— Eu sei porque eles estão atrás de você - ele disse - o culto.

A minha concentração foi para o buraco depois disso.

— Você... - eu comecei uma frase, mas parei na metade do caminho.

— é parte da razão pela qual eu não queria confiar em você - Goroth suspirou. - Eu nasci e fui criado no clã Kvöth, que cultua a deusa do caos. Eu fui exilado porquê... bem, é uma longa história, que não cabe a mim contar. O que importa é a profecia.

— Profecia? - é claro que havia uma profecia. A garota estranha do futuro tinha dado a entender que havia uma profecia. Mas eu não pensei que seria Goroth a me contar sobre ela.

— O culto de Kraaz acredita na profecia das eras - ele disse - é a base da religião deles. eles acreditam que a grande desgraça foi o resultado de uma batalha entre Vraal e Kraaz, Ordem e Caos, e que Kraaz foi aprisionada no fim dessa luta. A mensagem da profecia foi passada desde os dias de Shaagrin até hoje, e ela varia dependendo de onde você a ouve, como era de se esperar de algo tão antigo. Existem apenas duas coisas que são comuns a todos os mitos de Kraaz que eu já ouvi. O nome Drania, e a Ferida.

Meu nome. O nome que foi dado a mim por Zhar. Será que ela sabia sobre o culto? Porque ela havia me dado esse nome? é um nome bonito, ele dissera. Só isso. O meu nome era perigoso. Por sorte, os únicos lugares em que eu usava meu nome verdadeiro eram a taverna de Greg e com Alice. Até no ringue eu costumava participar com nomes falsos e aparências distintas, só por precaução. Exceto uma vez.

— O que é essa ferida? - eu perguntei, pensando na garota com a marca no rosto - algum tipo de marca?

— Não. - Goroth respondeu - “A ferida” é como eles chamam o fim do mundo. “Uma ferida irá se abrir no céu, um portal vermelho como sangue, de horizonte a horizonte, e através dele virá Kraaz, a última dos Grandes Demônios, trazendo de volta sua ira e o fogo da sua fúria”. Essas são sempre as palavras. Eles acreditam que aquela chamada Drania é a única capaz de abrir o portal.

— Mas porque eu? - perguntei-me - com certeza existem muitas pessoas chamadas Drania por aí.

— Eu já conheci outras pessoas com o seu nome - ele falou - uma velha e uma criança. Elas foram sacrificadas na esperança de abrir o portal. Eu não acredito em profecias. Mas eles acreditam. E matam por isso.

Talvez isso tivesse algo a ver com a minha morte. Como eu nunca havia ouvido falar disso? Mesmo eu não sendo muito religiosa, eu conhecia vários mitos sobre Vraal, o deus da Ordem, e suas batalhas contra diversos demônios, mas nunca contra a deusa do caos. Eu sequer tinha ouvido o nome Kraaz até o ataque à cabana de Aurora.

— como eu nunca ouvi falar de Kraaz antes? - Observei - se você e Aurora conhecem o culto, como ninguém em Vralgongard nunca mencionou algo parecido? Se Kraaz é a deusa do caos, e Vraal a venceu, como não existem poemas e canções sobre a vitória dele? eu conhecia uma sacerdotisa da Ordem, e nem ela me disse qualquer coisa sobre isso.

— A ordem proíbe que esse nome seja dito, especialmente entre os sacerdotes. - Ele sacudiu a cabeça - eles apagaram o nome Drania de todos os livros que puderam encontrar, e caçam o culto de Kraaz para tentar impedir que essa profecia seja espalhada. É estranho que você tenha sobrevivido em Vralgongard tanto tempo com esse nome. Até os orcs, que seguem o culto abertamente, só discutem a profecia em segredo.

— Porque não me disse isso antes? - eu perguntei.

— Eu achei que seria melhor só deixar que te levassem - ele falou, sem um pingo de remorso - você já estava morta, mesmo. Eu não acho que você seja uma pessoa ruim. Nunca achei. Mas enquanto você estiver conosco, nós seremos alvos. Eu não me importo muito com isso, porque já sou um fugitivo dos orcs, mas Aurora é o tipo de pessoa que não desiste. Ela confia demais, e se entrega demais, e vai acabar morrendo por você.

Eu conhecia uma pessoa assim. Alguém que confiava demais, e ajudava os outros sem se preocupar consigo mesma. Alice. E alguém já morreu por minha causa.

— Eu só quero que pense nisso - ele terminou - Não deixe nenhum de nós morrer por você. Você já cumpriu seu tempo aqui nesta terra, já viveu o que tinha que viver, mas nós não. Então, se as coisas piorarem, eu quero que me prometa que você vai fugir. Preferencialmente na direção oposta à nossa.

O modo como ele agia fazia total sentido agora. Ele estivera tentando proteger aurora esse tempo todo, tentando fazer com que ela desistisse de mim, tentando fazer com que eu fosse embora. Quando Goroth ouviu como eu me sentia sobre Zhar, ele soube. Eu nunca iria deixar outra pessoa morrer por mim.

— Tudo bem - falei, em voz baixa - eu prometo.

O que mais eu poderia dizer?

— Obrigado - Goroth parecia um pouco aliviado - desculpe por atrapalhar seu treino.

O orc virou-se e foi embora, e eu voltei a tentar me concentrar na pedra estúpida, mesmo sabendo que depois daquela conversa, eu dificilmente iria conseguir.