Mesmo que Mude escrita por Gabinos, Supernova


Capítulo 6
Requentado




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/787895/chapter/6

 

Afrodite era exuberante. Em todos os sentidos. Nenhuma estrela, daquelas que aparecem no céu e guiam o imaginário da humanidade há tantos anos parecia ter tanto brilho, se comparada a ele. E como Mu amava essa exuberância toda!

Tinha o sorriso que nunca parecia se desmanchar, a pele cujo aspecto era sempre de frescor, a risada gostosa que por tantas vezes o fazia fechar os olhos para que a aproveitasse sem distrações.

Mu era feliz com Afrodite.

Comemoraram juntos a grande notícia.

— Consegui o emprego.

— E quando você começa?

— Vou estar preparado para quando me chamarem. Não disseram uma data específica.

Afrodite merecia conquistar o mundo. E Mu o apoiaria durante todo o processo.

 

Ao celebrar seu aniversário, juntamente com tantos outros amigos, era em Afrodite onde sua atenção permanecia, especialmente quando ele pegou o pequeno bolo decorado com flores amarelas das mãos do garçom, o sorriso que não cabia no rosto, puxando o parabéns com seu tom de voz alto.

Os olhos brilharam ao notar os detalhes do bolo. Sentiu-se amado pelo homem que tingira seus cabelos de lavanda, lhe dizendo o quão belo o contraste das pétalas amarelas ficava naquele tom de lilás. Já as flores de Afrodite eram sempre as vermelhas, combinando com o carmim da boca, a destacando entre os olhos azuis que remetiam Mu a um céu de manhã, quase da mesma tonalidade dos cabelos fartos. Amava colocar o rosto por entre aqueles fios e sonhar que estava no próprio céu, fechando os olhos e imaginando que aquele era exatamente o que o toque das nuvens deveria fazê-lo sentir.

 

Às vezes falava alto, naturalmente. Não era um defeito quando em sua voz ouvia apenas as palavras que lhe faziam tão bem à alma. Quando o ouvia chamando por seu nome, quando o homem com a beleza de um deus entregava-se a si, Mu sentia-se agraciado por todos os tipos de bênçãos. O coração parecia arder em chamas e o corpo entregava-se ao mesmo prazer que vertia da boca sorridente de Afrodite.

 

Até que os lábios tão amados expeliram as malditas palavras, soando como um deboche. Ainda lembrava da musicalidade da frase ao pensar sobre o momento em que foi dita.

— Parabéns pra você, nessa data querida. Sinto muito, estou de partida.

 

Ainda estava sentado sobre suas coxas, a pele carregando todo o suor que tentava acalmar a alta temperatura à qual os corpos sucumbiam pelo esforço. Mu ainda sentia-se inebriado, até entender o significado do que lhe foi dito.

Seu amante levantou-se, procurando roupas limpas entre as malas feitas, que não percebera até então.

Também pudera, só tinha olhos para Afrodite.

 

Ou melhor, só tinha olhos para o que queria ver de Afrodite.

Mu assistiu ali, por entre as lágrimas que vertiam, ao bonito homem que vestia-se após o banho rápido e levava suas malas até a porta. Demorou até que sua tristeza fosse notada. Permanecia na cama, sentado, como se Afrodite ainda estivesse sentado sobre si. Teve as bochechas tocadas com as pontas dos dedos do dono da voz grave que cantarolava baixinho, como se quisesse alegrá-lo: "Lembro cada beijo que eu te dei, eu lembro cada beijo que eu te dei. Só pra lembrar, só pra lembrar, só pra lembrar, mais um". Sentiu o perfume das tais flores vermelhas aproximando-se, mas na hora de retribuir o beijo que lhe era dado, não conseguiu fazê-lo.

Ficou à cama, sentado, enquanto Afrodite ia embora.




Shaka era um deus para Mu. Andava com altivez por entre os homens, possuía o nariz voltado para as estrelas, era o que já ouvira alguém dizer, em tom pedante, pelo viva-voz do telefone, enquanto seu namorado parecia bater massa de bolo, soltando seus impropérios. Isso o fazia parecer arrogante aos olhos de outros, mas um homem como Shaka tinha todo direito à petulância. Adotou o conceito do narizinho voltado para os astros, pois lhe cabia perfeitamente. Não era um deus esnobe, um deus mundano. Era benevolente. E agora Mu não era inocente a ponto de idolatrar qualquer deidade. Amava Shaka pois era igualmente amado. E o carinho dedicado lhe era retribuído com devoção, curando todos os machucados deixados pelo tempo em que brincara com a rosa egoísta.

Shaka era perfeito. Não importava se os cabelos não estivessem devidamente presos quando estava cansado demais para ajeitá-los ou se a camisa com que dormia já estivesse velha e cheia de furos. Mu sentaria à mesinha da cozinha e o observaria passar café, a barba ainda por fazer, vestindo apenas aquele pano roto, como se fosse a mais imponente das divindades, esgueirando os olhos por não estar usando seu óculos “de vários marronzinhos”, como chamava para implicar com o dono da armação.

O homem que aceitava seus beijos e seus elogios sem pedir que esperasse até estar pronto, sem reclamar quando a amarração do cabelo era desfeita ou que amavam-se ali mesmo ao invés de necessitarem de grandes preparativos para isso. Shaka era simples.

Tampouco incomodava-se quando Shaka dedicava-se ao outro, pois, naquelas incontáveis horas em que o namorado passava ao telefone com o ex, Mu matava seu próprio tempo admirando os desenhos de flores no verso dos cartões-postais que ainda recebia, vindos de todos os lugares do mundo, quase que semanalmente. A menos de seu endereço, nenhuma palavra era escrita. Havia apenas o desenho detalhado de uma flor diferente a cada ocasião 

Naqueles momentos, Mu fechava os olhos e podia sentir o cheiro infernal de rosas que sempre acompanhava Afrodite.

 

Era sua prece semanal.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mesmo que Mude" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.