Cupid's Chokehold escrita por Effy


Capítulo 1
This is gonna sound like a bad joke (bad joke);




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Andar por uma floresta cheia de besouros e aranhas gigantes, com pedrinhas pontudas entrando nos furos do sapato e com pelo menos 80% do corpo coçando e ardendo graças as picadinhas de mosquito definitivamente não era tão divertido quanto o Sr. Mackey dissera. Na verdade, toda essa história de acampamento de verão não havia lhe dado nem a metade de diversão que os panfletos haviam prometido, só muitas e muitas picadas de todos os insetos que podiam existir naquele lugar e agora um almoço grátis para qualquer canibal que estivesse perambulando ali por perto.

 

Quando chegasse em casa, logo na semana que vem, faria questão de xingar sua mãe pelos nomes mais feios que conhecia e exigir um bolo de cenoura muito bem feito como desculpas por ela ter o convencido a gastar suas tão preciosas férias num acampamento de verão do que na sua cama.

Os imbecis que infelizmente estavam em seu time, Stan, Butters, Kenny, e urgh, Kyle, se recusaram à sair da trilha para procurarem a bandeira que os faria vencer os outros times pelo único caminho chamativo daquela floresta inteira só por causa de uma mera placa caindo aos pedaços de “Por favor, não ultrapasse”, presa numa das árvores daquela área, porque eram um bando de cuzões medrosos que preferiram ouvir aquele merdinha do Kyle do que admitirem que sua teoria era sim incrível e o seguissem fielmente só porque ele não era o líder – e mesmo que fosse, era óbvio que continuariam preferindo o outro garoto porque gostavam de serem os cachorrinhos dele -, o que resultou num Cartman muito puto sendo abandonado no meio do caminho, com sua mochila com três sanduíches de presunto mofado e um mapa que roubara de Butters como vingança para eles se perderem no mato. Deus, como queria estar enterrado em seu sofá naquele momento, se entupindo de salgadinhos gordurosos e rindo à beça de todo mundo da escola se perdendo na floresta e sendo mortos por um urso faminto. Especialmente aquele desgraçado que tinha roubado sua liderança, porque se não fosse por ele e sua mania insuportável de querer se mostrar o inteligentão para o mundo inteiro, Eric teria sido a primeira opção para representar o líder do time laranja guiaria aquelas pobres e pequenas crianças com muita boa vontade pelo caminho correto, rumo à sua tão desejada vitória - enquanto Kyle andaria de quatro ao seu lado com uma coleira no pescoço, obviamente -, todavia, se aqueles idiotas não quiseram ouvir a única pessoa que realmente fosse inteligente o suficiente para liderar um time, que se fossem se foder, ganharia aquele jogo sozinho de qualquer forma.

Quando se dera conta de que estava andando por muito mais tempo do que gostaria, Eric checou o relógio de pulso, os ponteiros marcavam quatro e quinze da tarde, restando agora apenas uma hora e meia para encontrar a maldita bandeira que lhe daria a seu amado celular de volta, que fora tirado tão bruscamente de suas mãos que nem pôde checar o twitter por uma última vez, e por mais que seu maior objetivo no momento fosse tê-lo de volta - e isso meio que fosse o único motivo para todo mundo estar levando aquele desafio tão à sério -, sua maior preocupação quando vira aqueles ponteiros lentamente se movendo para os lados foi que fazia meia hora desde a última vez que vira os garotos de seu time e da última vez que colocara algo comestível na boca, e que nesse exato momento, eles deviam estar longe demais para voltar atrás, e então, as árvores pareceram maiores do que tinha reparado antes, de repente, e um arrepio desconfortável correu por toda sua espinha, fazendo seus pelos se arrepiarem e os membros tremerem. O silêncio que esteve sempre presente até agora pesou sobre sua cabeça, coisa que não tinha acontecido até ali, e Eric começou a se perguntar se não tinha sido mesmo uma má ideia seguir por aquele caminho por si mesmo. Num pensamento inevitável, provavelmente por causa do medo que aumentava a cada graveto quebrado abaixo dos pés ou da insistente necessidade de seu cérebro de encontrar algo para conforta-lo, Eric sentiu falta dos amigos. Claro, continuava decepcionado por nenhum deles ter ficado ao seu lado naquela história, e também continuava achando-os um bando de cuzões filhos da puta, mas o tanto de bagunça que tinham feito naquela trilha, o tanto de piadas que só faziam sentido para eles fora divertida, havia até parado de se importar com as pedrinhas no sapato e os mosquito o rodeando por um tempo, e quase, bem quase, surgira um sorriso de carinho no cantinho do rosto, mas se impediu no último segundo, e iria até começar a imaginar diversas formas de humilhar Kyle de uma forma que ele nunca esqueceria para deixar a situação menos estranha – para si mesmo, porque, na visão de qualquer outra pessoa, estava tudo completamente normal - se não fosse por uma movimentação barulhenta e anormal nuns arbustos a poucos metros atrás dele.

Ele automaticamente entrara em estado de alerta. Num piscar de olhos, já estava segurando como se sua vida dependesse disso a primeira coisa que vira na frente em posição de ataque - um graveto -, pronto pra espetar o olho do que quer que seja que estivesse naquele arbusto. Podia ser uma cobra, um urso, quiçá um pedófilo feioso, mas não podia ter certeza, o arbusto era anormalmente alto e escuro. O barulho ficou mais alto, e o que quer fosse a criatura escondida nas folhas pulou para fora, num salto súbito e preciso, em sua direção, fazendo um estridente grito surpreso sair de sua garganta e lançar o graveto com força no que quer que fosse a coisa, com os olhos bem fechados, mas quando se deu conta de que nada o atacou, espiou por um dos olhos. Não era uma cobra, tão pouco um urso, e muito menos um homem.

Era um coelho.

— Ah - suspirou em alívio, e depois dera uma risada nervosa enquanto quando observava o animal dar pulinhos fofos e apressados para atrás de si.

Mesmo que ainda estivesse com o coração na garganta por causa do susto, estava pronto para voltar para sua longa busca pela vitória que lhe daria seu precioso celular de volta. Inspirou e expirou algumas vezes, aos poucos conseguindo controlar seus batimentos cardíacos, até virar-se novamente para o caminho que seguia, com uma confiança incrível, e se deparar com algo muito pior do que todos os animais citados acima.

A líder do time verde, Wendy Testaburguer, estava à sua frente.

Os olhares se cruzaram por uma fração de segundos, até a tranquilidade ser tomada novamente do ambiente por grunhidos altos de frustração.

— Você?! – disseram, com a mesma raiva e decepção que sentiam. De todas as pessoas, do acampamento, da cidade, do mundo, tiveram o azar de encontrarem justo um ao outro, naquela situação.

Wendy se virou tão abruptamente para trás que o cabelo longo e preto girou no ar, acompanhado de longo gemido de frustração quando ela bateu com força os dois braços ao lado do corpo e pisou forte na grama, coisa que acabou levantando um pouco a saia do uniforme. Suas roupas estavam um pouco sujas de terra, mas decidiu ignorar.

Seria fácil pra qualquer um que olhasse para aquela cena – ou qualquer outra situação em que um estivesse no mesmo ambiente que o outro - adivinhar que eles compartilhavam um ódio muito grande, tendo como suporte apenas a enorme cara de nojo que fizeram quando se encontraram, todavia, a rivalidade deles não se limitava apenas à isso, era algo estranho, beirava ao ridículo, algo que não fazia parte dos princípios de Eric porque, se de alguma forma, você se tornasse inimigo de Eric Cartman - coisa que, convenhamos, não era tão difícil de acontecer - as coisas jamais seriam fáceis para você desde então, ele ganhava de graça mais um saco de pancadas que poderia xingar o quanto quisesse, e se se atrevesse a enfrenta-lo, as coisas iriam piorando, gradativamente, até ele finalmente optar em te matar, mas Wendy era uma exceção, a única exceção. Não que não fizesse nada para prejudica-la de alguma forma, pelo contrário, seus métodos se tornavam mais questionáveis com o passar dos anos, era só diferente, fútil, porque ela nunca tinha feito algo contra ele, nem se importado o suficiente para tomar uma atitude, pra falar a verdade, era sempre ele que começava, e ninguém sabia porquê.

Era uma implicância totalmente sem sentido para qualquer um que não fosse ele mesmo.

Deu um gemido frustrado que nem ela, mais alto e mais longo, para logo depois dizer:

— Ah, porra, tinha que ser você?!

— Vai se foder, Cartman! Você estava perdido e essa é a primeira coisa que diz quando vê alguém? - suspirou, com as duas mãos massageando as pálpebras - eu sabia que estava indo para o lugar errado, merda... eu devia ter trazido o mapa, eu 'tô ferrada...

— Hey! O que tá querendo dizer? Esse não é o caminho errado!

— É claro que é! Você é idiota? Essa parte da floresta ‘tá fechada, não podíamos vir aqui!

— E como sabe disso, Wendy? - Provocou-a, sabendo que ela o odiava ainda mais quando usava seu tom cínico.

— Porque tem placas dizendo isso em todo lugar, talvez? Sem contar que os próprios supervisores nos mandaram ficar longe daqui!

Por alguns segundos, ele não soube o que responder. Lembrou-se perfeitamente de ouvir o Sr. Garrison dizendo "Quando verem alguma placa dizendo ‘não ultrapasse' em algum lugar, crianças, pelo amor de deus, não ultrapassem a porra da placa" pelo menos umas três vezes e então pigarreou, nervoso.

— Se é tão proibido, você tá aqui porquê então?

— Porque eu me perdi, imbecil! Eu escorreguei de um barranco e não sei como voltar! Pensei que estava com sorte quando encontrei outra pessoa perdida, mas aí vi que era você.

Eric se sentiu terrivelmente ofendido com o comentário.

— Pois saiba que o único sem sorte aqui sou eu, por que eu ‘tava indo muito bem procurando a bandeira por aqui até você aparecer! - franziu o cenho, incrédulo. Quem aquela vadia pensa que é para falar assim com o futuro monitor do acampamento?

— ... Você não ouviu o que eu disse? Estamos numa área fechada, não tem bandeira nenhuma aqui.

— É claro que tem! – aumentou o tom de voz e se aproximou um passo para frente, tentando soar ameaçador, mas ela não se encolheu, nem dera outro para trás. Ironicamente, isso o intimidou um pouco – Não entendeu ainda, Wendy? As placas não passam de um truque tosco dos supervisores para nos confundir e dificultar o jogo. Estamos numa simulação de uma sobrevivência na mata e estamos nos aproximando do final! Encontrei algumas armadilhas de urso ali atrás, só pode ser um bom sinal, quanto mais difícil fica, mais perto estamos da bandeira. Quer dizer, eu, estou, porque sou eu que vou ganhar, obviamente.

Ela ficou em silêncio por segundos que duraram mais do que o normal, com uma expressão indescritível que o deixava ansioso.

— Cartman, você achou armadilhas de urso? - a pergunta saiu tão mansa que chegou a assustar.

— Huh, sim? Tipo, pra toda moita que eu olhava tinha uma.

— Armadilhas de urso. – repetiu, mais afirmando do que perguntando.

— Sim.

— E você continuou andando? - novamente, a mesma casualidade de antes.

— É claro, duuh, por que eu pararia?

Ela o encarou no fundo dos olhos, com as feições do rosto tão leves que o grito ensurdecedor que veio a seguir o pegara totalmente desprevenido.

— PORQUE QUER DIZER QUE TEM A PORRA DE UM URSO AQUI! – o grito fora tão alto que nem os passarinhos se salvaram do susto. – Eu não acredito que eu vou morrer aqui, no meio do nada, com você!

— Urso? pfff, por favor, Wendy, eles não seriam idiotas o suficiente para nos trazerem para a mesma floresta que um urso.

Ela parou de surtar no momento em que percebeu que aquilo fazia total sentido, por apenas dois segundos, quando se lembrou de que os supervisores eram idiotas demais para pensarem na segurança de alguém, e que só haviam mencionado a área fechada quando alguém perguntara se não tinha perigo de alguém morrer naquele acampamento.

— Wendy, abaixa a porra da bola! Isso só quer dizer que a minha teoria ‘tá certa! Não tem nenhum urso por aqui.

— Cartman, só cala a boca.

— Se eu não calar vai fazer o que?

E, lógico, Cartman não tornou tudo mais fácil e fechou a boca para acabar com aquela briguinha de uma vez, ele colocou mais e mais lenha na fogueira, porque ele tinha uma habilidade anormal de falar merda, ao ponto de que agora eles esperneavam xingamentos um pro outro como se não houvesse amanhã, não envolvendo mais o acampamento ou o fato de que estavam perdidos, eram só ofensas agora, mais e mais ofensas.

Mais um dia normal de Wendy e Eric.

Não se sabe dizer quanto tempo eles ficaram naquilo, os minutos corriam de forma destorcida quando estavam juntos, mas sabe-se muito bem como eles terminaram.

Inesperadamente, Wendy se interrompe no meio de uma frase em que iria dizer que ele merecia morrer sozinho e sem amor, com os olhos bem arregalados e a pele mais pálida do que normalmente era, e Eric logo pensou que ela apenas muito ofendida com algo que disse, mas isso durou pouco, até ela para apontar para alguma coisa atrás de si.

O forte e veroz rugido que saíra bem de onde ela apontava fora suficiente para entender que se tratava de um urso. Um urso bem grande.

— Tem certeza que não tem urso, Cartman?

Parando para analisar todas as vezes que tinha sido obrigado a fazer uma aula de educação física, participar de uma corrida ou fugir de alguém segurando uma faca, ele sempre acabava se safando de alguma forma, tanto de sair correndo, quanto daquilo que estava o fazendo correr, e é devido à isso e também à falta de atividades físicas que ele sempre dispensava que se cansava tão rápido de coisas que exigissem um pouco mais de força e energia do que estava habituado, e também do porquê de continuar gordo. O professor, uma vez, havia dito que ele se arrependeria de ser tão preguiçoso um dia, e ele nunca se arrependeu tanto por mandar alguém chupar suas bolas.

Eles correram, correram muito, correram mais do que suas pernas podiam um dia aguentar, e não seria muito diferente para Eric entre correr de um urso e correr de uma babá maluca com uma faca se não houvesse a imensa diferença de que sua mãe não estava lá para protegê-lo dessa vez.

Com o tempo, mais ou menos depois de cinco minutos, o desespero não estava mais sendo suficiente para fazê-lo correr mais rápido, e Wendy começou a ficar cada vez mais distante, olhando para trás uma vez ou outra, e Eric não esperou que ela fosse parar para ajudá-lo ou coisa assim. Por que ela faria isso, afinal? Ela o odiava, queria mais que isso acontecesse, e ele não a culpava, nem um pouco, como ele faria há anos atrás.

A visão começava a embaçar quando sentiu uma dor agonizante se espalhar por sua barriga. Não queria abaixar a cabeça e checar o que já sabia que havia acontecido, não queria acreditar que o urso estava bem ao seu lado, não queria morrer, mas a coisa estava tão perto, não tinha nada a se fazer.

Aconteceu rápido, pareceu um flash, pareceu apenas um delírio de uma mente muito exausta, mas era real, real demais.

Num segundo, ele se viu embaixo de uma das patas do urso, sentindo a saliva e o bafo podre voarem em seu rosto com um rugido, e no outro, era só sangue voando, urros de dor, que tinha certeza que não era seus. Quando tirou o líquido dos olhos, viu a criatura correr para longe, e na sua frente, de costas para si, segurando um galho longo, pontudo, pingando de sangue, estava Wendy. Na grama, logo abaixo de onde uma longa trilha do líquido vermelho começava, estava um olho dilacerado.

Ela pareceu bizarramente mais bonita daquele jeito, com a roupa coberta de sangue, um olhar tão frio quanto uma nevasca mortal, e a brisa tranquila e sufocante da floresta movimentando o cabelo longo. Ela parecia realmente ter intenção de assassina-lo com aquele galho com aquele olhar cortante.

— Você me deve muitas por isso. – completou, largando o galho para qualquer lado e andando para o lado contrário.

Iria até continuar estático no chão, tentando entender que porra tinha acabado de acontecer, se não estivesse apavorado só de pensar que ela seria muito capaz de o abandonar ali com aquele urso à solta.

O caminho teria sido silencioso se Cartman ao menos conseguisse controlar o modo em que respirava.

Ainda estava em choque pelo que havia acabado de acontecer, com medo, confuso, e o fato de que ela estava quieta demais para uma situação como aquela o deixava ainda mais atordoado. Com o passar dos anos, foi aceitando cada vez mais que a maioria de seus colegas, principalmente Wendy, queria o ver morto, ou no mínimo, bem longe de todos eles, mas depois de ser triunfantemente salvo de um urso que faria todas as coisas mais cruéis que todos sempre desejaram fazer com ele pela garota que mais provocou na vida, se não fosse sinônimo de muita sorte, era estranho para caralho.

— Wendy? – Ele chamou, numa inocência forçada na voz, não obtendo resposta, ela continuava andando no mesmo ritmo, a alguns passos à sua frente, e ele entendeu seu silêncio como um incentivo para prosseguir – Sabe, eu pensei que você me odiasse.

— Eu odeio – respondeu, a voz mais firme que o normal.

— Que queria me ver morto.

— Eu quero.

— Mas você meio que me salvou da morte ali atrás.

Wendy soltou um longo suspiro.

— Se eu deixasse você morrer aqui, agora, com consciência de que eu poderia ter feito alguma coisa, eu lembraria disso pro resto da minha vida. Não quero você me infernizando mais do que você já inferniza estando vivo.

Sentiu uma irônica vontade de rir, embora ainda se sentisse mal pelo comentário.

— Você me surpreende, Wendy

— Quem não se surpreenderia ao ver uma pessoa atacando um urso?

A frieza com que ela falara tal frase fez com que o pequeno fiasco de alívio que surgira dentro de si fosse embora tão rápido quanto veio, todavia, seguido de uma pigarreada rouca, tentou novamente continuar um diálogo.

— N-Não só por isso, por ser você.

— huh, eu também me surpreendi – riu, sem humor, o sorriso cínico permaneceu em seu rosto.

Não soube o que dizer por um tempo, refletindo sobre algo, se perguntando se valia a pena dizer isso à ela, até que resolveu simplesmente não pensar.

— Na verdade, Wendy, acho que você está mentindo.

A Testaburguer ficou imóvel por alguns segundos antes de se virar para ele. O cenho franzido em curiosidade, o sorriso irônico, o olhar difícil de ler, eram inquietantes.

— Quê? – perguntou, a voz continha um leve tom risonho.

— Você não me salvou porque pensou que era o certo a se fazer, quem faz isso é o Kyle, você fez isso porque não me quer morto!

O cenho franziu mais ainda, uma de suas bochechas se torceram num sorriso confuso enquanto tombava a cabeça para o lado.

— O urso te deu uma patada muito forte na cabeça, foi? – riu pelo nariz, a boca continuava torcida, encarando-o fixamente.

— Admita, Wendy, você gosta de mim por dentro. – ele cruzou os braços, devolvendo o mesmo sorriso irônico, desafiando-a, mas se surpreendeu com o que viera.

Pela primeira vez, naquele dia inteiro, Wendy riu genuinamente, não de deboche ou de desprezo, riu de pura diversão, tão gostosa e contagiosa que Eric riu junto, mesmo que soubesse que o motivo de tudo aquilo era ele mesmo. Naquele curto período em que riram lado à lado, pode perceber que aquela risada aguda era fofa demais para ela, tudo era estupidamente fofo demais para ela, característica que não combinava com a personalidade tão forte que a garota possuía. Wendy era uma garota forte, inteligente, não tinha tempo para se importar com graciosidade ou com o que os outros pensavam sobre ela. Era natural, era um charme. Ela era tão única, incrível, distante.

O que Eric não daria para voltar para a época que ela se sentia da mesma forma também...

O clima descontraído se desfez quando ela sentiu um par de braços gordos e pequenos enrolarem seu pescoço e a puxarem forte para perto, colando os dois corpos num abraço, inesperadamente. Sua mente entrou em estado de choque quando se deu conta de que o mesmo garoto que tinha lançado a escola toda contra ela uma vez e há pouco tempo estava berrando todo tipo de ofensa para sua mãe estava a abraçando com um carinho anormal que não pertencia à ele. Parando para pensar, chegava à ser engraçado o quanto Eric Cartman esteve agindo diferente do que conhecera em toda sua vida em meia hora naquele dia.

— Obrigado pelo urso, cara, você é demais! Eu fui um merda com você antes, mas eu juro que me arrependo!

— H-Huh... Eu... Acho que isso é suficiente... – ela o empurrou levemente com as duas mãos, tirando lentamente os braços dele de seu pescoço, e logo já estava daqueles braços pesados. Suas bochechas estavam quentes, mas ela não estava notando isso, o olhar estava concentrado demais em qualquer coisa que não fosse ele.

Já Cartman, fazia bem o contrário.

Estavam perto demais, mas não o suficiente.

O coração bateu forte contra o peito quando ela o encarou de volta, com aqueles olhos grandes e cheios de nervosismo, e por mais que quisesse ficar para sempre se perdendo naquela imensidão de azul, uma outra coisa atrás dela acabou chamando sua atenção. Uma figura tão pequena que poderia caber em sua mão flutuou acima de seu ombro esquerdo, com asinhas cumpridas, um arco e flecha nas mãos miúdas e completamente idêntica à ele. Eric congelou. Com as bochechas coradinhas, dobradas num sorriso travesso, a criatura riu.

“Te-he-he...”

Esqueça tudo que fora dito antes como a pior coisa que poderia acontecer naquele dia; O encontro com Wendy, o urso, Kyle e companhia sendo uns cuzões. Tudo.

Cupid Me era, definitivamente, pior que tudo que fora citado acima, apenas por confirmar algo que não queria admitir.

O pânico corrompeu toda a sua mente quando a ponta da pequena flecha no arco fora apontada para seu rosto.

—... Cartman? – Wendy perguntara, confusa ao ver a inesperada careta de medo no rosto dele – você está bem?

Ele abriu a boca para dizer alguma mentira aleatória que explicasse seu estado, mas a flecha fora atirada contra si antes mesmo de conseguir pensar, e bem no último segundo conseguiu se esquivar para um dos lados.

— Cartman! O que você tá fazendo?!

Outra flecha voou por cima de sua cabeça.

— São... só os mosquitos! – soltou, em meio a uma risada nervosa – você... sabe como eles são, chatos 'pra caralho, heh...

— Mosquitos? – o encarou a testa franzida, vendo-o tropeçar nos próprios pés enquanto ele corria de um lado pro outro fugindo de um inimigo invisível.

— Sim! – respondera, um pouco mais alto do que gostaria, assim que levantara o tronco de uma vez do chão. - Q-Quer dizer, desculpa, huh... sim, mosquitos. Esses filhos da puta! Heh...

No mesmo segundo que completara a frase, Cupid Me desistira de apenas atacar de longe e largou o arco para qualquer lado, avançando contra o pescoço largo de Cartman e apertando tão forte que o garoto ficou vermelho.

Wendy não sabia exatamente o que fazer naquela situação. Não sabia se ia ajudá-lo, se só continuava observando, ou se apenas virava e ia embora. Ela olhou para os lados por um tempo, procurando ajuda em qualquer alma viva naquela floresta mesmo que soubesse que não havia mais ninguém além deles por aquele caminho.

— Aceite seus sentimentos, seu filho da puta!

— Vai se fuder, Cupid Me!

E voltou a encarar a cena bizarra em que Cartman se contorcia no chão enquanto enforcava à si mesmo, xingando alguma coisa ferozmente, e quando se preparou para dar um chute em sua costela só para testar se resolvia alguma coisa, notou algo estranho.

— huh... Cartman... – ele continuou se revirando, pareceu nem ouvir

— Cartman... – não ouviu, de novo

— ERIC!! – dessa vez, ela gritou, e só aí ele conseguiu ouvir.

Os dois garotos, a miniatura e o gigante, a encararam surpresos, no meio de uma porradaria em que Eric finalmente conseguira imobilizar o cupido (a cena era ainda mais estranha no ponto de vista da Testaburguer).

— Você está sangrando!! – gritou, com o dedo apontado para sua barriga.

Ele e o pequeno cupido seguiram com o olhar onde o dedo dq apontava, e só depois que vira aquele mar de sangue escorrendo da ferida aberta aberta na barriga e caindo sobre a terra molhada, a dor dominara todos os seus sentidos.

Soltara um grunhido de dor. Cupid Me pareceu preocupado quando lentamente se afastou e o olhou assustado, lembrando que ele estava tentando o matar à apenas três segundos atrás.

— Puta merda... como não percebemos isso? O que vamos fazer?! – Wendy se ajoelhara na frente dele, perdida, desamarrando o moletom azul da cintura e pressionando contra a ferida. – Ok, mantenha a calma, só mantenha a calma. Se concentre em ficar acordado, não durma.

— W-Wendy – sussurrou, entre tossidas exageradamente grossas, essas que não passavam de puro fingimento para a cena ficar mais dramática – Tá tudo... Ficando escuro... eu preciso... dormir

— Você não pode dormir, porra! Você quer morrer? – ela perguntou alterada, apertando sem querer mais do que deveria a blusa sobre o a ferida e o fazendo grunhir – Ah! Me desculpe.

— Tudo bem – sorriu, mais por saber que ela estava se preocupando com ele do que por consolo – sabe, o dia foi legal hoje.

— Você quase morreu.

— Mas você tava aqui!

O silêncio predominou por alguns segundos até Eric perceber o que tinha acabado de dizer. Ele corou, e ela riu.

— Q-Quer dizer, h-huh... – fingiu outra tossida – essa não! Estou com taaaanto sono!

— Eu vou te socar, Cartman – ameaçou, com um sorriso divertido.

— Não acha que eu estou ferido o suficiente?

— Não.

— Hey!

A risada saiu mais alta, e Cartman corou de novo. Só foi perceber que estava a admirando por tempo demais quando sua imagem se desfocou de um segundo para outro. Logo depois, seu campo de visão inteiro virou um borrão, e a ferida ardeu dez vezes mais, como se alguém tivesse atirado sal nela.

A Testaburguer percebeu a súbita mudança de humor dele, e parou de rir no mesmo instante. Por um reflexo, se aproximou, preocupada.

As tossidas seguintes não foram forçadas.

— Agora é sério, Wends, não consigo ficar com os olhos abertos.

— Você precisa mantê-los abertos!

— Não consigo...

— Cartman, você precisa me ouvir! Você precisa mantê-los abertos! – ela ficou mais e mais desesperada quando percebeu que ele não estava fazendo o mínimo esforço para isso e lentamente foi fechando os olhos. Segurou sua nunca, ainda chamando por seu nome, e acabou ficando tão nervosa que fez a primeira coisa que veio em mente.

O deu um tapa no rosto.

— QUE PORRA É ESSA, CÊ TÁ MALUCA?!– Eric gritou, acordando de uma vez só, com a voz ainda arrastada, bêbado de cansaço.

— Eu falei para você não dormir, e não foi eu que comecei a dar socos no ar do nada há uns cinco minutos atrás!

— Vai se—urrgh – grunhiu de novo, com a cara contorcida numa careta de dor.

— Bom, me desculpe por estar te ajudando, seu ingrato!

Ele não conseguiu responder devido a intensa dor que o dominou, só conseguindo gritar. Wendy ficou ainda mais desesperada.

— Ok, já chega, eu vou procurar ajuda. – Ela se inclinou, prestes à levantar

— Espera! – Estendeu a mão até seu braço e segurou firme, fazendo-a parar na mesma posição que estava. O grito, que saíra sem querer, ecoou pelo ambiente, os passarinhos que haviam voltado há pouco tempo para se aconchegarem nos ninhos voaram para longe novamente, amaldiçoando-os na língua dos pássaros, provavelmente. Wendy encarou-o surpresa, esperando que falasse o que quer que fosse, mas a resposta nunca veio.

No ponto de vista de Cartman, aquilo era como num belo filme de romance que costumava detestar com todas as forças. O ar estava pintado de rosa, com uma música melosa tocando e o vento soprando dramaticamente contra os cabelos negros, mas do ponto de vista dela, era uma cena dez mil vezes mais estranha. Chamou umas duas ou três vezes, mas ele continuava da mesma forma, imóvel, encarando-a como se fosse uma das sete maravilhas do mundo, com as pupilas brilhando como glitter e um filete de baba ameaçando escorrer no canto da boca. Pensou se era uma boa ideia dar outro tapa, mas não foi preciso.

Quando notou pela segunda vez naquele dia que estava a encarando mais do que gostaria, ele piscou forte, massageou as pálpebras e balançou a cabeça, um movimento que o fez olhar para os lados sem querer, e pelo canto do olho, inesperadamente, acabou vendo uma coisinha chamativa no meio de uma moita.

Cupid Me, sorrindo como um maníaco, estava segurando o arco com um dos bracinhos e lhe lançando o dedo do meio.

— Filho da puta. – Ele sussurrou, e pôde ouvir Wendy se desesperando ao seu lado quando caiu desmaiado na grama de novo.

 

☆ ☆ ☆

Uma dor de cabeça intensa lhe acertou como um soco de luvas de box antes mesmo conseguir racionar que já estava acordado, o forçando à abrir os olhos, e assim que o fez, uma luz branca fortíssima brilhou sob suas pupilas um pouco sensíveis devido ao longo tempo que estiveram tampadas da claridade. Ele gemeu frustrado, movendo o braço para tampar os olhos daquela luz, e depois os massageou com as duas mãos. Seu corpo estava sobre um colchão macio e fofo, com lençol fino cobrindo sua barriga e pernas. Vários “pip’s” irritantes – que nem o garoto que costumava “bullyinar” há alguns anos atrás - com intervalo de um segundo apitavam ao lado de sua orelha. Quando conseguiu se acostumar com aquele clarão forte vindo do teto, viu que se tratava de um monitor cardíaco. Não precisava olhar muito ao redor para saber que estava em um hospital.

— Filhinho! – Ouviu a voz de sua mãe ao lado da cama dizer com alívio, junto à um mover de cadeira que vinha da mesma direção. O sorriso carinhoso coberto de batom foi a primeira coisa que reparou nela, mas não sentiu a mínima vontade de devolve-lo, nem de xinga-la, como estava planejando há algum tempo atrás – Finalmente acordou, meu bem. Você esteve desmaiado há um bom tempo.

Usou os cotovelos para conseguir se sentar sobre o colchão, num o movimento rápido, e sentiu algo que parecia um curativo sobre a barriga raspar sobre o lençol.

— Como eu vim parar aqui? – ele perguntou, ainda confuso e com a cabeça ainda latejando.

— Chamaram uma ambulância assim que souberam que você estava ferido. Você devia prestar mais atenção por onde anda, Eric, esse arranhão foi muito sério, e se tivesse infeccionado, amorzinho? – ela respondera, numa preocupação notável que de certa forma não parecia tão preocupada, ao mesmo tempo.

— O quê?

— Não se lembra, querido? Você acabou caindo de um barranco. Acho estranho que um mero galho tenha feito um rasgo nesse formato, mas foi isso que disseram que alguém contou.

Eric se sentiu imensamente perplexo com o que ouvira. Não sabia explicar em palavras a raiva que o consumiu quando entendeu que aqueles supervisores filhos da puta estavam ocultando os verdadeiros fatos para que o acampamento não fosse fechado, todavia, sua preocupação mudou subitamente ao lembrar de algo.

— Cadê... cadê a Wendy, mãe?

— Hum, você diz aquela gracinha que estava com você?

Confirmou com um balançar de cabeça, um pouco constrangido pelo olhar sugestivo que sua mãe lhe lançara.

— Ela foi tão prestativa, querido, foi ela que avisou sobre seu estado para os supervisores e ainda te acompanhou até aqui no hospital, só largou quando vieram buscá-la. Adorei ela!

Não pode evitar de se sentir mais feliz do que pudesse controlar ao ouvir aquela frase. As bochechas coraram, e dessa vez não tentou conter o sorrisinho que se formara nos lábios. Ainda soava meio surreal lembrar que Wendy o salvara de muitas formas diferentes naquele único dia, mesmo tendo sido um completo cuzão machista desde que se viram pela primeira vez. Tinha a total certeza de que ela não era do tipo piedosa, e que ele seria a última pessoa digna de sua pena – na verdade, não era digno da pena de ninguém – caso ela fosse, então, o que esteve tentando convencer a si mesmo que a fizera tomar aquela decisão não fazia sentido.

Talvez, bem talvez, lá no canto mais fundo daquele coração, ela sentisse alguma coisa?

O coração gelou antes de explodir de batidas contra a costela só com a possibilidade, mas a alegria durou pouco, até sua mãe decidir continuar falando.

— Ela infelizmente foi embora há algumas horas atrás. Aquele seu amigo, o Stan, fez questão de vir aqui só para buscá-la. Eles são tão fofos juntos, espero que arranje uma namorada como ela um dia, querido.


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