Entre Extremos escrita por Bella P


Capítulo 4
Capítulo 3




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/787448/chapter/4

Hogwarts era impressionante, fato, mas depois de uma semana a magia perdia um pouco o brilho e a realidade de que aquilo era uma escola começou a pesar no subconsciente de Dallas. Claro que as matérias inéditas, os feitiços que ela ainda duvidava que fossem reais até o momento em que ela literalmente fez uma pena flutuar, davam uma nova perspectiva àquele cenário e tornava a possibilidade de entediar-se com tudo aquilo um pouco mais demorada, mas a rotina sempre chegava para todos e na segunda semana em Hogwarts, Dallas já estava de saco cheio de deveres de casa e acordar cedo. 

— Você precisa parar de sentar aqui. — Patrick comentou quando ouviu o som seco da bolsa de couro bater contra o tampo da mesa, ao seu lado. E então Dallas surgiu em seu campo de visão e a aparição dela na mesa da Corvinal causou a reação usual de todas as manhãs. A maioria dos olhares que caíram sobre a dupla era de desconfiança e contrariedade, pois havia uma cobra no meio deles e elas não eram confiáveis, mesmo que pela ordem da coisa, águias eram as predadoras naturais de cobras. 

Patrick gostava de Dallas, da amizade deles ainda em seus estágios iniciais e ainda frágil. Apesar de ter sido selecionada para a Sonserina, a garota ainda não havia sido denegrida pelos seus colegas de casa, mas a Sonserina tinha má fama e cada vez que a menina o acompanhava em alguma refeição ou entre as aulas, os seus colegas da Corvinal faziam questão de rodeá-lo e exigir que ele terminasse aquela amizade sem futuro naquele instante. Mas Patrick não estava muito certo se realmente queria. 

Ele era o caçula de três irmãos e entre ele e seus irmãos mais velhos havia uma diferença gigantesca de idade. A sua irmã do meio era dez anos mais velha do que ele, o primogênito era quinze anos e Patrick era o temporão paparicado e superprotegido que sempre teve tudo de segunda mão, principalmente os amigos. A maioria que tinha eram de seus irmãos e que o viam somente como uma criaturinha fofa para apertar as bochechas, e ser educado em casa, antes de vir para Hogwarts, não o ajudou a socializar muito com crianças de sua idade. Dallas foi primeira pessoa com quem ele conseguiu relacionar-se por mérito próprio e Patrick sentia-se como um cachorro magro com um osso, sem nenhuma predisposição de deixar aquela chance de contato passar. Sem contar que a menina era intrigante de seu próprio modo. Dallas vinha de uma família de berço, as suas roupas, os seus trejeitos e o modo de falar gritavam dinheiro antigo e tradicionalidade, mas ela não era uma sangue-puro, era uma nascida trouxa que foi sorteada para a orgulhosa Sonserina. Será que os colegas de casa dela já sabiam desse detalhe? 

Patrick deu um relance para a mesa da Sonserina e os seus alunos que, diferentes de seus companheiros Corvinais, não pareciam nem um pouco interessados no fato de que um dos seus sentava-se à mesa de outra casa. Talvez porque fosse a Corvinal, porque se fosse a Grifinória com certeza eles considerariam uma ofensa, a rivalidade entre as duas casas era conhecida em toda a comunidade mágica e costumava prevalecer até mesmo após a formatura de seus alunos. 

— Com vergonha de mim? — Dallas provocou e era esta questão também que intrigava Patrick. Para uma garota de dez anos, e esta descoberta surpreendeu Patrick, Dallas era um ano mais nova que os seus companheiros de classe, ela tinha uma maturidade e uma postura para além de sua idade. Uma noção de si mesma que os seus irmãos diziam que somente o tempo iria lhe ensinar e que era para Patrick aproveitar a inocência da infância e a ignorância que esta trazia até quando pudesse, porque a vida faria questão de esmagar isto tudo. 

Aparentemente a vida já esmagou a ignorância e inocência de Dallas antes do esperado, deixando para trás uma menina cética e arisca. 

— Não, claro que não. — Patrick não tinha vergonha de Dallas, ele só não tinha a mesma dose de confiança que ela para não se importar com a opinião dos outros. Novamente, ele foi superprotegido e isolado do convívio com outras crianças por onze anos, então ele não tinha dominado ainda esta complexa técnica de ser sociável e possuía uma perturbadora tendência a sempre querer agradar a todo mundo. 

— Então. — Dallas terminou de ajeitar-se à mesa, largou a mochila aos próprios pés e puxou uma tigela para perto de si, a enchendo até a borda com mingau de aveia. — O que seriam lições de vôo? — e eram nessas horas que Patrick perguntava-se pela enésima vez como Dallas foi parar na Sonserina quando ela era claramente uma nascida trouxa. Perguntas como estas a denunciavam de cara.

— São lições de vôo. — Patrick respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. Estava esperando a semana inteira por esta aula, porque ele não poderia ter grandes talentos, mas voar era um deles e conseguir uma vaga no time da casa no próximo ano era o que ele mais almejava.  

Dallas o olhou como se ele fosse a criatura mais estúpida com a qual cruzou na vida e Patrick engoliu em seco e sentiu as bochechas esquentarem. 

— São lições para voar em vassouras. — ele esclareceu e as sobrancelhas dela ergueram-se a ponto de sumirem sob a franja bem cortada de seu cabelo. 

— Vassouras? Dessas de varrerem o chão? — havia um tom intrigado e irônico na voz dela. 

— Sim. — Patrick respondeu com um tom de hesitação e Dallas riu. 

— Mais estereótipo do que isto não pode existir. 

— Estereótipo?

— Sabe como os trouxas veem os bruxos? Para os trouxas magia é apenas uma coisa que existe em um universo de fantasia, não é real, mas eles têm uma visão bem definida de bruxos. Caldeirões, varinhas de condão, robes e chapéus pontudos, e voar em vassouras. Cada vez que eu vejo um clichê desses fico me perguntando se não estou sonhando porque a decepção é enorme. 

— Decepção?

— Quando eu recebi a carta de Hogwarts eu esperava algo novo, algo diferente, mas muita coisa que vocês usam e fazem já eram de meu conhecimento, do conhecimento de qualquer trouxa com acesso a uma televisão, a diferença é que até alguns meses atrás eu achava que não era real. Então, não tem nada de novo aqui que eu já não tenha visto. — Patrick estava surpreso em saber que apesar do tratado de sigilo mágico e do isolamento deles da comunidade trouxa, os bruxos deixaram uma marca tão profunda nesses que ainda eram falados até os dias de hoje, mesmo que ninguém acreditasse que eles existissem. 

— A comunidade mágica nem sempre viveu no isolamento. Já vivemos junto aos trouxas, exercendo a nossa magia sem restrições, mas as perseguições durante a era Uther nos fez procurar mais e mais o isolamento até decidirmos encerrar contato de vez.

— Espera um momento. — Dallas ergueu uma mão para ele, pedindo tempo. — Era Uther? Rei Uther? Pai de Arthur, que empunhou a Excalibur e teve como conselheiro o mago Merlin? — Patrick piscou repetidamente diante dos olhos largos dela e a surpresa estampada em seu rosto. 

— Sim.

— A lenda de Arthur e Merlin não é lenda?

— Lenda? — agora Patrick que estava confuso, ainda mais que Dallas deu um gritinho extasiado como se tivesse descoberto a fórmula para a juventude eterna, e atraiu olhares curiosos sobre eles, o que fez Patrick ruborizar de vergonha por ter tornado-se subitamente o centro das atenções. 

— Merlin e Arthur existiram? — Dallas nunca foi uma menina de contos de fadas e princesas, a única história que já leu com esta temática foi a história da Cinderela, contada por Amélia, mas lendas e mitos, esses eram os seus vícios e a de Arthur e Merlin era a sua preferida. 

— Merlin é o patrono de nossa sociedade, é claro que ele existiu. — Patrick soltou em tom ofendido. Não sabia que os trouxas consideravam Arthur e Merlin apenas lendas, seres inexistentes, quando para os bruxos eles eram peças importantes da História deles. Rei Arthur era o único trouxa em toda história que tinha o absoluto respeito da comunidade mágica e cuja importância para os bruxos estava em pé de igualdade com a importância que Merlin tinha. — Na Biblioteca deve ter uma sessão dedicada apenas à ele, a Arthur e a unificação da Grã-Bretanha. — os olhos de Dallas brilharam como estrelas em céu de noite de verão e Patrick soube naquele momento que a Biblioteca seria a segunda moradia da garota pelas próximas semanas. 

— Então, lições de vôo. — ela voltou ao assunto inicial enquanto Patrick distraidamente observava o correio matinal entrar pelas janelas altas e as corujas darem rasantes sobre as mesas e largarem correspondência em frente aos seus devidos destinatários. Uma coruja parda pousou em frente à Dallas. Ela não trazia nada em suas patas e aceitou de bom grado o pedaço de maçã que a sonserina lhe ofereceu. 

— O que tem? — Patrick voltou a atenção para Dallas quando viu que hoje não teria nenhuma correspondência para ele. 

— São obrigatórias? — Dallas comentou enquanto afagava a cabeça de Osíris. 

— Por quê? Você tem medo de voar? — pelo modo como os músculos do rosto dela contraíram-se em micro-expressões, Patrick teve certeza de que acertou na mosca. — Trouxas não tem aviões? Como você pode ter medo de voar? — Dallas fechou ainda mais as expressões diante do comentário. Por mais que entendesse a Física e a Engenharia por detrás do funcionamento e construção dos aviões, por mais que as estatísticas fossem favoráveis a este meio de transporte, ainda sim sempre preferiu manter o pé em terra bem firme. Portanto, voar era uma coisa que ela evitava a todo custo e somente usava em último caso. — Vassouras são usadas como meio de transporte mágico, mas não é o mais popular. Temos outros mais rápidos e eficientes.

— Se há outros meios de transporte, por que das lições, então? — Dallas parou de afagar a cabeça de Osíris, que recolheu outro pedaço de maçã do prato de sua mestre e levantou vôo. Patrick abriu um largo sorriso para ela. 

— Porque as vassouras são mais usadas para jogar Quadribol.

— Quadi-o-quê? — e esta foi a deixa para Patrick desatar a falar sobre Quadribol, sua origem, suas regras, os jogos mais memoráveis da história, competições, time e atletas mais famosos. 

O relato perdurou todo o café da manhã e continuou no caminho até ao campo atrás da escola, onde daria-se a prática de vôo, e só parou no momento em que Madame Hooch aproximou-se da turma e começou a explanar sobre como seria a aula daquele dia e o que eles deveriam fazer. 

— Suba! — Dallas ouviu Patrick ordenar ao seu lado e a vassoura no chão tremulou antes de subir vagarosamente para a mão dele. Olhando ao seu redor, percebeu que o cenário apresentado era diferenciado. Granger, uma sabe tudo que sempre, sempre, estava erguendo a mão nas aulas a cada pergunta retórica dos professores, parecia frustrada por sua vassoura não querer sair do lugar, Draco tinha um sorriso de pura malícia e a vassoura já estava em sua mão e Potter, cujos olhos pareciam sempre encontrar os de Dallas em momentos inesperados, olhou dela para a vassoura no chão e Dallas deu de ombros, dizendo de forma silenciosa que ela sinceramente não estava muito disposta a fazer aquela vassoura subir, se não demonstrasse nenhuma aptidão para ordenar a vassoura, talvez tivesse chances de escapar da lição. 

Weasley levou uma vassourada na cara e quando voltou o olhar para Potter, este soltou um “suba” de forma tão enfática que a vassoura saltou para a mão dele como se tivesse sido impulsionada por uma mola. Rodando mais uma vez os olhos pelos seus colegas, Dallas percebeu que muitos deles estavam quase completando aquela primeira parte da aula, até mesmo Longbottom, que em uma semana de aula já ficou taxado na escola como o bruxo mais incompetente de todos os tempos. Resignada, Dallas retornou  o olhar para a vassoura e encarnou a sua melhor Amélia Winford quando ordenou:

— Suba! — a vassoura subiu com tanta velocidade que Dallas tirou a mão do caminho em um gesto reflexo, mas ao invés de continuar em disparada como um foguete em direção aos céus, a vassoura parou ao seu lado e pairou na altura de sua cintura, vibrando suavemente como se pedisse desculpas por tê-la assustado. 

— Agora montem as suas vassouras. — Madame Hooch ordenou enquanto andava entre as duas fileiras de alunos. Dallas hesitou por alguns segundos antes de passar a perna por sobre o cabo de madeira. — Dêem um suave impulso com as pontas dos pés. — todos fizeram como ordenado e pairaram alguns poucos centímetros acima do chão. — Inclinem o corpo para frente em uma contagem de um. — Dallas contou um na cabeça e ao mesmo tempo inclinou o corpo, a vassoura desceu e ela soltou a respiração que nem percebeu que segurava quando sentiu as solas dos seus sapatos tocarem novamente a grama. — Longbottom! — o grito de Hooch atraiu a atenção de todos para Neville Longbottom que não somente não havia retornado ao chão, como a vassoura o sacudia de um lado para o outro antes de disparar em um vôo frenético com Longbottom gritando desesperadamente, batendo contra paredes de pedra, estátuas e gárgulas, até ser arremessado no chão. 

Todos correram até o garoto largado na grama como um saco velho, Madame Hooch ajoelhou-se ao lado dele para avaliar o estrago e quando voltou a se levantar, trazia Longbottom consigo, que gemia e segurava o pulso com a outra mão, enquanto o rosto redondo era marcado pelas lágrimas. 

— Está quebrado. — a professora comentou. — Vou te levar para a enfermaria. — continuou e então o seu olhar dourado caiu sobre todos. — Vocês me esperem aqui. Se eu vir uma vassoura no ar, serão expulsos de Hogwarts mais rápido do que possam falar Quadribol. — e com esta ameaça, seguiu para o castelo com Longbottom.

— Olhem isto! Longbottom esqueceu de usar o lembrol. — a voz aguda e arrastada de Draco fez Dallas desviar o olhar de professora e aluno que foram engolidos pelas sombras do corredor, para o colega de casa que agora estava cercado de vários companheiros e parecia discutir com Potter, uma discussão que escalou pouco a pouco e então, antes que todos pudessem registrar melhor o que realmente acontecia, ambos estavam no ar em uma disputa pelo estúpido lembrol que Draco arremessou longe e Potter foi imbecil o suficiente de ir atrás para pegar. 

Quando Potter retornou ao chão, foi sob intensa ovação de seus colegas diante do impressionante fato de que ele manobrou a vassoura em uma pirueta e capturou o lembrol antes que este espatifasse na parede. Dallas deixou o grupo excitado rodear o garoto, mas não juntou-se à eles, somente permaneceu afastada o suficiente para virar para Draco que ostentava uma cara amarrada e um bico por ter os seus planos de humilhar Potter frustrados pelo talento nato do grifinório para vôo. 

— Sente-se melhor agora? — Dallas perguntou para o colega sonserino que piscou repetidamente para ela e cruzou os braços sobre o peito, de forma defensiva. 

— O quê?

— Sente-se melhor? — repetiu a pergunta, porque uma coisa que ela aprendeu com os bullies que confrontou em sua curta vida é que eles sempre, sempre agiam de forma cretina porque estavam insatisfeitos consigo mesmo, portanto precisavam fazer outra pessoa miserável para sentirem-se melhor. 

Draco hesitou antes de abrir um sorriso largo de triunfo e responder:

— Agora eu me sinto. — o olhar dele não estava sobre Dallas, mas sim em um ponto além do ombro dela e, quando olhou para trás, a garota viu que a professora McGonagall vinha na direção do grupo com uma expressão de desagrado que lembrava as expressões azedas de Amélia. 

A comemoração acabou tão rápido quanto começou com a aproximação de McGonagall que lançou um olhar endurecido para Potter e ordenou que o grifinório a seguisse. Dallas observou professora e aluno sumirem nas mesmas sombras do corredor que Hooch e Longbottom sumiram mais cedo e foi até Draco, lhe dando um tapa na nuca que arrepiou os fios dourados do cabelo dele.

— ‘Tá maluca?! — ele vociferou diante da agressão e Dallas sorriu inocentemente para ele. 

— Agora eu me sinto melhor. — declarou com a calma de quem não tinha acabado de bater em um colega de classe e foi unir-se a Patrick que não sabia se a olhava com surpresa ou se ria. 




Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre Extremos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.