Equilibrium escrita por Diane


Capítulo 46
Capítulo 46 - Tudo isso por nada




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Tudo era uma bagunça de sensações. Imagens que se dispersaram rápido demais para perceber. Eu tentava me manter firme, relembrar que era Christine, filha de Nyx e acidentalmente arrastada nas memórias de Vanessa, mas aquilo me apagava. 

 

Quando era mais nova, consegui a proeza de me afogar. E não só me afogar, me afogar pateticamente. Estava na casa de Layla, nadando na piscina dela. Só que a família dela tinha um brinquedo gigante e pesado que boiava na piscina, sei lá, servia de "sofá flutuante". E eu, a mula, mergulhei bem embaixo dele e bati a cabeça no treco quando voltei pra pegar ar. Não apaguei, mas me lembro da sensação de forçar a musculatura do braço inteiro tentando empurrar algo bem mais pesado que podia e isso ter efeito nulo. E fazer isso desesperadamente.

 

Essa era a mesma sensação que aquele lugar me dava.

 

De repente, fui afogada de novo. Havia uma mulher loira de costas para mim, o cabelo platinado escorrendo pelas costas. Ela se virou e era Ilithya, com uma expressão mortalmente furiosa. Os olhos estavam vermelhos de tanto chorar. 

 

Ela desceu as mãos nos meus ombros como garras, me forçando a encarar o rosto dela. 

 

— Me diga o que você fez.

 

Tentei recuar. 

 

— Nada! — E nesse ponto, eu já estava chorando. Tinha parado de chorar em algum momento? 

 

— Esse que é o problema. Como você pode não fazer nada? 

 

— Eu não sabia.

 

Os dedos dela se apertaram mais até  que ela soltou. Por alguns instantes, fiquei aliviada. Então, senti meu rosto queimar, tão rápido que nem vi a mão dela movimentando. 

 

Ardia. A minha boca estava com gosto de sangue onde os dentes se chocaram contra minha bochecha. Nunca na minha vida tinha levado um tapa. Até meu ouvido zumbia.

 

Acho que gritei. 

 

— Não é possível que você seja tão estúpida — Ilithya disse. 

 

Só percebi que o grito a irritou quando tinha voado metade do caminho da sala com a outra pancada. 

 

Ilithya deu dois passos. Parecia um pouco horrorizada, olhando o sangue nas unhas dela. Ela continuou recuando para longe de mim até esbarrar na parede. Enfim, ela só deslizou até se sentar no chão e abraçar os próprios joelhos. 

 

— Agora, eu estou sozinha — ela sussurou, olhando para o teto fixamente e parecendo absolutamente quebrada — Não tenho ninguém.

 

Eu não sabia o que doía mais, a pancada ou o fato dela não me considerar nada. 

 

Era muito confuso eu me sentia novamente afogado em sensações: tentativas de me provar para Ilithya, raiva do meu irmão mais novo que era bom em tudo que fazia enquanto eu tinha que esforçar ao máximo. Absolutamente nunca validada. Era como subir uma montanha escalando com mãos nuas, cada vez quebrando as unhas mais. Meu lado pessimista dizia que eu não chegaria a lugar nenhum e teria as mãos machucadas para sempre.

 

Meu nome é Cristiane, eu sou filha de Nyx e preciso matar Trivia, gritei mentalmente. 

 

Tudo dispersou de novo. Novamente engolida.

 

Estava em um tribunal era uma coisa que eu só tinha visto na TV. Bancada circulares como Coliseu, repletas de descendentes de deuses que queriam ver o julgamento do marido da Sirena. Eu podia sentir eles vibrando alguns estavam lá pelo espetáculo, outros eram defensores dele consegui sentir o olhar de julgamento deles sobre mim. A própria filha que quer derrubar o pai ou a pobre criança induzida pela tia. 

 

— Eu juro pelos deuses — falei diante dos juízes — vi ele colocar um pó na bebida dela. 

 

Ele se sentavam nos tronos como deuses. Não olhavam para baixo, não olhavam para as arquibancadas. Não dava para distinguir se eram homens ou mulheres, uma capa preta acetinada os cobria inteiramente. Além disso, eles usavam um capuz e uma máscara em estilo romano — metade branca, metade dourada, um rosto genérico de nariz reto.

 

Era estúpido e idiota porque todos sabiam os nomes dos juízes. Mas era um resquício de tradições antigas onde eles tinham status de divindades. 

 

— Se você viu e não agiu, é cúmplice — Disse um, da extremidade esquerda. A máscara distorcia a voz de uma maneira que fazia ressoar pelo salão — Você quer ser julgada pelo assassinato da sua mãe?

 

Era como Ilithya tinha dito: Nada seria feito, distorceriam tudo. Uma parte infantil e estúpida dela tinha a esperança que fosse diferente. 

 

— Eu não sabia o que era.

 

— Mesmo assim, por que não a avisou? — Outro juiz falou. Mesmo com a sonoridade alterada, a voz era claramente feminina. 

 

— Ele tinha me dito que era um pó de amor! — Ela se sentiu estúpida em dizer isso. 

 

Mais estúpida ainda quando risadas ressoaram por toda a arquibancada. 

 

— Tem como provar? — Outro indagou.

 

— Vocês verificaram que havia veneno do copo e eu vi quem colocou.

 

— Outra pessoa viu?

 

Se tinha visto, não tinha se manifestado. Descendentes de deuses tendiam a ser assim. Se não é meu problema, porque irei me meter?

 

— Não sei. 

 

— Como podemos saber se Ilithya não fez isso para se livrar do cunhado e da irmã ao mesmo tempo e tomar posse dos exércitos dele? — Um sugeriu, os olhos brilhando por baixo da máscara, escuros.

 

Cravei as unhas nas minhas próprias palmas. 

 

— Você está insinuando que ajudei a matar a minha própria mãe? — Minha voz parecia mais gelada. Parecida com a dela. 

 

— Não seria a primeira filha a fazer isso. 

 

Eu conhecia muito bem uma história de um dos juízes que os sussuros alardeavam que tinha cortado a garganta do próprio pai e jurado a todos que foi suicídio. Mas quem se suicida cortando a garganta? 

 

— Não projete em mim o que você faria.

 

Era uma frase elegante que ouvia Raphael falar. Parecia bastante apropriada na situação. Murmúrios percorreram as arquibancadas. 

 

— Quem está em tribunal não sou eu — O homem disse docemente

 

— Basta — O juiz do meio disse — Não há provas além de uma testemunha que pode ser tendenciosa. Damos o caso como encerrado. Que os deuses julguem o assassino no pós-vida.

 

Vanessa se perguntava qual seria o julgamento no pós-vida para um Tribunal comprado. 




Por alguns segundos, com o rompante de raiva, consegui me disassociar daquela maré de mágoa, luto e decepção.  Voltei a ser Christine, consciente que estava presa em uma ilusão induzida por um local mágico. Aquelas coisas não aconteceram comigo e sim com Vanessa. 

 

Eu iria morrer igual um trouxa por causa daquela criatura melancólica. E deuses, isso não podia acontecer. 

 

Vanessa, gritei mentalmente, resistindo com as imagens que teimavam a se formar diante dos meus olhos, isso é uma ilusão. Do outro lado do laço mental, só conseguia sentir dor. Suspeitei que ela não entendesse, parecia realista demais. 

 

Você vai morrer e ele vai ficar vivo, intacto, rindo a morte da sua mãe em todo o seu aniversário.  

 

Não era a coisa mais ética a ser dita. Mas senti algo além de dor surgindo: raiva. 

 

Aquele lugar parecia uma coisa viva, não um feitiço. Senti algo sondando a minha mente, querendo criar ilusões para mim, tentando me fazer parar de gritar. Talvez tentando consumir minha mente também.

 

E puta que pariu, aquilo me assustava pra caralho. 

 

Raiva invés de tristeza, pensei. Foi raiva que conseguiu me tirar brevemente da ilusão. 

 

Se você morrer aqui, os juízes e Ilithya estão certos. Você seria uma menininha estúpida. Sem o menor controle sobre as emoções. Você não gosta de dizer que sou fraca? Você é mentalmente mais fraca que eu.

 

Agora, eu conseguia sentir a raiva dela borbulhando contra o pai, os juízes e até contra mim.

 

Se sairmos daqui, vou te ajudar a matar ele. Vamos matar os juízes, fazê-los engolir ouro

 

Consegui ver a imagem clara, vindo da mente dela: as máscaras queimando, os juízes de bocas abertas e ouro derretido borbulhando. Ela gostava disso, lhe parecia uma excelente ideia. 

 

Enfim, Vanessa abriu os olhos. 






Acordei estatelada no chão, com o cabelo imundo de algo que eu suspeitava fortemente de ser pó de ossos. Olhei para o céu por dois segundos e contemplei como minha vida era uma merda, depois e só então, levantei. 

 

Vanessa também estava levantado, no meio do caminho para o domo de prata. Ela parecia um lixo e tinha marcas de unhas ao redor da garganta, o que me lembrava que meu pescoço tava queimando um pouco. E eis que quase terminei com a garganta arrancada pelas minhas unhas. Que delícia!

 

Idia estava no chão, ainda nas suas ilusões. Ela convulsionava e mudava de formas a cada segundo, gritando em agonia. Por alguns instantes, pensei ter visto ela assumir a forma de uma mulher de cabelos escuros, mas foi tão rápido que pensei ser alucinação minha.

 

— Acho melhor tirar ela daqui — Observei.

 

— Oh, você acha? 

 

— Pra quem quase morreu, suas esporas estão bem afiadas. 

 

Vanessa abaixou e pegou Idia no colo e a deixou ao meu lado. Assim que ela passou pelo limite, a forma dela parou na usual gatinha. 

 

Verifiquei se ela estava respirando e com batimentos. Estavam acelerados, mas funcionando. Deixei ela lateralidade para o caso de vomitar. 

 

Olhei para Vanessa. 

 

— Parte 1, ok — E joguei a adaga, o celular e o pau de selfie da bolsa para ela. 




Na vida, existem coisas idiotas que funcionam e coisas geniais que falham. Só assim é possível explicar foguetes que explodem na descolagem e youtubers comentaristas que fazem sucesso. 

 

Sendo honesta, até hoje não sei definir em qual das duas categorias aquele plano estava. 

 

Para o nosso crédito, ele se apoiava na física. Algumas substâncias, como o diamante, são altamente difíceis de serem quebrada. A indústria de joias usa brocas feitas de diamantes para cortar diamantes. E era nisso que nosso plano se estruturava. Um domo prateado que não era derrubado, atravessado ou destruído por nada e uma adaga prateada multiresistente. 

 

Era altamente hipotético. Porém, visualmente, as duas coisas pareciam do mesmo material. Por outro lado, sempre fui uma toupeira visual e não conseguiria diferenciar nenhum metal prateado de outro sem uma setinha apontando.

 

E foi assim que Vanessa passou oito horas lixando uma abertura em um domo mágico com uma adaga mágica. Em um dado momento, Idia acordou e estava bem — sem querer comentar nada, entretanto. Momentos depois, tentei arremessar uma barrinha de chocolate pra criatura ruiva, mas acabou caindo em um crânio e aí ela não quis comer. 

 

— Pode ir mais rápido? — Idia perguntou — Esse lugar fede.

 

Vanessa cerrou os dentes, engolindo algumas respostas mal educadas sobre o quão surpreendente era um cemitério a céu aberto feder. 

 

Tlec.

 

Finalmente, um pedaço do domo caiu. Um quadradinho pequeno o suficiente para enfiar um celular preso em um pau de selfie. Quase chorei de emoção.  O material era o mesmo. A bendita adaga tava meia desgastada, nem sei se iria funcionar, mas valia a pena. 

 

Uma vez, quando era mais nova, errei uma besteira em uma prova. O pior de tudo era que aquela questão valia praticamente metade da nota e aquela besteira podia me mandar direto para a recuperação. E deuses, eu tinha pavor da recuperação. Eu ficava todo dia conferindo minhas notas no site para ver se tinha me livrado. Quando vi um 8.75 naquela prova, tive uma das maiores sensações de alívio da minha vida.

 

Aquela sensação não era nada em comparação com a que senti quando vi o pedaço do domo caindo. 

 

A gente tava tão aliviada que nem comemoramos direito. Soltei um leve suspiro, Idia se espreguiçou e Vanessa já foi logo tocando a câmera com o celular ligado lá dentro. 

 

O interior do domo era simples: uma semi-esfera prateada completamente, até o chão.  No centro, uma mesinha. 

 

Uma mesinha vazia, coberta de pó. Se o colar existia, já havia sido pego há muito tempo.

 


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Notas finais do capítulo

Demorei menos dessa vez, viram?

Achavam que as coitadinhos pegariam o colar assim tão fácil? Não bahaha, sou má



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