Equilibrium escrita por Diane


Capítulo 28
Capítulo 29 - Um caso para psicanálise




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Ambrosia, néctar e icor. Praticamente uma constante na mitologia grega: a comida, abebida e sangue dourado dos deuses.

Sangue dourado o cacete. Aquilo estava preto igual o petróleo na minha lâmina. 

Nojento, nojento.

Cheirei a coisa — estupidez e estranho, sei disso — e parecia ter cheiro de sangue normal. Ou eu estava tão coberta de sangue que o cheiro ficou impregnado nas minhas narinas. 

Encarei a adaga. Pelo visto, os deuses não eram a coisinha brilhante e luminosa que Homero alegava. E nem dava para alegar que, sei lá, era um demônio na pele de Hermes, a criatura tinha me dado a adaga, então certamente era o original. 

Eu realmente precisava de um microscópio para ver um esfregaço daquele sangue. Era uma oportunidade única, será que deuses tinham hemácias e leucócitos? 

Quando dei um passo para fora do portão de Hermes, a ficha caiu. Minhas roupas e minha cara estavam lambuzadas de sangue. Se alguém me visse, eu iria para a delegacia na melhor das hipóteses ou viraria meme na pior. 

Suspirei e voltei para dentro. Saquei o celular e me perguntei: Quem?

Layla? Hm, não. Ficaria horrorizada ao ver meu estado e era otimismo supor que ela não teria um infarto. E seria altamente doloroso confessar um homicídio para Layla. Eu gostava da idéia dela pensar que sou uma pessoa boa, sei na pele como é descobrir que amigos de infância são assassinos. 

Alec? Por um lado, ele nunca iria poder me julgar por matar alguém. Matar um é fichinha em comparação com extinguir almas, pelo menos deixei o cara ter seu pós-vida onde quer que seja. Mas ele iria fazer umas trezentas piadas envolvendo filme de terror. Tenho quase certeza que existe algum filme de terror em que uma personagem fica ensopada em sangue — enfim, minha memória estava pifando. E a porcaria das minhas mãos ainda estavam tremendo vergonhosamente. Ah, sim, certamente teria que ouvir alguma merda sobre ser uma pamonha. 

Idia, infelizmente, não dirigia. Suponho que talvez pudesse se transformar em um gorila bípede, mas ainda havia piedade no meu coração. Pobres policiais da Sicília. 

Enfim, quando Vanessa é sua melhor opção, é um sinal que o mundo está capotando. 

Peguei o celular e xinguei o universo. Não era nem Outubro para eu ter um álibi decente. 

— Oi, Vanessa, eu meio que estou com um probleminha…






A pior parte de tudo é que ela demorou. Não sei qual é a grande dificuldade em alugar um carro, mas enquanto esperava, o sangue secava em mim e aquilo estava me deixando tão enjoada. Toda maldita vez que fechava os olhos, me lembrava da imagem da cabeça semi-decapitada. 

Pare de ser pamonha, pensei. 

E para completar a cereja do bolo, ainda havia a possibilidade de Hermes sair de dentro da casa e querer se vingar. 

Depois de um bom tempo de espera, a criatura apareceu. Vanessa ficou parecendo um fantasma quando me viu. Depois pareceu ficar bem p da vida. 

— Christine Fiditírio, você sumiu durante o dia inteiro e depois aparece assim?! — ela estava pisando como se quisesse quebrar o chão. 

Ergui as mãos.

— Juro que nada disso é sangue meu

Ela ainda parecia irritada.

— Vamos para o carro, não quero que Hermes saia para ver quem é que está fazendo barulho — falei antes que ela abrisse a boca.

A propósito, assim que saí do portão, descobri que ela tinha chamado um Uber, que estava com os olhos quase saindo da cara. Pobre senhorzinho, devia ser um aposentado e a praga da Vanessa iria fazer o coitado ter um treco ou ficar traumatizado.

— Puta que pariu, hein. Falei que era pra alugar um carro — Meu autocontrole habitual estava indo para… bem, vocês conseguem supor. 

— É um mortal, eu consigo apagar as memórias dele rapidinho — ela me lançou um olhar de esguelha — Achei mais rápido do que a burocracia para alugar um carro. 

O senhorzinho parecia aterrorizado. Vanessa andou até a janela do carro e segurou o pescoço do coitado. 

— Você vai esquecer tudo de estranho que ouvir e ver hoje. Você só está muito infeliz porque vai ter que lavar o carro após um transporte para um açougue. Você vai dirigir tranquilamente e nem vai olhar para trás. 

Ela tirou um pó inexistente da blusa. 

— Viu? Sou boa nisso — ela abriu a porta traseira do carro e acenou — Entra logo. 

Dei uma última olhada no motorista. Ele parecia um tanto robótico. Esperançosamente, passaria. 

Entrei no carro e o sermão começou:

— Você sumiu por 6 horas? Você tem ideia do que pensamos? Pensamos que você estava morta. Só aquela gata maldita sabia de alguma coisa e não queria abrir a boca de jeito algum. 

Soltei uma risadinha. 

— Fidelidade felina. Eu precisava de alguém para falar onde buscar meus ossos se desse errado. 

— Layla se ajoelhou para ela contar alguma coisa — Comecei a me sentir mal e Vanessa abaixou a blusa. Opa, um belo arranhão — Idia cravou as unhas em mim quando sacudi ela na janela. 

Bastante coragem. Ergui as sobrancelhas. 

— Não é nada em comparação com o que o Presidente Au Au já fez comigo — Um pinscher pode ser uma besta pior que uma gata metamorfa. 

— Não desvie o assunto. Você não tem o direito de sair fazendo o que quer sem avisar. Se você morre, eu, meu irmão e Layla somos responsabilizados — ela estava falando bem mais alto agora — Vamos ser conhecidos pela eternidade como os idiotas que deixaram a preciosa Diana morrer. 

— Claro, você iria aceitar numa boa se eu avisasse. É óbvio que iríamos perder mais de um dia e a oportunidade enquanto você gritava que era uma má ideia — ergui a adaga — Olhe aqui, consegui. Satisfeita? Consegue parar de berrar na minha orelha?

Ela estreitou os olhos. A praga poderia ser bastante perceptiva.

— E o que você perdeu em troca? 

Eu sentia como se algo estivesse entalado na minha garganta e me impulsionando a ser imprudente e irracional. A adorável sensação de raiva.

— Quer saber mesmo? Matei um homem e decapitei ele depois para fazer um showzinho para Hermes. Depois, tive que aguentar assédio divino e ficar paralisada na merda de um quintal com medo de Hermes me assassinar ou me eatuprar. E agora, tenho que aguentar sermão na orelha. 

Vanessa ficou quieta. 

Aquela sensação na minha garganta me implorava para socar ela, quebrar o nariz dela, fazer ela engolir a petulância e o senso de superioridade dela. 

Só que não tinha como fazer isso e sair inteira. 

Engoli novamente a minha vontade, assim como engoli o impulso de castrar Hermes e aprender decapitação com o pescoço dele. 

Era um milagre que eu não morresse engasgada. 

Encostei a cabeça na janela e fechei os olhos. Ouvi o barulho de Vanessa encostar a cabeça no banco com força. 

— Sinto muito — suspirou — Na primeira vez que matei alguém, eu tinha nove anos. 

Nove anos



Não falei com Vanessa pelo resto do dia, estava me sentindo esquisita perto dela. Odeio sentir dó das pessoas. 

Os piores momentos foram a chegada em casa. Sem o ar condicionado do carro, fiquei superconsciente de quanto estava fedendo e, caramba, fiquei com ânsia de novo. Foi uma luta me arrastar rápido e sem fazer barulho até o banheiro. Minha meta era que Layla não visse minha cara daquele jeito e logo, eu não teria que dar explicações. 

Talvez você me critique, mas lembre que Layla ocultou minha descendência divina por anos. O que era o relato de uma tarde? 

Em um determinado ponto, eu estava vomitando bile puro. Talvez meu estômago fosse fraco para algumas coisas. 

— Pelo amor dos deuses — escutei Alec se encostar na porta do banheiro fechada — Você não engravidou do deus da trapaça, não é?

Existem poucas coisas que acho mais engraçada que o imaginário masculino. Experimente vomitar e eles acharão que você está grávida. 

— É você que vai pagar as fraldas, desgraçado? — gritei.

Silêncio absoluto. Choquei o pobre ser.

A propósito, eu nunca encostei em Hermes. Mas o pânico de Alec já me fez melhorar o enjôo. Comecei a rir. 

— Você está mentindo — ele parecia ligeiramente aliviado. 

— Talvez. 





— O que você está fazendo aqui? — Alec perguntou — Não que eu esteja reclamando, é claro. 

Durante a madrugada, tive um estralo. No meio de todo aquele caos, eu tinha esquecido de devolver os comprimidos de verdade dele. Vamos ser sinceros, ele merecia um pouco, até entrou na água gelada de madrugada para salvar Layla. Seria muita crueldade da minha parte continuar deixando ele sem sono. 

Fiz malabarismo do copo de uma mão para o outra. 

O pote original, agora vazio — ele deve ter jogado os comprimidos de farinha na pia — estava no ponto mais alto da estante do quarto dele. Pelo visto ele não queria deixar mais as coisas no meu alcance visto que eu não alcançava nem inclinada nas pontas do pé. 

Muito rápido para notar, Alec levantou-se da cama e puxou o frasco para mim. 

Me virei e quase esbarrei no peito dele. 

— Não vai beber um? — ergui uma sobrancelha e escorreguei acidentalmente a ponta da minha unha na palma dele. 

O canto da boca de Alec se curvou. 

— Talvez eles sejam desnecessários por hoje. 

Minhas costas se chocaram contra a parede, a mão dele na minha nuca e minhas pernas envolta da cintura dele. Tão rápido que nem notei como fomos parar ali. 

A mão que estava na minha nuca puxou meu cabelo, deixando meu pescoço exposto. Ele deslizou os lábios levemente pelo meu pescoço, só o suficiente para um arrepio percorrer minhas costas. Meu cabelo ainda continuava preso na mão dele — Desconfio que Alexander sempre amou meu cabelo. 

— Você acha que vou te cansar tanto a ponto que não vai precisar de calmante ? — sussurei, com a minha expressão mais perversa. 

Ele me encarou, talvez com uma expressão mais maliciosa que a minha. 

— Estou contando com isso, ser diabólico — Os olhos dele estavam dourados brilhante no escuro. Exótico, mas eu meio que gostava disso. 

Me inclinei na duração dele e deslizei suavemente minhas unhas contra a nuca dele, como se estivesse acariciando um gatinho. 

— Você não vai se decepcionar — sussurei no ouvido dele. 

Senti a musculara dele enrijecer e o aperto na minha cintura e no meu cabelo aumentar, me trazendo novamente na posição com o pescoço inclinado para ele. 

Tudo bem, Alexander, você fica com o primeiro round. 

Inicialmente, ele beijou o ponto em que meu pescoço se entra com o ombro com a boca fechada. Até aquilo me fazia sentir como se estivesse sob corrente elétrica — era vergonhoso. Aos poucos, ele começou a trilhar beijos não mais tão delicados ao longo da extensão do meu pescoço. Talvez eu gostasse da boca dele. Quando ele se afastou, apertei o braço dele, decepcionada. Ele se aproximou novamente e soprou ar frio na área sensivel. Arfei.

Ele soltou uma risada baixa. Alec deslizou levemente os lábios pela curva da minha mandíbula e quase alcançou minha boca. Inclinei a cabeça para o lado bem na hora, impedindo-o. 

— Eu cumpro as minhas promessas. 

— Que seja — Ah, ele tinha se irritado. 

A tensão no meu cabelo aumentou e ele começou a sugar um ponto abaixo da minha orelha. Ah, aquilo iria deixar marcas no dia seguinte. 

Infiltrei uma mão por baixo da camiseta dele, arrastei a ponta dos meus dedos pelo tórax dele e rebolei meu quadril contra ele. Contive meu sorriso quando ele suspirou contra o meu pescoço. 

A tensão no meu cabelo diminuiu com ele distraído. Aproveitei e empurrei Alec contra a cama.

— Minha vez, Alexander — falei enquanto me inclinava acima dele. 

Rasguei a camiseta dele facilmente. Para o crédito de Alec, ele não pareceu nem minimamente chocado enquanto o som cortava a noite. 

Eu certamente gostava do que via por baixo da camiseta. O conjunto de musculatura perfeita e olhos brilhando dourados parecia ótimo com a iluminação vindo da janela. Cogitei percorrer o tórax dele com a minha língua, mas Alec apertou ambas minhas coxas e se inclinou para me colocar abaixo dele. 

Afastei os braços dele e permaneci por cima. Mostrei os dentes e dei um tapa no rosto dele. 

— É minha vez, Alexander. 

Ele se recuperou da surpresa e colocou as mãos atrás da cabeça. O canto da boca ainda estava curvado como se ele estivesse contendo um sorriso.

— Como a senhora desejar. 

Soprei ar frio na área avermelhada no rosto dele e sorri quando notei que ele se arrepiou. Sempre desconfiei que Alec fosse um pouquinho masoquista. 

Me abaixei e comecei a trilhar beijos no contorno da mandíbula dele. Parei com os meus lábios bem perto da boca dele. Eu sempre achei a boca da criatura bonita, talvez fosse a parte mais bonita dele depois dos olhos. E dava para sentir a expectativa dele enquanto eu pairava a milímetros. 

Então, tirei a faca discretamente de dentro do roupão e cortei a garganta dele. 




— Christine! Christine! Chriiistineee!

Abri os olhos e encontrei uma gata deitada em cima de mim. Pisquei umas 3 vezes para a realidade voltar ou para mim voltar à realidade, tanto faz. 

— O que foi? 

— Logo vai dar meio dia — A gata me encarou como se estivesse me julgando — E você estava fazendo barulhos suspeitos enquanto dormia. Achei que você não iria querer que Layla ouvisse.

Lancei um olhar para Layla, que estava cochilando ainda. Bom, bom. 

— Você é minha heroína, Idia. 

A gata fechou os olhos.

— O que você seria sem mim?

Provavelmente alguém passando muita vergonha. 

Quando fui para a cozinha, Alec estava sentado na mesa, mexendo no celular e bebendo suco de laranja normalmente. Era bem esquisito encarar ele no dia seguinte depois de sonhar aquilo. 

Coisa estranha pra cacete. Provavelmente uma fusão do meu trauma do dia anterior com algum instinto primitivo — Pois é, deveria ser algum mecanismo de seleção natural que detectou que minhas chances de morrer eram altas e decidiu passar meus genes adiante. É cada coisa que me ocorria.

Me mantive com a maior cara de indiferença e normalidade. Nesse ritmo, o meu oscar estava vindo. 

— Vanessa — Alec disse, com a voz rouca — Você lembra se a gente trouxe xarope? Minha garganta está doendo.

 


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Notas finais do capítulo

Fantasminhaaaas, apareçam



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