Enquanto esperávamos pelo jantar no quarto, eu sentia o meu estômago roncar. Eu não havia tomado café direito e o almoço fora um fiasco, mas não adiantava nada reclamar, tínhamos de esperar o horário previsto para comer. James, na cama de cima, contava a Sirius que a equipe da Corvinal havia ganhado a Caça ao Tesouro, que nada mais era do que uma coroa feita de folhas e flores, algo do tipo, que até o dia da festa final no acampamento, estaria na posse deles. Pertencia à Rainha ou Princesa, algo do tipo. Não dando importância, assim, continuei deitado na cama, tentando fugir das milhares de questões que o meu cérebro insistia em fazer, acessei ao Tinder.

REGULUS: Eu acho que vou precisar me acostumar com os seus sumiços esporádicos.

REGULUS: Espero que esteja bem.

Eu o havia deixado falando sozinho. De novo, para variar. Mas eu mesmo havia me perdido no tempo e, naquele momento, mesmo me sentindo mal por tê-lo preocupado, não podia deixar de agradecer que um Remus completamente aleatório e inconsciente houvesse respondido a mensagem em meu lugar. Em todo o caso, eu me desculpava. E, enquanto os meus amigos pareciam interagir com os seus próprios aparelhos celulares – com exceção a Peter que rabiscava um caderno de desenhos – eu conversava com Regulus.

Parecia que não nos falávamos a séculos, tanto que Regulus precisou colocar Luci a par do evento Queimada e eu mal pude conter o riso ao ler sobre a satisfação que ele havia sentido ao derrotar Sirius. Era o meu próprio time, a derrota era contra o meu melhor amigo, mas eu ainda me lembrava da expressão em seu rosto. Sorrir por algo tão bobo me parece preocupante no momento, mas conversar com ele, de alguma forma, me fazia bem. E eu pensava, enquanto falávamos, que deveria ser natural entre irmãos aquela relação bélica, e ainda assim eu queria me colocar como intermediador intrometido no meio daquela relação que nunca entendera muito bem. Regulus já havia feito parecer, mais uma vez, que Sirius o havia “trocado” por outras pessoas – por nós, os amigos – o que não era bem uma verdade. Era? Já havia visto o mais velho se preocupar mais de uma vez com o irmãozinho, mesmo que isso fosse mais recorrente quando éramos novos. Mas Sirius agora dizia que Regulus era o irmão mimado, pau mandado da mamãe, dentre outros adjetivos pejorativos que de forma alguma se encaixavam ao Regulus que eu vinha conhecendo no decorrer daqueles dias, apesar de família não ser um tópico recorrente em nossas conversas. Talvez eu estivesse brincando com o “perigo”, já estava errado o suficiente mantendo uma conversa num perfil falso, mas deixei o fato no subconsciente ao cutucá-lo, perguntando sobre o que os pais achavam daquilo tudo.

REGULUS: A minha mãe me deixou vir para o acampamento com a condição de “ficar de olho no meu irmão”

REGULUS: Como se eu não tivesse mais nada de importante para fazer

Lembrei-me de tê-lo bisbilhotado ao telefone, na primeira caminhada para a área externa ao acampamento. Estava falando com a mãe. Não sabia onde ele estava. Concordando com alguma coisa. Então, claro, ele era Sirius. Regulus estava mesmo de olho em Sirius? Era por isso que havia estado na festa? Era óbvio que sim, não tinha nada a ver comigo. E, tentando ignorar o mal estar, eu pensava no que sabia sobre os Black. Sabia que Walburga, a mãe dos dois, era quem aparentemente mantinha o controle da casa, uma matriarca autoritária, mas Orion Black era o verdadeiro demônio. E, por mais que soubesse que principalmente a situação de Sirius com o homem não era legal, me sentia ainda mais nervoso com as novidades que Regulus contava.

REGULUS: Ele e o meu pai brigam bastante

REGULUS: Nenhum deles dá trégua

REGULUS: E antes de vir pra cá a briga foi bem feia

REGULUS: Eu realmente achei que o meu pai fosse socar o Sirius

REGULUS: Precisei intervir e quase levei o pato também k

REGULUS: Tipo, eu sei que pra algumas famílias é normal os pais baterem nos filhos, já cansamos de levar puxões de cabelos e beliscões da mamãe

REGULUS: Mas eu vi o meu pai fechar o punho enquanto segurava o Sirius pela blusa e realmente achei que ele fosse bater nele, de verdade

LUCI: Não, Regulus, não é normal os pais baterem nos filhos

LUCI: Em família nenhuma

Sirius não havia nos contado nada. Ou havia para James? Eles eram mais próximos, isso era um fato, não incomodava tanto. Mas aquele assunto era sério. Sirius não parecia buscar limites e, se a relação dos pais estava assim naquele momento, poderia ficar pior. Sentia-me impotente, porque não podia fazer nada além de conversar, mas não sabia como fazê-lo com Sirius, não quando achava que ele ainda estava bravo comigo. E conversar sobre aquilo com Regulus não parecia uma opção, porque de repente ele recuava. “Eu tô cansado”, foi o que ele disse. E eu precisava respeitar.

Desconversando, ele falou sobre a festa. E nem as expectativas conseguiam me animar, de verdade, apesar da curiosidade em saber a percepção dele sobre os sete minutos no paraíso. Como se ele fosse me contar…

— A gente tá indo jantar, você vem?

Olhei de James para o celular, observando a hora e a falta de mensagem nos últimos cinco minutos. Regulus teria ido jantar também? De qualquer forma, eu não podia deixar que minha vida girasse em torno de um aplicativo de conversas, apesar de estar me fazendo bem naquele momento, e estava realmente morrendo de fome. Então os acompanhava para o refeitório e, como estava se tornando um hábito, nos sentávamos junto aos outros da equipe, numa mesa que parecia particularmente nossa já.

Ninguém parecia muito animado de fato, como se a bronca de McGonagall fosse ainda mais latente quando estivéssemos os sete juntos. Mary ainda tentou introduzir um assunto e outro, comentando sobre o parque que diziam estar aberto na cidade, que poderíamos nos divertir no passeio de amanhã, mas nós quatro – os marotos – sabíamos o real objetivo daquele passeio.

— É isso – James encolhia os ombros um tempo mais tarde, terminando um copo de suco antes de prosseguir – Esqueçam o álcool.

— Por quê? – Sirius respondia a sua indagação, com as sobrancelhas arqueadas – O que eles vão mesmo fazer se burlarmos as regras? Ligar para os nossos pais, nos expulsarem? Eu realmente não me importo nenhum pouco.

Parecia que Sirius só estava esperando o momento certo para falar, expor sua indignação. Havia demorado até. Mas agora eu pensava que um comunicado aos pais dele não seria uma boa ideia, visto o que Regulus me contara há pouco. No entanto, todos ali presenciavam no momento o modo Sirius impulsivo. Sirius rebelde, Sirius inconsequente. E desta forma ele prosseguia.

— Eu pagaria pra ver os meus pais aqui me dando bronca. Daria tudo pra ver a cara deles quando soubessem que o reizinho mimado estava tão envolvido numa festa clandestina quanto eu.

Errado.

Regulus não havia colocado uma gota de álcool na boca, por mais que também estivesse envolvido. E porque, de repente, Regulus era o tópico ali?

— Aliás, porque ele e Narcissa não foram escalados para o castigo? Na hora de encher o cu de cachaça e beijar meus melhores amigos ta tudo mundo muito okay, não?!

— Sirius, você ta exagerando... – precisava intervir, mesmo que com a voz baixa – Nem tem lugar na cozinha para todo mundo. E eu realmente não beijei o Regulus.

— Foda-se, Remus, eles estão tão errados quanto a gente!

— Sirius, não faz sentido nenhum – voltava os olhos para ele assim, arqueando as sobrancelhas – Há poucas horas atrás você estava protegendo as meninas, porque agora quer meter Regulus e Narcissa no meio disso?

— Oh, oh! – Ouvia a voz de James enfim – Vocês dois não acham que estão briguentos demais?

Silêncio.

Lily, ao meu lado, também estava preparada para intervir se preciso fosse, mas novamente quietos voltávamos a comer.

Na minha percepção, aquilo me parecia implicância. Sirius não precisava expor o que o irmão fazia por baixo dos panos e, por outro lado também, Regulus não deveria estar espionando os comportamentos de Sirius para depois contar à mãe. Os dois deveriam se ajudar! Se Orion e Walburga realmente ficassem bravos com a situação, a ponto de buscá-los no acampamento, quais seriam as consequências para ambos? E se Orion agredisse Sirius? Ou Regulus? Ou fizesse alguma coisa mais contra eles? Pensar naquilo tudo me deixava angustiado, e eu achando que uma conversa com Regulus era o suficiente para restaurar o meu humor.

Olhei ao redor uma vez. Ele ainda não estava por ali. Então não me contive ao pegar o celular, verificando se havia respondido mais alguma coisa sobre a festa, tentando pensar em alguma resposta, mas, tão logo, sentia os olhos de Lily sobre mim. Quando a encarava de volta, ela tinha as sobrancelhas arqueadas. Olhou da tela do celular para mim. Eu não sabia se ela havia entendido a situação, ou o que havia entendido, mas senti os lábios trêmulos por um momento, precisando comprimir um contra o outro.

Lily não disse nada no momento, no entanto. Me deu um sorriso de canto e aceno uma vez, suspirando e deitando a cabeça em meu ombro. Teria sido de grande ajuda se eu não quisesse chorar, mais uma vez, naquele maldito acampamento. Mas tão logo se levantava, juntando pratos e talheres e voltando a olhar pra mim.

— Rems, você acha que pode me ajudar com a interpretação de um livro? – Dizia, arqueando as sobrancelhas e, por um momento, eu não entendi – Eu sei, eu sei, estamos de férias. Mas é que tem sido o meu único companheiro a noite e eu não vou conseguir dormir sem entender o que a autora quer dizer.

Oh!

Aquela era uma desculpa?

Concordei uma vez com a cabeça então, juntando igualmente o prato, os talheres e o copo, junto dela, deixando na bacia cheia de laváveis. E então ambos em silêncio seguimos para fora do refeitório. Não havia muitos lugares para caminharmos, mas naquele momento o pátio pareceu bem grande. Do lado de fora Lily olhou para mim por um tempo e, na falta de palavras, tirou do bolso os fones de ouvido, conectando no celular e me entregando um. Tocava qualquer coisa suave, eu não reconhecia. E, sentados próximo as escadarias que davam para a área da piscina, observamos o movimento de quem ia jantar e de quem saía do refeitório, até que eu tivesse coragem de falar alguma coisa.

— Eu acho que gosto dele – fora tão difícil falar que a voz saíra rouca, num fio quase inaudível.

Mas ela ouviu. E concordou uma vez com a cabeça.

— Sabe que não tem problema nenhum, não é? – E, mesmo que eu não tivesse certeza, assentia – Há quanto tempo estão conversando?

— Desde o acampamento. Mas eu to fazendo besteira, Lily.

E, diante de sua expressão incompreendida, mostrava para ela o perfil de Luci. E contava, desde o começo, a história. E ela não precisava dizer nada para eu saber que estava muito errado o que eu fazia, só que o peso de externar as minhas ações parecia infinitamente maior agora.

— Você precisa contar a verdade – aconselhou – Sabe disso, não é?

— Eu só não sei como fazer isso.

— Posso? – Estendia a mão para mim então, na direção do meu celular.

Com um pouco de relutância, entreguei. E observei enquanto digitava, mas antes de enviar, ainda voltava para mim o celular, como se para ver se eu aprovava.

LUCI: Reggie. Eu acho que a gente precisa conversar. Tem um parque de diversões na cidade, você acha que consegue me encontrar, amanhã, na roda gigante, ou sei lá?

Mordi o lábio inferior. Eu mal me havia descoberto gostando de alguém e tudo já estava por um fio de acabar. Mas era o certo a se fazer. Respirando fundo uma vez, enviei.