O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado
Joe Hahn sempre fora um consumidor fanático de ficção científica. Admirava tudo o que se relacionasse com o género, desde filmes, livros, até ilustrações, banda desenhada, contos, monstros, criaturas e efeitos especiais. Por isso era com uma expressão totalmente alucinada e encantada que observava o corredor da nave que percorria na companhia dos seus amigos, do Doutor e da Clara.
— Que pena não ter comigo a minha máquina fotográfica! Ou o telemóvel! – lamentava-se alto. – Que tragédia não poder registar este passeio e guardá-lo nos meus arquivos pessoais! Acho que me vou arrepender para sempre…
— Temos passado momentos de muita aflição aqui dentro – contou Dave. – Ninguém se lembrou em guardar esta experiência para a posteridade. Tínhamos outras prioridades.
— Vocês estão todos loucos! – censurou Joe abrindo os braços. – Não há nada mais prioritário do que gravar o que aqui está na História da humanidade!
— Tu eras a prioridade – esclareceu Rob, defendendo o baixista que tinha ficado melindrado. – Estamos aqui porque tu tinhas sido infetado pelo fungo e o parasita era oriundo desta nave.
— E é para o viveiro onde estão a ser incubados os fungos que nos estamos a dirigir agora – explicou Brad que continuava firmemente agarrado à guitarra, que não devolvera a Mike. – Vamos eliminar o bicho, para evitar uma contaminação dos habitantes da Terra. Esse parasita é perigoso. Estava a destruir-te… irias morrer, meu! Quando o fungo eclodisse rebentava-te com o crânio. Estava a destruir-te e tu estavas a levar todos contigo. Infetaste aqui o pamonha do Rob.
— Pamonha?! – ofendeu-se o baterista.
— Sim, pamonha. Não fazes mal a uma mosca.
— Ah… não sei se te dou um carolo, a ver se me tens mais respeito.
— Está calado, caloiro. Continuas a ser o mais jovem do grupo.
— Posso ficar com um fungo para mim?
— Nem pensar, senhor Hahn! – cortou Mike. – Se o Doutor quiser ficar com um fungo, pode ser, porque tem condições para o guardar na sua nave… agora tu… não te confiava um peixe dourado, quanto mais um fungo que devora os seus hospedeiros.
— Existe uma segunda nave?
— Sim, a nave do Doutor que nos trouxe até este setor da Via Láctea, onde aconteceu uma guerra qualquer há milénios ou assim – explicou Chester, de mãos nos bolsos do casaco.
— Estamos… no meio da Via Láctea?! – Joe olhou para as paredes do corredor. – E como é que estamos a perder essa visão magnífica do espaço profundo? Por que estúpido motivo não existem janelas, daquelas enormes, panorâmicas, que nos deixam ver as estrelas? Aposto que há milhões de estrelas! E nebulosas! E um cemitério de naves espaciais, resquícios dessa guerra!
— Podes pedir que a nave faça aparecer uma janela – disse Chester. – Estamos numa nave mágica borabora…
— Buondabuonda – corrigiu Mike.
— Sim, essa treta havaiana. Há pouco, na sala onde nos escondíamos eu tinha fome e fiz aparecer fruta. E o Dave pensou em chocolates e apareceu uma tigela cheia de doces. E o Mike estalava os dedos e tudo lhe obedecia. Parecia um mago do Dungeons & Dragons a convocar feitiços. O Dave achava que ele era o Harry Potter, mas porra… nada bate um mago poderoso de D&D!
— O que foi que o Chaz andou a beber? – perguntou Joe.
— Nada. O que ele diz é a verdade. Estamos numa nave que obedece… às nossas necessidades – explicou Dave, com um encolher de ombros. – Acho que foi assim que desapareceu a caixa que nos prendia, Rob. A nossa vontade sobrepôs-se à vontade dos nossos captores. Quando me vi a ser atacado por ti e pelo Joe, com o Brad doente, desejei fugir. Desejei mesmo muito fugir! Mas tu não te lembras de nada, porque, entretanto, ficaste contaminado.
— Ah… Afinal só bastava querer e ficávamos livres.
— Pelos vistos. A solução era bastante simples, meu.
— Merda… Nunca senti tanto a falta da minha máquina fotográfica… – rosnou Joe.
Brad bateu com um dedo na sua testa.
— Grava tudo aqui dentro. Serve-te da memória, meu.
— Quero tirar fotos!!
— Não vais fazer uma birra, pois não, senhor Hahn?
— Cala-te, Shinoda. Tenho todo o direito a fazer uma birra.
Clara escondia um sorriso entre os dedos enquanto escutava aquela conversa deliciosa. O Doutor apanhou-lhe a emoção e crispou as sobrancelhas. Ela rebateu:
— Faz parte do meu pedido, sabes? Ver um concerto dos Linkin Park e estar com eles. Os desejos concedidos pela TARDIS costumam incluir mais do que imaginamos, à partida.
— Estar com eles acabou por ser um bónus. A ideia era assistir apenas ao espetáculo em Milton Keynes nesse domingo de junho de 2008.
— Se eu quisesse somente ver os Linkin Park teria comprado um bilhete para uma das suas apresentações, pois eles ainda andam em digressão pelo mundo e costumam tocar em Inglaterra. Ao fazer-te o pedido, Doutor… ganhei mais do que um simples espetáculo. Ganhei uma aventura!
— E se tivesse corrido mal?
— Confio em ti! – retorquiu ela, soltando um risinho fresco. – Não iria correr mal.
Clara enroscou-se no braço do Doutor e foram juntos, bastante colados, pelo corredor afora. Eram os dois que lideravam aquele pequeno cortejo.
— Sugar daddy… – sussurrou Chester, piscando o olho a Mike que abanou a cabeça.
Joe deu um grito.
— Ah!!
E correu desengonçado pelo corredor afora, de braços no ar, prolongando o berro infantil. Dave foi para se lançar em sua perseguição, preocupado com aquele ataque súbito, mas Rob apanhou-o pelo casaco e deteve-o.
— Espera! Olha ali à frente.
Chester sorriu.
— A nave está a responder ao Joe.
Brad e Mike também sorriram.
O DJ debruçou-se sobre o parapeito metálico de uma janela magnífica, colou o nariz à vidraça e continuou aos gritinhos, pulava agora com os pés juntos, suspirava e arquejava, numa felicidade sem fim. Viu o espaço, o vasto firmamento insondável, a beleza do universo contemplado a partir daquele lugar minúsculo no extremo da galáxia chamada Via Láctea. Eram estrelas a perder de vista – não havia nebulosas, nem cemitérios de naves espaciais – mas bastou aquela paisagem única para que Joe Hahn desatasse a chorar de pura emoção. Chester abraçou-o. Depois foi a vez de Dave, de Mike, de Brad e de Rob que, por ser o maior, fechava sempre os abraços coletivos. Os rapazes partilharam a alegria, a experiência, a maravilha, aliviados por estarem novamente juntos.
Retomaram a caminhada que não foi demorada e chegaram ao viveiro. O Doutor abriu a porta e surgiram as filas de caixas onde os fungos cresciam, num ambiente controlado. Joe urrou frustrado por, mais uma vez, não poder registar aquela visão com a sua máquina fotográfica. Praguejou, pontapeou a parede e depois disse que se sentia mais calmo.
— Como se vai destruir o viveiro? – perguntou Mike. – Vamos tocar música clássica, como aconteceu há pouco, quando curámos o Joe e o Rob?
— Não é necessário – respondeu o Doutor avançando pela sala.
— Aquele louco não tem medo de andar aqui? – indagou Dave, pálido.
— Já aqui estivemos antes, Phoenix – revelou Chester a roer as unhas. – Os fungos estão num estágio primitivo e não são tão agressivos. E desde que não toquemos neles, está tudo bem.
— Já estiveram neste lugar? – estranhou Brad.
— É daqui que veio a tua guitarra – esclareceu Mike e apontou para a parede dos fundos. – Olha. Repara naquele mural…
— Ena!
Os olhos de Brad Delson ganharam brilhos de caleidoscópio ao repararem no mural composto por dezenas de guitarras, de todos os feitios, tamanhos e géneros. Havia até instrumentos que ele nunca tinha visto. Avançou um passo, mas a Clara travou-o com um braço.
— Não. Fica. Estamos aqui para terminar com o viveiro e mais nada… Não podemos interferir com o plano do Doutor, nesta fase.
— E será melhor que abandones essa guitarra, rapazinho! – avisou o Doutor de costas para eles, ao chegar ao mural, dedo esticado a apontar para cima. – Poderás ficar queimado.
— Queimado?
— Por muito que te custe, Brad… larga a guitarra – pediu Mike, observando os movimentos do Doutor.
— O que vai ele fazer? – perguntou Rob, pondo-se em bicos de pés para ver melhor, o que seria totalmente escusado dada a sua estatura.
Chester encolheu os ombros.
— O velho faz o que lhe apetece e nós temos de aceitar.
— Chazy!! – censurou Mike, entredentes, sem desfitar o Doutor que colocava as mãos sobre as espirais do mural.
Contrariado, Brad pousou a guitarra no chão, dispensando-lhe uma carícia de despedida. Lamentou-se, num tom desgraçado, que queria muito levá-la consigo e Joe aproveitou a deixa para se voltar a queixar da falta da sua máquina fotográfica, que era bastante injusto que ele fosse o primeiro infetado pelo fungo, pois se tivesse acontecido com outro do grupo, ele ter-se-ia munido da máquina assim que fizeram a viagem até ali na tal segunda nave. E com essa ideia, virou-se para Dave e começou a invetivar contra o baixista, mas por que razão ninguém se tinha lembrado de trazer uma máquina fotográfica.
O Doutor abandonou o mural e correu pela passagem. Continuava a carregar a sua guitarra e o amplificador, continuava de óculos escuros. Pediu, num tom de reprimenda:
— O gordo e o ruivo que parem de discutir e venham cá abaixo buscar uma caixa.
— O quê?! Quem é que é gordo?
— É melhor fazerem o que o velho diz – disse Chester.
— Chaz! – indignou-se Mike, mas achou que não valia a pena irritar-se. – Vão, Dave e Joe. Vão agarrar numa caixa.
— Venham também connosco e levamos duas caixas.
— Não, senhor Hahn. Não te vou deixar que fiques com um fungo de estimação – repetiu Mike, autoritário, a voz mais grave. – Já bastou tudo o que sofremos quando tinhas um fungo dentro de ti.
— Não será perigoso? – preocupou-se Rob.
— Não acredito. O Doutor sabe o que faz. – Clara tranquilizou-o sorrindo-lhe e o baterista piscou-lhe o olho. Ela reparou que Rob era bastante bonito, agradável e interessante. Talvez um convite para sair… Apagou essa ideia da mente ao reocupá-la com o senhor do tempo. Murmurou: – Na maioria das vezes… o Doutor sabe o que faz.
O Doutor subiu a pequena escadaria. Incitou Dave e Joe para se mexerem mais depressa. Os dois já tinham retirado a caixa da plataforma e ajeitavam-na no espaço entre eles para que a carregassem da melhor maneira, sem cansarem os braços.
— Vamos! Vamos! O campo de forças vai aparecer dentro em breve e vocês ficam presos do outro lado se não se despacharem.
E assim que Joe e Dave subiram os dois primeiros degraus, com a caixa de vidro onde borbulhava um pequeno fungo verde, ergueu-se uma barreira de eletricidade estática a proteger o viveiro que estralejou e ribombou. O trovão foi tão forte que Mike agachou-se e protegeu Chester que estava ao seu lado, puxando-o para si com um safanão. Brad recuou um passo e notou que uma fina coluna de fumo saía da guitarra que tinha deixado no chão. Rob abraçou-se à Clara. O Doutor não gostou de ver aquilo, mas tinha uma das mãos ocupadas com o maldito amplificador, tinha a guitarra a pesar-lhe no pescoço e resolveu ignorar. Os seus dois corações, porém, bateram mais forte.
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Próximo capítulo:
E assim termina.