O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado
A cabina telefónica palpitava ao ritmo de uma melodia emaranhada, que era tanto desconcertante quanto reconfortante, uma sequência de sons reconhecíveis e estranhos a transmitir lembranças de coisas esquecidas, esperança pura, um aperto na alma que resultava em sorrisos tristes e também em felicidade cintilante. Aos poucos foi-se tornando invisível por cada palpitação e após um curto momento desapareceu, levando consigo a melodia e o volume da caixa. A nave do Doutor havia partido e no corredor ficou o espaço vazio onde estivera pousada. Sem ter deixado qualquer vestígio que tivesse estado ali – nem o mais leve rumor de cheiro a combustível, a tinta azul, ao perfume da Clara.
— Fecha a boca, Chaz. Pareces um pateta – pediu Mike sério.
Chester engoliu saliva, fez um barulho engraçado de desenho animado.
— Aquele velho… – balbuciou atarantado. – Aquele velho… deixou-nos aqui!
— O Doutor terá algum plano em mente e em breve regressará para nos vir buscar.
— Achas, Mike?! A sério que achas isso? – explodiu Chester. – O velho viu que não conseguia enfrentar esta ameaça e abandonou-nos! Ele nunca sabe o que fazer a seguir! Não tem plano nenhum e acho que nunca teve, na sua longa vida de não sei quantos séculos!
Mike agarrou os ombros do amigo, abanou-o.
— Acalma-te, Chaz! Por favor, acalma-te! Não penses no Doutor. Temos outros problemas, mais imediatos, que devemos resolver!
A ordem do japonês foi tão contundente, a sua autoridade tão inequívoca, que Chester tornou-se hirto e acenou afirmativamente com a cabeça, boca cerrada numa linha e olhos escancarados. Viraram o pescoço ao mesmo tempo e olharam para Joe e Rob, que permaneciam estacionados no mesmo lugar, duas estátuas ameaçadoras, a cabeça coberta por uma massa verde borbulhante.
— Ei! Estou a precisar de ajuda aqui!!! – gritou Dave.
Chester estremeceu com o susto.
— Porra, Phoenix! Quase que me matas de ataque cardíaco!
Cauteloso, Mike avançou, passo por passo, medindo a distância que percorria com extremo cuidado, atento aos movimentos de Joe e de Rob. Conseguiu passar pelo meio deles sem que o atacassem ou tentassem retê-lo para o infetar. Chester ficou atrás, a roer as unhas, a observá-lo a andar, a decorar o que ele estava a fazer para fazer a seguir. Se tinha resultado para o Shinoda, também resultaria para ele. Nada de movimentos bruscos, muita atenção porque havia predadores, nada de contacto visual provocador e também não seria atacado pelos dois infetados.
— Chester…
— Sim, Mike? – ofegou ele ansioso.
— Segue-me. Acho… acho que é a guitarra. Os fungos não nos atacam porque tenho esta guitarra.
— Ah… eu também tinha uma guitarra!
— E foi o que te salvou a vida. E agora será a minha guitarra que te vai salvar. Avança. Eles não te farão mal.
— Tens a certeza?
— Não. Mas se ficares aí… ficas isolado.
— Ah! Espera por mim, meu!
Quando chegaram ao pé de Dave parecia que tinham corrido uma maratona. Chester dobrou as costas, apoiou as mãos nos joelhos, limpou o suor da testa. Mike encostou-se à parede e tinha o coração a bater desgovernado dentro do peito. Joe e Rob continuavam imóveis.
Para aliviar os braços dormentes, Dave pousou os pés de Brad no chão, abraçou-lhe a cintura e passou o braço dele pelos seus ombros puxando-o pelo pulso. A cabeça do guitarrista oscilou, para cima e para baixo, gorgolejou um queixume e deixou-se pender, amolecido. Mike perguntou:
— Como foi que ele ficou assim?
— Fomos resgatar o Joe que tinha fugido para uma sala húmida. O fungo quis eclodir. Nós conseguimos resgatar o Joe, mas assim que saímos da sala o Brad caiu doente. Foi de repente.
— Ele tem as mãos sujas – observou Chester, franzindo a testa, ainda dobrado. – O que é que ele tem nas mãos?
— Sujou-se nessa sala. Acho que é lama. Havia uma neblina que não nos deixava ver o chão, mas este não era escorregadio, nem nada. Não faço a mínima ideia onde foi o Brad desencantar lama numa sala de uma nave espacial.
— Talvez seja disso, Dave… – comentou Mike. – Da lama. Temos de lhe lavar as mãos, a ver se ele melhora. E o Rob? Como apanhou o fungo?
A garganta do baixista moveu-se dramaticamente e ele empalideceu um pouco mais, destacando as sardas das maçãs do rosto.
— O fungo… enganou-nos. Fez o Joe despertar, o Rob julgou que o Joe estava curado, aproximou-se e… pronto. É o que vês. Estão os dois atacados por essa merda verde. Nessa altura… estávamos trancados dentro de uma caixa hermética. Prisioneiros. Mas consegui sair. Nem sei bem como… consegui dissolver a caixa. Foi isso mesmo. Eu dissolvi a caixa. Pestanejei e estávamos livres. Puf! A caixa tinha desaparecido e o corredor voltou. Deixámos de estar prisioneiros. Porque era só eu… o Brad está febril. O Joe e o Rob, bem… o Joe e o Rob…
— Estamos fodidos – queixou-se Chester.
Mike coçou a barba no queixo.
— Hum… O melhor é ficarmos escondidos enquanto esperamos pelo Doutor. E ele vai voltar, Chaz! Não adianta argumentares em contrário. Existem uns saleiros gigantes muito perigosos que comandam a nave, que matam tudo o que se mexe e que querem apanhar o Doutor e não vão hesitar em ter-nos como isco para montar a armadilha. Portanto, vamos ficar quietos e, entretanto, cuidamos do Brad e contemos o Joe e o Rob.
Chester notou o esforço de Dave. Amparou Brad e passou o braço pendurado pelos seus ombros, ficando o guitarrista entre os dois. Dave perguntou, após um curto suspiro de alívio:
— E o que pensas fazer?
— Esta é uma nave buondabuonda. Obedece… às nossas necessidades e imaginação – explicou Mike. – Vou conseguir encontrar esse esconderijo. É só… bem, sigam-me e não façam muitas perguntas, por favor!
— Como aquela cena do Harry Potter? – estranhou Dave.
— Que cena do Harry Potter? – perguntou Chester.
— Aquela sala que só aparece quando se precisa dela. Não há uma sala dessas que depende… das nossas necessidades e imaginação?
— Não sei. Há essa sala no Harry Potter?
— Sim. Nem sequer aparece naquele mapa artilhado que era do pai do Harry. Isso foi explicado neste último filme.
— Não sabia que conhecias tão bem esse Harry Potter, Dave…
— Gosto de histórias de fantasia. Sempre gostei, meu – justificou-se o baixista, atrapalhado.
— És um feiticeiro agora, Mike? – zombou Chester. – Ou andaste a tomar os comprimidos da Alice?
— Qual Alice?
— Do País das Maravilhas, Dave!
— Parece-me que tu é que andaste a fumar uma ganza, meu…
— Eu? Ah, pois… Chester, o palhaço de serviço! Chester, o suspeito do costume! Chester, o inevitável culpado! O Mike diz aquelas merdas sem sentido, tu andas a ler livros de magia e sou eu que ando metido na erva só por falar numa história para crianças.
— Calados, os dois – ordenou Mike. Estalou os dedos. Joe e Rob deram meia volta e ficaram voltados para eles, como que a aguardar ordem de marcha. Chester gritou assustado e Dave praguejou. – É por aqui. Venham comigo… e não façam perguntas! Por favor – repetiu.
Não ousaram contestar a sabedoria de Mike Shinoda e foram os cinco atrás do japonês, com Brad a ser arrastado por Chester e Dave, a ponta de borracha das sapatilhas All Star a raspar no soalho e a fazer um som irritante semelhante a guinchos, Joe e Rob a caminhar num passo constante e lento.
Mike voltou à esquerda e parou num local que parecia um beco. Aguardou um pouco, de olhos fechados e ainda sem ver esticou o braço. A ponta dos dedos alcançou a parede e ele pressionou. Do nada surgiu um botão quadrado onde estavam os seus dedos e que entrou na parede. Houve um estalido, ligou-se uma engrenagem e uma porta abriu-se, recolhendo-se para uma ranhura no lintel, mostrando uma sala agradável com aspeto de enfermaria.
— Bem, eu não vou comentar nada— provocou Chester. – Mas que esta merda é muito estranha… isso é! E não acredito que seja só por causa da tua guitarra, Shinoda!
Mike sorriu-lhe e piscou-lhe o olho.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Próximo capítulo:
Um mundo paralelo.