O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado


Capítulo 15
O viveiro




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A sala era uma câmara ampla circular, mobilada com pequenas mesas quadradas sustidas por pernas prateadas muito altas. Sobre os tampos estavam caixas de vidro cúbicas abertas, cada uma com um projetor suspenso no teto que incidia diretamente sobre uma plataforma de rede, sobre a qual repousava o fungo verde alienígena, um disco minúsculo e adormecido. As caixas eram às centenas, alinhadas no imenso espaço com pouco intervalo entre estas, formando corredores em grelha. O ar era morno e a luz era intensa, fazendo sobressair a cor do parasita que se encontrava em lenta evolução.

Clara continuava estupefacta e muda. O Doutor tinha colocado as mãos na cintura e observava a sala atentamente, entre a curiosidade, a vitória e o espanto. Chester agarrou-se a um Mike tão perplexo quanto a Clara e resfolegou:

— Porra! O fungo que atacou o Joe só pode ter vindo daqui. Olha-me só para esta cena, meu! São aos milhares! Aos milhões! Deve haver aqui um fungo para cada habitante da Terra. Estamos muito lixados, estamos mesmo muito lixados. E se basta um fungo num humano para contaminar outros humanos… tudo o que é vida no universo vai ser devorada por estes malditos fungos. Está tudo mais do que lixado!

— Tropeçámos no viveiro do parasita – disse Mike, após aclarar a garganta.

— Efetivamente. É nesta sala que o fungo está a ser criado e a crescer – concordou o Doutor.

O acesso à sala fazia-se por meio de uma pequena escadaria metálica de cinco degraus, mas nenhum deles tomava a iniciativa para avançar e entrar naquele local que era tanto assustador quanto grandioso.

— A tua leitura não tinha revelado formas de vida dentro da nave – lembrou Mike.

— Ei, bem apontado! – cortou Chester excitado. – Ahn, Doutor? Como explicas essa enorme falha na tua análise? Explica lá essa.

— Os fungos aqui estarão… vivos?

— Oh, estão bem vivos, Mike.

O japonês teve um estremecimento por voltar a verificar que o Doutor continuava a lembrar-se do seu nome e não conseguia precisar se isso era uma vantagem, ou não.

— Estão bem vivos e a se desenvolverem. Ainda são meros embriões, mas são bastante mortíferos e devemos evitar o contacto. Antes que faças a próxima pergunta, eu explico. – Lançou um braço, que acompanhava a sua observação do local. – As paredes da sala estão revestidas de uma liga especial que bloqueia o sinal da minha chave de fendas sónica. Já antes tinha encontrado algo parecido… onde foi mesmo? Não consigo precisar, mas havia um conflito qualquer e um cometa perigoso que ameaçava obliterar um dos planetas beligerantes.

— Quem está a manter o viveiro não pretende interferências de um senhor do tempo – conseguiu Clara dizer, afastando o seu pasmo com um pestanejar determinado.

— A minha dedução é de que se relaciona com o som. As paredes da sala estão desenhadas para controlar a frequência sonora, com o objetivo de evitar o som que possa afetar o desenvolvimento normal do fungo. São ladrões de som, precisam de som, mas apenas e tão só nas condições ideais ao seu código genético.

Esticou o braço e ligou a chave de fendas sónica que projetou para o interior da sala. Quando se escutou o habitual zumbido, as luzes sobre as caixas apagaram-se ao mesmo tempo e uma tampa metálica surgiu, cobrindo os recipientes dos fungos. Logo uma luz vermelha baça se acendeu, indicando uma alteração brusca e indesejável do ambiente do viveiro. E a porta por onde tinham entrado fechou-se bruscamente. Clara gritou e bateu com os punhos fechados nesta.

— Doutor! Ficámos fechados aqui dentro!

Chester também gritou:

— Isso não foi uma boa ideia, porra!

— Chaz, olha a linguagem.

— Mike, não me corrijas quando estamos num momento de crise.

— Doutor… podemos abrir a porta outra vez, não podemos? – indagou Mike.

O Doutor desligou a chave de fendas sónica. Passados alguns segundos a sala regressou à sua condição inicial. As caixas foram destapadas, os projetores acenderam-se a luz vermelha do alarme foi substituída por aquela luminosidade cegante que transformava o viveiro numa visão, literalmente, do outro mundo, retirada da melhor ilustração de uma história de ficção científica. Mas a porta não se abriu. Clara soltou uma interjeição frustrada, batendo uma última vez com os punhos na chapa compacta e espessa.

— Larga-me o braço, Chaz. Estás a magoar-me com essas unhas – gemeu Mike.

— Oh… desculpa. E agora? O que fazemos agora?

Clara passou por eles para seguir o Doutor que se tinha decidido a descer os infames cinco degraus. Começou a caminhar pelo corredor principal entre as caixas, observando os fungos.

— Nenhuma alteração, pelo menos que seja visível – notou. De vez em quando inclinava-se para estreitar a distância entre a caixa e os seus olhos, aprimorando a sua verificação. – O viveiro não deixa passar som desnecessário no estágio de crescimento do fungo.

— Pensava que o fungo gostava da tua chave de fendas sónica.

— Quando está a crescer, não gostará…

— Isso é importante saber.

— Talvez, Clara.

— Vocês são loucos! – exclamou Chester, a agitar os braços para o alto. – O que fazem aí? Ainda acabam contaminados e precisamos dessa geringonça que vibra para abrir a porta e não sabemos como a usar nessa função de chave-mestra! Não se exponham a perigo desnecessário. Ei, Mike! Tu também enlouqueceste?! – guinchou, ao ver o japonês descer os cinco degraus.

— Anda daí, Chaz.

Chester agarrou a ponta do nariz com o dedo indicador e o polegar, espremendo as narinas e fechando-as, cerrando com igual determinação a boca. Antes encheu os pulmões de ar, como se fosse dar um mergulho. Seguiu o amigo, tremendo de pavor ao se ver tão próximo de tantos fungos verdes.

— A porta não se abriu, Doutor.

— Eu não quis que se abrisse.

— Porquê? Hum… Não quiseste… ou não sabes como abri-la do lado de dentro?

— Talvez, Clara… Continuemos a exploração.

— Talvez? Temos aqui muitos “talvezes”.

— Talvez queira estar aqui dentro fechado para aprender mais coisas sobre o fungo e sobre o que está a acontecer. Se abrisse a porta, os rapazes fugiriam, tu irias atrás deles e eu não vos deixaria sozinhos.

— Oh…

Mike apontou para o fundo daquela passagem, onde se entrevia uma parede sulcada por espirais.

— Doutor… o que é aquilo?

O Doutor seguiu o dedo de Mike e descobriu o mesmo que ele.

— Parecem-me… parecem-me guitarras.

Chester soltou o nariz ligeiramente e disse, muito depressa:

— Guitarras alienígenas?

Mike e o Doutor correram até ao fundo do corredor, com a Clara e Chester no seu encalço.

Eram, de facto, guitarras – de todos os formatos, cores, feitios, tamanhos e estilos. Chester ofegou, inspirou profundamente e concedeu respirar normalmente, já que as caixas tinham ficado nas suas costas e de acordo com o seu juízo já não constituíam qualquer perigo imediato. Clara percorreu as fileiras de guitarras que se colavam à parede, sustidas pelos limites das espirais. Formavam um desenho intrincado e caricato, que fazia lembrar uma exposição de artes plásticas – a mostra de uma composição de um artista ousado.

Mike agarrou numa guitarra que se assemelhava a uma normal guitarra elétrica da Terra. Girou-a para observá-la e não lhe notou qualquer diferença que a distinguisse efetivamente de uma qualquer guitarra elétrica terrestre. O Doutor observava a parede, analisando os instrumentos expostos. A Clara perguntou:

— Para que servirão?

— As guitarras são usadas… na música – balbuciou Chester, a tentar arranjar uma explicação para aquilo. Hesitou, pois temia estar a dizer uma asneira e calou-se, comprometido. Começou a roer as unhas.

— Os fungos precisarão… de música?

— É uma hipótese válida, Mike – admitiu o Doutor, agarrando numa segunda guitarra elétrica. – Um primeiro fungo apareceu na Terra nos camarins do festival onde tu e os teus amigos iriam atuar. A vossa música é bastante ruidosa, segundo o que me contou a Clara. Um banquete para o fungo que contaminou o vosso amigo. Vai desenvolver-se num instante.

— O fungo não gostou do grito do Chaz…

— Chaz?

— Chester – emendou Mike a corar.

— Relaciona-se com a frequência e o timbre. A voz do teu amigo Chester não tem a mesma frequência e timbre de uma guitarra elétrica ligada a um amplificador. Vamos experimentar?

— Experimentar o quê?

O Doutor fez um sorriso travesso.

— Tocar!

Mike devolveu um sorriso igual. Não viu nenhum amplificador, nem cabos para ligar a guitarra, mas desconfiou que aquelas espirais na parede serviriam esse propósito. Passou os dedos pelo braço da guitarra. A Clara observou:

— Tens mãos muito bonitas, Mike.

— Eh… Obrigado… acho… acho que sim. Obrigado, Clara.

— E depois? Eu também tenho mãos – resmungou o Doutor.

Chester elevou as sobrancelhas, percebendo o ciúme encapotado e riu-se. Adorou conhecer um ponto fraco daquele homem com quem antipatizava. Era algo endémico e estranho, provavelmente injusto e despropositado, mas não o conseguia evitar.

O Doutor e Mike voltaram-se um para o outro e tocaram um primeiro acorde. As cordas das duas guitarras vibraram em uníssono e o som produzido foi estupidamente alto. Tocaram o segundo e o terceiro acorde, o Doutor passou para um riff típico do género Punk e o Mike tornou-se na guitarra de apoio, deixando o outro avançar com o solo.

A música que tocavam era selvagem, inconformada e rebelde.

As luzes sobre as caixas tornaram-se azuladas e quatro pinças surgiram, que se acoplaram na base. A plataforma onde assentavam os fungos rodava e cada um se tornou numa bolha que foi inchando, inchando até dobrar e triplicar o seu volume. Clara abriu a boca, pasmada com aquela alteração no viveiro que indicava claramente que o som das guitarras estava a engordar os fungos. Mas a reação de Chester foi mais repentina e instintiva, também mais descabida. Saltou para diante, para a zona onde estavam as caixas.

As guitarras também tinham criado um campo de forças e Chester chocou contra essa malha invisível. A eletricidade estática estralejou e o vocalista dos Linkin Park foi projetado para trás. Caiu de costas, sem sentidos. O seu corpo embateu violentamente no chão, deslizou até parar ao chegar à parede.

O grito de Mike foi lancinante.

— Chester!!!


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Um confronto inesperado.