a t l â n t i d a

Samantha suspirou contra a frente de seu capacete, incomodada com aquele traje submarino e por estar presa dentro dele desde que havia colocado os pés dentro daquele reino debaixo d’água. Com raiva por não poder esticar as asas ou por conta de ter seus movimentos tão limitados por aquela coisa. Querendo estar tão calma como Jane que em momento algum havia reclamado da roupa ou feito nada mais do que ser prestativa com todos ao seu redor.

Seus olhos iam e voltavam de Nereus para a mãe dele, a rainha de cabelos ruivos que parecia uma pedra na cabeceira da cama do filho que se recuperava lentamente. Pois, aparentemente aquelas balas haviam sido projetadas para combater atlantes, o que havia enfurecido Mera e criado certa confusão entre as duas. Fora uma surpresa, mas aparentemente a mulher queria culpar ela e o resto da Young Justice pelo ocorrido, sendo que Sam nem ao menos estava no meio da batalha quando tudo aconteceu.

Entretanto, o verdadeiro problema foi Samantha ter rebatido todas as acusações de uma forma tão feia que se viu cercada pelos soldados do palácio no final da discussão. Sorte dela que Atlannis, a irmã de seu namorado, havia intervindo em sua causa. Por conta disso que a garota alada não havia sido expulsa da cidade subaquática e ainda podia permanecer ali supervisionando o garoto que tanto amava, mesmo que agora não ousasse dizer uma palavra na presença da rainha com medo de que resultasse em outra briga.

Sam levantou-se de onde estava sentada, percebendo que deveria dar uma volta pelo palácio ou então começaria a ter um mau-humor pior do que o atual. Jane apenas lhe lançou um olhar rápido, provavelmente sabendo que ela queria algum espaço por conta de ser sempre tão sensitiva com as pessoas em seu entorno, sendo que a garota meia marciana não a seguiu.

Ela olhou para os dois lados do corredor, sem saber muito para onde nadar. A garota de cabelos negros mexeu as pernas e os braços sem pensar muito no assunto, apenas querendo se movimentar. Os minutos sozinha a fizeram refletir um pouco, coisa que havia feito tão pouco nos últimos dias por conta da preocupação com Nereus e o seu ânimo perturbado pela presença de Mera em quase todos os momentos. Porém, naqueles segundos sozinha e com a cabeça a trabalhar, Samantha se questionou como seria a vida dela se realmente seguisse com seu relacionamento com o cabeça de peixe, se eles um dia realmente se casassem e ele subisse ao trono, com ela como sua rainha. Como seria a vida dela debaixo d’água, longe de sua família e amigos, morando naqueles mesmo palácio esplendoroso debaixo d'água, em praticamente um mundo totalmente novo e estranho a ela. 

Tudo aquilo apertou sua garganta e Samantha sentiu uma inquietação dentro de si.

Para sua sorte, ou quem sabe azar, outra pessoa apareceu vindo de outro corredor. Os cabelos ruivos eram tão vivos quanto os de Mera e vinham ondulando à medida que ela nadava com a leveza que apenas um atlante possuía, os olhos no entanto eram dotados de um azul tão parecido com o de Nereus que Sam se perguntou se não eram idênticos. O sorriso que parecia muito com o de Aquaman, apareceu assim que Atlannis viu Samantha e assim ela se aproximou sem hesitar.

— Sam! — A garota exclamou quando chegou a uma proximidade decente, sua voz emitindo bolhas ao redor da boca pequena e rosada. Ela usou de seu apelido, pois para a princesa era muito fácil se aproximar das pessoas e parecia que ela havia decidido que ela e Samantha deveriam ser boas amigas assim que a alada começou o namoro com o irmão da mesma. — O que está fazendo por aqui? Alguma mudança no estado do Neu?

— Não… — Exclamou e suas palavras foram transmitidas pelo microfone de seu capacete. — Eu apenas estou me sentindo um pouco presa aqui. — A ruiva pareceu se entristecer, por isso Samantha completou rapidamente. — Não que vocês tenham alguma culpa, é apenas ruim ficar nesse traje e sem poder me movimentar direito, é difícil de se acostumar.

A princesa pareceu entender, pois acenou timidamente e pareceu pensar, antes de esboçar um sorriso contagiante.

— Eu sei exatamente o que fazer para te ajudar!

E então ela pegou Sam por um braço, a puxando pela água a uma velocidade surpreendente. A Hall teve de parar um pouquinho para recobrar os sentindo após ter sido levada com tanta rapidez de um lugar para o outro, observando o local onde a princesa havia lhe trazido.

Primeiro focou na luz que banhava o lugar, mais clara e límpida do que dentro do castelo. Era algo completamente diferente e muito mais belo. Pois Sam tinha que admitir que o palácio e toda Atlântida era uma das coisas mais belas que ela havia posto os olhos em toda sua vida. Os corredores decorados com dourado e prata, arabescos com formatos de animais marinhos, rochas marítimas e conchas do fundo do mar, as grandes portas entalhadas em mármore submarino e sempre guardadas por soldados em armaduras trabalhadas, os animais que vagavam livremente em quase todos os lugares e as pessoas, cada uma mais diferente da outra, sempre únicas. Todavia, nada de tudo o que ela já havia visto desde que chegara se comparava com aquele jardim no centro de toda a construção.

As plantas marinhas eram de todos os tipos e cores, tamanhos e formatos, movendo-se com a maré constante que passava por aquele lugar. As pedras também tinham cores como laranja, roxo e vermelho. O chão era coberto por uma areia fina e muito clara, como ela nunca havia visto em terra firme ou em qualquer praia que já tinha ido. Os corais cresciam incrustados em pedras como arranjos rígidos e ainda assim cheios de vida. Pequenas e grandes estrelas do mar se agarravam a vários lugares, junto de pequenos crustáceos que andavam perto dela sem medo algum. Sem falar nos peixes pequeninos até os maiores, que rodopiavam pelo lugar calmamente, batendo as barbatanas em uma dança da própria natureza em seus respectivos cardumes.

Aquela provavelmente era uma das grandes joias daquele lugar.

— O Nereus gostava de vir até aqui para praticar a magia dele, antes de ir para a superfície.

Sam deu mais uma olhada em tudo ao seu redor, completamente maravilhada, antes de se voltar a garota.

— Obrigada por ter me trago aqui! — Respondeu sinceramente e levou um sorriso verdadeiro aos lábios, o que pareceu agradar à princesa.

— E tem outra coisa.

Samantha não teve tempo de perguntar o que era antes da ruiva ter as mãos e olhos tomados por um azul fluorescente que começou a se espalhar ao seu redor e empurrar toda a água para longe, obedecendo os movimentos e as ordens da princesa. Levando todo o líquido para longe e formando um bolsão de ar dentro do meio das profundezas do oceano, onde Sam conseguiu colocar os pés no chão pela primeira vez desde que havia vindo ali com um Nereus ferido e uma Jane muito preocupada.

— Achei que seria bom deixar você sentir um pouco como se estivesse lá em cima.

Sam levou a mão até a parte de trás de seu capacete e liberou as travas, tirando finalmente aquela coisa incômoda de si. A garota respirou bem fundo, tomando aquele ar para dentro de si e sorrindo novamente para a princesa que estava engraçada com os cabelos não mais angelicais e esvoaçantes na água, mas molhados e grudentos a pele úmida.

— Querida, esse visual não lhe cai bem! — Samantha ressaltou com um comentário engraçado e que tirou um riso da princesa. — Mas realmente, muito obrigada por tudo isso! Foi realmente muito gentil da sua parte e eu amei.

— Não tem que agradecer, é o mínimo que eu devia fazer pela pessoa que faz meu irmão tão feliz.

Se Sam fosse uma pessoa que se envergonhasse fácil ela teria corado naquele momento, mas apenas lançou um olhar afiado.

— Oh, eu sei como o cabeça de peixe ama minha bela companhia. — Ela afirmou em um tom brincalhão, antes de voltar a ficar contemplativa, como estava antes de encontrar a princesa. — E eu também sou muito feliz por ter conhecido ele.

— Vocês dois formam um ótimo casal! E o Neu mudou muito desde que conheceu você e seus amigos da superfície. — Ela revelou se sentando em uma das pedras coloridas. — Um dia eu gostaria de ir lá em cima para ver tudo o que ele me conta por mensagens e vídeos.

— Eu poderia te mostrar muito mais que o Nereus, porque ele te levaria para as coisas mais chatas e sem graça que ele gosta.

Ambas riram mais uma vez, Samantha se sentindo muito mais leve do que minutos atrás.

— E por favor, não ligue tanto assim para a minha mãe. — Atlannis disse tirando um pouco de fios molhados da face. — Ela pode ser difícil às vezes, mas ela apenas quer o melhor para todos nós e não aceitou muito bem o fato do Nereus ter ido para a superfície.

— Eu sei que ela é sua mãe, mas ela é bem mais do que difícil. — A alada disse com uma careta.

— Talvez ela seja… — A princesa começou, perdida nos próprios pensamentos e com a voz um pouco distante. — Mas minha mãe tem seus motivos, com o fato do Nereus querer romper…

A mais nova parou de falar abruptamente, como se tivesse deixado algo escapar em suas palavras que não devia. Sam ergueu uma sobrancelha confusa e estava pronta para questionar sobre o que quer que fosse, quando outra pessoa passou para dentro do bolsão de ar e as duas se viraram para uma Jane eufórica e alegre que tirou o capacete surpresa com tudo ao seu redor, mas aparentemente mais ainda com o que tinha para falar.

— O Nereus! Ele acordou!

❖

Samantha nunca havia nadado tão rápido em toda sua vida quanto naqueles poucos minutos que levou para chegar até onde Nereus estava. Tão feliz, animada por ele estar bem e emocionada por poder falar com ele mais uma vez, finalmente podendo matar a saudade de vê-lo acordado. Tudo isso se unindo dentro de si e então caindo por terra quando Sam finalmente chegou no quarto e viu seu namorado, sentando e abraçado com outra.

Samantha piscou um pouco, atônita e confusa.

Quem era aquela garota? A pergunta martelava em sua cabeça a medida que observava os cabelos loiros e longos, as roupas finas e adornadas com jóias, a tiara dourada pousada delicadamente na cabeça. Ela estava de costas para Sam, mas a heroína duvidava que o rosto dela fosse tão belo quanto suas vestes. Coisa que ela iria descobrir logo, pois Nereus finalmente a notou ali com um movimento de cabeça, fazendo uma careta e logo se desvencilhando da garota desconhecida por Samantha e Jane.

— Sam… — A voz dele ainda estava fraca, saiu rouca e cansada, mas ainda assim ela não moveu um músculo para ir na direção dele.

A garota, por outro lado finalmente se virou, os olhos verdes brilhando como pequenas esmeraldas e os lábios se contraindo em algo que aparentava desgosto. Ela a olhou de cima a baixo, sem demonstrar que a julgava completamente, mas Samantha não abaixou o olhar nem por um segundo sequer. O que a outra pareceu notar quando lançou um sorriso cínico.

— Então você é a famosa Samantha. — A voz dela era calma e banhada em puro cinismo, fazendo com a alada já desgostasse da atlante imediatamente quando viu seu nome ser enunciado com tanto desdém pela outra.

— E quem seria você?

Atlannis tentou falar algo, talvez para tentar amenizar a situação, mas foi cortada.

— Sou Nestha, nobre de Atlântida e noiva do Príncipe Nereus.

Uma facada no coração dela teria sido menos dolorosa do que aquela verdade cortante que a atingiu sem piedade. Samantha Hall, que sempre tinha uma resposta preparada estava sem palavras e apenas olhou de Nestha para Nereus, em choque e querendo que alguém dissesse que aquela era uma bela de uma pegadinha. Jane permanecia sem reação atrás dela mesma, ao lado da princesa que procurava o que fazer, mas sem saber como agir. Mera, a única que parecia totalmente calma com toda a situação, tinha um leve sorriso no rosto e Sam sentia uma vontade enorme de tirá-lo da face dela.

— Deixem-nos. — Nereus murmurou para todos e não saiu como um pedido.

— Meu filho, você… — Mera tentou começar, mas foi cortada pelo príncipe.

— Saíam todos, preciso conversar apenas com a Sam agora. — A segunda fala dele não deu espaço para objeções, era a fala de um príncipe e um futuro rei, por isso todos, até mesmo Mera, saíram do quarto deixando apenas os dois ali, se encarando sem reações.

Samantha não sabia o que fazer, o que falar ou o que pensar. Logo ela, que sempre tinha uma opinião formada sobre tudo e uma resposta elaborada na ponta de sua língua afiada.

— Isso é verdade? Ela é sua noiva? — Tudo que a Hall queria era ouvir um não no momento.

— Sim. — A feição dele estava deprimida e triste, mas ela não se deixou levar.

— Mas como? Desde quando você está noivo? Como não chegou a me contar que por acaso você tinha uma noiva te esperando em Atlântida? Era com ela que você se encontrava todas às vezes que vinha aqui?

— Sam… não pense que um dia eu tenha te traído!

— Pois o que eu mais me sinto no momento é traída! — Ela gritou e não se importou nem um pouco com isso.

— Escute, ela é sim minha noiva, fomos prometidos por conta de política e vontade de minha mãe, mas eu não sinto absolutamente nada por ela, eu amo você, você que é minha namorada… — Ele gemeu, provavelmente ainda machucado e não totalmente recuperado, mas ela não se apiedou.

— E quando planejava me contar esse pequeno detalhe? Quando nós mesmos estivéssemos indo casar?

— Sam, por favor… — As palavras lhe escapavam, mas Samantha não parou.

Ela suspirou profundamente, sentindo lágrimas se formarem e que ela não deixaria cair, não na frente dele. Mas no fundo, tudo o que sentia era traição e mágoa, um aperto no coração e outro na garganta, coisa que ela nunca havia sentindo antes de verdade. Não com aquela força e por conta de um mentira sustentada por uma pessoa que ela não imaginava capaz de tal falsidade.

— Desde quando? — Ela cerrou os punhos ao lado do corpo, raiva consumindo algumas partes de sua mente. — Desde quando vocês dois estão noivos?

Ele hesitou por alguns segundos.

— Desde antes de nos reunirmos naquela festa da Liga quando o Savage atacou.

O aperto aumentou e Samantha moveu a cabeça em negação.

— Todo esse tempo… — Ela não conseguia mais olhar para ele, por isso encarava o chão. — Por todo esse tempo você escondeu isso de mim enquanto dizia que me amava.

— Mas eu te amo!

— Se realmente me amasse não teria escondido isso de mim! — Ela gritou mais uma vez, dessa vez se aproximando um pouco. — Se realmente me amasse saberia que isso quebraria meu coração e que eu me sentiria uma tola por nunca ter desconfiado!

As palavras duras e ríspidas atingiram o alvo com força, pois a feição de Nereus pareceu se quebrar mais ainda.

— Sam... 

— Não precisa dizer mais nada Nereus, acabou!

— Sam… — Ele repetiu, agora tentando se levantar da cama.

A porta do quarto se abriu, com todas as outras entrando novamente. Nereus cambaleou para fora de seu leito e se desequilibrou, sendo amparado por Nestha que foi mais do que feliz para ajudar o noivo. Mera esbanjava sem medo uma feição vitoriosa e Samantha apostava que aquilo era tudo o que a rainha queria no fim de tudo, ver seu filho com outra pessoa que não ela. Já Atlannis tinha um rosto choroso e seus olhos transmitiam apenas emoção e angústia. Jane olhou para amiga e apenas entendeu. Por conta da telepatia ou talvez apenas porque ela conseguia distinguir tudo pela feição de Sam, o quanto ela estava magoada e quebrada por dentro. 

Samantha olhou uma última vez para Nereus, que ainda tentava chegar até ela e estava nos braços daquela garota.

— Vamos Sam, vamos para casa. — Jane murmurou a tirando daquele lugar.