Bravado escrita por Camélia Bardon


Capítulo 11
O começo de algo novo


Notas iniciais do capítulo

Oiii! Bem-vindos de volta, e perdão pelo mês de hiato... mês das drabbles acaba que sempre me concentro mais nos capítulos a serem postados todos os dias do que nos mensais. Mas novembro já tá tudo esquematizado de novo, hehe.
Boa leitura ♥



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Regent Street

Cambridge

Downing College, dormitório 74

 

“5 de outubro de 1912

Querida Adele,

O primeiro mês em Cambridge mostrou-se surpreendente. AINDA MAIS surpreendente do que ter descoberto que sou melhor escrevendo cartas do que falando – no entanto, é uma prática que ainda me exige sentar longos minutos antes de pontuar todos os pontos que gostaria de relatar. Imagino que não se importe com tais trivialidades, pois é de meu conhecimento que tem profundo afeto pela escrita de cartas e pouquíssimos correspondentes para que o faça com frequência. Então, creio que posso levar meu cérebro a concentrar-se um pouco mais por uma boa ação.

Devo contar-lhe que fiz um amigo logo no primeiro dia. Aliás, ele me fez de amigo, pois creio que jamais teria a capacidade de fazê-lo sozinho. Hugh me lembra duma versão masculina de Gabrielle: sempre tem algo a dizer, mas quando precisamos que diga algo, cala-se por completo. Hugh administra a biblioteca Maitland Robinson, e prometeu que quando formar-se – daqui a um ano – me recomendará ao responsável para que eu assuma seu lugar. Estou ansioso para que isso aconteça, porque será simplesmente o paraíso.

É claro que não estou fazendo amizade com ele apenas para usurpar seu cargo quando conveniente. Não pense isto de mim, sim?

Enfim. Em nossa turma há exatamente quinze estudantes. Dentre os quinze, duas mulheres apenas – ainda temos muito a melhorar. Todos têm motivações distintas, porém acaba que todos os afluentes motivacionais desembocam no rio da esperança de um tratamento mais adequado para quem sofre males mentais.

Apesar de tudo, ainda não tenho certeza de qual é minha motivação principal. Um dos professores disse que a resposta sempre fica em nosso consciente, imersa no vazio, esperando até que alguém a enxergue. Pergunto-me se estou no lugar certo, afinal de contas. Todos aqui parecem tão centrados e talentosos...

Tentarei não ser autocomplacente. Imagino que, se estivesse aqui diria que sou perfeitamente capaz de estar onde estou, certo? Agradeço por exercer boa influência sobre mim.

Mande lembranças à Elle, à tia Sienna e ao tio Émille. Por falar nisso, como anda a gravidez?

Afetuosamente (como seria de outro modo?),

Alexander R. Banks”

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Rue Ramponeau

Belleville

Casa Bretonne, quarto azul

(Nem todos têm a sorte de morar num local de nome “Downing College”, perdoe-me a decepção)

 

“20 de outubro de 1912

Querido – queridíssimo – Alexander,

Pela data, pode ver que redigi tal carta num domingo. Mamãe diria que é um absurdo sem tamanho fazê-lo, por isso mesmo o faço escondido. Não é empolgante fazer algo debaixo dos panos, ainda que algo inocente como redigir uma carta? Somos contagiados por uma adrenalina arrebatadora... Obrigada pela oportunidade de distrair-me das mesmices de Belleville! Por favor, escreva cartas longas e interessantes sempre! Ainda que tenha a suspeita de que jamais ficaremos sem assunto, uma vez que sou uma tagarela desinibida e o senhor é um perfeito cavalheiro... E não custava nada pedir.

Ah, mamãe grávida está trazendo tanto divertimento à minha vida! Às nossas, melhor dizendo. Hoje mesmo ela teve um de seus enjoos no meio da missa matinal. Foi simplesmente HILÁRIO. Nossa vizinha, madame Thenard, que leva seus oito – oito! – filhos à tiracolo nas missas, veio se empertigar como um pavão ao nosso lado. Narrarei as falas precisamente, e imagino que o senhor possa imaginar com clareza a resposta de mamãe.

— Ah, querida! — disse a madame. — Por que a senhora não me contou que estava grávida?

— Mas quem foi que lhe disse que estou grávida? Devo ter comido ovos estragados pela manhã, mas ainda assim foi um jeito criativo de dizer que estou gorda.

Ah, Alex, a cara que ela fez! Madame Thenard ficou tão pálida e tão assustada que pensei que ela teria uma síncope! Logo ficou explicado que se tratava apenas de um comentário espirituoso, é claro. Sei que não deveria rir de tais coisas, ou corroborar com as malcriações de mamãe, no entanto foi TÃO satisfatório vê-la sem palavras! Creio que ela ficará sem nos incomodar por um bom tempo. Quer dizer... Até relembrar que ainda estou solteira e perguntar-me quando ‘enfim’ encontrarei um marido.

Dada às atualizações mensais, ficarei mais do que contente em responder seus apontamentos sobre a vida de universitário. Mas, antes, diga-me: já ouvistes falar de um órgão que se denomina ‘Cruz Vermelha’? Se não, terei prazer em apresentar-lhe.

Meu coração exulta em saber que não está se sentindo acuado em um mundo novo e distinto do qual está habituado, querido. Mais do que posso colocar em uma simples carta, com simples palavras. Não acha um sacrilégio sentimentos serem tão complexos para serem compactados em coisas genéricas que são as palavras?

(Novamente, perdoe-me. Tendo a falar romanticamente quando se trata de correspondências.)

Admiro-o sobremaneira por ter escolhido para si uma profissão tão nobre. Por vezes, encontramos nosso rumo não na estrada principal, mas nas estradinhas que não costumam ser tão usadas. Quem sabe sua motivação não esteja perdida em alguma estradinha?

Então quer dizer que exerço boa influência sobre sua pessoa? Está certo, seria o que diria, sem dúvidas. Agradeço por manter-me tão em alta em seu conceito, meu querido... Às vezes, também temo que seja o único que o faça sem exigir nada em troca. Sinto-me culpada por não ter-lhe dado tanta atenção ao longo dos anos – e apenas ter começado a fazê-lo por conta de um infeliz acidente. Pode perdoar-me por isso e dar-me uma segunda chance?

Afetuosamente (deveras, como poderia ser de outro modo?),

Adele E. Bretonne”

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Dobrei o papel com cuidado, seguindo as marcas da dobra original. Apenas reparo que estou sorrindo exageradamente quando sinto as bochechas doerem, no entanto não me censuro por isso. É bom sorrir, após tanto tempo treinando ser sério e contido. A vida é bela novamente, e está na hora do começo de algo novo. Ao menos, é nisso que estou pensando quando devolvo os livros que peguei emprestados a Hugh.

O bom de fazer amigos certos na faculdade é que, se chegamos com uma reputação, ela se perde com o tempo. Logo eu não era mais “o irmão mais novo do Thomas”. Eu era “aquele esquisitinho de psicologia, amigo do Hugh Shaw”. E era bem melhor ser reconhecido assim. Vez ou outra a turma de Psicologia fazia trabalhos de observação, então era divertido provocar alguns que ainda não acreditavam que se tratava de uma ciência útil. Qualquer encarada mínima e recebíamos um “o que é que está olhando?”.

O lado ruim era ser Hugh Shaw. Ele era conhecido por “amigo daquele esquisitinho de psicologia... Qual era mesmo o nome?”. Aparentemente, Hugh fazia parte do time dos que preferem que falem mal a não ser falado por nada. Nesse quesito, o admiro. Por isso mesmo, após guardar a carta de volta no envelope, indaguei despretensiosamente:

— Sabe o que é a Cruz Vermelha, Hugh?

Ele ergueu o nariz do livro de registros para mim, com uma sobrancelha erguida indagando de volta.

— Só por curiosidade — expliquei, munido do sorriso que as pessoas dizem que é adorável.

— Quer a versão resumida ou a estendida?

— Hum... A primeira, mas se não entender, aí a segunda.

Hugh aprovou meu comentário, partindo para as explicações enquanto recheava o molde do carimbo com tinta.

— É um grupo de enfermeiras de guerra.

Quase me engasguei com minha própria saliva. Hugh pareceu ter entendido o recado para complementar a versão estendida da explicação, pois riu com maldade antes de fazê-lo.

— É como um... Grupo feminino de ajuda humanitária. São bancados por doações, por isso são mais eficientes que os socorristas dos hospitais. No entanto, como estão tendo muitos pequenos conflitos aqui e ali, a Cruz Vermelha está se especializando em atendimento militar.

— Em resumo... Enfermeiras de guerra.

— Viu? O senhor pega rápido as coisas. Por que a pergunta?

Coloquei minhas engrenagens mentais para funcionar. Se Adele estava perguntando a mim se conhecia a instituição, era porque tinha interesse em contribuir com algo. Era bom para herdeiras envolverem-se em caridade. Ao menos, isso é o que minha mãe diz.

Ou talvez possa estar tentando impressionar Sorbonne.

Eu poderia jogar verde na próxima correspondência. Descobrir sem ser invasivo. Há sempre várias opções para tudo, não é mesmo? Nem tudo é preto ou branco.

— Alex? — sou interrompido de meus devaneios para voltar à atenção para a segunda pergunta. — Minha nossa, é só deixar o senhor sozinho com os pensamentos por um segundo e é suficiente para que viaje milhas.

Ri fraco, buscando um gole de água em meu cantil. Em seguida, procurei palavras que não fossem me denunciar:

— Só curiosidade. Eu ouvi alguém da Wolfson comentando o termo... Pensei que se tratava de alguma seita ou... Parecido. Sabe?

— É mesmo. Deveriam encontrar um nome mais apropriado — Hugh gargalhou baixo, para não atrair olhares zangados dos frequentadores da biblioteca.

— Certamente deve haver algum simbolismo por trás. Assim como Psicologia deriva de Psiquê.

Hugh revirou os olhos de brincadeira. Martelando mais um carimbo de “pertencente à Maitland Robinson”, anotou distraidamente a nova aquisição.

— O senhor é a única pessoa que conheço que diz espertezas aleatórias e não me irrita profundamente quando o faz, sabia?

— Ah! Céus. Obrigado. Creio que foi o melhor elogio que já ouvi!

— Não recebe muitos elogios, não é mesmo? — ele fechou o volume grosso, colocando-o no carrinho que os levaria às estantes. — Porque, para dizer que isso foi o melhor elogio...

— Não sou lá muito sociável, mas isso não é novidade. Bem, as pessoas dizem que sou muito gentil, porém creio que tenha se tornado costume falar isso e não seja mais sincero. É bem mais preferível um elogio inusitado e sincero a aquele que é dito de praxe.

Hugh permaneceu em silêncio, então percebi que poderia ter revelado muito de mim em apenas uma fala. Como consequência, dei de ombros apenas para suavizar a situação.

— O que eu acho... — disse Hugh depois de algum tempo. — É que o senhor precisa urgentemente substituir sua água por algo mais forte. Seus pensamentos inteligentes merecem ser trocado por um pouco de nada e menos ainda.

Gargalhei com suas colocações. Evan teria aceitado sua oferta na mesma hora, no entanto ainda levei uns minutos para determinar minha sentença.

— Bem, talvez eu deixe o senhor batizar meu chá.

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Regent Street

Cambridge

Downing College, dormitório 74

(Ou, para ser mais imaginativo, o conjunto habitacional que aguenta pacientemente o coro acapella todas as manhãs de domingo... e quase todos os outros dias, igualmente)

 

“21 de outubro de 1912

Querida burladora de regras – impostas por motivos que até hoje a humanidade não soube explicar – e dona de minhas altas estimas influenciais,

Assim como a senhorita, não escrevi num sábado, e sim numa segunda-feira. É ainda mais terrível, considerando que a maioria das pessoas encontra-se em estado lamentável após um domingo de descanso, não? Até gosto de segundas-feiras... Marcam o começo de algo novo, como a senhorita mesmo disse.

Como deve ter reparado no início da carta, Downing College compartilha o espaço de moradia com o coro do Howard Theatre. Portanto, escrever cartas aos domingos é praticamente impossível. O barulho, entretanto, não me impediu de manter sua pergunta fresca na cabeça. Diga-me de que se trata sua Cruz, ma chérie. Conheço o que dizem as más línguas, mas sabemos não ser uma boa ideia confiar primeiro nelas. Estás a pensar em financiar enfermeiras de guerra?

Tia Sienna é uma figura. Bem dizem que as damas grávidas são influenciadas por hormônios, porém creio que agora é a vez dela e o tio Émille trocarem de personalidade por alguns meses. Mal vejo a hora de retornar para as férias de inverno e conferir as malcriações pessoalmente!

Estive pensando, após certa influência alcoólica... Algumas estradinhas podem ser pessoas. Para encontrar um caminho, precisamos de guias... Talvez minha motivação esteja perdida por aí, igualmente vagando perdida por uma estradinha pensando ser essa a estrada principal. Que acha disso?

Perdoe-me pela pouca extensão da carta. Tais pensamentos estão a tomar mais de meu tempo do que gostaria de admitir à senhorita. Prometo ter mais a relatar da próxima vez, com a resposta da Cruz.

Aliás... O que pensa acerca de bigodes?

Com carinho,

Alexander.”


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam desse modelo de capítulo? E o que acham que a menina tá aprontando do outro lado do mar?
Nos vemos mais em breve ♥



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