(Re) Nascer escrita por EsterNW
Notas iniciais do capítulo
Olá, povo!
Eu sei que disse que voltaria só na sexta, mas, como tenho um bom número de capítulos escritos, fiz alguns cálculos e percebi que podia postar de cinco em cinco dias, como queria de início. Então, já sabem: próximo capítulo dia 20.
Música do capítulo: Maré de NX Zero (um salve aos emos -q).
Boa leitura ;)
— O que? — Lysandre piscou algumas vezes, tentando espantar o sono que começava a nublar seus pensamentos.
— O bezerro tá quase nascendo, seu Lysandre! — Francisco exclamou junto de certa urgência.
Tendo certeza que não era o seu sono que o fazia ouvir mal, Lysandre pegou o casaco de trás da porta e saiu com rapidez em companhia do caseiro.
— Eu fui checar os animais antes de ir dormir, porque a Julieta tava estranha desde a tarde e quando eu fui lá ver, a bolsa já tinha até estourado — o caseiro contou os fatos de uma vez e de uma maneira quase atropelada.
— Ela não precisa de auxílio? — Lysandre questionou enquanto desciam da casa em direção ao curral, passando primeiro pelo galinheiro envolto em grades.
Tendo vivido a maior parte da vida na fazenda, Lysandre vira inúmeros partos de animais ao longo dos anos. Nos poucos nascimentos de bezerros que presenciara, havia no mínimo uma pessoa auxiliando e puxando o animal aos poucos.
— Não, ela tava indo bem. — Francisco pegou o lampião que havia deixado em cima de um toco de madeira, iluminando o caminho que até então percorram no escuro. — Fiquei até surpreso, ela é uma primípara.
Em uma versão simplificada, era a primeira vez que Julieta dava à luz.
Julieta era uma aquisição recente, tendo sido comprada por Seu George alguns meses antes do senhor falecer, pois a antiga vaca da família havia morrido.
Os dois chegaram até a baía de Julieta a tempo de verem o bezerro já nascido, deitado sobre a palha do chão e ainda sujo.
— Acho que demoramos demais… — Chico comentou, parando a alguns passos da porta da baía, esticando o lampião para clarear a penumbra.
Lysandre apoiou-se sobre a madeira, observando a vaca sair de sua posição anterior, com a cabeça apoiada sobre a madeira da lateral, e se aproximar do filhote, começando a cheirá-lo. Passaram-se segundos de apreensão, com o bezerro ainda imóvel no chão.
— Ela não deveria começar a lambê-lo? — Lysandre questionou ao caseiro, sabendo que Chico tinha quase vinte anos a mais de experiência com animais do que ele próprio.
Francisco trabalhava na fazenda da família havia cerca de dois anos. Estando Josiane e George com certa idade, a família achou melhor chamar alguém para auxiliá-los no serviço pesado, apesar dos protestos do senhor, de que ainda eram capazes de gerenciar tudo. Com isso, Leigh contratou Chico, filho de um velho amigo de seu pai. O homem, já com seus trinta e sete anos, morava em uma casinha de dois cômodos na entrada da propriedade.
O caseiro era uma das únicas companhias de Lysandre, já que o platinado era recluso, não mantendo laços estreitos de amizade com pessoas da vila.
Francisco se aproximou de Lysandre, iluminando mais os dois animais e observando-os detalhadamente.
— Hummmm… — Ele fez pensativo, vendo que, finalmente, a vaca começou a lamber o filhote, que mostrava alguns sinais de vida. — Sei não, seu Lysandre, é a primeira cria da Julieta… — O caseiro olhou para o outro, que ergueu a sobrancelha, não compreendendo seu raciocínio. — Algumas vacas têm dificuldade com a primeira cria. Várias até rejeitam.
Lysandre voltou a observar os animais na baía, escorando a mão sob o queixo, pensativo.
— Acha que Julieta irá rejeitá-lo? — questionou, tentando convencer-se de que o amigo estava errado. Talvez a vaca demorasse um pouco para reconhecer e se acostumar com o filhote, apenas isso.
— Não sei, pode acontecer… — Chico deu de ombros, coçando a cabeça com a mão livre enquanto pensava. — Vou chamar o doutor Luís amanhã, pros primeiros cuidados com o bezerro.
Lysandre assentiu para a afirmação, ainda observando os animais de forma curiosa, tentando adivinhar qual seria o próximo passo de mãe e filho.
— Eu vou ficar mais um pouco pra ver se o bezerro vai mamar — Chico afirmou decidido, fazendo com o que o amigo olhasse para ele de canto de olho.
Com um pouco de observação, Lysandre logo percebeu que o caseiro estava cansado, tendo acordado cedo e trabalhado duro com o trato dos animais. Ele esperava que o moreno bocejasse a qualquer momento.
— Vá dormir, Chico — chamou-o pelo apelido habitual e, finalmente, o caseiro bocejou. — Você está cansado e amanhã temos que acordar cedo novamente. Eu fico mais um pouco e vejo se tudo irá dar certo.
A dupla olhou novamente para a baía, vendo que a vaca terminava o trabalho de limpar o bezerro. O caseiro pareceu hesitar um pouco, porém, com insistência de Lysandre, aceitou o conselho.
— Qualquer coisa é só o senhor ir lá embaixo me chamar.
Mesmo que Francisco fosse dezessete anos mais velho do que Lysandre, o caseiro nunca perdia o hábito de chamá-lo por “seu” e “senhor”. Mesmo afirmando várias vezes que poderia dirigir-se a ele pelo nome, Chico não deixava a mania de lado. Lysandre acabara se acostumando.
O caseiro entregou o lampião para Lysandre e ambos deram boa noite. Os passos de Chico foram se afastando aos poucos, deixando o rapaz sozinho com os animais. A situação não parecia muito boa, com Julieta estranhando o bezerro ainda sem nome.
Apreensivo, Lysandre não sabia se ficava feliz ou não por finalmente ter saído da rotina.
…
Com um vento gelado do fim da madrugada, Lysandre encarou o vidro das enormes janelas de frente para sua cama. Do lado de fora ainda estava parcialmente escuro. O platinado voltou os olhos para o teto de madeira, bocejando e ponderando se merecia ou não mais cinco minutos na cama. Resolveu não ceder, afinal, o trabalho não se faria sozinho.
Como todas as manhãs, seguiu sua rotina, tendo acordado um pouco mais cedo dessa vez, antes mesmo que o galo cantasse. Enquanto passava o café, ouviu sinal de vida do animal, sabendo que não era o único a estar acordado àquela hora.
Após tomar um café preto e forte, para despertar-lhe do sono que ainda insistia em pesar, colocou a louça usada dentro da pia e agasalhou-se, pronto para abrir a porta desgastada e ser saudado pelo frio do início da manhã. A temperatura era tão amena que ainda havia resquícios da geada da madrugada.
Caminhando pela grama úmida, Lysandre preparou-se para cumprir sua rotina: alimentar as galinhas, os coelhos, cuidar da horta — afinal, ele tinha que manter o nome de melhores verduras da região —, ver com Chico quanto de leite conseguira para a produção de queijo… Exceto isso. Ele sempre se esquecia de que enquanto Julieta estivesse com o filhote, parariam com o queijo.
Contudo, não podia se culpar, afinal, os dias na fazenda pareciam tão iguais. Às vezes até mesmo se perdia nas semanas, esquecendo-se de datas comemorativas e do próprio aniversário.
— Bom dia, seu Lysandre! — Chico saudou o amigo que ia embora da horta com algumas hortaliças na cesta. — Eu fui ver como andava o bezerrinho e a Julieta e parece que ela rejeitou mesmo a cria — ele chegou logo anunciando, direto do jeito que era.
Lysandre franziu o cenho, surpreso pelo comportamento do animal. Ele tinha certo apego pela vaca.
— O que devemos fazer? — o platinado questionou enquanto os dois desciam em direção ao curral. Lysandre encontrava-se um pouco perdido, pois nunca havia enfrentado uma situação dessas em seus anos na roça. Apenas ouvia casos semelhantes vindo de fazendeiros vizinhos.
— Eu separei os dois de baía, a Julieta tá muito estressada — Chico respondeu, tendo os dois chegado ao curral.
Não precisaram caminhar muito e pararam em frente à baía onde se encontrava o recém-nascido sem nome. Encolhido, o bezerro permanecia deitado bem no cantinho, sozinho e desamparado. Todo malhado com as cores preta e branca, o animal era uma fofura aos olhos.
— O bezerro não mamou até agora, tá começando a me deixar preocupado…
— Não acha melhor chamarmos o doutor Luís? — Lysandre sugeriu, referindo-se ao veterinário que clinicava na região e antigo amigo de seus pais.
— Ele foi passar uns dias com a filha na capital e só volta na próxima semana — Francisco replicou, tirando o boné surrado e coçando a cabeça, pensativo.
Lysandre apoiou os braços sobre a madeira da porteira da baía, observando o animal que mal parecia se mexer.
— Tem a doutora Clarice, neta da dona Gleice — Chico afirmou, recolocando o boné no lugar.
Lysandre ergueu os olhos, contemplativo e tentando associar nome com pessoa, afinal, dona Gleice era sua vizinha e também amiga de seus pais. Não podia ser a pessoa que passou por sua mente.
— Eu vou chamar ela pra cuidar do bezerro. — O caseiro começou a se afastar.
— Não é cedo demais para ir até lá? — Lysandre questionou, pois pouco passava das seis da manhã.
— O cedo é só amanhã, seu Lysandre. — Chico deu sua risada engraçada antes de começar a caminhar para fora do curral.
Apesar de meses, Lys não se acostumara novamente com todos acordando tão cedo — ou mesmo ainda de madrugada —. A vida na cidade havia lhe dado alguns maus hábitos…
Observando o filhote mais uma vez, este mal tendo se mexido, suspirou e resolveu subir com as hortaliças. Ele pouco podia fazer pelo bezerro órfão no momento.
…
— Seu Lysandre!
O platinado fechou a torneira e secou as mãos no pano de prato de vaquinha antes de ir atender o caseiro que batia à porta, praticamente em repetição à cena da última noite. Até mesmo as novidades pareciam estar se tornando iguais naquele lugar.
Lysandre abriu a porta, sendo saudado por seu amigo dobrando as mangas da blusa surrada que usava. Passado o frio da madrugada, o dia começava a esquentar aos poucos conforme o sol ia despontando no céu.
— Eu já levei a doutora Clarice lá pro curral. O senhor quer acompanhar o tratamento do bezerro? — o caseiro ofereceu e, como resposta, o mais novo fechou a porta da casa e acompanhou o amigo na descida até as baías.
— Ela comentou algo sobre Julieta? Ou sobre o estado de saúde dos dois? — Lysandre já foi logo perguntando, preocupado com seus animais.
Ambos andavam lado a lado, um pouco rápido, logo alcançando seu destino.
— Ela só começou a examinar o bezerro e disse que tinha que cuidar do umbigo dele. Ainda não deu tempo dela olhar a Julieta.
Lysandre assentiu à resposta do caseiro, tendo os dois entrado no curral e dirigido-se à baía. Ao aproximarem-se, viram a veterinária abaixada e aplicando a solução de iodo no umbigo do animal. Lysandre sabia que aquilo fazia parte do procedimento padrão, para assim prevenir que o local se infeccionasse — após a retirada do cordão umbilical — e se tornasse porta de entrada para doenças atacarem o filhote.
Clarice finalizou o tratamento com a solução de iodo e fez um carinho no lombo do bezerro, puxando sua bolsa de couro para perto logo em seguida.
— Doutora, esse é o seu Lysandre, dono da fazenda — Chico foi o primeiro a dizer algo e interromper a cena, atraindo a atenção da Clarice para os dois.
— Oh, olá. — A moça sorriu em cumprimento, fazendo duas covinhas aparecerem e logo sumirem ao voltar à sua expressão normal. — Desculpe por não ter te cumprimentado antes, mas o Chico disse que era urgente com o bezerro. — A veterinária apontou para o caseiro, que apenas deu de ombros, como se dissesse “pra mim era”. Clarice sorriu de novo.
O platinado estendeu a mão, sorrindo simpático de volta para ela. Porém, a moça mostrou-lhe a luva que usava e ele encolheu a mão, colocando as duas nos bolsos.
— Não se preocupe com isso. Tenho que concordar com Chico sobre o estado de urgência do animal.
— Falando nisso — a moça tomou a conversa, conforme abria a bolsa de couro e guardava o vidro com a solução de iodo. — Estava conversando com o Chico sobre como iríamos fazer, já que a Julieta rejeitou o filhote… O bezerro tá um pouco debilitado, por não ter mamado ainda, então sugeri que eu trouxesse um pouco de colostro para ele.
Em uma linguagem técnica, colostro é o leite que os mamíferos produzem nos primeiros dias para sua cria. Era essencial que o bezerro tomasse tal leite.
— Esse tipo de coisa não vende só fora da vila? — Francisco questionou, nunca tendo encontrado coisa do tipo à venda na pequena cidade em que viviam.
— Eu tenho um pouco guardado, caso precisasse quando vim clinicar no interior — Clarice respondeu, distraída enquanto acariciava o animal ao seu lado. — E, em todo caso, eu posso buscar mais na cidade vizinha.
— Não seria muito incômodo para você? — Lysandre replicou, não querendo abusar demais da veterinária, que até aquele momento fora até ali na mais boa vontade.
— Não é incômodo nenhum. — Ela deu de ombros, como se fosse simples. — Ainda mais se for pra ajudar essa belezinha. — A moça sorriu para o bezerro, que continuava deitado na palha, quieto. — Falando nisso, já decidiram algum nome para ele?
Perguntando isso, Clarice voltou a mão para a bolsa de couro, pegando de lá um vidro e uma grande seringa prateada, pronta para começar a vermifugar o animal.
Lysandre encarou o caseiro ao seu lado, que até aquele momento apenas acompanhava a conversa, atento ao que a veterinária dizia.
— Estive pensando em chamá-lo de… Fausto.
Chico ergueu as sobrancelhas, surpreso, e Clarice parou o procedimento, encarando o rapaz.
— É um nome diferente — ela comentou, voltando então para o que fazia antes.
Chico não escondeu um sorriso, achando divertida a sugestão que o amigo dera.
— É por causa do Faustão? — ele finalmente voltou à conversa, apoiando os braços sobre a porta da baía e observando a doutora cuidar do animal.
— É um protagonista de um romance — Lysandre elucidou, não muito contente com os comentários.
— Você continua vidrado nos livros, pelo visto. — Clarice sorriu, tendo terminado de vermifugar Fausto em pouco tempo.
Lysandre franziu o cenho, finalmente tendo certeza que pensara na pessoa certa na parte da manhã. Aquela Clarice era a mesma que conhecera quando criança e fora sua amiga por anos.
O tempo poderia mudar um pouco a aparência, mas não restava dúvidas de quem ela era.
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Maré, NX Zero: https://youtu.be/nWwLBYutPZk
*Fausto é o nome do protagonista do romance Fausto, escrito pelo escritor alemão Goethe. Acho a cara do Lys gostar do Romantismo xD
Esse capítulo foi um pouquinho didático, mas necessário xD
Quer conversar sobre o que achou do capítulo? Chega mais nos comentários ♥
Até mais, povo o/