(Re) Nascer escrita por EsterNW


Capítulo 2
Nomes conhecidos


Notas iniciais do capítulo

Olá, povo!
Eu sei que disse que voltaria só na sexta, mas, como tenho um bom número de capítulos escritos, fiz alguns cálculos e percebi que podia postar de cinco em cinco dias, como queria de início. Então, já sabem: próximo capítulo dia 20.
Música do capítulo: Maré de NX Zero (um salve aos emos -q).
Boa leitura ;)



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— O que? — Lysandre piscou algumas vezes, tentando espantar o sono que começava a nublar seus pensamentos.

— O bezerro tá quase nascendo, seu Lysandre! — Francisco exclamou junto de certa urgência.

Tendo certeza que não era o seu sono que o fazia ouvir mal, Lysandre pegou o casaco de trás da porta e saiu com rapidez em companhia do caseiro. 

— Eu fui checar os animais antes de ir dormir, porque a Julieta tava estranha desde a tarde e quando eu fui lá ver, a bolsa já tinha até estourado — o caseiro contou os fatos de uma vez e de uma maneira quase atropelada.

— Ela não precisa de auxílio? — Lysandre questionou enquanto desciam da casa em direção ao curral, passando primeiro pelo galinheiro envolto em grades.

Tendo vivido a maior parte da vida na fazenda, Lysandre vira inúmeros partos de animais ao longo dos anos. Nos poucos nascimentos de bezerros que presenciara, havia no mínimo uma pessoa auxiliando e puxando o animal aos poucos.

— Não, ela tava indo bem. — Francisco pegou o lampião que havia deixado em cima de um toco de madeira, iluminando o caminho que até então percorram no escuro. — Fiquei até surpreso, ela é uma primípara.

Em uma versão simplificada, era a primeira vez que Julieta dava à luz.

Julieta era uma aquisição recente, tendo sido comprada por Seu George alguns meses antes do senhor falecer, pois a antiga vaca da família havia morrido.

Os dois chegaram até a baía de Julieta a tempo de verem o bezerro já nascido, deitado sobre a palha do chão e ainda sujo.

— Acho que demoramos demais… — Chico comentou, parando a alguns passos da porta da baía, esticando o lampião para clarear a penumbra.

Lysandre apoiou-se sobre a madeira, observando a vaca sair de sua posição anterior, com a cabeça apoiada sobre a madeira da lateral, e se aproximar do filhote, começando a cheirá-lo. Passaram-se segundos de apreensão, com o bezerro ainda imóvel no chão.

— Ela não deveria começar a lambê-lo? — Lysandre questionou ao caseiro, sabendo que Chico tinha quase vinte anos a mais de experiência com animais do que ele próprio.

Francisco trabalhava na fazenda da família havia cerca de dois anos. Estando Josiane e George com certa idade, a família achou melhor chamar alguém para auxiliá-los no serviço pesado, apesar dos protestos do senhor, de que ainda eram capazes de gerenciar tudo. Com isso, Leigh contratou Chico, filho de um velho amigo de seu pai. O homem, já com seus trinta e sete anos, morava em uma casinha de dois cômodos na entrada da propriedade.

O caseiro era uma das únicas companhias de Lysandre, já que o platinado era recluso, não mantendo laços estreitos de amizade com pessoas da vila.

Francisco se aproximou de Lysandre, iluminando mais os dois animais e observando-os detalhadamente.

— Hummmm… — Ele fez pensativo, vendo que, finalmente, a vaca começou a lamber o filhote, que mostrava alguns sinais de vida. — Sei não, seu Lysandre, é a primeira cria da Julieta… — O caseiro olhou para o outro, que ergueu a sobrancelha, não compreendendo seu raciocínio. — Algumas vacas têm dificuldade com a primeira cria. Várias até rejeitam.

Lysandre voltou a observar os animais na baía, escorando a mão sob o queixo, pensativo.

— Acha que Julieta irá rejeitá-lo? — questionou, tentando convencer-se de que o amigo estava errado. Talvez a vaca demorasse um pouco para reconhecer e se acostumar com o filhote, apenas isso.

— Não sei, pode acontecer… — Chico deu de ombros, coçando a cabeça com a mão livre enquanto pensava. — Vou chamar o doutor Luís amanhã, pros primeiros cuidados com o bezerro.

Lysandre assentiu para a afirmação, ainda observando os animais de forma curiosa, tentando adivinhar qual seria o próximo passo de mãe e filho.

— Eu vou ficar mais um pouco pra ver se o bezerro vai mamar — Chico afirmou decidido, fazendo com o que o amigo olhasse para ele de canto de olho.

Com um pouco de observação, Lysandre logo percebeu que o caseiro estava cansado, tendo acordado cedo e trabalhado duro com o trato dos animais. Ele esperava que o moreno bocejasse a qualquer momento.

— Vá dormir, Chico — chamou-o pelo apelido habitual e, finalmente, o caseiro bocejou. — Você está cansado e amanhã temos que acordar cedo novamente. Eu fico mais um pouco e vejo se tudo irá dar certo.

A dupla olhou novamente para a baía, vendo que a vaca terminava o trabalho de limpar o bezerro. O caseiro pareceu hesitar um pouco, porém, com insistência de Lysandre, aceitou o conselho.

— Qualquer coisa é só o senhor ir lá embaixo me chamar.

Mesmo que Francisco fosse dezessete anos mais velho do que Lysandre, o caseiro nunca perdia o hábito de chamá-lo por “seu” e “senhor”. Mesmo afirmando várias vezes que poderia dirigir-se a ele pelo nome, Chico não deixava a mania de lado. Lysandre acabara se acostumando.

O caseiro entregou o lampião para Lysandre e ambos deram boa noite. Os passos de Chico foram se afastando aos poucos, deixando o rapaz sozinho com os animais. A situação não parecia muito boa, com Julieta estranhando o bezerro ainda sem nome.

Apreensivo, Lysandre não sabia se ficava feliz ou não por finalmente ter saído da rotina.

Com um vento gelado do fim da madrugada, Lysandre encarou o vidro das enormes janelas de frente para sua cama. Do lado de fora ainda estava parcialmente escuro. O platinado voltou os olhos para o teto de madeira, bocejando e ponderando se merecia ou não mais cinco minutos na cama. Resolveu não ceder, afinal, o trabalho não se faria sozinho.

Como todas as manhãs, seguiu sua rotina, tendo acordado um pouco mais cedo dessa vez, antes mesmo que o galo cantasse. Enquanto passava o café, ouviu sinal de vida do animal, sabendo que não era o único a estar acordado àquela hora.

Após tomar um café preto e forte, para despertar-lhe do sono que ainda insistia em pesar, colocou a louça usada dentro da pia e agasalhou-se, pronto para abrir a porta desgastada e ser saudado pelo frio do início da manhã. A temperatura era tão amena que ainda havia resquícios da geada da madrugada.

Caminhando pela grama úmida, Lysandre preparou-se para cumprir sua rotina: alimentar as galinhas, os coelhos, cuidar da horta — afinal, ele tinha que manter o nome de melhores verduras da região —, ver com Chico quanto de leite conseguira para a produção de queijo… Exceto isso. Ele sempre se esquecia de que enquanto Julieta estivesse com o filhote, parariam com o queijo.

Contudo, não podia se culpar, afinal, os dias na fazenda pareciam tão iguais. Às vezes até mesmo se perdia nas semanas, esquecendo-se de datas comemorativas e do próprio aniversário.

— Bom dia, seu Lysandre! — Chico saudou o amigo que ia embora da horta com algumas hortaliças na cesta. — Eu fui ver como andava o bezerrinho e a Julieta e parece que ela rejeitou mesmo a cria — ele chegou logo anunciando, direto do jeito que era.

Lysandre franziu o cenho, surpreso pelo comportamento do animal. Ele tinha certo apego pela vaca.

— O que devemos fazer? — o platinado questionou enquanto os dois desciam em direção ao curral. Lysandre encontrava-se um pouco perdido, pois nunca havia enfrentado uma situação dessas em seus anos na roça. Apenas ouvia casos semelhantes vindo de fazendeiros vizinhos.

— Eu separei os dois de baía, a Julieta tá muito estressada — Chico respondeu, tendo os dois chegado ao curral.

Não precisaram caminhar muito e pararam em frente à baía onde se encontrava o recém-nascido sem nome. Encolhido, o bezerro permanecia deitado bem no cantinho, sozinho e desamparado. Todo malhado com as cores preta e branca, o animal era uma fofura aos olhos.

— O bezerro não mamou até agora, tá começando a me deixar preocupado…

— Não acha melhor chamarmos o doutor Luís? — Lysandre sugeriu, referindo-se ao veterinário que clinicava na região e antigo amigo de seus pais.

— Ele foi passar uns dias com a filha na capital e só volta na próxima semana — Francisco replicou, tirando o boné surrado e coçando a cabeça, pensativo.

Lysandre apoiou os braços sobre a madeira da porteira da baía, observando o animal que mal parecia se mexer.

— Tem a doutora Clarice, neta da dona Gleice — Chico afirmou, recolocando o boné no lugar.

Lysandre ergueu os olhos, contemplativo e tentando associar nome com pessoa, afinal, dona Gleice era sua vizinha e também amiga de seus pais. Não podia ser a pessoa que passou por sua mente.

— Eu vou chamar ela pra cuidar do bezerro. — O caseiro começou a se afastar.

— Não é cedo demais para ir até lá? — Lysandre questionou, pois pouco passava das seis da manhã.

— O cedo é só amanhã, seu Lysandre. — Chico deu sua risada engraçada antes de começar a caminhar para fora do curral.

Apesar de meses, Lys não se acostumara novamente com todos acordando tão cedo — ou mesmo ainda de madrugada —. A vida na cidade havia lhe dado alguns maus hábitos…

Observando o filhote mais uma vez, este mal tendo se mexido, suspirou e resolveu subir com as hortaliças. Ele pouco podia fazer pelo bezerro órfão no momento.

— Seu Lysandre!

O platinado fechou a torneira e secou as mãos no pano de prato de vaquinha antes de ir atender o caseiro que batia à porta, praticamente em repetição à cena da última noite. Até mesmo as novidades pareciam estar se tornando iguais naquele lugar.

Lysandre abriu a porta, sendo saudado por seu amigo dobrando as mangas da blusa surrada que usava. Passado o frio da madrugada, o dia começava a esquentar aos poucos conforme o sol ia despontando no céu.

— Eu já levei a doutora Clarice lá pro curral. O senhor quer acompanhar o tratamento do bezerro? — o caseiro ofereceu e, como resposta, o mais novo fechou a porta da casa e acompanhou o amigo na descida até as baías.

— Ela comentou algo sobre Julieta? Ou sobre o estado de saúde dos dois? — Lysandre já foi logo perguntando, preocupado com seus animais.

Ambos andavam lado a lado, um pouco rápido, logo alcançando seu destino.

— Ela só começou a examinar o bezerro e disse que tinha que cuidar do umbigo dele. Ainda não deu tempo dela olhar a Julieta.

Lysandre assentiu à resposta do caseiro, tendo os dois entrado no curral e dirigido-se à baía. Ao aproximarem-se, viram a veterinária abaixada e aplicando a solução de iodo no umbigo do animal. Lysandre sabia que aquilo fazia parte do procedimento padrão, para assim prevenir que o local se infeccionasse — após a retirada do cordão umbilical — e se tornasse porta de entrada para doenças atacarem o filhote.

Clarice finalizou o tratamento com a solução de iodo e fez um carinho no lombo do bezerro, puxando sua bolsa de couro para perto logo em seguida.

— Doutora, esse é o seu Lysandre, dono da fazenda — Chico foi o primeiro a dizer algo e interromper a cena, atraindo a atenção da Clarice para os dois.

— Oh, olá. — A moça sorriu em cumprimento, fazendo duas covinhas aparecerem e logo sumirem ao voltar à sua expressão normal. — Desculpe por não ter te cumprimentado antes, mas o Chico disse que era urgente com o bezerro. — A veterinária apontou para o caseiro, que apenas deu de ombros, como se dissesse “pra mim era”. Clarice sorriu de novo.

O platinado estendeu a mão, sorrindo simpático de volta para ela. Porém, a moça mostrou-lhe a luva que usava e ele encolheu a mão, colocando as duas nos bolsos. 

— Não se preocupe com isso. Tenho que concordar com Chico sobre o estado de urgência do animal.

— Falando nisso — a moça tomou a conversa, conforme abria a bolsa de couro e guardava o vidro com a solução de iodo. — Estava conversando com o Chico sobre como iríamos fazer, já que a Julieta rejeitou o filhote… O bezerro tá um pouco debilitado, por não ter mamado ainda, então sugeri que eu trouxesse um pouco de colostro para ele.

Em uma linguagem técnica, colostro é o leite que os mamíferos produzem nos primeiros dias para sua cria. Era essencial que o bezerro tomasse tal leite.

— Esse tipo de coisa não vende só fora da vila? — Francisco questionou, nunca tendo encontrado coisa do tipo à venda na pequena cidade em que viviam.

— Eu tenho um pouco guardado, caso precisasse quando vim clinicar no interior — Clarice respondeu, distraída enquanto acariciava o animal ao seu lado. — E, em todo caso, eu posso buscar mais na cidade vizinha.

— Não seria muito incômodo para você? — Lysandre replicou, não querendo abusar demais da veterinária, que até aquele momento fora até ali na mais boa vontade.

— Não é incômodo nenhum. — Ela deu de ombros, como se fosse simples. — Ainda mais se for pra ajudar essa belezinha. — A moça sorriu para o bezerro, que continuava deitado na palha, quieto. — Falando nisso, já decidiram algum nome para ele?

Perguntando isso, Clarice voltou a mão para a bolsa de couro, pegando de lá um vidro e uma grande seringa prateada, pronta para começar a vermifugar o animal.

Lysandre encarou o caseiro ao seu lado, que até aquele momento apenas acompanhava a conversa, atento ao que a veterinária dizia.

— Estive pensando em chamá-lo de… Fausto.

Chico ergueu as sobrancelhas, surpreso, e Clarice parou o procedimento, encarando o rapaz.

— É um nome diferente — ela comentou, voltando então para o que fazia antes.

Chico não escondeu um sorriso, achando divertida a sugestão que o amigo dera.

— É por causa do Faustão? — ele finalmente voltou à conversa, apoiando os braços sobre a porta da baía e observando a doutora cuidar do animal.

— É um protagonista de um romance — Lysandre elucidou, não muito contente com os comentários. 

— Você continua vidrado nos livros, pelo visto. — Clarice sorriu, tendo terminado de vermifugar Fausto em pouco tempo.

Lysandre franziu o cenho, finalmente tendo certeza que pensara na pessoa certa na parte da manhã. Aquela Clarice era a mesma que conhecera quando criança e fora sua amiga por anos.

O tempo poderia mudar um pouco a aparência, mas não restava dúvidas de quem ela era.


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Notas finais do capítulo

Maré, NX Zero: https://youtu.be/nWwLBYutPZk

*Fausto é o nome do protagonista do romance Fausto, escrito pelo escritor alemão Goethe. Acho a cara do Lys gostar do Romantismo xD
Esse capítulo foi um pouquinho didático, mas necessário xD
Quer conversar sobre o que achou do capítulo? Chega mais nos comentários ♥
Até mais, povo o/



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