(Re) Nascer escrita por EsterNW


Capítulo 15
Vidas passam devagar


Notas iniciais do capítulo

Olá, meu povo!
Alguns devem estar pensando: ué, já se passaram cinco dias? Não, se passaram apenas três, maaaass, visto que a fic já está toda escrita há um mês e a situação atual, decidi adiantar um pouco as coisas e postar a cada três dias. Pode ser que eu diminua para um dia sim e um dia não, então eu gostaria de saber da opinião de vocês sobre isso :)
Boa leitura ;)

Música do capítulo: Paciência do Lenine.



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Chico despejou o leite de dentro do balde para o interior do tacho sobre o fogo aceso. Lysandre pegou a colher para mexer, enquanto esperava o líquido atingir a temperatura que precisavam.

— Será que vai dar pra gente voltar a vender semana que vem? — o caseiro questionou, sentando-se em uma das cadeiras ao redor da mesa.

— Talvez. Provavelmente teremos uma boa quantidade até sexta-feira — o fazendeiro respondeu, atento ao que fazia no fogão a lenha.

— Podemos até vender na quermesse — Chico afirmou, pegando um copo para colocar o coagulante e misturar com uma colher de sopa de sal.

Aquela terça-feira estava sendo agradável até ali, como a maioria das terças-feiras na fazenda. Durante a manhã cuidaram dos animais, da plantação e, finalmente, voltaram à rotina de preparação de queijos. Julieta estava apta para retornar ao ordenho, depois de praticamente um mês após o parto de Fausto.

Chico cantarolava os versos da música que saía do radinho de pilha em cima da mesa e Lysandre estava mais absorto em seus pensamentos, observando o líquido branco se movimentar vagaroso no enorme tacho. Estava mais pensativo do que o normal naquela terça-feira. 

O problema não era o dia da semana, nem a preocupação com seus negócios, mas a conversa que tivera com Clarice no início da noite de segunda. Por mais que não ousasse dizer para si mesmo, não podia negar que ela o fizera pensar em algo que normalmente evitava.

— Você sempre pensou em fazer isso, Chico? — o fazendeiro puxou o assunto de repente, observando meio de perfil o caseiro na mesa.

O homem parou de cantarolar e deixou a colher sobre o tampo de madeira, tendo colocado o sal no copo.

— Isso o que? Queijo? — questionou, estranhando o assunto repentinamente levantado pelo outro.

— Não... — Lysandre soltou quase como um suspiro, em um resmungo baixo. — Isso. Viver na fazenda, cuidar das plantações e dos animais, viver a vida inteira em Vale dos Jucás... — enumerou os fatos, usando o termômetro para medir a temperatura do leite. Ainda não estava no ponto.

O caseiro coçou a cabeça, estranhando o rumo daquela conversa que começou de repente.  Mas, o fato era que Lysandre não levantou o assunto simplesmente do nada. Tantas vezes pensara qual seria seu destino naquela fazenda... Porém, afogara esses pensamentos e tentara pensar somente no agora. Contudo, um furo na barragem, que tentava usar como escudo, foi criado horas atrás, na fazenda das Guimarães.

Será que terminaria como Chico? Vivendo a vida toda na fazenda, se casando com alguém da cidade, tendo filhos e se separando anos depois, com a ex-esposa levando a criança para longe? Ou seria afortunado o suficiente para viver seu “felizes para sempre”? A vida lhe devia isso, depois de tudo o que lhe tirou...

— Te contar que eu queria ser doutor quando era criança — Chico relembrou com um sorriso nostálgico e o fazendeiro ergueu as sobrancelhas com a afirmação. — Mas, depois que meu irmão mais velho morreu, meu pai ficou meio baqueado pelo que aconteceu... — Seu semblante adquiriu leves tons sombrios, e não era pela sombra da aba do boné ao abaixar a cabeça. —Aí, como ele não conseguia trabalhar, eu e a minha irmã tivemos que ir fazer uns bicos por aí, porque minha mãe não ia conseguir dar conta de tudo sozinha.

— E acabaram largando a escola por causa do trabalho — Lysandre completou, tornando o rosto totalmente para o caseiro e mexendo a colher de forma mecânica no tacho.

— Sim — ele assentiu, contornando o dedo pela boca do copo em seu ânimo contemplativo. — A Fabiana ainda conseguiu terminar a escola num supletivo depois, mas eu não quis voltar, não... — Balançou a cabeça, jogando memórias para longe. — Presta atenção no leite, seu Lysandre, senão vai passar dos trinta graus — advertiu e o fazendeiro colocou a ponta do termômetro no líquido, testando a temperatura.

— Está no ponto — afirmou e Chico se levantou, despejando o conteúdo do copo no tacho. O líquido semitransparente se misturou com a brancura do leite e Lysandre continuou mexendo com a colher, para juntar os dois. — Mas você nunca pensou em fazer como a sua irmã? Terminar a escola e tentar seguir outra profissão? — o fazendeiro continuou o assunto anterior.

Fabiana, a irmã de Chico, morava na cidade ao lado, Marilândia do Oeste, e era dona de um pequeno estabelecimento comercial, onde vendia utensílios e alguns artesanatos que ela mesma fazia. Já Chico, optou pelos trabalhos braçais boa parte da vida.

— Tem uma hora que você sente que já passou do tempo, sabe? — Ele voltou a se sentar na cadeira em que estava, retirando o boné e passando a mão pelos cabelos escuros, tingidos com alguns poucos fios grisalhos. — As coisas tavam bem difíceis pra quem vivia nos anos 90 no Brasil, com aqueles problemas todos que tinha e a inflação... E com um filho pequeno pra criar, eu tinha que dar um jeito de sustentar ele — finalizou a história, arrumando o fecho do boné e devolvendo-o para a cabeça. — Mas se eu tivesse as oportunidades que a gente tem hoje... Quem sabe teria feito diferente.

Lysandre tirou a colher do fogo e sentou-se na cadeira oposta a do caseiro à mesa. Agora poderiam conversar frente a frente, já que o leite teria que descansar por meia hora no tacho para continuarem com o preparo do queijo.

— E hoje? Não tentaria agarrar essas oportunidades? — Lysandre questionou, os olhos coloridos analisando atentamente o amigo.

— Já passou da minha hora, seu Lysandre — Chico respondeu com um sorriso triste e voltou os olhos castanhos para o rosto do fazendeiro à sua frente. O sorriso triste voltou ao seu rosto ao ver o outro encarando-o. — Às vezes dói no coração ver o senhor preso aqui nessa fazenda, sabe? Inteligente do jeito que é, o senhor poderia ter um futuro muito bom pela frente — comentou, no que Lysandre negou com a cabeça, volvendo os olhos para o tampo da mesa, coberta com o caminho de mesa de crochê de sua mãe. — Seu Lysandre — Chico chamou, fazendo com que ele erguesse a cabeça. — Não faz que nem eu. Tenta fazer o seu futuro ser diferente enquanto ainda tem tempo.

O fazendeiro deu um sorriso amargo, vendo mais uma pessoa trazer o mesmo assunto à tona em menos de vinte e quatro horas. Mesmo que em uma outra abordagem, de uma outra visão. Talvez a vida tentasse fazê-lo voltar à superfície. Lysandre negou com a cabeça.

— Eu sempre vou estar aqui pra te ajudar. — Chico esticou o braço e colocou a mão sobre o ombro do amigo do outro lado. — Você não tá sozinho nessa fazenda, filho. — Ele afagou o ombro do outro e Lysandre sorriu.

— Obrigado, Chico.

...

Ao anoitecer, quando os animais estavam adormecidos e Chico provavelmente fazia o mesmo em sua casinha na entrada da propriedade, Lysandre viu-se sozinho na casa vazia. As fotografias o assistiam de seus lugares nos porta-retratos e a televisão era apenas um ruído, anunciando a previsão do tempo para os próximos dias. O inverno chegaria na semana seguinte e o frio viria junto na virada do mês.

A internet também não era de todo ruim e o fazendeiro pesquisava uma receita, que não tinha totalmente certeza do modo de preparo, para cozinhar no almoço do feriado em que Leigh e Rosalya retornariam para a fazenda. Como o feriado era numa quinta, talvez estendessem a estadia até domingo à noite. 

Lysandre clicou no primeiro link que apareceu no Google, deparando-se com uma página colorida e lotada de anúncios diversos. Deslizando o dedo para baixo, as letras foram descendo e tentou ler o passo-a-passo no meio de tantas propagandas. Quando finalizava o modo de preparo, um anúncio em específico saltou-lhe os olhos, anunciando um EAD. Na surpresa, clicou sobre, abrindo uma nova guia em seu navegador.

A nova página ainda era colorida, cheia de propagandas da faculdade e uma opção para selecionar cidade e curso. Curioso, o fez, sendo direcionado para uma nova parte do site. Pesquisou, quase se esquecendo de seu objetivo anterior. Os preços não eram ruins, precisava admitir, mas... Fechou o navegador e desligou a tela do celular, deixando-o de lado no sofá. 

Na televisão, um comercial entre os blocos do telejornal anunciava qualquer coisa que sequer reparou, os olhos assistindo sem prestar atenção. Sentiu o aparelho telefônico vibrar na lateral de sua perna e acendeu a tela, vendo uma mensagem na barra de notificações.

“Você vai sair amanhã de tarde?”

Leigh questionou-lhe. O fazendeiro clicou, entrando na conversa com o irmão. A internet não era de todo ruim na fazenda, precisava admitir.

“Não. Por quê?”

Digitou outra pergunta e enviou, a resposta chegando em segundos junto da buzina da notificação.

“Eu e Rosa vamos chegar amanhã. Vamos sair mais cedo pra não pegar trânsito”

Após a resposta de que estava tudo bem, a conversa terminou por ali. Dali algumas horas poderiam dialogar frente a frente, portanto, o fazendeiro desligou a TV e foi dormir.

...

A cozinha da fazenda era preenchida pelo cheiro do café naquela quarta-feira e da música que tocava no radinho de pilha. Chico descascava uma laranja e Lysandre terminou de coar o café, deixando os utensílios sobre a pia. A monotonia da tarde foi quebrada quando ouviram uma buzina do lado de fora. 

Ambos os homens saíram pela porta da cozinha e deram a volta na casa, deparando-se com um Corsa preto estacionado a meio caminho da entrada. A porta do carona foi aberta e longos cabelos platinados fizeram-se vistos, trazendo uma nova paleta de cores junto dos fios esbranquiçados e das roupas roxas e pretas. 

Rosalya esmagou o cunhado em um abraço, depositando um beijo na bochecha branca em seguida.

— Lys-fofo! — ela exclamou o apelido após soltar o abraço, olhando-o de cima a baixo. — Você precisa fazer essa barba, tá arranhando um pouco — advertiu, no que o fazendeiro apenas passou a mão pela bochecha, sentindo de fato certa aspereza. — Chico, quanto tempo! — ela saudou o caseiro com outro abraço, mesmo que houvesse um pouco mais de um mês desde que o vira pela última vez. Rosa nunca deixaria de ser espontânea como era. Uma adição e tanto à calmaria na fazenda.

— Leigh — Lysandre saudou o irmão, aproximando-se do carro. O estilista soltou o cinto e abriu a porta. — É bom revê-lo — disse, envolvendo o irmão em um abraço, logo sentindo os braços dele devolverem o embraço.

— Senti sua falta — ele declarou ao se separarem, analisando o irmão com olhos atentos e rápidos. Nada demais, aparentemente. — Trouxe roupas novas — anunciou, aproximando-se do porta-malas do carro e sendo seguido pelo fazendeiro.

— Não precisava — o irmão mais novo retorquiu. — Eu posso comprar algumas na vila.

— Eu fiz para você — Leigh respondeu com um sorriso, impactando Lysandre. 

— Lys-fofo! A gente trouxe rosquinhas pro café! — Rosa gritou para eles da varanda da frente, acenando. Chico entrou, carregando um sorriso risonho e a bandeja com os doces que lhe fora entregue. Os rapazes sequer perceberam a moça se aproximar do carro e se afastar novamente.

— Vamos? Acabei de passar o café — Lysandre incentivou, pegando algumas das bagagens no porta-malas.

— Te mostro as roupas depois do café. Estamos famintos — Leigh respondeu, pegando o que restava e fechando o porta-malas com um baque.


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Notas finais do capítulo

Paciência, Lenine: https://youtu.be/4GFtjl6Gsjk

Não sei se é uma informação interessante pra vocês, mas usei o calendário de junho de 2019 pra fic, então o feriado em questão é o da quinta feira, 20/06/19.

Chico é outro que merece ser guardado em um potinho ♥ E essa rede de amor que foi se formando em torno do Lysandre? Como diria Pitty: estava ali o tempo todo e só você não viu :')
Até mais, povo o/



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