A Herdeira escrita por Nany Nogueira


Capítulo 5
O contrato




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/785760/chapter/5

A comitiva a Seráfia do Sul retornou a Seráfia do Norte e chegou ao anoitecer. Todos estavam cansados e famintos. Jantaram e logo foram se deitar.

Anita já se preparava para dormir quando ouviu as batidas na porta:

— Quem é? – perguntou ela, alto.

— Sua mãe, abre logo Anita! – respondeu Dora, sem paciência.

Anita abriu a porta e Dora entrou, sentando-se na cama e pedindo à filha que se sentasse na sua frente, dizendo:

— Você já comunicou a todos que vai se casar com Heitor, mas ainda não me contou o que está escondendo por trás dessa repentina decisão de aceitar o casamento.

Anita aproximou-se da mãe e cochichou:

— Casamento de fachada.

— Por quanto tempo pensam que vão sustentar algo assim?

— O tempo necessário para o papai, você e meus irmãos chegarem sãos e salvos ao Brasil.

— E quanto a você?

— Irei em seguida, junto com Heitor, como um casal normal, e lá anulamos o casamento, ou melhor, fazemos valer o contrato de gaveta que iremos assinar.

— Os revoltosos não permitirão que vocês saiam de Seráfia tão fácil.

— No começo, não. Mas, uma hora vão ter que baixar a guarda. Podemos inventar uma viagem diplomática para a África e pegar o rumo do Brasil, por exemplo.

— Anita, vocês estão brincando com fogo. Não viram do que os revoltosos são capazes? Se suspeitarem de simulação, podem prender você e Heitor, mandar depor, decapitar, como traidores da pátria.

— É a única alternativa, mãe. Não posso deixar meu pai morrer na masmorra ou ser assassinado pelos revoltosos. Eu o vi, ele está abatido, fraco, magro, temo pela saúde dele, isso na melhor das hipóteses.

— Como fica sua vida no Brasil? Seus estudos? Seu sonho de ser advogada?

— Eu não desisti dos meus sonhos, apenas os adiei por uma causa muito nobre.

— Eu me sinto muito mal por vê-la se sacrificando por nós.

— Não veja como um sacrifício, apenas como um dever de Anita Peixoto Avignon de Toledo, princesa herdeira de Seráfia do Sul.

— Só espero que você não se machuque – abraçando a filha, que retribuiu o abraço.

Dora foi para o seu quarto e Anita também se deitou. O sono chegou rápido e ela adormeceu, mas não durou muito. Começou a despertar com um distante som de batidas na porta que foi ficando mais alto, até ela acordar de vez e perceber que batiam novamente na porta. Pensou se tratar da mãe novamente e, bufando, foi abrir a porta. Surpreendeu-se ao dar de cara com Heitor.

— Como se atreve bater no quarto de uma dama na calada da noite? Estou de camisola, você nem poderia me ver assim, sou moça direita!

— Eu sei, Anita! Não vim te olhar de camisola ou manchar a sua moral, nem vou entrar no seu quarto, quero apenas lhe entregar isso para que o leia bem até o amanhecer. Assim, se você concordar com os termos, podemos assiná-lo amanhã bem cedo e já dar início aos proclamas do “casamento” (fazendo sinal de aspas com as mãos).

Anita pegou o contrato das mãos do rapaz e, sem cerimônia, fechou a porta na cara dele.

Sentou-se na cama e passou a ler os seus termos. Ficava claro que seria um “casamento branco”, sem relações sexuais, e que seria anulado na primeira manifestação de vontade de qualquer dos nubentes, estando ambos livres para contrair novas núpcias, sem impedimentos, no futuro.

Ela acabou adormecendo sobre o documento. Acordou com ele babado e amassado, riu ao pensar na cara de Heitor ao ver o estado do contrato que ele fizera com esmero.

Tomou banho, desceu para o desjejum e entregou a Heitor, na mesa do café, o contrato assinado. Todos olharam curiosos para o documento e Heitor não fez mais segredo. Levantou-se, dizendo:

— Esse contrato, entregue para a princesa Anita em melhor estado (olhando para ela, que sorriu sarcástica), será um segredo de família. Nele consta que o nosso casamento será “branco”, de fachada, até que os ânimos em Seráfia se acalmem e a paz seja restabelecida. Depois disso, continuaremos solteiros e livres como sempre fomos.

Anita se levantou:

— Não haverá registro em cartório, por motivos óbvios, mas todos vocês, nossas famílias, são testemunhas da existência dele. O contrato será muito bem guardado e usado no momento oportuno.

Rei Augusto falou:

— A ideia parece boa, mas, se descoberta pelos revoltosos, pode ser fatal.

— Eu disse o mesmo à minha filha ontem à noite, Rei Augusto – contou Doralice.

— Eu não vou me deitar com Heitor só para que todos fiquem felizes! – rebateu Anita, irritada.

— Olha os modos, Anita. Você é uma princesa – ralhou Rainha Helena.

— Sim, vovó, eu sei que sou uma princesa e por, isso mesmo, estou largando a minha vida no Brasil por Seráfia, mas, vai ser nos meus termos! Se puderem fazer a gentileza de assinar como testemunhas – tirando o contrato das mãos de Heitor e passando aos presentes à mesa (Doralice, Rei Augusto, Jesuíno, Açucena, Maria Cesárea, Rainha Helena, Inácio, príncipe Frederico e Jorge).

Todos assinaram depois do destempero de Anita, já bastante estressada com a história.

O casamento foi marcado para dali a uma semana, correndo os proclamas com urgência. Anita fez mais uma exigência aos revoltosos, que soltassem seu pai para a cerimônia de casamento, a fim de que ele pudesse conduzi-la ao altar.

Os revoltosos se opuseram a princípio, dizendo que só poderiam libertar o prisioneiro após o sim dos noivos. Mas, Anita bateu o pé, dizendo que era isso ou nada, que eles poderiam continuar essa guerra para sempre.

Ameaçaram executar Felipe, e Anita fingiu indiferença e raiva, afirmando que levaria até as últimas consequências se o seu único desejo não fosse atendido. Ao final, foram vencidos pela lábia da moça.

Quando Felipe conseguiu chegar ao Palácio de Seráfia do Norte, ainda escoltado pelos revoltosos, já viu a filha a sua espera, pronta para o casamento, num luxuoso vestido de noiva, encomendado às pressas.

Ele se deslumbrou e abraçou a filha dizendo:

— Você está ainda mais linda! Exuberante! A minha princesa! Sempre sonhei com esse dia.

— Nunca sonhei muito com isso, meu pai. Mas, que seja.

Felipe percebeu o olhar triste da jovem e cochichou no seu ouvido:

— Só que nos meus sonhos você estava mais feliz. Eu sinto muito por isso, minha princesa.

— Não sinta, papai. É melhor o senhor se trocar para acabarmos logo com isso.

— Está bem.

Mais tarde, Felipe conduzia Anita no longo corredor da igreja matriz de Seráfia, que conduzia ao grande e belo altar, no qual Heitor já esperava a princesa num elegante fraque.

Todo o reino de Seráfia, tanto do norte quanto do sul se fazia presente, do lado de dentro e de fora da Catedral, acenando bandeiras e desejando vida longa aos novos reis, já chamados de “Reis da Paz”.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Herdeira" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.