Liberté escrita por Lehninger


Capítulo 2
A supernova de 86 bilhões de estrelas


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Bem... Escolhi para este capítulo "Les Voyages de L'âme" (Alcest). Qualquer trecho em meio ao capítulo pertence à letra.

Acho que, por aqui, é só isso. Dei aquela revisada básica, mas puxem minha orelha caso encontrem algum erro, okay?

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/785672/chapter/2

Très loin de nous, de notre temps
Elle s'en tra rejoindre les étoiles

Até onde sei, Francis nunca gostou da solidão. Ele precisava de companhia, ainda que fosse de um gato, cachorro ou qualquer outro bicho. Precisava interagir; ouvir, falar, expressar. No caso de pessoas próximas, o silêncio compartilhado, por vezes, conseguia ser o bastante.

Ainda que Francis não fizesse questão de soar misterioso, agindo de maneira espontânea mesmo quando seus atos ou palavras podiam ser mal interpretados, certos fatores de sua pessoa eram difíceis de ler. Quando ele ficava sozinho por conta própria, algo estava acontecendo. A primeira alternativa era a de que estava chateado por algum motivo; e a outra, bem, era a de que estava chateado por estar sozinho. As opções se misturavam e confundiam.

Francis levantou tarde. O relógio biológico havia lhe acordado às seis horas, mas não se sentia disposto. Levantar da cama significava encarar o início de mais um dia em que as coisas continuavam exatamente do mesmo jeito. Ele não queria levantar. Por isso, cobriu-se com os lençóis, protegendo-se da claridade advinda de algumas brechas entre as cortinas da janela.

Nunca gostei dessas cortinas. Eram de um bege escuro, assemelhava-se a um castanho. Havia detalhes nas pontas, como bordados, e eram costurados com linha branca. O quarto em si era preenchido por tons neutros, o que, de certa maneira, transmitia uma tranquilidade. O branco e o bege escuro predominavam, e, claro, eram frutos das escolhas de Francis. E meus também, a bem da verdade. Eu havia concordado com a decoração.

O mal das cortinas estava em ser permeável demais. Eram bonitas, mas não bloqueavam totalmente os raios solares. E naquele momento, ainda que Francis estivesse se cobrindo a fim de se proteger, parte de seus cabelos estava à vista. A claridade do Sol repousava em suas madeixas loiras, proporcionando a estas um tom dourado.

Quando encarnado, eu detestava o Sol. Minha sensibilidade era mais forte do que o normal, o que me resultava na pele avermelhada após pouco tempo exposto. Se eu não soubesse como é ter uma pele sensível, nunca sentiria pena de Gilbert Beilschmidit. Se a situação era ruim para mim, mostrava-se pior para ele, que era albino.

Durante minha vida terrena, vivi fugindo dos raios solares. Ansiava pelo pôr-do-sol e pela noite. Por outro lado, eu gostava de ver Francis sob o Sol. A claridade intensa iluminava seus olhos, fazendo o azul de seus olhos lembrar as águas. E seus cabelos, loiros, brilhavam como ouro. Toda a natureza parecia ressaltar a beleza de Francis.

Devagar, andei até estar de frente às cortinas. E com o Sol finalmente me recobrindo, permaneci de olhos abertos. Eles não se incomodavam, bem como minha pele não ardia. Por outro lado, era como se eu pudesse sentir algo; e era algo bom. Olhando para trás, tive outro ângulo de Francis. Vez ou outra, era perceptível que seu corpo se movimentava. Estava, praticamente, forçando-se a continuar ali. Era a melhor maneira de deixar o tempo passar.

Francis precisava descansar.

Ainda que houvesse sido interrompido diversas vezes, o sono de Francis durou até o meio da tarde. Era pouco mais de quatro horas quando enfim se levantou, demorando a decidir se tomava ou não um banho. Optou pela segunda alternativa, rumando à cozinha apenas para constatar que não sentia fome.

Para onde ia, eu lhe seguia. Era a única coisa que eu ainda podia fazer.  E observando Francis encarar a geladeira por longos minutos, notei que outra pessoa havia se juntado a mim. Semicerrando as pálpebras em curiosidade, Alfred, ao meu lado, assistia a mesma cena.

No sétimo dia após meu desencarne, o menino apareceu. Aparentava ter uns seis anos de idade, tinha cabelos loiros e olhos azuis, usava óculos e era disfêmico. Pequeno, sua altura batia nas minhas pernas. À primeira vista, percebi que se tratava de alguém como eu; ele também não pertencia mais à Terra. Junto de minha mãe e parentes, a primeira pessoa que eu via. Não me surpreendi com sua chegada, apenas me vi curioso. Ele mesmo se apresentou, dizendo seu nome. Mas, antes que eu pudesse retribuir a informação, ele mostrou que já sabia o meu.

Lembrava-me perfeitamente de todos os filmes com temática sobrenatural que havia assistido durante minha vida. Somado a isso, pequenos livros e relatos, além de achismos que acabam por se construir em nossa cabeça. Quando “vivo”, vi, li e ouvi que uma pessoa, ao morrer e se tornar espírito, assusta-se com tudo que encontra a partir de então, ao menos inicialmente. Revolta-se ou entra em desespero, não consegue aceitar o que está acontecendo. De qualquer jeito, ela quer voltar a viver como humana. Ao entrar em contato com outros espíritos, assusta-se, bem como com as novidades pela frente, tais como perceber que nada mais no mundo material lhe é tangível e que ninguém na Terra pode lhe sentir.

No entanto, comigo foi diferente.

Quando Alfred mostrou que sabia quem eu era, minha reação deveria ser a de arregalar os olhos e me afastar, assustado. Todavia, eu simplesmente continuei a lhe encarar, como se lhe pedisse para prosseguir. Sem mistérios, Alfred me contou. Certo tempo depois de lhe ouvir, perguntei por que eu e ele estávamos sozinhos, ali.

Com calma, tomando cuidando para não travar em meio às palavras, o menino explicou que não estávamos sozinhos; no entanto, ainda éramos incapazes de enxergar os outros espíritos. Indaguei sobre nossa estadia, perguntando, afinal, por que continuávamos ali. Não havia um paraíso? Algo parecido? Um fim?

O menino alegou que não podia responder certas coisas, pois não cabia a ele. “Não posso lhe instruir”, explicou-se, “são coisas que devemos descobrir sozinhos”.

Eu só via Alfred e vice-versa porque, de alguma forma, estávamos ligados. Quanto a isso, não houve mistério. Ele me contou sem hesitar, o que, finalmente, me trouxe surpresa. Mal cessou suas palavras, olhei com pesar para Francis, sentindo meu coração apertar.

Desencarnar chega a ser engraçado. Você já não tem mais o corpo, mas sente as piores dores como se fossem cravadas em sua carne. Você, literalmente, não tem seu corpo, mas permanece com sua vida.

― O que ele procura? ― Alfred se referiu ao fato de Francis permanecer olhando para o interior da geladeira.

― Nada.

A campainha tocou. E sem se importar em ao menos passar as mãos pelos cabelos ou simplesmente puxá-los para trás, amenizando a bagunça, Francis abandonou a geladeira e rumou à porta, abrindo-a sem olhar através do olho mágico. Nenhuma visita poderia ser uma surpresa.

Lado a lado, Gilbert e Antonio.

Em outra oportunidade, mencionei sobre Francis ter se formado em Francês. Afora isso, ele dominava catalão, inglês, espanhol, alemão, arranhava italiano e, por hobbie, estudava russo.  Os idiomas eram a personificação de uma de suas incontáveis paixões, além de constituírem sua vocação. Quando se mudou para a Inglaterra, havia terminado o doutorado há pouco tempo. Tornou-se professor de Letras-Francês na Universidade de Durham, onde eu lecionava História. Na mesma oportunidade, mencionei como nos conhecemos; através da vaga no estacionamento. Após a discussão, comecei a ligar os pontos. Pelos corredores da universidade, falavam sobre um novo professor. “Francês e bonito”, basicamente um slogan.

A primeira pessoa que realmente se aproximou de Francis foi Antonio Carriedo. Sendo professor de Letras-Espanhol, pertencia ao Departamento de Linguagens, o mesmo de Francis, o que, naturalmente, facilitou a aproximação; talvez seja importante especificar de qual tipo. Pessoas com interesses maliciosos cercaram Francis de imediato, mas Antonio não compactuava com elas. O espanhol se ofereceu para apresentar os demais setores ao novato, explicando coisas que, certamente, não foram ditas pela reitoria ao novo professor.

Apesar de sermos de departamentos distintos, eu e Antonio nos conhecíamos. Na realidade, era quase impossível não conhecê-lo. Mesmo que não fosse uma pessoa extravagante, o centro das atenções ou algo do tipo, sua simpatia parecia alcançar a todas as pessoas dentro da instituição. Era uma boa companhia e sempre sabia o que me dizer quando percebia que algo havia dado errado para mim; nunca fui bom em esconder meu aborrecimento, no fim das contas. Antonio era pura alegria. Todavia, vez ou outra, eu parava para pensar exatamente nisso. Como podia uma pessoa ser tão animada? Algo me fazia acreditar que, no fundo, era uma defesa. Talvez os incontáveis sorrisos de Antonio omitissem alguma coisa. Talvez, no fundo, ele tentasse se esquecer de seus problemas e motivos para se entristecer. Nunca tive coragem de perguntar.

Ainda que Antonio falasse com todo mundo, era nítido que seu melhor amigo era Gilbert Beilschmidt. Gilbert pertencia ao Departamento de Geologia como professor de Sismologia. Ficava ainda mais distante de Linguagens do que Humanas, mas, mesmo assim, ele e Antonio eram quase sempre vistos juntos.

Minha relação com Gilbert nunca foi das melhores. Eu não gostava de seu jeito. Na realidade, devo admitir que pequenas coisas conseguiam me aborrecer. Não direi que “oh, eu deveria ter agido de maneira diferente”, pois, desde pequeno, paciência não era meu forte. Irritava-me facilmente, vivia estressado.  Ficar no mesmo lugar que Gilbert não me era uma ideia agradável. Antes de Francis chegar, o máximo de palavras que eu e Gilbert trocávamos se resumia a “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”. “Pode me informar as horas?”, talvez. E ele sabia que eu não gostava de sua presença; e pela maneira como demonstrava não se importar, provavelmente compreendia.

A dupla que anteriormente consistia em Antonio e Gilbert recebeu Francis, tornando-se um trio.

Meu desentendimento com Francis não se resumiu à vaga do estacionamento. Cada vez que nos encontrávamos, discutíamos. Na verdade, eu que discutia; Francis apenas entrava no ritmo. Quando estava comigo, sua pose de gentleman desaparecia em questão de segundos.  

Ao se deparar com a visita, mínimas mudanças acometeram o rosto de Francis. As comissuras labiais se curvaram tão discretamente que apenas Antonio percebeu que o anfitrião sorria. Francis distanciou-se, gesticulando para que ambos adentrassem. O silêncio era estranho, mas, de qualquer maneira, Gilbert pronunciou-se logo em seguida. Comentou que Francis estava com olheiras. O olhar mortal que recebeu de Antonio lhe disse muitas coisas em tom de repreensão, principalmente “cala a boca”.

Com o comentário, Francis riu. Um peso saiu das costas de Gilbert.

Francis foi o primeiro a se sentar no sofá. De um lado, Antonio, e do outro, Gilbert. Antes de tudo acontecer, Gilbert sempre se sentava à poltrona que ficava ao lado. Por mais que o alemão tentasse disfarçar e agir naturalmente, sua preocupação era delatada nos mínimos atos, estes despercebidos.

Em outra oportunidade, mencionei que havia desencarnado há 3 semanas e 2 dias. É possível explicar melhor.

No dia 17 de março, desencarnei. Do dia 17 até 23, Francis acreditou que eu estava vivo e poderia acordar a qualquer momento. Permaneceu no hospital, recebendo visitas diárias de amigos e parentes, incluindo os meus. Levando em conta que desencarnei no mesmo dia e permaneci mais tempo no hospital mesmo assim, é possível deduzir o que aconteceu comigo.

Quando conheci Roderich Edelstein, ele era apenas um professor do Departamento de Ciências Biológicas. “Apenas”, devo dizer, o cientista mais admirado dentro da instituição. Por algum motivo, sua história era bem conhecida. Roderich havia cursado dois anos de Medicina, mas decidiu abandoná-la e se graduar em Farmácia. Logo mais, especializou-se em Fisiologia, tornando-se doutor em Neurofisiologia. Não demorou para que, de professor, Roderich subisse ao cargo de diretor de seu departamento.

Apesar de nunca termos sido íntimos, Roderich era, para mim, uma das melhores pessoas para conversar. Tinha um excelente conhecimento tangente a ciências humanas e também música. De forma geral, ele podia conversar sobre tudo.

Em nossa última conversa, estávamos bebendo chá. Distantes do refeitório e outros lugares frequentados por discentes e docentes, dividíamos uma mesa isolada de uma das cafeterias do campus. Era ao ar livre, a sombra proporcionada pelas árvores no início da tarde. E a temperatura era perfeita.

Falávamos sobre a complexidade do ser humano.

Roderich disse que, há um tempo, a ciência acreditava que o ser humano tinha 100 bilhões de neurônios; e que, no entanto, uma equipe de pesquisadores brasileiros havia provado que, na realidade, eram 86 bilhões.

“Existem mais conexões entre neurônios em nosso cérebro do que estrelas no universo”, Roderich disse enquanto observava, ao lado, o farfalhar das folhas. Acompanhei seu olhar, sentindo uma leve brisa balançar meus cabelos.

“Conhece a morte cerebral, Arthur?”.

Já havia ouvido falar, mas não parado para saber mais. Provavelmente, em algum programa de TV. Um filme, talvez.

“Algumas coisas são incompressíveis. Como pode? Uma pessoa sofre um acidente e tem morte cerebral. É levada ao hospital e durante dias seu corpo, ligado às máquinas, aparenta ser igual ao de uma pessoa em estado de coma. Seus pulmões estão funcionando. Seu fígado, seus rins, seu pâncreas. Seu estômago, seus intestinos. Seu coração... Continua a bater. Uma pessoa em coma pode acordar. Uma pessoa com morte cerebral, todavia... Não. E não há nada que possamos fazer. Os familiares e os amigos rejeitam as palavras dos médicos, dos enfermeiros, de todo o hospital. Mas, pense comigo, Arthur, no que você iria preferir acreditar? Nada visível prova que a pessoa está morta. Aparentemente, ela está viva e saudável, esperando o melhor momento para acordar. Até que, pouco a pouco, os órgãos vão parando de funcionar. O paciente já estava morto desde o primeiro dia, mas seus parentes e amigos lhe acompanhando estão, lentamente, morrendo”.

Apesar de ter mencionado meu nome, era como se Roderich estivesse falando consigo mesmo. Notei que havia apertado as próprias mãos, cerrando os punhos sem se dar conta. Seu olhar era instável, como se, a qualquer instante, pudesse desatar em lágrimas; quanto a isso, não passou de impressão minha.

No dia 19, Roderich foi ao hospital.

Não disseram a Francis, mas Roderich, após poucos minutos, percebeu.

O sistema renal havia parado.

Minha morte foi decretada no dia 18. Deixei o hospital no dia 23 e pela tarde fui enterrado. Havia retornado ao pó.

A reitora alegou que daria a Francis o tempo que fosse necessário. Logo, indeterminado, e que não deveria se preocupar quanto ao retorno às atividades. Durante uma semana, Francis quis ficar sozinho. Em respeito, ninguém lhe incomodou. Após os sete dias, passou a aceitar as visitas. Desde então, Antonio e Gilbert lhe visitavam quase diariamente.

Estamos no dia 9 de abril.

― O que há de errado com ela?

De imediato, nem Antonio tampouco Gilbert entenderam. Francis então gesticulou para a poltrona desocupada, dando a entender que se referia ao fato do alemão não estar a usando. No entanto, desde a primeira visita, que ocorreu em 31 de março, Gilbert estava usando o sofá. A intenção era deixar Francis no meio, podendo ser acolhido por ambos os lados. E só então Francis comentava a respeito, pois não havia notado antes a mudança que tantas coisas expressava.

Mesmo assim, ninguém respondeu. Inicialmente, Antonio e Gilbert se entreolharam, como se, por pensamentos, perguntassem um ao outro o que deveria ser feito. Sem ter certeza de ser a melhor escolha, Gilbert levantou-se, acomodando-se na poltrona. Nada foi dito. Francis nada demonstrou, apenas desviou o olhar após longos segundos.

― Você acordou agora? ― Antonio rompeu o silêncio, percebendo o imediato alívio por parte do alemão.

Francis se remexeu no sofá, escorando-se parcialmente no ombro de Antonio.

― Sim.

― Está com fome?

A resposta se deu por uma espécie de apito oriundo da cozinha. Era o barulho que a geladeira fazia quando a porta era mantida aberta por mais de um minuto. Francis havia se esquecido de fechar. Gilbert levantou-se e rumou ao cômodo, alegando que não havia problema. Voltou rapidamente, tomando cuidado para não parecer apressado em retornar. Quanto mais tentava disfarçar, mais transparecia que estava nervoso e preocupado.

― Não ― Francis aproximou-se ainda mais de Antonio, acomodando-se melhor. O movimento permitiu que parte de seus cabelos caísse ainda mais sobre sua face. Seu tom de voz havia saído mais baixo, talvez pela resposta ter sido abafada pelos fios cobrindo sua boca.

― Eu e Gilbert vamos cozinhar alguma coisa, tudo bem? Você precisa se alimentar mesmo que não sinta vontade. Pode acabar ficando doente.

Àquela altura, eu já havia me esquecido da presença de Alfred. Lembrei apenas porque lhe vi sair de perto de mim e se situar ao lado da poltrona ocupada por Gilbert, como se quisesse ter outro ângulo do que acontecia. Assistia em silêncio, assim como eu.

Gilbert não havia sequer encostado as costas na poltrona, mas se ergueu um pouco mais depois das palavras de Antonio. Sabia que o espanhol estava certo, mas temia pela reação de Francis. Estavam há dias naquela situação, mas nunca era a mesma coisa.

E se Gilbert já estava nervoso, ficou ainda mais quando Francis repentinamente lhe olhou e em seguida disse:

― Vem aqui, por favor.

Sem entender, o alemão obedeceu.

De um lado, havia Antonio. Do outro, Gilbert. E entre os dois, Francis segurou em uma mão de cada um, permitindo que seu corpo novamente abandonasse as forças para se manter erguido. Fez com Gilbert o mesmo que anteriormente havia feito com Antonio: escorou-se ao ombro. No entanto, dessa vez, foi escorregando até ter todo seu tronco sobre o colo do alemão. Mesmo assim, não havia soltado Antonio. Após rápidos instantes, passou a soluçar. Antonio e Gilbert se entreolharam com os olhos já marejados. Era automático o efeito que o sofrimento do melhor amigo causava em ambos.

Francis chorava alto. Era desesperador. A dupla se esforçava para se manter firme, mas se tornava cada vez mais difícil.

Repentinamente, Francis se ergueu. Levantou-se sem nada dizer, rumando à cozinha e deixando Antonio, Gilbert, Alfred e eu sem entender. Logo, o barulho de uma rolha abrindo foi ouvido. Gilbert foi o primeiro a se mover, quase tropeçando nos próprios pés, correndo em direção ao cômodo em questão. O espanhol lhe acompanhou, assim como eu e Alfred.

A intenção de Francis era encontrar um temporário escape no álcool. E sem se importar em estar sendo bruto, Gilbert arrancou a garrafa de vinho de suas mãos sem pensar duas vezes. Francis não podia se embebedar. Definitivamente, não podia. Quanto tomasse o primeiro gole, não seria capaz de se controlar e beberia até não aguentar mais. A dupla o conhecia bem.

― Me devolve, Gilbert...

O tom de voz era sério, mas Gilbert não se abalou. Percebendo que não iria ter a garrafa de volta, uma expressão zangada tomou as feições de Francis. E algo que eu nunca imaginei que poderia acontecer, aconteceu.

Francis estapeou, com toda força que tinha, o rosto de Gilbert.

De imediato, arregalei os olhos. Antonio fez o mesmo, permanecendo estático. Um novo silêncio se instaurou.

A primeira vez que Gilbert recebeu um tapa foi quando tinha 16 anos e sua mãe encontrou um cigarro escondido em meio a suas roupas. Além da possibilidade de estar optando por um caminho errado, danoso e geralmente sem volta, era o irmão mais velho e carregava o peso de poder influenciar Ludwig.

A mãe não era muito forte, mas, afinal, o que mais doeu foi vê-la chorar logo após o ato, tentando lhe bater.

E a segunda vez foi naquele momento, logo após tirar uma garrafa de vinho das mãos de um de seus melhores amigos.

A expressão zangada no rosto de Francis foi, pouco a pouco, esvaindo-se. De repente, a ficha caiu e não acreditou no que havia feito. Voltou a chorar de imediato, implorando para que Gilbert lhe perdoasse. O alemão deixou a garrafa sobre o mármore do balcão e abraçou Francis, alegando que estava tudo bem.

O rosto de Gilbert ainda ardia. Como era albino, as marcas dos dedos estavam mais nítidas ainda. E realmente ardia, ardia demais. Todavia, não havia como ter raiva de Francis. Tudo que ele fizesse naquele estado era justificável.

A tarde se seguiu. Quando parou de chorar, Francis dormiu no sofá; a cabeça sobre Gilbert e as pernas sobre Antonio. Acordou pouco mais de uma hora depois, aceitou comer alguma coisa e adormeceu novamente. Voltou a acordar quando já era tarde da noite, mais uma vez procurando por álcool e sendo impedido pela dupla. Desatou em lágrimas e dormiu soluçando, tendo os cabelos afagados por Antonio.

Nesse dia, Antonio e Gilbert dormiram ali. A bem da verdade, nenhum descansou. Ambos velaram pelo sono de Francis, certificando-se de que nada iria acontecer.

Alfred não ficou comigo até o final do dia. Desapareceu quando Francis acordou pela segunda vez, sem me avisar.

Desde meu desencarne, aquele havia sido, definitivamente, um dos piores dias para Francis.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu nem tenho palavras para Les Voyages de L'âme. Na realidade, acho que não tenho palavras para nenhuma música do Alcest. Como tem na bio do ig deles: music from another world. Deixo aqui o link da música no YT, mas também está disponível no Spotify e etc

https://www.youtube.com/watch?v=e8g9QncPOk0

Então, vou só dar mais uma palavrinha. Se você não curte ouvir a recomendação durante a leitura, eu também aceito com muito amor que ouça só depois rs acho importante para entrar na atmosfera da fanfic e essas coisas, mAS, como já dito, apenas uma recomendação

Quanto à informação sobre a equipe de pesquisadores brasileiros
Para quem ter interesse, este é o artigo original:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19226510

E esta é uma matéria (em pt) da Fapesp sobre o artigo:
http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/02/23/n%C3%BAmeros-em-revis%C3%A3o/

No mais, obrigada a você que leu até aqui!
Nos vemos no próximo ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Liberté" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.