Paixão à Deriva escrita por Bibelo


Capítulo 1
Mea Makamae


Notas iniciais do capítulo

Boa noite (ou madrugada), como estão?

Ah, finalmente consegui terminar essa história! Estou há exatos dez dias escrevendo ela e nossa, foi difícil tirar do papel porque estava tão travada depois da minha apresentação da banca do TCC (passei, ainda bem) que não tava conseguindo focar, mas finalmente dei um final para essa one IMENSA!

Espero que goste da temática, Vivi ♥ No caso, usei alguns dos temas que me pediu como: "Inimigos que se apaixonam", "Pirataria", "Yaoi" e "Final Feliz".

Então leia tranquila que não fui má e tem final feliz ruehurherue

Enfim, espero de coração que goste dessa história longa desses dois personagens que comecei a amar loucamente!

Ah, o nome do principal (o pirata) se pronuncia: A-na-KEE-la.


Boa leitura!



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— 1 —

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Mea Makamae

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“Mea Makamae”, do havaiano para tesouro;

 valioso; valorizar; 

manter na memória.

 

Há vários tipos de contos marítimos, muitos deles oriundos de bardos ou bêbados em suas alucinações mais caóticas; nunca confirmadas ou validadas nos anos que se seguiram e parte delas tornaram-se lendas piratas. 

Ainda assim, há aquelas onde somente os piratas da época de ouro presenciaram com seus olhos feitos extraordinários tornarem-se mitos; os monstros marinhos tão grande quanto navios pesqueiros; tempestades devoradoras de ilhas e seres mitológicos emergindo de suas profundezas. 

Poucos foram aqueles que deslumbram de suas maravilhas, e ainda menos os que se deleitaram de suas riquezas. As lendas se tornam reais quando à deriva, e os mitos ganham vida.

Para alguns piratas, encontrar seres mitológicos lhes trariam riquezas desmedidas, fartos em suas preciosidades únicas, e portanto, tornou-se entre os desleais uma meta. Perseguir seres considerados inexistentes, mergulhados na mente dos bardos e suas criatividades ofuscantes. 

Para aquele que encontrar um deles, metade humano e metade peixe, Aycayía como chamados nos mares caribenhos, teriam a chance de exigir tesouros escondidos e guardados por tais bestas. 

Piratas já se encontraram com tais beldades, e a maioria deles foram levados para o fundo do mar, afogados em sua perversidade e mistificação. 

Ainda que consideradas lendas, piratas de todo o Caribe seguiam rastros de suas existências mesmo que a morte os aguardassem do outro lado. 

Anakila não foi exceção.

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Observando o horizonte com uma luneta de prata, revestida de tecido já gasto pela maresia, o Capitão mantinha-se na polpa com os olhos atentos à rebentação nas pedras pontiagudas por onde passavam. Manteve a luneta em riste enquanto guiava seu navegador pelos caminhos sinuosos da fenda. 

Durante meses havia mapeado caminhos baseados em histórias ao redor dos mares onde sereias foram vistas pela última vez, locais com desaparecimento em massa de piratas e pescadores desavisados; barcos naufragados sem explicação e sobreviventes convictos de terem sido seduzidos por sereias.

Foram longos meses de pesquisa antes de achar um ponto de convergência, onde os casos eram inexplicáveis e em sua maioria sem sobreviventes. 

Era uma viagem suicida, Anakila sabia, mas tanto ele quanto sua tripulação estavam dispostos a encarar aquele lugar esquecido pelos deuses atrás de suas riquezas inestimáveis. 

A fenda do Kraken, um dos pontos dentro do triângulo de bermudas onde navio algum saia inteiro de suas águas. Ao longe, contos diziam ser possível ver o vestargar de seus tentáculos nas pedras altas que escondiam seu interior; os açoites explodindo na água salgada.

Aquele era, sem dúvida, o local onde acharia sereias em suas águas.

Fechou sua luneta retirando os dreads de seu ombro, olhando por sob o chapéu os tentáculos tão temidos, longe, bem longe, mas o suficiente para sufocar o convés silencioso. 

Piratas são barulhentos, agressivos e em sua maioria infiéis, e vê-los paralisados com a visão fez o Capitão sorrir traiçoeiro. Ajeitou suas mangas, expondo suas tatuagens na pele negra como a noite, o desenho de uma besta marinha afundando navios em suas águas perturbadas. 

Sua tatuagem sempre foi vista como mau agouro pelos piratas, mas para ele era uma espécie de desafio contra os folclores de seu povo, contra a besta devoradora de navios. Os tentáculos no horizonte e os desenhados em sua pele alargaram seu sorriso. 

— Parece, senhores, que chegamos. — comentou Anakila,  seu tom ácido retumbando no silêncio plácido do navio: — Hoje faremos história nos mares. Nenhuma besta mitológica vai afundar nosso navio, não concordam?

Os homens entraram em sua conversa, seus rostos transformando-se em expressões ambiciosas. 

— Quanto tempo até chegarmos à fenda? — inquiriu Anakila ao navegador. 

— Antes do pôr do sol. — respondeu desviando das pedras pontiagudas dispostas naqueles mares: — Qual o plano?

— Capturar o que o Kraken guarda. — disse o Capitão descendo para o convés, seus homens o seguindo com os olhos: — Carreguem os canhões, juntem barris de pólvora do convés e deixem as redes prontas. Vamos dar algo explosivo pra essa besta do mar.

Todos gritaram em concordância, correndo pelo navio para fazer o que lhes foi mandado. Anakila apoiou-se na amurada do navio encarando a fenda se aproximar letárgica. 

Convicto do que fariam, se deixou aproveitar da maresia e do sol da tarde antes do ataque à criatura. 

Antes de mudarem a história. 

☠ 

Seria pouco dizer que o plano não saiu como o esperado. 

Chegaram na fenda antes do pôr do sol, com a estrela iluminando o mar e criando sombras nas rochas lapidadas pela rebentação. 

A entrada da fenda era coberta de destroços de navios piratas e mercantes, carcaças do que um dia foram tripulações inteiras. No centro da fenda, onde deveria ter um imenso Kraken devorador de embarcações, havia algo ainda pior que fez Anakila travar no lugar. 

Redemoinhos são impossíveis de se evitar, afinal.

☠ 

Anakila tossiu o resto da água presa em sua garganta, o sal sufocando sua respiração entrecortada enquanto apoiava os braços nas pedras lascadas sob seu corpo. Olhou ao redor, seus olhos ardendo e latejando, a vista embaçada pelo quase afogamento. 

Seu navio havia sido destroçado, devorado pela força da água sorvedora, e seus homens junto de seus restos. Seus ouvidos zumbiam, o cansaço finalmente o acometendo depois daquela tentativa de sobrevivência vã. 

Se deixou despencar sobre as pedras lascadas e desconfortáveis, fechando os olhos e deixando que a noite o fizesse acordar de volta em sua cabine no aconchego de seu navio de segunda mão. 



Acordou com o sol contra seu rosto em seu nascer. Resmungou raivoso, virando-se para o lado a fim de sair da reta da luz, mas a dor em seu corpo o fez despertar daquele topor. Apoiou-se nos braços erguendo metade do corpo tentando se situar. 

Estava à deriva, em uma das rochas distantes da fenda, mas conseguia ver dali os tentáculos d´água enganando seus olhos ao emergirem contra as pedras. Trincou os dentes, sentindo-se tolo por cair em algo tão ridículo. Redemoinhos eram comuns no Triângulo das Bermudas, e deveria ter se lembrado disso quando ouviu os rumores sobre a fenda. 

Tantas buscas feitas em longos meses para, miseravelmente, naufragar ao lado de um dos pontos menos visitados do mar. Morreria ali em menos de dois dias pela falta d'água e de comida. A força daquela correnteza não o permitiria nadar atrás de suprimentos, não fundo o bastante. 

Resmungou dolorosamente sentando-se com as pernas submersas. Encarou o céu, o mar ao seu redor, as pedras altas e cortantes e resfolegou. 

Gritou profanações das mais perversas, insultando deuses e homens; amaldiçoando sua busca por seres mitológicos. 

Segurou os cabelos entre seus dedos, puxando-os com força, sentindo a dor diminuir suas frustrações pouco a pouco. Estava acabado, derrotado, e sem nenhuma possibilidade de sobrevivência naquele fim de mundo. 

Ficando naquela posição por muito tempo, Anakila desejava somente que tivesse afundado com seu navio em uma morte digna de um Capitão. 



O meio do dia se aproximou, o sol alto e escaldante em sua pele exposta ardia e incomodava, mas o calor era intenso demais para permanecer vestido. Retirou a camisa ficando sem nada além da calça — as botas há muito descartadas. Observava o horizonte letárgico, sua vista perdida na imensidão azul de céu e mar mesclando-se. 

Era muito cedo para alucinar com o mar, ele sabia, mas via algo se aproximando por sob a água cristalina, uma imensa cauda rasgando seu caminho até Anakila, com uma barbatana protuberante em sua superfície. Apertou os olhos, recolhendo as pernas. Não, não tinha como ser ilusão. 

Retirou seu punhal do cinto, pronto para atacar o que quer que fosse — possivelmente algum animal marinho curioso com o cheiro de seu sangue seco. 

A movimentação da água desapareceu, a forma submergindo para longe de sua vista. Anakila manteve a posição de ataque, os braços rígidos contra seu corpo. 

Então algo emergiu da superfície, algo que roubou o fôlego de Anakila no momento em que cruzou com olhos azuis tão claros quanto o céu de verão. 

Seus olhos, com certeza, foram a primeira coisa que viu, destacados e brilhantes em sua pele acobreada. Logo depois seu cabelo azul marinho e longo, tão longo quanto sua cauda na mesma tonalidade; as escamas reluzindo a luz do sol como ouro e jóias preciosas; o escuro que pintava seus braços dos cotovelos à ponta de seus dedos, como tinta fresca em sua pele. 

Membranas cobrindo suas orelhas e dedos, e os dentes cerrados como de tubarões foram o que despertaram Anakila de que aquilo era o que ele procurava, era o mito se tornando real sob seus olhos. 

Aycayía. — sussurrou incrédulo, observando aquele ser tombar a cabeça para o lado, analisando-o com curiosidade. 

Travou o maxilar para aquele achado, que ao mesmo tempo era surreal e odioso. Sua feição transformou-se em furor. 

Rosnou para o tritão, dentes trincados. O sereiano franziu a tez afastando-se rapidamente quando Anakila tentou acertá-lo com a adaga. 

— Cai fora daqui! — gritou enraivecido, o rosto ardendo pelo ódio: — Isso é tudo culpa sua, seu merda! Saia!

O tritão não pareceu entender, ainda o observando de onde estava, sua cauda dançando ao seu redor, calmo e sereno. Anakila o odiou ainda mais. 

Pegou uma das lascas de pedra ao seu redor jogando em sua direção. O tritão desviou, observando-a afundar no oceano. Olhou para Anakila repreensivo desaparecendo da superfície. 

O Capitão resfolegou uma, duas vezes, antes de desabar nas pedras, incrédulo com o que acabara de ver.  

Eram reais, todas as histórias de sereias e suas maravilhosas, a beleza exótica e perigosa que inflamou sua pele ao simplesmente vê-lo riscando as águas do mar. 

Anakila precisava de mais do que alguns minutos para digerir aquilo. 

Sempre acreditou nas lendas de sua terra, nas histórias de piratas e nos mitos que faziam do mar seu lar. Mas ver um pela primeira vez, tão próximo que poderia tocá-lo lhe causou um sentimento amargo. Se são todos reais, como ninguém nunca os via? Os afogamentos e seduções que sempre achou serem invenções dos loucos aconteceram?

Afastou-se um pouco mais da beirada, em total alerta. Se aquela coisa retornasse o arrastaria para o mar? O devoraria como um animal sob as águas?

Sentiu um calafrio percorrer seu corpo apertando o cabo da adaga entre seus dedos. Não tinha como ouvi-lo se aproximar, não com a correnteza que o redemoinho criava há sua frente, sequer com a força das rebentações nas pedras. 

Respirou fundo analisando o mar, esperando que aquela coisa perdesse o interesse e fosse embora. 

A água a sua frente se movimentou e o tritão emergiu uma segunda vez. Anakila aprumou-se, a adaga em riste. O tritão inclinou-se para trás e em seguida recebeu uma concha bem no meio de sua testa. 

Anakila recuou dois passos massageando o ponto onde foi atingido. Franziu o cenho para a concha, mas logo recebeu outra em seu ombro, e mais outra. Ergueu os braços para se defender dos ataques do sereiano. 

A última coisa a acertá-lo doeu mais que as outras e tilintou ao cair nas pedras. Anakila olhou para baixo vendo um cantil de água feito de metal. Pegou o objeto esperando que tivesse água doce ali dentro, e para sua sorte o cantil estava fechado e cheio. 

Olhou de volta para o mar, para aqueles olhos zangados de um sereiano ofendido. 

Anakila bufou lhe mostrando o dedo do meio, sem se importar em ofendê-lo ainda mais. O Tritão submergiu novamente, desta vez não retornando. 

O Capitão escorregou para o chão bebendo da água doce do cantil, matando parte da sede que sentia. Guardou o resto para depois, precisava racionar para que durasse alguns dias ao menos. 

Recostou as costas na pedra, longe da beira com a adaga em mãos e as pernas cruzadas. 

Seria uma noite longa em clara, com aquele sereiano por perto nenhuma tranquilidade viria em seu descanso. 



Anakila descobriu que o tritão tinha um gosto em jogar coisas em sua pequena pedra. Começou com as conchas e o cantil — óbvia vingança pela pedra que lançou nele antes —, mas logo restos das embarcações começaram a aparecer. 

Pedaços de madeira, anzóis, um colete despedaçando-se e peixes, muitos peixes. Anakila encarava os animais se contorcendo nas pedras, recém lançados à superfície sem nem precisar que o tritão saísse da água para saber onde jogá-los. 

O Capitão estalou a língua, consternado. 

— Minha pedra é seu lixão particular, seu peixe de merda? — resmungou incomodado jogando o lixo de volta. 

Pegou o peixe em mãos, contorcendo-se em seu aperto. O jogou de volta ao mar, cruzando os braços. 

— Não sou seu bichinho pra sair me alimentando, pode esquecer. — recusou-se duramente, devolvendo ao mar todos os peixes que o tritão lhe dava.

Ele não pareceu se incomodar no começo, mas na décima vez que devolveu os animais para a água o tritão apareceu diante dele, a feição incomodada. Anakila arqueou a sobrancelha, desafiando-o. 

O tritão lhe mostrou o peixe, como se explicasse o óbvio. 

— Não vou comer isso, esqueça. — disse convicto, ainda que seu estômago assobiasse de fome, doendo de forma incômoda. 

O sereiano o encarou por longos momentos antes de lhe jogar o peixe no colo uma última vez. Anakila bufou se livrando do animal. 

— Já disse que não vou comer nada que me der! — bradou raivoso, perdendo a paciência: — É demente? Não entende?!

O tritão pareceu se irritar ainda mais, batendo a cauda contra a água. Mergulhou novamente, visivelmente estressado. 

— tsk! Vê se não volta desta vez. — comentou deitando-se contra as pedras, acostumando-se com o incômodo nos cortes abertos: — O que ele pensa que sou? Aceitar coisa de sereias? Pode estar enfeitiçado até onde sei. 

Virou a cabeça para a água, em conflito. Seu estômago reclamou novamente, ansiando por aqueles peixes jogados ao mar. 

Ponderou tentar capturá-los ele mesmo, mas não entraria na água com um tritão, correndo o risco de ser afogado e devorado ali mesmo. 

Suspirou profundamente. 

— Vamos ver o que me vence, a fome ou a teimosia. — murmurou sem forças dormindo mais uma vez, cansado da exposição constante ao sol caribenho e da fome que o deixava doido. 



Acordou assustado ao sentir um peso estranho contra seu peitoral. Sentou de súbito encarando um punhado de peixes amarrados com algas. Anakila quis xingar com todas as suas forças aquele tritão teimoso!

Pegou os peixes para devolver, mas percebeu que estes não se mexiam. Os soltou então observando os animais. Estavam mortos e limpos, como se aquele ser místico tivesse retirado as entranhas e entregue o peixe com suas partes comestíveis.

Anakila não tinha problema em comer peixe cru sem limpá-lo, sempre faziam isso em alto mar, era algo comum mesmo em seu vilarejo quando mais novo. Limpar peixes era coisa de continentais. 

Mas aquilo foi feito com cuidado. O pirata conseguia ver o gesto como preocupação daquele ser. Fosse confiável ou não, não poderia mandá-los de voltar para o mar como fazia com os vivos, seria desperdício de comida. 

Irritado por perder aquela disputa besta, Anakila soltou um dos peixes das amarras comendo-o cru, engolindo da carne pegajosa. Viu o tritão em sua visão periférica, observando-o comer do que lhe ofereceu. 

O Capitão fechou a cara, fingindo não saber que estava sendo observado. 

Era humilhação demais por um dia. 

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A água acabou dois dias depois. 

Conseguiu racioná-la por mais tempo do que imaginou, e os peixes que o tritão lhe dava diariamente o mantiveram saudável, mas a insolação o estava matando e a falta d’água seria seu fim. 

Sentia seu corpo queimar, arder como brasa. Sabia que estava com febre, e provavelmente sofrendo de uma forte exposição ao sol. Sem água para se manter hidratado morreria bem mais rápido do que o esperado. Mesmo sendo alimentado como um cachorro pelo sereiano, uma febre não tinha solução. 

Anakila resolveu mergulhar na água um pouco, regular a temperatura corpórea e suavizar o ardor de sua pele. Era arriscado, sabia, com o tritão por perto o tempo todo, sondando-o, mas precisava sobreviver o máximo possível e para isso tinha que evitar o sol. 

Conseguiu uma sombra atrás de sua rocha, com um ponto para se sentar e fugir do sol mais alto do dia. Era desconfortável, metade de seu corpo submerso e o sono pela febre o ameaçava de tempos em tempos. 

Se manteve fresco durante boa parte da tarde, voltando para a rocha ao anoitecer, agradecendo pelo tritão não ter aparecido naquele dia. 

Deitou-se na pedra, sentindo seu corpo tremer de frio, ardendo como nunca. 

Ficou tempo demais na água. 

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Acordar no dia seguinte foi uma tortura, uma batalha para abrir os olhos e mexer seus membros doloridos. O sol não dava trégua, e sentia sua garganta rasgar pela sede, suplicando por alívio. 

Anakila se forçou a se virar um pouco, mudar de posição, dando de cara com o tritão tão perto que precisou prender um grito na base de sua garganta. 

O sereiano o encarava com curiosidade, os olhos azuis hipnotizantes nos seus, os cabelos flutuando na água ao seu redor, expondo as guelras em seu pescoço. Sentia o cheiro do sal em seus cabelos, via a beleza exótica que gritava perigo em todo seu corpo, paralisando-o. 

Não conseguiu desviar o olhar, sequer se mexer para se afastar daquela coisa. Era como se estivesse preso, confinado à seus olhos fendados. 

O tritão manteve o contato visual, tombando a cabeça para o lado, ponderando algo. Em seguida furtou seu cantil d’água desaparecendo no mar. 

O pirata soltou o ar, ofegante. Aquilo foi desesperador, como se parte de sua alma tivesse sido roubada pelo sereiano. Sentiu como se fosse se afogar, ser arrastado para o mar e destroçado vivo. 

E o mais aterrorizante é que teria o seguido se ele chamasse. 

Conseguiu se mover afastando-se da beirada, seu coração em frenesi, o pânico borbulhando em seu peito. Anakila estava surtando, desesperado para esquecer aqueles olhos em sua mente, mantê-los longe de suas lembranças.

Escondeu o rosto nos braços, fora da vista do oceano e do ardor do sol. Encolheu-se, pela primeira vez naqueles cinco dias, se deixando levar pelo medo que sentiu quando viu aquele monstro pela primeira vez. 

Que se dane seu orgulho. 

Seu corpo não parava de tremer, mesmo quando acalmou-se com o passar do tempo. 

O barulho da água o fez prender o fôlego, com medo de encarar o que tinha emergido do mar. Ouviu a coisa se aproximar, bem mais perto do que ousava antes. Tocou nas pedras, ouviu pequenas rochas se soltando da base bem próximo de seu corpo. Um único esticar do braço do tritão seria o suficiente para puxá-lo pra água e estaria feito, seria mais um entre os vários piratas a serem mortos por sereias sem conseguir contar sua história. 

Esquecido no mar inóspito. 

O barulho de algo de metal sendo colocado na pedra o fez afastar os braços o suficiente para ver o que acontecia. O cantil foi colocado à sua frente, o tritão o observando com cautela. 

Junto do objeto havia um punhado de plantas e uma gosma dentro de uma concha. Anakila não teve coragem de encará-lo nos olhos, mas retirou os braços pegando o cantil cheio. Sentou-se com dificuldades provando da água. 

Era doce. 

Arregalou os olhos observando o sereiano que se mantinha no mesmo lugar, tão perto que se tornava surreal. 

— Onde conseguiu isso?

Ele continuou a encará-lo, como se o incentivasse a tomar da água. Anakila não pensou duas vezes antes de o fazer, sorvendo do líquido como se sua vida dependesse daquilo. 

E de certa forma dependia. 

Suspirou satisfeito, terminando o cantil em um alívio incomum. O tritão abriu um sorriso pequeno, um levantar de lábios, satisfeito. Esticou a mão, como se pedisse pelo cantil de volta. Anakila encarou o objeto depois a mão escamosa do tritão, e resolveu lhe devolver; principalmente se fosse encher de água. 

O sereiano o pegou, empurrando as algas para ele, apontando para a boca. Anakila concordou com a cabeça e pareceu ser o suficiente para o tritão soltar uma lufada de ar satisfeita e submergir para longe. 

O pirata pegou das plantas comendo-as com certo asco. Algas eram viscosas e não muito saborosas, mas as comeu mesmo assim, engolindo com força. Não sabia porque sua alimentação passou de peixes para algas, mas não questionaria o tritão àquela altura. 

Ele retornou logo depois, o cantil cheio colocado com cuidado ao seu lado. Pegou a coisa gosmenta na concha, apontando para sua pele. Anakila franziu o nariz, sentindo o cheiro enjoativo daquele emplastro. 

— O que é isso? Pra que?

O tritão cruzou os braços, nem um pouco aberto para discussões. O pirata bufou, pegando um punhado daquilo e passando na pele queimada. Sentiu um alívio quase instantâneo, soltando um suspiro involuntário. 

O tritão sorriu outra vez, contentamento alastrando-se em seu rosto acobreado. Se afastou devagar, nadando de costas para longe da pedra. 

Anakila o seguiu com o olhar, encarando as coisas que tinha ali consigo, mordendo a língua e engolindo seu orgulho. 

— Valeu. — agradeceu ao sereiano, sentindo-se estranho. 

Há pouco estava em pânico com a presença dele, e agora o agradecia por mantê-lo vivo. Era surreal. 

O tritão se virou para ele, curiosidade estampada em seu rosto. 

— Então sabe ser educado. — comentou o tritão, a voz melodiosa invadindo seus ouvidos tão acostumados com o silêncio do mar: — Pensei que só soubesse arremessar coisas. 

Anakila arregalou os olhos, em choque. O tritão riu, piscou-lhe o olho, e então desapareceu no fundo do mar. 

☠ 

Por três dias manteve aquela rotina de algas, muita água e emplastro. Por longos e torturantes dias se deixou ser cuidado pelo tritão, ainda que relutante em ficar muito tempo próximo — o que parecia ser recíproco. 

Tentou se comunicar com ele nos dias que se seguiram, mas foi confrontado pelo silêncio todas as vezes que pensou ter sido uma alucinação pelo mar. Porém, sua voz aveludada o perseguia noite e dia, ansiando por ter um contato melhor, conseguir se comunicar de verdade depois de dias em total isolamento social.

Conseguia se sentar sem dificuldades, a força nas pernas retornando e o ardor de sua pele desaparecendo aos poucos, suavizados pelo emplastro que passava diariamente.

Sentia-se bem melhor, e se viu disposto a tentar uma abordagem direta com o sereiano, ao menos para agradecer apropriadamente, mas palavras não tiravam nada dele então precisaria de outro método. 

O tritão não iria mais aparecer naquele dia, não antes do pôr-do-sol que parecia ter se tornado sua rotina diária. 

Anakila pegou sua adaga, o anzol que foi jogado ali há um tempo cortando a linha de sua extremidade, e as conchas espalhadas pelas pedras. 

Abriu um buraco em cada uma, passando a linha por elas com delicadeza, trabalhando com cuidado para não quebrá-las. Era um serviço delicado e que precisava de ferramentas ainda mais suaves, mas a adaga teria de servir. 

Se lembrava de quando era criança no vilarejo em Maui ajudando sua mãe com o artesanato tradicional da vila. Colares, brinquedos, brincos, todos feitos de conchas recolhidas da praias coloridas. Faziam tantas coisas com elas, cada um deles único com sua cor exótica e brilhante. 

Anakila sempre se divertiu com sua mãe naqueles tempos pacíficos há muito deixados para trás quando abandonou o vilarejo em cinzas; quando a pirataria se tornou sua única casa. 

Desde então não tocou mais em conchas ou peças artesanais. 

Ainda tinha mão para aquilo, percebeu, ao terminar de passar a linha do anzol por todas as conchas, fechando o ciclo daquele colar cintilante. Sorriu orgulhoso de seu feito guardando sua adaga e tomando um gole de sua água fresca. 

Suspirou satisfeito limpando a boca com as costas das mão, olhar perdido na espuma do mar, no pôr-do-sol sempre tão lindo e de tirar o fôlego. Apoiou os braços para trás, sacudindo as pernas nas águas cálidas da fenda. 

Sentia-se menos aprisionado depois daqueles três dias. Não estava acostumado com a presença do sereiano, não iria se iludir quanto à isso, mas parte dele aceitava que ele estava ali e que não lhe faria mal. 

Não confiava, mas nenhum predador espera sua presa se curar — muito menos ajudá-la — para depois dar o bote. Na pior das hipóteses era um passatempo até o tritão se cansar de brincar com o humano e desaparecer por completo. 

Aí sim, estaria condenado. 

Se ao menos soubesse de onde a água vinha poderia tentar sobreviver sem ele, mas o tritão somente sorria quando fazia perguntas, e enchia o cantil quantas vezes fossem necessárias sem reclamar. Nenhuma resposta, nenhuma palavra.

Anakila iria enlouquecer sem dialogar com aquele sereiano. 

Algo se mexeu na água e o pirata não precisou olhar para saber que o tritão havia voltado com mais um punhado de algas para que comesse, e desta vez veio com alguns peixes. Sorriu para o gesto, mas recolheu as pernas da água. 

Confiança não faz parte do código pirata. 

— Então voltamos pros peixes? — questionou Anakila passando o dedo pelo animal morto e as algas em volta: — Pensei que ficaria nas plantas por mais tempo. 

O tritão negou com a cabeça apoiando-se em uma pedra há um metro da sua, distante o bastante para uma fuga de emergência, mas perto o suficiente para causar calafrios no pirata. A parte de cima de seu corpo emergia da água, mostrando onde sua pele terminava e as escamas da cauda começavam. 

Era uma visão surreal, descrita em livros de ficção e pinturas de artistas alucinados. Era lindo, admitia. 

Arrancou um pedaço da alga jogando na boca, mastigando pelo que pareceram horas antes de criar coragem para lhe entregar o colar. Pegou a peça afastando a adaga do caminho. 

O barulho da arma pareceu deixar o tritão em alerta, afastando-se da pedra. 

— Calma, não vou te atacar! — garantiu erguendo as mãos em sinal de paz. O tritão estreitou os olhos mantendo-se longe. Anakila pegou o colar mostrando-o para ele: — Eu fiz isso, para agradecer. Não tenho nada mais pra oferecer, e mesmo se tivesse ouro não acho que seja útil no fundo do mar. 

O tritão aproximou-se então, atento à suas mãos, olhos vidrados e aterrorizantes analisando-o. Anakila tentou manter a compostura quando as mãos escamosas e frias — muito frias — tocaram em sua pele ao pegar o colar de conchas. 

Ele se afastou para a mesma pedra, observando o presente com cuidado. Passou a ponta dos dedos pelas conchas, pelos cortes e no conjunto que formava. Abriu um sorriso colocando o colar por cima dos cabelos, observando o contraste do brilho claro com sua pele escura. 

— Não sei se vocês costumam usar essas coisas, mas foi o que consegui fazer com o lixo que jogou aqui há alguns dias. — continuou a falar, atropelando-se nervoso: — Eu só-- Não vou pedir desculpas por como agi antes, ainda estou angustiado com a situação toda, e estar à deriva não é a melhor coisa do mundo. 

O tritão o encarou intensamente, ouvindo o que dizia com atenção. 

— Bom, não sei mais o que falar, só-- Obrigado por me manter vivo, ou sei lá. — concluiu se virando para o peixe, decidindo colocar um pouco de proteína no organismo. 

— As sereias usam adornos. — o tom melodioso apareceu novamente, fazendo o pirata se virar assustado para o tritão. Ele estava falando? 

— Como?

O tritão passou a mão pelas conchas com interesse incomum. 

— Sereias se enfeitam para chamar a atenção, serem atrativas. Ou os que moram nas profundezas, dentro das cidades. Lá é comum o uso dessas coisas. — respondeu com mais detalhes, encarando-o nos olhos: — Nômades não têm esse luxo. 

— Nômade? — questionou curioso: — Você não mora aqui?

O tritão riu: — Moro. 

Anakila bufou: — Certo. 

— Minha espécie é de nômades, as cidades não nos pertencem. — concluiu afastando-se da pedra, nadando de costas para longe: — Coma direito e durma. Amanhã será menos quente, tem chuva se aproximando no horizonte.

O pirata concordou observando ao longe as nuvens se formando, pesadas e escuras. Voltou o olhar para a água, mas o tritão já havia ido embora levando consigo as perguntas que Anakila ansiava por fazer. 

 ☠

A chuva não caiu naquela noite, mas o céu escureceu dando um pouco de trégua do sol escaldante. O mormaço ainda estava lá, mas sem ter o sol direto em sua cabeça lhe dava um sentimento de alívio. 

Aproveitou para se banhar no mar, tirar aquele peso do suor da noite e aproveitar o frescor da manhã que a água possuía. Mergulhou um pouco, observando os corais no fundo, as cores do mar se mesclando umas às outras. Não havia peixe algum nadando por perto, mas conseguia ver a correnteza da água sendo puxada para o redemoinho. 

Dali era fácil ver sua prisão entre duas correntes fortes; literalmente ilhado.

Segurou-se nas pedras subindo para a superfície, jogando os cabelos para trás. Agradecia pelos dreads, ou teria um ninho na cabeça àquela altura. 

Subiu na pedra tomando do resto da água do cantil e comendo das algas que haviam sobrado. Quando o sol atingiu seu pico o tritão apareceu com mais plantas nas mãos e o colar de conchas no pescoço. 

Anakila apreciou o gesto, mas evitou de sorrir e demonstrar isso. 

— Cantil. — pediu o tritão. O pirata lhe jogou na água. 

O sereiano rolou os olhos mergulhando novamente. Anakila respirou fundo sem vontade alguma de comer mais algas. Sentia que iria virar um peixe se continuasse assim. 

Não demorou muito para o tritão voltar com seu cantil. Anakila o pegou esperando ficar a tarde inteira sozinho como tem passado os dias, mas o sereiano se acomodou na pedra, desta vez subindo nela, o corpo inteiro para fora vendo pela primeira vez a forma de sua cauda. 

Era escura, um azul profundo com pontos cintilantes em suas escamas, como o céu estrelado em sua noite mais clara. Era longa, curvando-se nela mesma, com a barbatana na base comprida e larga, mais clara que as escamas, mas com vincos escuros sustentando-a. 

Era deslumbrante. 

Mas daquela forma conseguiu ver três barbatanas a mais, duas nas laterais e uma nas costas, grande e torcida como a de um predador temido por qualquer coisa viva que nade pelas águas do mar.

Nunca pensou que sereias possuíssem barbatanas de tubarão em suas lombares. 

— Pensei que fosse um peixe. — comentou então, deixando escapar seus pensamentos. 

O tritão o encarou sem entender. 

— Sou um tritão. 

— Tá, isso eu sei, mas você é metade peixe e mesmo assim parece um tubarão. Por que?

O tritão riu alto, jogando a cabeça para trás expondo suas guelras em seu pescoço e o colar de conchas. Anakila arqueou a sobrancelha não vendo graça em sua pergunta. 

— Uau, vocês piratas realmente não sabem de nada. — zombou o tritão divertido, ajeitando a cauda em volta da pedra, confortável: — Não me surpreende tanto assim, ainda bem que não sabem. 

Anakila bufou cruzando as pernas.

— Vocês são todos diferentes um dos outros. — continuou o tritão, gesticulando levemente com a mão: — Altos, baixos, tom de pele, cabelos. Nunca são iguais, por que nós seríamos?

O pirata ponderou. Fazia sentido, mesmo que a ideia dele ser metade tubarão o deixou ainda mais apreensivo. 

— Então tem sereias que são tubarões?

— Sou um tritão. — relembrou. 

— Tanto faz, mas vocês são assim? Golfinhos também entram nisso?

O sereiano rolou os olhos, como se achasse aquilo um absurdo. 

— Não realmente, mas eu sou das profundezas do oceano, tão fundo que nenhum humano conseguiu chegar. — comentou, olhar vidrado nos olhos âmbar do pirata: — Pelo menos não vivo. 

Anakila estremeceu. 

— Normal que eu me pareça com predadores. Precisa ser um para sobreviver nas fendas. — admitiu ácido, como se aquele fato em específico não fosse intimidador o bastante. 

Se antes tinha receio do tritão agora podia dizer que ele era mais perigoso do que imaginava; um predador que sobrevivia nas profundezas dos monstros mais perigosos. Não era à toa que sua presença e seu olhar vítreo o deixassem aterrorizado. 

— Inclusive esta fenda?

O tritão suavizou o olhar. 

— Não tem predadores aqui. Tubarões não entram em nossos territórios. A água é tão segura quanto poderia ser para vocês. — ressaltou com tranquilidade, mas Anakila não compartilhava dela. 

— Sereias são complicadas. — não tinha mais nada para dizer, então ressaltou o óbvio. 

O tritão bufou, consternado. 

— Ikeeil. — falou claro e aberto para o pirata. 

— O que?

— Meu nome. Melhor do que me chamar de sereia. — respondeu apoiando o rosto em suas mãos: — Ikeeil. 

— Er… Ok, mas como você pronuncia isso? Parece um espirro. — ralhou o pirata recebendo um olhar divertido do tritão. 

— Í-kee-iíl. — soletrou calmamente, esperando que o pirata assimilasse a palavra estranha. 

— Ikeeil, certo. — repetiu o pirata com calma. Levaria um tempo para dizer seu nome sem tropeçar: — Anakila.

O tritão sorriu fechando os olhos e apreciando a brisa contra seus cabelos longos. Anakila o admirou um pouco, as escamas que cobriam seu torso, ombros, antebraço e algumas em suas maçãs do rosto. 

Sempre que olhava para Ikeeil via algo a mais, algo diferente nele; encantador. 

Mas sempre que seus olhos faziam contato com os azuis fendados do tritão o encanto se quebrava, transformando a admiração em pavor. Desviou o olhar bebendo da água do cantil, em silêncio. 

— O que veio fazer aqui? — inquiriu Ikeeil com curiosidade, mas algo em sua expressão parecia dizer que ele sabia bem o que piratas buscavam em áreas remotas como aquelas. 

— Tesouros, como sempre. — respondeu dando de ombros. 

— Hm. — murmurou pensativo, brincando com uma mecha de seu cabelo liso: — Você disse que eu era o culpado pelo seu naufrágio. 

Oh.

Anakila aprumou-se: — Bem, estava atrás de uma sereia e dizem que elas habitam regiões como estas, com monstros por perto. Chamam esse lugar de Fenda do Kraken e, bem, não é à toa. 

Apontou para os tentáculos d’água que emergiam das pedras altas de tempos em tempos. Ikeeil seguiu com os olhos antes de soltar uma risada. 

— Não seja tolo. — disse divertido, como se aquele fato fosse um absurdo: — O Kraken não gosta da superfície, ele vive em fendas submersas. Quando o vir é porque está caçando. 

Outro estremecer passou por sua coluna.

— Urgh. Bom saber que todos que vieram até aqui morreram por nada. — cuspiu amargo deitando-se na pedra, absorto naquilo. 

Várias vidas foram perdidas naquelas pedras por tolos seguindo rastros de monstros — principalmente o Kraken — e sendo levados para o fundo do mar por um erro terrível: achar que conhecem sobre os monstros. 

Não tem como saber nada sobre eles, e por isso nunca são capturados.

— Quantos navios afundaram aqui? — Anakila resolveu perguntar, ainda que saber não era algo que realmente queria. 

Ikeeil ficou em silêncio um tempo, tão perdido em pensamentos quanto ele estava. Mantiveram-se assim por longos minutos, antes do tritão suspirar. 

— Perdi as contas. — respondeu baixo: — Você foi o único que consegui salvar. 

Anakila ergueu-se, choque estampado em seu rosto. Ikeeil não o encarou mantendo os olhos no horizonte. 

— Você me colocou aqui?

Ele concordou: — Consegui te tirar da correnteza antes que a pressão te esmagasse. — respondeu calmamente: — Mas era o único que estava fora do navio quando ele foi devorado pelo mar. 

O pirata perfilou-se, sem saber como reagir aquilo. Foi salvo pelo tritão, não uma mas duas vezes. Nunca tinha pensado em como fora parar no topo daquela pedra sem nenhuma fratura, já que pensou ter sido arremessado até lá. 

Aproximou-se de Ikeeil que se afastou por instinto. 

— Por que me salvou? Sou um pirata, sabe disso. 

O tritão endureceu o olhar. 

— Ainda é um ser vivo. Pode não pensar o mesmo sobre nós, mas não somos monstros, Anakila. — respondeu rígido descendo da pedra: — A chuva vai chegar em poucas horas, vou ver se acho algo para fazer um abrigo. 

O pirata não teve tempo para responder antes que Ikeeil desaparecesse no mar. Suspirou então observando o céu escurecendo pouco à pouco. Realmente seria uma chuva violenta. Passou a mão pelos cabelos, pensamento distante. 

Ikeeil definitivamente não era como os contos diziam. 



— Certo, preciso que você ache algo para eu amarrar essas coisas. — Anakila disse enquanto colocava algumas tábuas mais inteiras na parte superior de um dos lados de sua pequena ilha de pedra, fazendo um abrigo. 

Tinha o que precisava para fechar-se bem ali dentro, mas nada para mantê-las unidas. 

— Como o que? — questionou Ikeeil observando-o ajeitar os materiais com curiosidade genuína: — Algas?

— Não são fortes o bastante. — replicou sério: — Corda seria bom, mas não sei se teria alguma inteira. 

— Posso procurar. — respondeu mergulhando atrás de algo. 

Anakila equilibrou as madeiras, conseguindo achar fendas na pedra para deixá-las de pé, mas as cordas manteriam elas unidas mesmo com a força do vento que já soprava impiedoso. 

Havia linhas de anzol perdidas nas pedras que serviram para amarrar uma parte do abrigo, mas a outra ainda estava solta à mercê da chuva. 

Ikeeil demorou para voltar, e as primeiras gotas começaram a cair. Sabia que não dava para ouvir a chuva do fundo do mar sempre calmo, mas esperava que o tritão percebesse à tempo. Guardou algumas coisas dentro do abrigo — ainda sem o teto — para não perder com o vento e a água colidindo nas pedras. 

— Aqui! — avisou o tritão ao emergir da água. Anakila deu um salto pelo susto, mas pegou as cordas de Ikeeil. 

Não estavam muito firmes, mas eram várias e seriam úteis por enquanto. Amarrou as partes faltantes do abrigo enquanto a chuva caía cada vez mais forte. Ikeeil manteve-se por perto, de vigia, observando-o terminar e entrar, escondendo-se da chuva com sucesso. 

Sorriu para ele. Humanos eram muito bons com as mãos, tinha que admitir. 

— Vai ficar na chuva? — inquiriu o pirata, torcendo a camiseta molhada. 

— Gosto da chuva. — admitiu sorrindo ainda aberto: — Mas vou pro fundo. Até amanhã, Anakila. 

— Até, Ikeeiiil~

O tritão riu desaparecendo na água turbulenta. 

 ☠

A chuva não durou muito e os dias se passaram tranquilos. Já havia perdido as contas de quanto tempo estava naquela situação, mas a presença constante de Ikeeil e suas conversas diárias era um alento para seu sentimento de solidão. 

Se sentavam de frente um para o outro e conversavam banalidades, a maior parte do tempo sendo Anakila a manter o diálogo, e passavam boa parte da tarde na companhia um do outro. 

Ikeeil jogou a cabeça para trás, numa risada divertida. 

— Vocês não fazem a menor ideia de como o mar funciona, nossa! — ralhou negando com a cabeça: — Borda do mundo-- hunf. 

— Ah é? Se o mundo não tem bordas, onde ele termina? — inquiriu sério, afinal sempre acreditou que se navegasse por muito tempo, além dos continentes, cairia da beirada do mundo. 

Ikeeil inclinou-se para frente em sua pedra: — Ele não termina, é eterno. 

Foi a vez de Anakila gargalhar. 

— Eterna? Tudo tem um fim. 

— Não nosso mundo, não as águas do mar. — explicou com suavidade, querendo que ele compreendesse o seu ponto: — Nadei por essas águas, e acredite em mim quando digo que nunca encontrei nenhuma borda. Ela continua e continua, até você retornar ao mesmo ponto. 

— Retornar? — comentou espantado o pirata: — Como se ela desse a volta em si mesma?

Ikeeil sorriu: — Exato. Se nadar em linha reta por longos e longos dias vai voltar ao mesmo ponto. Não existe uma borda, um final, e por isso é tão vasto. 

Anakila se calou assimilando aquilo. Aquelas histórias da terra ser redonda não poderiam ser verdade, não é? Era coisa de cientistas malucos, mas se até um sereiano estava confirmando aquilo poderia ser verdade. 

— Então, como se chega no tártaro?

— Morrendo. — respondeu simplesmente e os dois riram.

— Certo, você venceu essa. — comentou apoiando-se para trás, a maresia o embalando na calmaria: — Hoje estaria ótimo para nadar. 

— Vá em frente. — ofereceu o tritão dando de ombros. 

Anakila tensionou os ombros. Entrar na água com ele? Poderia? Olhou para Ikeeil com insegurança. O tritão percebeu seu medo sorrindo reconfortante. 

— Sabe, não vou te puxar pro fundo, te afogar ou devorar. — disse com seu tom melodioso que o pirata secretamente adorava: — Posso ser um predador, mas não como humanos. É coisa de sereias. 

Anakila mordeu o lábio. Ikeeil não parecia ser perigoso, mas ainda tinha algo dentro dele que gritava de medo sempre que o encarava nos olhos por tempo demais; aqueles olhos que sempre o aterrorizam ainda que tão belos. 

Soltou o ar virando o rosto para a água. 

— Não precisa se forçar. — garantiu Ikeeil descendo da pedra: — Eu vou pro outro lado da fenda, não precisa entrar na água comigo. 

Seu sorriso foi gentil, mas tinha um fundo triste nele, uma decepção mascarada. 

Estavam conversando bem, se conhecendo há dias. Não sabia quantos, mas o suficiente para já ter se livrado de qualquer dúvida que tinha para com o tritão. Ikeeil acenou para ele se afastando, e num ato de coragem repentina Anakila entrou na água. 

Afundou de olhos fechados, o medo de abri-los e ver aquele monstro o atacando inflou seu peito com terror. Soltou o ar, as bolhas subindo e então espiou. Ikeeil o encarava distante, os olhos curiosos e preocupados. 

Ele não era um monstro. 

Aquele ser deslumbrante à sua frente não tinha nada de bestial. Seus cabelos estavam espalhados na água, domados como se pertencessem à ele; sua cauda, longa e fina, enrolando-se em torno do tritão, brilhando como mil jóias e pedras preciosas. 

E seus olhos não pareciam assustadores ali debaixo. 

Subiu para a superfície respirando profundamente. Bateu as pernas um pouco, puxou ar para os pulmões e desceu para o fundo. Ikeeil apareceu na sua frente, ainda curioso, nadando em torno do pirata. 

Anakila nadou na direção dos corais que tinha achado tão coloridos dias antes com o tritão logo atrás de si, sondando. Nadou em torno deles, observando Ikeeil se soltar um pouco, tirando a tensão do corpo, sua cauda parecendo ainda mais longa e viva. 

Ikeeil  sorriu para ele, um sorriso que irradiou por seu corpo, formigando sua pele. 

Voltou à superfície respirando fundo, seu coração batendo loucamente. Passou a mão pelo rosto, se virando ao tritão que apareceu ao seu lado. 

— Ainda acha que vou te afogar? — perguntou, um sorriso tenso em seu rosto. 

Anakila engoliu o bolo em sua garganta. Ainda tinha medo, admitia, mas ou vencia aquele medo ou se perdia nele. Estendeu a mão para Ikeeil. 

— Não consigo me aproximar dos corais muito fácil. — comentou evitando sua pergunta, mas para o tritão foi resposta o suficiente. 

Sentiu a palma fria de Ikeeil contra a sua, as escamas fazendo cócegas em sua pele. Apertou seu dedos sorrindo. 

— Segure a respiração. — e então ambos voltaram para o fundo.

Anakila sentiu seu corpo ser puxado para baixo, não tão rápido quanto imaginou, mas com mais fluidez. Chegaram nos corais e pode ver de perto as cores, as formas exóticas das plantas e moluscos. Haviam animais ali, mas nenhum deles grandes o bastante para caça. Onde quer que Ikeeil buscasse os peixes não era por perto. 

Soltou de sua mão nadando de costas, aproveitando a água e o silêncio. Fechou os olhos, batendo os braços e pernas com suavidade. 

Sentiu a proximidade de Ikeeil e a claridade lhe foi barrada. Abriu os olhos vendo o tritão acima de si, o assistindo; seus olhos vítreos nos dele. 

Esticou a mão para tocá-lo, tão perto que estava. Sentia sua cauda ao seu redor, como se o tivesse enrolado como uma cobra para o bote. 

Uma pequena parte dele o mandou se afastar, que estava a ponto de ser devorado, mas outra o fez se aproximar um pouco mais e tocar seu rosto. Ikeeil fechou os olhos pelo contato, inclinado-se na direção de sua palma. 

Anakila sorriu sincero. 

Percebendo que seu coração não estava frenético pelo medo. 



Anakila jogava algumas pedras contra a água, as vendo quicar na superfície cristalina algumas vezes antes de afundar. 

Era divertido nas primeiras vezes, mas estava naquilo há pelo menos uma hora esperando Ikeeil aparecer. 

Pela rotina que o tritão tinha, estava atrasado. 

Tinha percebido a tensão deles na água alguns dias atrás, ainda que tenham agido como se nada tivesse acontecido, Anakila conhecia aquele sentimento em seu peito, sabia o que era e não queria fingir que aquela intensidade entre eles não foi real. 

Ele é um tritão, e portanto sua natureza era a da sedução. Talvez para Ikeeil seja comum, algo que aconteça sempre com todos com quem entra em contato, mas para Anakila era sufocante a forma como se sentiu naquele dia e os dias que se seguiram. 

Angustiante talvez fosse a melhor definição ao ver o tritão agir com indiferença mesmo depois de ter aceito seu toque sabendo de sua intenção. 

Havia sido preso, enjaulado por sua cauda e seus braços, os cabelos longos mesclando-se entre eles. Extasiante igual a memória que revivia de novo e de novo. 

Suspirou pesado apoiando o rosto em sua palma, entediado. Queria vê-lo de novo. 

Era cômico como passaram de inimigos mortais para aquele sentimento ardente que sentia pelo tritão — ainda que nunca tenham sido realmente inimigos, só a raiva que direcionou à Ikeeil por sua falha como Capitão. 

Que nunca diria em voz alta, sem chance. 

Ikeeil emergiu da água, o sol reluzindo em suas escamas chamou a atenção do pirata que sorriu instantaneamente se aproximando, mas parou para observar o tritão. Ele o encarava com relutância, como se ponderasse no que fazer. 

— O que foi? — perguntou preocupado. 

Ikeeil mordeu o lábio erguendo sua cauda, mostrando um arpão preso em sua barbatana, o sangue escorrendo pelo metal pesado. Anakila ficou de pé, horrorizado. 

— Como isso aconteceu?! Onde você estava?

O tritão suspirou: — Cheguei perto demais de um navio um pouco distante daqui. Fui avistado e, bem, isso aconteceu. 

Anakila trincou os dentes: — Me diz que não pretendia atraí-los pra cá. 

O sereiano bufou: — Você precisa achar um jeito de ser resgatado, e nenhum humano viria para cá além dos suicidas. — relembrou gesticulando com os braços, a irritação de Anakila contagiando-o. 

— Poderia ter sido morto! Ou pior, capturado! 

— Eu sei, mas não é a primeira vez que apareço para humanos, Anakila! Eu sei como fugir, mesmo que saia machucado. — garantiu se virando: — Quer saber, esquece. 

— Não espera! — chamou de volta, agachando-se: — Precisa tirar isso de você, vai te machucar ainda mais. 

Ikeeil o encarou por cima do ombro, desconfiado. 

— Por que vai me ajudar?

Anakila suspirou: — Porque é minha culpa que se machucou, Ikeeil.

O tritão o observou nos olhos como costumava fazer quando atrás de respostas. Anakila fez seu melhor para não desviar o olhar. 

Por fim, Ikeeil concordou. 

Aproximou-se do pirata que lhe ofereceu a mão para subir em sua pedra. Aceitou de bom grado sendo puxado para cima, mas precisou ajudar com o braço livre por ter pelo menos o dobro do peso do pirata. 

Quando sentou-se na pedra chiou pela dor, o peso do arpão intensificado ao sair da água. Anakila se agachou ao seu lado observando o estrago. Estava pendurado pela ponta fazendo peso para baixo. 

Segurou a base de metal encarando Ikeeil que estremecia a cada movimentar da arma.

— Vou precisar empurrar o arpão inteiro para fora. O outro lado dele é liso e vai sair com facilidade, mas vai doer. — explicou acariciando sua cauda. 

Sentiu o sereiano estremecer, os olhos arregalados para ele em puro choque. O acariciou novamente tentando acalmá-lo. Ikeeil mordeu o lábio fechando os olhos. Concordou com a cabeça e essa foi a deixa para Anakila começar a se livrar daquela peça. 

Foi demorado, principalmente ao tentar evitar que fosse doloroso demais, mas sabia que estava sendo torturante para o tritão. Ao retirar tudo soltou o ar aliviado pegando a água do cantil e jogando no ferimento. Ikeeil recolheu a cauda pela ardência. 

— Desculpe, deveria ter avisado. — falou guardando o arpão longe: — Melhor ficar parado um tempo, para deixar que isso cure. 

Ikeeil concordou com a cabeça, o sorriso voltando para seu rosto. 

— Obrigado, Anakila. 

— Sem problemas, é o mínimo. — respondeu se sentando ao seu lado, as contas contra a pedra: — Não faça isso de novo. 

Ikeeil suspirou:  — Se eu não fizer nunca vai ser resgatado. Nenhum navio passa por aqui. 

Anakila se virou para ele, depositando uma mão em seu ombro, sentindo as escamas sob sua pele e a tensão do tritão. 

— Que seja. — disse sincero, sorrindo pequeno. Ikeeil se afastou, não aceitando aquilo. 

— Não tem como sobreviver aqui! Quando as tempestades começarem de verdade? Acha que aquele redemoinho vai ficar submerso se o nível de água aumentar? Aqui é perigoso, Anakila. 

— Mas também é se for atrás de piratas ou pescadores! Vai ser capturado e prefiro ficar aqui do que te ver em um aquário ou cortado em pedaços para ser vendido no mercado!

Ikeeil fechou o rosto virando-o para o outro lado. Anakila suspirou, passando a mão pelos cabelos. 

— Não posso deixar acontecer, entende? Eu morrer aqui não é o mesmo de você morrendo nas mãos de piratas. Meu sofrimento seria pequeno, o seu infernal. 

O tritão não respondeu, mas não parecia zangado, só chateado. Falar de morte não era seu tópico favorito, afinal, viu várias enquanto morava naquela fenda. 

— Desculpe ser duro, mas não tem como—

— Eu sei, entendo. — disse por fim se virando ao pirata, derrotado: — Só, não sei mais como te ajudar. 

— Já me ajudou o bastante.

Ikeeil negou: — Tem um lugar onde posso te levar. É um abrigo bom, mas chegar lá é complicado. 

Seu olhar seguiu para as correntezas, o redemoinho e os tentáculos d’água. Anakila o encarou.

— O quão difícil?

— A rota mais segura é por baixo d’água, mas você não teria fôlego para chegar lá. Morreria na metade do caminho. — disse fazendo contato visual, sondando seu rosto: — Quanto tempo pode ficar submerso?

— Alguns minutos, mas quanto mais esforço eu fizer na água menos tempo eu fico. 

— Certo. — disse pensativo soltando o peso na pedra à suas costas: — Se eu te puxar todo o caminho, acha que consegue?

— Está ferido. 

Consegue? — insistiu Ikeeil se aproximando dele. Anakila o encarou nos olhos concordando.

— Sim, se não fizer esforço e nadar rápido, sim. 

Ikeeil concordou voltando para a água em um salto. 

— Ei! Você está ferido! — repreendeu o pirata. 

— Recolha suas coisas, vou te levar até lá. — pediu então acelerando-o. 

Anakila quis rebater, mas no final acabou fazendo o que foi pedido. Não tinha muito do que guardar além dos peixes, o cantil, sua adaga e calçar suas botas novamente. Entrou na água sendo sondado pelo tritão. 

— Segure em minha barbatana, e puxe o máximo de ar que puder. — indicou apontando para a barbatana em sua lombar. 

Anakila não deixou de corar. Parecia um local íntimo demais para se tocar. Segurou com uma das mãos, sentido a cartilagem rígida contra sua palma. Era estranho. 

— Recomendo que feche os olhos. Fique bem próximo do meu corpo assim não vai colidir em nada enquanto guio. — disse sério, nem um traço de sorriso em seu rosto. 

— Não precisa se preocupar, vou ficar bem. 

Ikeeil abaixou o olhar: — E se não ficar?

O pirata negou esticando a mão até seu rosto acariciando com o polegar. Ikeeil enrijeceu ao toque. 

Vou ficar. 

Se afastaram então. Segurou firme na bartana, inspirou profundamente e fechou os olhos. No momento em que encostou seu corpo no de Ikeeil sentiu o impulso para baixo, a pressão contra seus ouvidos e a velocidade. 

Muito rápido. 

Era como uma correnteza, forte e arrebatadora, carregando-o para longe no fundo do oceano. Não arriscou abrir os olhos, mas sentia as curvas, as descidas e a cauda colidindo contra suas pernas arrastadas. 

Apertou-se ainda mais contra Ikeeil, sentindo seus pulmões contraírem, a pressão forçando-o a soltar o ar restante; induzindo-o a se afogar. 

O tempo não parecia passar, quanto mais rápido iam mais parecia que seria esmagado pelo mar, recusado em suas profundezas. 

Soltou o resto do ar que tinha, ficando à mercê do tempo. 

Iria se afogar!

Sentiu sua consciência se esvair à medida que a água adentrava em seus pulmões. Doía, queimava, e provavelmente lhe asfixiaria em pouco tempo.

Então emergiu do mar com força o suficiente para fazer sua cabeça doer e girar. Resfolegando pesado, seu peito doendo pelo ar que entrava com força em seus pulmões, a tontura o fazendo afundar novamente. 

Sentiu braços contra seu torso o segurando na superfície. Sabia que estava falando com ele, mas manteve os olhos fechados tentando recuperar a consciência, tossindo a água intrusa em seu corpo. Deitou a cabeça no ombro de Ikeeil soltando o corpo, sentindo-se seguro contra o tritão que o acariciava com delicadeza. 

Respirou fundo várias vezes até sentir que poderia abrir os olhos. 

Os cabelos de Ikeeil ocuparam sua visão, macios contra seu rosto; o cheiro de sal neles bem mais forte do que pensava que fosse. Apoiou as mãos nos ombros do tritão se afastando um pouco. 

Seus olhos ardiam pelo sal da água e do afogamento, mas conseguiu ver a caverna onde estavam. 

Era tão grande que formavam-se ecos com um simples gotejar da água das estalactites do teto. Era clara e ampla, com aberturas no teto que davam para a superfície. Havia uma grande área seca no fundo, com pedras altas e vários objetos de naufrágio. 

Sorriu cansado.

— Então é aqui o seu lixão? — inquiriu divertido. 

Ikeeil riu puxando-o para a borda: — Não é lixo se pode ser reutilizado. — respondeu o ajudando a sair da água: — Foi daqui que tirei esse cantil, estava guardado. 

— Oh? — exclamou desmoronando na pedra úmida, sorrindo largo: — Viu como deu certo?

— Você se afogou. — comentou ríspido, nem um pouco entusiasmado. Anakila o observou cruzar os braços, a preocupação estampada em seu rosto bronzeado. 

Abriu os braços para o tritão o convidando para a superfície. Ikeeil observou seus braços por longos momentos, mas saiu da água mesmo assim deitando a cabeça em seu ombro sendo envolto pelos braços fortes do pirata. 

— Deu tudo certo, disse que daria. — Garantiu acariciando seus cabelos longos: — Agora é descansar por dias, estou morto.

Ikeeil soltou uma risada erguendo-se do chão, observou o pirata com uma suavidade que fez Anakila relaxar sob seu olhar. 

— Bom, vou te deixar descansar. — falou em baixo tom se afastando.

Anakila o segurou pelo braço.

— Está ferido, não deve ficar nadando por ai. — repreendeu se sentando: — Fique até melhorar.

— Mas já está melhor—

— Impossível. Fique quieto enquanto eu acendo um fogo. — falou ficando de pé com dificuldade. 

— Mas… — Ikeeil tentou rebater, mas Anakila lhe afagou os cabelos o distraindo da conversa. 

— Gosta de peixe assado? — questionou curioso.

Ikeeil negou.

— Não sei o que é.

— Então está na hora de provar. — decidido, Anakila se afastou do Tritão pegando um punhado de madeira úmida e tentando colocar fogo nelas.

Ikeeil se acomodou nas pedras observando-o indo de um lado para o outro, curioso para o que fazia, mas em silêncio para não atrapalhá-lo. 

Em pouco tempo tinha a fogueira acesa, a roupa mais seca e os peixes na ponta de lascas de madeira finas servindo como apoio no fogo.

Ikeeil se aproximou do calor das chamas, mas assim que ficou muito quente tomou distância; não era agradável.

Anakila retirou a camisa e com sua adaga começou a cortar os dreads um à um. Ikeeil ficou chocado.

— O que está fazendo?!

— Cortando. — falou passando a lâmina por outra mecha jogando-a ao fogo: — Estava me incomodando. É só cabelo.

O tritão não pareceu concordar com isso, mas ficou em silêncio; diferenças culturais, afinal. Somente assistiu os dreads serem devorados pelas chamas do fogo enquanto os peixes começavam a cheirar bem, muito bem. 

Ajeitou-se próximo de Anakila quando terminou de se livrar das longas madeixas molhando a cabeça para retirar o restante. Ficou curto, na altura de sua orelha, mas estava charmoso e o encaracolado começou a se mostrar ao retirar o peso dos dreads. 

Ikeeil passou a mão neles, entretido, pegando o pirata de surpresa. 

— Está bem curto. — comentou alisando os cachos, uma curiosidade adorável aos olhos de Anakila. 

Inclinou-se em direção à mão fria do tritão o deixando acariciá-lo pelo tempo que quisesse. Seus dedos passavam pelo couro cabeludo, em movimentos circulares, tirando um suspiro satisfeito e confortável do pirata. 

Era um momento agradável aquele, protegidos da chuva e de qualquer surpresa que o mar possa trazer durante tempestades, tão próximos como nunca se permitiram antes; após longas semanas isolado naquela pedra contato físico lhe era um alento. 

Abriu os olhos observando Ikeeil que o encarava com o mesmo olhar afiado que tinha, analítico e rígido, devorando-o de fora para dentro. Engoliu em seco movendo o corpo lentamente em sua direção. 

Viu Ikeeil tencionar, não sabendo o que esperar de sua proximidade. Foi devagar, segurando seu braço suspenso sobre seus cabelos. Sentiu as escamas sob seus dedos, a frieza de sua pele emanando contra ele; seu rosto perto, tão perto

O tritão apertou os olhos antes de fechá-los por completo, permitindo que Anakila o beijasse nos lábios, sorvesse de seu gosto salgado e fresco como a maresia matinal. A tensão de seus corpos se rompeu como cordas, os permitindo aproveitar daquele momento tão íntimo; no toque de lábios tão singelo. 

Separaram-se então, os olhos azul celeste de Ikeeil tão brilhantes como jóias, as pupilas dilatadas lhe contavam mais que suas palavras sequer poderiam. Acariciou sua pele com o polegar, roçando a ponta de seus narizes, resvalando sua cintura com a ponta de seus dedos de sua mão livre. 

O beijou no rosto, no maxilar, desceu para próximo de suas brânquias antes de subir novamente parando na base de seu ouvido. 

— Ikeeil. — sussurrou em baixo tom tirando um arrepiar do tritão: — O que acha de passarmos essa noite juntos? Não precisa ir embora. 

Pediu com delicadeza, sem querer espantá-lo. Queria sua presença, saber que estariam juntos quando acordasse ao invés de se deparar em uma caverna sozinho e abandonado; com a ideia do tritão de deixá-lo para que ficasse confortável. 

Mas Ikeeil o deixava cômodo.

O sereiano enlaçou sua cintura, os dedos acariciando a base de sua lombar com curiosidade. 

— Não tem medo?

— De você? — inquiriu numa risada leve. 

— Não minta para mim, Anakila. — repreendeu Ikeeil, ainda que o sorriso em seu rosto o entregasse: — Sei que tem medo de mim.

Anakila negou: — Não mais. Eu tinha medo do que era, do que poderia fazer se quisesse. Mas aos poucos esse medo virou admiração. 

Afastou-se do tritão, envolvendo seu rosto com ambas mãos. 

— Você é incrivelmente belo. — admitiu carinhoso tirando um sorriso de Ikeeil.

— Hm, devo dizer o mesmo. — confessou lhe beijando no canto do lábio, provocativo: — Mesmo com todos os xingamentos e coisas que jogou em mim nos primeiros dias.

— Urgh-- Esqueça isso, vamos!

Ikeeil gargalhou: — Não, foi um começo interessante, não acha?

Anakila teve que sorrir o puxando para um abraço em meio a risadas bobas. Sentia seu peito quente, o calor tão forte que o aqueceu naquela caverna gélida. Apertou os braços em torno de Ikeeil com brandura, finalmente confortável naquela situação amargurante.

 Seu corpo era frio, mas confortável contra o seu; macio ao toque e calmante para sua alma turbulenta. 

Suspirou então, aliviado por enfim ter Ikeeil em seus braços. 



Ikeeil amou o peixe assado e Anakila fez questão de lhe dar um pouco de sua parte para o tritão após ver seus olhos praticamente brilharem de excitação com o sabor do animal. 



— Tem tanta coisa aqui. — comentou Anakila ao explorar a caverna coberta de restos das embarcações. 

— Tudo que pude resgatar no tempo que estou aqui. — disse Ikeeil sentando em uma das pedras, a cauda submersa na água: — Não sei o que você consegue usar ou não. 

— Hm, não muita coisa, mas dá pra aproveitar algumas. — respondeu com a mão no queixo, pensativo: — Aquela cratera com água doce é o tesouro dessa caverna. 

Ikeeil riu: — É realmente uma salvação. Sem ela já teria morrido há muito tempo, Kee. 

O pirata sorriu para o apelido: — Isso é. Mas por que guardou tanta coisa? Coleciona?

— Por necessidade. Se algum dos piratas tivessem sobrevivido e precisassem dessas coisas. — respondeu em baixo tom.

Anakila concordou com a cabeça voltando a observar aquele local, ao tanto de coisas que ali tinham. Não sabia há quanto tempo Ikeeil guardava as pilhagens, mas sabia que tinha sido o primeiro a sobreviver àquela força da natureza. 

Era um assunto delicado para o tritão, então deixou por isso pegando algumas caixas de jóias que ali estavam com pedras dentro, outras com adagas e até mesmo com vestimentas. Tantas histórias naqueles vestígios do que um dia foram tripulações inteiras; que desbravaram os mares até serem devorados por ele.

Suspirou voltando para onde Ikeeil se distraia com o movimento da água, sua cauda dançando em volta da pedra. 

— O que acha de um mergulho? — sugeriu a fim de quebrar aquela tensão. 

Ikeeil sorriu para ele escorregando para a água. 

— Tem um conjunto de corais aqui ao lado, que é onde pego os peixes, acho que vai gostar da vista. — comentou o tritão lhe estendendo a mão. 

Anakila a segurou descendo para o mar, roubando um beijo de seus lábios salgados. Ikeeil sorriu aproximando seus corpos para então fundarem, nadando em todo um do outro, as cores do fundo do mar estonteantes; pintados pelos próprios deuses em suas mais belas inspirações. 

Os peixes, a vegetação marinha, as correntezas dançando em torno do coral como se o protegesse fez Anakila ter uma visão diferente do oceano. Sempre o admirou, como a muito amava aquelas águas e sua magnitude. Mas nunca viu de perto suas belezas, o que a faz tão grandiosa. 

Ikeeil pegou em sua mão o puxando em direção a caverna novamente, caso precise de ar logo — o que de fato precisaria. Nadou para perto do tritão, enlaçando-o pelo pescoço tirando um sorriso largo de Ikeeil. Aproximou seus rostos o beijando calorosamente. Seus corpos colados um ao outro, a cauda de Ikeeil enrolando em suas pernas o mantendo próximo, roubando-lhe o ar que ainda tinha em seus pulmões em chamas. 

Não percebeu quando Ikeeil os levou a superfície, nem quando ar começou a encher seu peito o instigando ainda mais no beijo, aprofundando-o em lascividade pura. Sentia o afiado de seus dentes em sua língua, o corte em seus lábios e o sabor ferroso de sangue entre eles. 

Não se afastou, sorvendo aquele desejo tão forte pelo tritão, ansiando por mais proximidade. 

Ikeeil os separou, um sorriso satisfeito no rosto acariciando o corte em seu lábio, beijando a ponta de seu nariz. Anakila se deixou ser cuidado. Era um sentimento novo o de ser desejado e amado, não o tinha desde quando morava na sua vila com sua mãe quando criança. 

Era diferente aquela gana de querer ser tratado com zelo; beijos e toques delicados. 

Ah, aquele tritão estava estragando a parte ruim dentro dele. 



Ikeeil permaneceu sentado perto da beirada observando Anakila mexendo em parte das coisas que havia resgatado dos naufrágios. Sempre soube, desde o primeiro barco ao navegar por aquelas águas, que estavam atrás dele. Em algum momento souberam que uma sereia — ou tritão — vivia perto daquela fenda e a frequência de homens a morrerem por sua causa eram incontáveis. 

Sentia-se responsável, mesmo que nunca tenham o visto antes de suas mortes brutais. 

Sabia que queriam um tesouro, como as lendas mesmo contavam sobre riquezas que os sereianos guardam consigo; inestimáveis jóias que podem mudar a vida de um homem e condenar a de um ser dos mares. 

Era uma mentira e um fato. Sereias sabem onde cada tesouro se encontram por curiosidade e explorações aos naufrágios por onde passam. Conhecem cada segredo do mar, como domá-lo e como usar de suas riquezas. 

Mas eles não guardam tesouros, não lhe são importantes sequer valiosos. De nada lhes servem jóias cintilantes ou pedras tão belas quanto os próprios corais. Ikeeil conhecia alguns que se adornavam com pedras, decorando suas caudas e cabelos, mas não era comum e muitas das coisas eram feitas por eles mesmos. 

Objetos humanos eram proibidos nas cidades profundas. 

Por isso, ao dar conta de que Anakila era um dos piratas que o buscava e que tinha em mente a riqueza e a glória, resolveu que não teria problema lhe mostrar aquela caverna que foi usada por um homem há muito tempo; antes mesmo daquelas águas serem conhecidas pelos humanos e desbravadas pela ganância. 

Um pirata que morreu para esconder seu tesouro mais precioso dentro daquelas cavernas. 

E que Ikeeil permitiu que Anakila o encontrasse. 

☠ 

— O que você quer que eu veja, Ikeeil? — questionou o pirata indo mais ao fundo da caverna, perto de destroços antigos e apodrecidos pela maresia: — Aqui só tem coisas que provavelmente vão me deixar doente. 

— Não seja dramático. — rebateu o tritão jogado nas pedras perto do abrigo armado próximo a beira. 

Estava totalmente fora da água, a barbatana batendo na superfície da água, formando sons agudos que ecoavam pela caverna. Anakila rolou os olhos puxando os tecidos podres e as madeiras que se desfaziam ao toque. 

— Tsk-- Isso aqui é só lixo. — resmungou pra si mesmo empurrando as tralhas para longe: — O que eu tenho que achar nesse monte de tralh—

Parou de falar no momento em que viu o baú enorme escondido entre os escombros. Era totalmente de bronze e prata, com fechadura feita em dourado vivo. Estava coberto de pedras de sais e cracas em sua superfície. 

Puxou o baú para fora, observando-o com choque. Era imenso, e com certeza guardava coisas que sequer poderia imaginar. 

Olhou para Ikeeil que mantinha a atenção nas estalactites no teto da caverna, desinteressado. Voltou a observar o baú pegando a chave pendurada em uma de suas alças. 

Abriu o baú com ansiedade perdendo o fôlego ao vislumbrar o que havia ali dentro. Era inestimável. Aquela quantidade de ouro e jóias, até roupas de linho do mais fino e mapas nunca antes vistos. 

Brilhava com a luz do sol que entrava, suas cores dançando contra seu rosto. Era aquilo que buscou por tanto tempo, que ansiava ao arriscar sua vida — e perder a de seus companheiros no caminho. 

Respirou fundo sentando no chão de frente para o baú. Aquilo era surreal, não tinha como ter realmente encontrado, que seu tritão estava guardando um tesouro como as lendas diziam. 

Sorriu para isso, uma espécie de conforto ao ter tido a permissão de Ikeeil de achá-lo. Retirou as coisas maiores como espadas e mapas, algumas roupas muito bem cuidadas e de tecido confortável. 

— Já usou alguma dessas coisas? — sua pergunta assustou a ele mesmo. Claro que Ikeeil nunca usou roupas. 

— O que? — questionou o tritão se virando para Anakila, curioso. 

— Roupas, mas foi uma pergunta besta. — confessou deixando as peças de lado antes de voltar a vasculhar os tesouros ali dentro.

Era incrível, admitia, mas aquele achado pareceu ter perdido todo seu impacto inicial. Foi incrível achar algo daquela magnitude, mas ao mesmo tempo perdeu tanto para encontrá-lo que sua vontade por ouro estava se tornando a menor de suas prioridades. 

Que pirata incrível ele se tornou. 

— Hm, acho que fica meio grande. — comentou Ikeeil. 

Anakila se virou para ele, na intenção de dizer que ficaria grande e que as escamas iriam rasgar o tecido, mas perdeu a fala ao ver seu tritão de pé em duas pernas, as mãos segurando a peça com certa preocupação; a tez franzida em pensamento. 

Puxou o ar entre os dentes, chocado demais, tossindo seco ao se engasgar. Ikeeil já era deslumbrante, mas em forma humana tomava uma beleza exótica dos nativos caribenhos que tanto admirava. A pele escura com o colar de conchas destacando-se, os olhos puxados nos cantos — ainda em seu tom mais belo de azul — e os escuros cabelos longos e lisos, na altura de seu quadril, escorrendo por sua pele como um manto de seda. 

Era maravilhoso. 

— Ikeeil…?

O tritão levantou o olhar, sorrindo afiado. 

— Esqueci de comentar que posso andar em terra? — zombou divertido encarando a peça com afronta: — Eu definitivamente não sei nem por onde começar a colocar isso. 

Anakila gargalhou.



O lado de fora da caverna dava para o outro lado da fenda, longe das correntezas e de seus perigos. Dali via o belo pôr-do-sol sem ser por detrás de pedras, o horizonte limpo e infinito, e o som dos animais marinhos governando suas águas brandas. 

Inspirou o ar salgado apoiado em um barco que ali estava ilhado. Não estava na melhor das condições, mas com um pouco de concerto poderia usar dele e chegar em Tortuga em poucos dias. 

Era um pequeno barco à vela, e daria para os dois com tranquilidade. 

Observou Ikeeil nas roupas humanas, na camisa bege e a calça dobrada na altura de seu tornozelo. O sapato de cano baixo expunha sua pele escura e tão bela. Havia amarrado parte dos cabelos para cima, mas mechas volumosas escorriam por suas costas. 

Se aproximou do amante abraçando-o por trás. Ikeeil riu soltando o corpo contra ele, confortável. 

— Tem certeza que quer sair daqui comigo? — perguntou preocupado. 

Não sabia como Ikeeil lidaria com as coisas fora da fenda, e abandonar seu lar era uma das coisas mais difíceis de fazer, Anakila sabia disso. 

O tritão suspirou: — Sou um nômade, Kee. Eu vou onde preciso ir, e se me quer por perto, por que não te acompanharia? — explicou deitando sua cabeça para trás em seu ombro. Eram da mesma altura, mas gostava do conforto que Anakila lhe proporcionava: — Além de ter curiosidade sobre o mundo humano. 

— Não vai gostar do que vai ver. — zombou em tom leve, mas no fundo sabia que era verdade. Os humanos, principalmente os piratas, eram seres da pior índole possível, e certamente o devorariam vivo se descobrissem suas origens. 

— Talvez, mas só vou descobrir vendo. — respondeu se virando para Anakila, o encarando com aqueles olhos ainda tão profundos que lhe faziam arrepiar inteiramente: — Me mostre o que mais gosta, como passa os dias e as noites, o que odeia e o que gostaria de fazer. Me conte tudo, Kee.

O pirata suavizou, sorrindo amoroso para Ikeeil o beijando nos lábios. 

— O que quiser saber. Estamos juntos, não é?

Ikeeil riu: — Por quanto tempo ainda me quiser. — ronronou em seu ouvido, deitando a cabeça na curva de seu pescoço.

Anakila o abraçou mais forte observando o horizonte escurecendo com o entardecer, ouvindo o som do mar e o feixe de luz verde quando se pôs por completo, lhe entregando a noite em sua mais bela exposição. 

Se permitiu agarrar-se àquele momento, àquela felicidade em ter Ikeeil em seus braços e saber que tudo ficaria bem no dia seguinte, mesmo depois das semanas que passou ilhado e em pânico por seu naufrágio. 

Mesmo com o luto por seus amigos, e o abandono daquele tesouro que nada lhe acrescentava, Anakila estava satisfeito. 

E sabia que dali em diante seria ainda mais incrível e maravilhoso. 

Conhecendo o mundo novamente pelos olhos de seu tritão. 

 


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Notas finais do capítulo

Upa, foi isso! O que achou?

Ah, final feliz sempre né? ruehruehrue pelo menos por hora :v Agora lá vão os dois desbravar o mundo dos homens juntinhos, ou como minha marida disse " eles morando juntos numa casinha sendo pescadores pra viver e vivendo uma vidinha simples". Sei lá, só adorei isso ruehruehrue

O Anakila é muito gay pelo Ikeeil? Sim, totalmente reurheurh Toda hora que ele o via tinha descrição de sua beleza pq SIM. Tava caidinho pelo nosso tritão com sua beleza exoticamente assustadora.

Espero que tenha apreciado e que a leitura te deixou quentinha, porque eu simplesmente AMEI escrever ela ♥ Obrigada por me permitir escrever algo tão doce!! Melhor história pra fechar meu ano!

(Postei ela no spirit também, como todas as minhas histórias)

Até uma próxima!

Beijinhos~