Tô Nem Aí escrita por Youth


Capítulo 20
020. Tô Nem Aí




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Uma vez uma senhorinha meio bruxa romena, talvez seu nome fosse Anika ou Drismelza, me disse que não havia nada de errado em buscar a própria felicidade, antes de se preocupar com qualquer outro sentimento, pois só uma emoção maior pode superar uma emoção poderosa. Nunca compreendi exatamente a última estrofe daquelas palavras tão marcadas pela voz esganiçada de anos de experiência.

Talvez, pela inconstância dos anos que se passaram, sob a sombra fatal e avassaladora do impiedoso Açougueiro de Mônaco, e, mais tarde, preso a guarda obsessiva de Dominic, eu nunca havia percebido, de fato, como aquelas palavras resguardavam poder e esclarecimento sobre tudo na minha vida. Eu vivi sempre colocando minha felicidade abaixo de tudo que surgia na minha vida e isso trouxe consequências desgastantes, como uma grave crise emocional e de autoestima, bem como uma falta de confiança gritante e, provavelmente, uma dor na lombar que não ia sarar nem se fosse um vampiro típico dos filmes americanos, que se curam de absolutamente tudo – que inveja.

Anika, ou Drismelza, me deu de presente, também, um colar que poderia, misteriosamente, controlar o tempo e realizar os desejos mais íntimos do meu subconsciente. Todavia, o perdi no primeiro dia de viagem pela Europa, quando fomos a Sevilha. Ramona achou curioso o fato de que o medalhão havia retornado a seu país de origem e de lá não queria sair. Foi aí que comecei a enxergar o destino como algo além daquilo que a gente consegue imaginar, além das coincidências do momento. Não. O destino era algo maior, mais poderoso e que gosta de ser sádico, às vezes, convenhamos. O destino me fez viver tudo, me colocou no fundo do poço – você ainda me paga por isso destino – e me tirou de lá, me fez viajar, conhecer o mundo, conhecer homens, mulheres, fazer amizades, inimizades, abrir uma confeitaria e entrar numa crise de identidade, tudo para que eu, finalmente, pudesse acordar e viver pela minha felicidade, acima de viver por todo o resto. Um tapa na cara teria sido mais direto e ter efeitos mais rápidos? Provavelmente. Eu teria preferido? Não, pois, tudo que eu vivi se tornou parte de mim que nunca vou poder esquecer, pois me completa e me torna a pessoa que eu sou, cheia de defeitos, com poucas qualidades, mas com muita determinação... e com uma sede interminável por renascer, como uma fênix. Foi isso que o destino me trouxe também, aliás, a capacidade de sempre me reinventar numa nova forma de mim mesmo... Mas só quando um sentimento maior abalava um sentimento poderoso (O que nem sempre era tarefa fácil, inclusive).

Caramba... Eu mudei tanto nos últimos séculos que poderia ser dividido em quatro Alexei diferentes: o jovem inocente e apaixonado por um crápula, o vampiro sagaz que encarou seu algoz e fugiu com orgulho das garras da morte, o assassino impiedoso e de sangue frio que atormentou as pessoas de Mônaco e o marido perfeito, devotado à Dominic como uma dona de casa nos moldes do século dezenove. Me pergunto qual próxima faceta ei de ostentar... Só torço para que seja uma versão melhor que as anteriores.

No dia que decidi que não mais seria enganado por Dominic, após uma sessão frustrada no meu médico grisalho e de olhos cinzentos, ouvi uma música da minha playlist pessoal de grandes hits dos anos noventa/dois mil que fez meu corpo se arrepiar com a indelicadeza do destino de praticamente jogar na minha cara o que eu devia fazer, talvez cansado de mandar recados mais velados que eu não conseguir enxergar...

Aceitei meus erros, me reinventei e virei a página: agora tô em outra.

Eu, definitivamente, aceitei meus erros naquele dia junto de Ignácio Cruz... Depois de tanto tempo me cobrando a perfeição, me sentindo feio, velho, desinteressante, percebi que não havia ninguém perfeito e que exigir isso de si mesmo ou de qualquer outra pessoa era uma babaquice desmedida, sabe? Eu tenho erros, tenho defeitos... E são eles que me constroem como a pessoa que eu sou, oras.

Já a reinvenção veio depois de um puxão de orelha de Versa Coumarine. Eu sentia como se tudo convergisse para estragar todos os dias da minha vida de maneira descomunal. Sentia que era tudo culpa minha, inclusive, vendo os problemas de dez à vinte vezes maiores e mais inconstantes do que eram, aliás. E então a Versa me disse que eu precisava viver, não estar preso ao medo de fazer algo e esse algo dar errado... Afinal, o que eu tinha antes já era errado para caralho, por que devo ter medo de tentar alguma coisa e me frustrar, afinal? Antes já não era bom, pior não ficaria, no fim. Foi quando pintei meu cabelo de rosa glacê. Foi um ato simbólico, que para mim significou o momento que abandonava, definitivamente, o Alexei preso à Dominic, restando apenas me livrar as amarras do trauma, o que ficou para alguns capítulos a diante.

Só me faltava o terceiro passo: virar a página. Ah! Meu deus! E por onde começar? Caramba, viver é tão difícil. Eu, definitivamente, queria que Ignácio Cruz e Roman Medina fizessem parte de minha virada de página, de minha nova vida... Gostava dos dois numa mesma intensidade avassaladora e não queria, jamais, os magoar novamente, como fiz por conta das minhas dúvidas, no capítulo nove... mas... não sabia qual dos dois pertencia ao meu destino... Não sabia qual deles seria aquele que mudaria meu sentimento poderoso e com quem eu poderia renascer, novamente, e virar a página, como uma fênix. Uma fênix-vampira-confeiteira-potencialmente-sem-confiança.

Mas, bem, a história não começa e nem termina aqui e você sabe muito bem disso. Só queria conversar um pouco com todos vocês e agradecer bastante por fazerem parte da minha história. Dedico a todos vocês um delicioso bolo, cujo recheio é paixão, coberto de amor e acompanhado de boas doses de felicidade e alegria.

Alexei havia se arrependido de ter prometido que acompanharia a irmã à sorveteria, pois o sentimento conturbado voltava a pesar em seu coração e lhe transformar num ser sem qualquer resquício de confiança, preenchido quase que completamente por uma depressão gélida e sádica. Outrossim, era um dia extremamente importante para Ramona e ele não deixaria a sombra escura do próprio coração comandar suas ações e dificultar suas escolhas.

Ramona sempre esteve envolvida com uso de drogas pesadas, eram raros os dias em que estava completamente sóbria, isso desde a época em que ele era açougueiro de Mônaco e ela drogada da rua quinze. Alexei se questionou se essa época era, para irmã, tão obscura quanto era para si mesmo. Se perguntou se ela teve de se reinventar, mudar de sentimentos e ficar estagnada em alguma emoção poderosa... se teve, todavia, nunca deixou explícito. A maneira como os vampiros sentem é diferente para cada um, no fim, então se regrar de drogas e mergulhar num submundo da abstenção de sentimentos por conta do êxtase de algum ilícito talvez fosse a maneira Ramona de enfrentar a própria realidade sentimental vampírica.

"Estar estagnado" Alexei pensou e percebeu que havia tempos que não usava essa expressão. Talvez tivesse ouvido, de relance, os amigos falarem sobre por alto, mas não havia dado muita atenção, entorpecido pela própria tristeza. Sim! Fazia sentido, no fim das contas. Estar estagnado num sentimento era o que melhor explicava o fato dele não conseguir sequer ter mais de duas horas de alegria, sempre sendo apagado por um vazio inexplicável, amassado pelas inconsistências emocionais e jogado de lado por um auto-ódio extremamente avassalador. Se estar preso a um sentimento poderoso era a resposta sobre o que consumia seus dias, Alexei tinha certeza da profilaxia: se preencher por um sentimento maior ainda... Mas onde ele encontraria algo assim? Parecia tudo tão intocável, inalcançável. Ele se sentia odiado, sentia que machucava e atrapalhava os amigos, não gostava de si mesmo e odiava o vampiro que dividia a pele consigo. Como conseguir um sentimento mais poderoso que aquela depressão, vivendo numa maré cinza como a morte de sensações vazias e apagadas?

Não teve desculpa: Ramona veio no horário combinado, obrigou Alexei a vestir alguma coisa mais colorida que o normal e até ajudou a cortar algumas pontinhas dos cabelos rosados. A raiz escura voltava a surgir no couro capilar, fazendo Alexei pensar em que teria de pintar, novamente, pois o cabelo rosa já havia se tornado parte de sua personalidade, mais marcante até que o fato de que era um vampiro. Todos conheciam o confeiteiro de cabelo com cor de glacê, mas nem todos conheciam o vampiro que tinha uma confeitaria.

Contrariado, andando meio cabisbaixo e sentindo peso do mundo recair sobre seus ombros, com as pernas meio bambas, ameaçando ceder a qualquer instante, Alexei e Ramona foram caminhando, calmamente, pela rua, a caminho da sorveteria próxima à confeitaria. O vampiro sentia uma sensação constante de timidez e vergonha por estar dando as caras depois de tanto tempo, como se todos lhe olhassem e se questionassem "Meu deus, o que terá acontecido com baby Alexei?".

− Estou me sentindo estranho – Alexei disse à irmã, que riu baixinho e envolveu seu braço no dele – É serio.

− Nós somos vampiros que andamos no sol e comemos bolos de sangue, cara... Sempre seremos estranhos – Ramona afirmou. Até Alexei soltou um risinho – Sabe o que estava lembrando esses dias? Da Anika – e no fim ela se chamava mesmo Anika. A memória de Ramona era melhor que a de Alexei.

− Aquela bruxa? Sempre achei que chama Drismelza – respondeu. Ramona anuiu.

− Ela me disse uma coisa... Mas só pra mim – afirmou, com um ar misterioso e pensativo – Disse que quando chegasse o momento certo eu saberia o que aquilo significava... Nossa, isso me dá arrepios.

− E o que ela te disse? – Alexei questionou impaciente. Ramona sorriu.

− Que o destino conspirava para nós dois – respondeu, encarando o caminho à sua frente com um olhar confiante – Mais especificamente para você. Ela me contou que passaria por muita coisa antes de perceber tudo de bom que o destino te reservou... E que quando você finalmente encontrasse, eu encontraria também – contou. Alexei sorriu, preenchido por aquele calorzinho aconchegante do sentimento que aquelas palavras traziam. Lembrou-se de Anika e de como ela lhes cuidou como se fossem mãe e filhos, como ela foi especial e tentou lhe alertar sobre tudo que vinha a acontecer em sua vida.

− Ela me disse que não havia nada de errado em buscar a própria felicidade sempre, independente de tudo e todos – contou. Ramona concordou – Mas talvez eu não saiba mais o que é felicidade... – Alexei suspirou, entristecido, e encarou os próprios pés – No fim talvez eu nunca tenha sabido, na verdade... Ou, se soube, foram em pequenas doses... Como quando vivíamos com papai e mamãe, nos nossos dias com Anika, nos primeiros dias na Romênia... Nunca durou.

− Por que você sempre botava a felicidade de alguém sobre a sua própria – Ramona respondeu, parando na calçada e segurando o irmão pelo ombro – E isso é algo que eu enxergo, Alex, eu mesma fui uma das pessoas por quem você abdicou a felicidade, tal qual com o Nico, com Dominic... E agora... Você não percebe? Você está colocando sua felicidade abaixo da de todos os outros. Está se apagando da existência porquê algumas pessoas simplesmente não podem respeitar e amar quem você é – Ramona afirmou, com um olhar preocupado e compadecido. Alexei olhou ao redor, suspirou e tentou ser forte, mas sem sucesso, se atirando nos braços da irmã e a envolvendo num abraço molhado e cheio de lágrimas.

− Que lindo! – aquela voz veio acompanhada de uma salva de palmas lenta e irônica. Alexei se desvencilhou, assustado, do abraço da irmã e engoliu seco, diante da imagem do homem baixinho, de bigode e pele oliva, flanqueado por dois armários de terno, com carrancas assustadoras – Tocante! Bravo! Mas eu sinto estragar a demonstração de afeto: vim cobrar o que é meu por direito – Nimbus afirmou, irritado. Alexei tomou a frente da irmã e ficou cara a cara com seu algoz, não deixando nada, nem sequer a mais fria e assustadora das emoções, o impedirem de fazer tudo para proteger Ramona.

− O que você quer? – Alexei questionou, irritado. Nimbus riu.

− Meu pagamento. Vocês levaram o vampiro e me deixaram o caixão... Não gosto desses truquezinhos – afirmou. Alexei cerrou os olhos, desconfiado, mas nada disse, se limitando a segurar na mão de Ramona e caminhar para trás – E sem mais enrolação... Ou eu e meus amigos teremos que dar um jeito nisso.

− Nós... Precisamos... – Alexei tentou dizer, sem saber exatamente o que falar. – Como você sabe que ele, o Oliver, se tornou um vampiro? – questionou, confuso. Nimbus arregalou os olhos, surpreso, e coçou a nuca.

− Bem... Eu... é... – ele tentou dizer, sem saber exatamente o que – Houdine...

− Ele... é... – Houdine também não sabia o que dizer – Collor?

− Ah... – Collor sabia menos ainda.

Os três homens se entreolharam, confusos. Alexei revirou os olhos.

− Tudo bem – Ramona disse de imediato – Vocês querem meu sangue, não é? – Nimbus anuiu com um olhar diabólico. A vampira sorriu com um olhar sagaz – Vamos precisar de uma seringa. Na confeitaria deve ter, não é, Alexei? – questionou, cutucando o irmão como um pedido explicito para que ele confirmasse. Alex cerrou os olhos, desconfiado, e pigarreou.

− Sim, claro, temos... – mas não tinham. Nimbus, Houdine e Collor se entreolharam novamente, pareceram debater e concordar.

− Tudo bem – afirmou o mais baixinho dos três – Mas sem gracinha!

− O que você tá planejando? – Alexei sussurrou a irmã, enquanto mudavam de rumo em direção à Veludo Vermelho. Ramona olhou de soslaio para Nimbus e riu baixinho.

− Confie em mim – suplicou. Alexei engoliu seco.

Entraram pelos fundos da confeitaria a pedido de Ramona. Alexei se surpreendeu por ver uma grande quantidade de doces e bolos produzidos em larga escala aquele horário do dia, quando não devia ter mais que duas encomendas prontas, normalmente. As mesas estavam repletas de bandejas e caixotes, além de alguns balões nos cantos e o cheiro delicioso de biscoitos sendo assados. Havia um murmurinho de vozes vindo da rua, fazendo Alex se lembrar da manifestação que Dulla Swanna havia marcado naquele dia e sentir o coração murchar em tristeza ao recordar como era odiado, sem motivo, por eles.

Ramona começou a fuçar nos armários em busca da seringa que Alexei sabia que não havia ali. O vampiro se recostou num canto, meio cansado por conta da tristeza que ainda persistia em ferir seu coração, e suspirou, encarando Nimbus e os armários, enquanto eles roubavam indelicadamente alguns doces e guardavam nos bolsos.

− Sabe que só precisa pedir, não é? – Alexei questionou. Nimbus sorriu, envergonhado – Por que você quer tanto ser vampiro afinal? Tudo que eu quero é não ser, nunca mais, e você aí... Lutando com garras e dentes por isso – Nimbus deixou os doces de lado e suspirou, com um olhar amargurado e entristecido.

− Não é por mim – respondeu num tom entristecido – É pela mulher que eu amo. Me transformarei para transformar ela em seguida – disse, com certo orgulho acentuado nas palavras. Apesar de tudo, Alexei admirava a atitude Nimbus, fosse lá qual seus motivos para querer transformar quem ele ama em vampiro. No fim, suspirou, e voltou a encarar a busca infrutífera da irmã.

− Não tem nada aqui – Ramona afirmou, o que já era óbvio, enquanto colocava as mãos nos bolsos e olhava meio desapontada, forçosamente – Talvez tenha lá na frente, mano? – questionou. Alexei cerrou os olhos.

− Eu não sei... Talvez – supôs. Nimbus e os homens trocaram olhares desconfiados.

− Você vai e procura. Ela fica aqui comigo – Nimbus afirmou, encarando Ramona com um olhar extremamente desconfiado – Para garantir que ninguém fuja.

Alexei revirou os olhos, entediado, e anuiu, partindo para sua busca por algo que ele sabia que não encontraria.

− Puta que pariu? – Alexei disse, ao passo que questionou, ao abrir a porta.

Estavam todos lá: seus amigos, seus amantes, seu ex, o atual de seu ex, a assistente de seu ex, seu médico grisalho e até sua terapeuta. Todos estavam distraídos na preparação de algo que ele não soube identificar o que. Conversavam, faziam cartazes, enchiam balões e preparavam doces. No fim o murmurinho não vinha da rua, mas de dentro da confeitaria, onde todas as pessoas de sua vida se reuniam para a produção daquilo que se parecia com uma festa surpresa... para...

Pra mim?— Alexei se questionou, tocado pelo momento. E era óbvio que era, afinal, Ramona não o levaria ali atoa. Sentiu suas pernas quase cederem, mas foi forte para se aguentar, na emoção do momento. Haviam lágrimas nos cantos dos olhos, emocionadas por aquela demonstração de afeto. Ninguém havia se dado por sua presença ainda, então aproveitou cada instante para observar e admirar como os amigos trabalhavam delicadamente e empenhados, com todo esmero possível, para preparar uma surpresa que o destino havia estragado, para variar.

Até Dominic estava ali – e isso sim era uma surpresa tão grande quanto a de Versa ter saído do consultório −, fazendo cartazes com seu típico sorriso dogmático. Sehu, Leia, Jerichó, Joshua, Dayana Flores e Vivi Jeong enchiam balões de festa – Sehu chegava a estar roxo de tanto forçar o próprio pulmão. Ignácio Cruz e Roman Medina trabalhavam em conjunto para preparar doces pequenos e delicados, de longe pareciam tão próximos e tão amigáveis, o que fez Alexei sentir um carinho extremamente poderoso dentro do próprio coração. Teresa estava inquieta, caminhando para cá e para lá, com uma prancheta em mãos, como se estivesse organizando tudo, flanqueada por David, como sempre. Edric estava sentado numa cadeira, lixando as unhas, e Versa assistia tudo com seu olhar extremamente crítico e julgador.

Alexei não teve reação se não a de sorrir, involuntariamente, preenchido por toda a alegria de ver tanta gente trabalhando para ver a felicidade de um vampiro sem confiança. A surpresa teria sido tão poderosa quanto, de fato, mas ver todo esmero e toda boa vontade da preparação... Aquilo foi de um poder tremendo e avassalador... Nada faz a pessoa se sentir mais amada que saber como as pessoas se esforçam para lhe fazer feliz. Ver as pessoas colocando a felicidade de alguém acima de todos os outros sentimentos, compromissos, razões, motivos... Ver Dominic deixar o ódio de lado e contribuir. Ver Ignácio e Roman trabalhando em conjunto, numa amizade calorosa. Ver Versa superar o próprio medo da morte e decidir viver... Tudo isso convergiu para que Alexei se sentisse tão amado, tão adorado, que não havia ódio no mundo que fosse capaz de apagar esse momento.

Um sentimento grande só cede lugar para um sentimento maior ainda.

− Puta que pariu – dessa vez quem disse foi Teresa, num tom bem mais audível e surpreso. A amiga estava boquiaberta com a surpresa do momento. Todos olharam para a direção de Alexei de imediato e tentaram, infrutiferamente, disfarçar o que tanto faziam em segredo – O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO AQUI? – ela questionou irritada. Alexei riu, meio envergonhado, e coçou a nuca – Aff! Era uma surpresa tão...

Teresa não pôde terminar de falar. Alexei correu tão rápido para envolver a amiga num apertado abraço que nada no mundo poderia parar aquele momento. Todos no salão se entreolharam. A amiga se aconchegou naqueles braços magricelos e deu um beijinho no rosto do vampiro, tentando lhe passar toda boa energia que emanava do próprio coração.

− Eu te amo. Demais – Alexei disse à amiga, envolto numa aura de preocupação, amizade e amor verdadeiro. Teresa apertou o vampiro mais rente de si e sentiu seu coração acelerar em razão de toda a felicidade de ter ele de volta em sua grandeza tocante e revigorante. Se tanta gente o amava, ele devia se amar também! O Alexei vampiro havia feito as pazes com o Alexei humano e se tornado um só, novamente.

Ouviram uma salva de palmas, vaias calorosas e assovios vindo dos amigos no salão. Alexei ergueu os olhos, envolto num choro de alegria e felicidade que novena nenhuma podia explicar. Seu sorriso era tão grande e brilhante quanto uma estrela, guiando todos os amigos em sua jornada de aceitação e reencontro. Ignácio e Roman se levantaram e também se envolveram naquele abraço... Depois foi a vez de Edric, Sehu, Leia, Vivi e todo os coadjuvantes. Dominic, Kol e Versa ficaram para trás, meio envergonhados. Alexei lhes lançou um olhar forçosamente odioso.

− Tão esperando convite formal, é? – questionou. Não deu outra: Versa cedeu, com seu jeito elegante e meio desconfiado, se aproximou e segurou na mão de Alexei. Dominic e Kol demoraram um pouco, mas logo cederam também e se envolveram naquele grande abraço grupal. Toda felicidade do mundo estava ali, bem como todo amor, toda paixão, toda amizade e até alguns sentimentos ruins, como raiva, arrependimento e amargura, mas que não tinham força suficiente para preencher o coração daquele vampiro adorável, que sentiu todo ódio ceder lugar para... Bem... Ele não sabia ainda.

− Por que ele tá demorando tanto? – a voz de Nimbus cortou a felicidade de Alexei, que arregalou os olhos, assustado, e se desvencilhou.

− Meu deus, a Ramona – Alexei afirmou, com as pupilas dilatadas e um medo percorrendo toda sua espinha. Para a confusão de todos, Alexei correu do salão da confeitaria e foi direto para a cozinha. Todos se entreolharam, desentendidos, e foram atrás deles.

Ramona estava recostada numa mesa, com olhar entediado e cansado. Nimbus e Collor comiam alguns doces, enquanto Houdine vigiava a vampira. Havia uma arma na sua cintura, mas eles estavam distraídos demais para sacarem ela de uma forma ameaçadora. Quando Alexei entrou todos pararam o que estavam fazendo e encararam o vampiro em toda sua glória.

− Achou a seringa? – Nimbus questionou, com um olhar impaciente e odioso.

− Não tem seringa aqui – Alexei afirmou. O homem revirou os olhos, irritado, coçou a barbicha e olhou para Houdine.

− Leva ela daqui. Ela vai me dar esse sangue de um jeito ou de outro – afirmou, cheio de raiva escorrendo pelos olhos. Os três se preparavam para ir embora, arrastando Ramona consigo. Alexei, estupefato e meio sem saber o que fazer, pegou um dos bolos que estava na mesa e jogou na cabeça de Nimbus. – QUE MERDA VOCÊ FEZ! – ele gritou, limpando o rosto de todo glacê e todo recheio que pintava seu corpo da cabeça aos pés. Estava possesso, como um pinscher cheio de raiva, batia os pés freneticamente no chão. Alexei engoliu seco, se questionando se foi a melhor coisa a se fazer. Houdine sacou a arma pela primeira vez, dando margem para que Ramona corresse e ficasse ao lado do irmão, graças a distração. – Garota, você vem comigo por bem ou por mal. Espero que você escolha por bem – ele afirmou, odioso.

− ELLIOT? – Versa Coumarine gritou ao entrar na cozinha, acompanhada de Ignácio, Roman, Teresa e, bem, todo mundo. Ainda que fosse difícil dizer por conta do glacê, Nimbus pareceu arquear as sobrancelhas e arregalar os olhos, surpreso.

− Amor? – ele respondeu, para a surpresa de todos. Alexei encarou Versa, de olhos arregalados, sem nada saber o que dizer. Houve um silêncio constrangedor por longos instantes.

− O que diabos você está fazendo aqui? – questionou Versa, com uma raiva que Alexei nunca havia visto em seu rosto. Nimbus se encolheu todo, envergonhado, sua postura havia mudado completamente, ficando mais passível e submisso, até a voz estava menos ameaçadora e mais tímida. Os capangas se entreolharam e saíram de fininho pelos fundos.

− Eu estava... É...

− Tentando pegar meu sangue a força – Ramona interveio, extremamente irritada. Versa encarou a vampira, incrédula, e chacoalhou a cabeça.

− De novo isso, Elliot? Achei que já tivéssemos conversado sobre e decidido que essa história tinha acabado – ela disse. Nimbus fez um olhar de choro, mas se conteve. Versa bufou – Você não precisa se transformar em um vampiro, meu amor.

− Eu estou fazendo isso por você, mama... meu amor – corrigiu, observando os olhares diante de si. Alexei engoliu seco, meio desconfiado.

− Espera... – ele afirmou, pensativo. "Ele gosta de coroas", lembrou-se de Edric falando; "Decidi que não quero trair minha namorada", se lembrou do próprio Nimbus. Então, reunindo isso, mais o fato de Versa Coumarine andar mais misteriosa, arrumada e pensativa que o normal... Alexei sorriu de nervosismo – Meu. Deus. Do. Céu – ele disse. A terapeuta deu de ombros, meio tímida com a descoberta óbvia.

− Ah... – Edric interveio, surpreso – Sua terapeuta era namorada de um criminoso esse tempo todo? – ele questionou à Alexei, que deu de ombros. Versa engoliu seco.

− Sim, eu sou... – respondeu, meio tímida – Que foi? Gente velha não pode amar? – Alexei sorriu. Passou pelo mesmo dilema alguns dias atrás – E, bem, ele não é um criminoso. Ele é um ótimo ator – afirmou. Novamente, todos se entreolharam, confusos. Versa se aproximou de Nimbus e limpou o glacê de seu rosto com as pontas dos dedos, delicadamente. Ela era mais alta que ele. – Conte a verdade, Elliot – ordenou. Nimbus engoliu seco, meio envergonhado.

− É, bem... – suspirou – é verdade. Eu meio que talvez nunca fui um criminoso, Ramona, Alexei, Edric... Me desculpem se fiz vocês passarem medo ou algo assim.

− Não fez mesmo – Edric sussurrou num tom de deboche.

− Eu meio que tenho uma companhia de teatro... Mas vocês acharam que eu era um criminoso, então entrei no jogo... Achei que seria mais fácil para conseguir o que eu queria... – afirmou. Alexei olhou para Ramona, confuso.

− E como vocês souberam disso? O que nós achávamos sobre você? – ela questionou. Nimbus engoliu seco.

− O Oliver – respondeu. Ramona arregalou os olhos, irritada. Alexei se lembrou de ver Oliver fazendo uma ligação, o que achou não passar de uma alucinação da própria condição.

− Sim, vocês mataram o Oliver! – ela afirmou, irritada.

− Quase isso – Nimbus respondeu – Foi meio que um acidente com cordas – Alexei se lembrou como a cicatriz de Oliver parecia mais de enforcamento que de corte – Ele tava meio bêbado... e caiu... e... sei lá... – Elliot suspirou, meio envergonhado – Mas, felizmente, ele tinha bebido o sangue que eu tinha em estoque, sabe-se lá porquê...

− O meu sangue – Edric interveio – E sabe o que é mais interessante? Como ele vem comendo pelas beiradas e se fingindo de amigo enquanto dá informações privilegiadas para um cara que até hoje queria matar a gente – ele disse num tom amargurado – Mas ele se vê comigo, ainda... Mas por que você queria tanto ser vampiro, no fim? – questionou, confuso.

− Ele disse que era pela namorada... – Alexei interveio, curioso. Versa Coumarine se preencheu de uma emoção tocante tremenda, tendo os olhos envoltos em lágrimas audaciosas e delicadas.

− Por mim? – ela perguntou ao namorado. Ele anuiu, caindo um choro copioso e extremamente molhado. Versa o envolveu num abraço e beijou seu rosto – Eu já disse para você não se preocupar com isso, bebê. Eu vou ficar bem.

− Se eu te tornasse vampiro eu podia te transformar também... – Nimbus disse – E assim você não iria morrer mais – afirmou, choroso. Todos no salão se entreolharam. Alexei e Ignácio sabiam da condição de Versa, então trocaram olhares preocupados.

− Um amigo me disse uma vez que só acaba quando termina... Que eu encontraria um motivo para viver, que fosse maior que qualquer eternidade de vampiro – afirmou convicta – E eu encontrei: você. Não preciso me tornar vampira para viver, Elliot, só preciso de você comigo – contou. Nimbus sorriu de uma maneira descomunal, preenchido por toda aquela alegria do momento. Versa envolveu o amado num beijo exageradamente doce e emotivo, açucarado pelo glacê e o recheio do bolo de outrora.

Alexei se sentiu feliz pela amiga. Cada vez mais a cada instante, cada resquício de seu auto-ódio e sua tristeza extrema eram esmagados pelos melhores sentimentos trazidos pelos últimos acontecimentos. Ainda que sentisse raiva de tudo que Nimbus havia o feito passar, ver como ele e Versa se sentiam completos e amados, o inspirava a viver... E a amar, finalmente. Talvez ele tivesse negligenciado por tempo demais esse sentimento: após o término com Dominic, sempre fugindo de tudo que pudesse lhe obrigar, mais cedo ou mais tarde, assumir o amor como um sentimento poderoso no próprio coração e consciente vampírico. Agora não mais. Alexei estava pronto para amar e para ser amado. O amor era a cura para seu ódio.

Foi então que observou Ignácio Cruz e seus belos braços, com seu sorriso rebelde e recheado de heresias, como um Adônis esculpido no mármore com tanta beleza bruta e escultural, viu seu olhar aéreo, diante da demonstração de carinho da terapeuta e de seu namorado. Ignácio era como o sol, como o recheio do bolo.

... Mas também viu Roman Medina, com seu sorriso cativante e olhar apaixonante. Com seus traços simples, sempre tentando afastar olhares de interesse para se focar única e exclusivamente nos próprios sentimentos, e amigáveis, emanando uma energia calmante, colorida, viva e carismática. Ele era como a lua, como o glacê.

E Alexei...

Eu sou uma maldita cereja em cima do bolo— afirmou para si mesmo, finalmente desvendando todo mistério que o destino vinha fazendo consigo haviam dias, sempre com seus joguinhos sádicos e demonstrações nada simples de como era inevitável fugir dele. Foi como descobrir um novo sabor, encontrar um novo continente ou, sei lá, ouvir um novo CD da Lady Gaga. Parecia tão óbvio o tempo todo e ele estava cego demais para ver... Sorriu, analisando os próprios pensamentos, enquanto observava os dois amantes. – Se algum deles me quiser... – pensou, com um olhar distante e oblíquo, ao passo que dissimulado, e riu baixinho. Ele queria amar... E não ia se privar disso. Nunca mais.

Versa e Nimbus, finalmente, se afastaram, satisfeitos com o próprio amor. Alexei tinha um sorrisinho bobo no rosto, observando, alegremente, que a conversa com a terapeuta havia surtido efeito. Versa havia aceitado viver – e isso era mais satisfatório que qualquer outra coisa no mundo.

− Tá bom – Ramona interveio, meio impaciente – E agora? – questionou. Todos olharam para Alexei, que se limitou a cerrar os olhos e arquear as sobrancelhas.

− Que foi? Vocês que tavam fazendo uma festa para mim – afirmou, convicto – Vocês que devem saber qual o próximo passo.

Teresa coçou a sobrancelha, com um olhar pensativo e irritado.

− É, e como você estragou a surpresa agora vai ter que ajudar – afirmou. Alexei chacoalhou a cabeça.

− O que? – respondeu indignado – Posso voltar pra casa e fingir que não vi nada? Assim vocês podem continuar fingindo que nada aconteceu aqui – suplicou. Todos riram, menos Teresa.

− E o Alexei voltou, oficialmente – afirmou ela, sorridente – Quer dizer que vai perder a oportunidade de fazer alguns doces? Faz algum tempo que você não... – Teresa não precisou terminar a frase. Alexei correu da cozinha, pegou o avental de gatinhos, ajeitou os cabelos e meteu a mão nas panelas.

− Não precisa falar duas vezes – afirmou, separando farinha numa das panelas – Meu deus parece que não cozinho faz uma eternidade! – disse.

− Acho que todos podemos continuar agora, então – Teresa interveio, sorridente – Ainda temos que estar prontos antes das duas da tarde – afirmou. Todos concordaram, sorridentes, voltando a seus postos, com exceção de Ignácio, Roman e Versa.

− Bem... Alexei... – Versa começou a dizer, se apoiando no ombro de Roman Medina – Só queria dizer que devemos continuar nosso tratamento, tudo bem? Vou receitar alguns remédios para você... Uma depressão não se livra assim, tão facilmente – contou. Alexei sorriu e anuiu. Versa olhou para os dois homenzarrões e deu um risinho – Vou deixar vocês se resolverem agora... Depois nos vemos – e saiu.

Houve um silêncio longo e constrangedor. Os três se encaravam, ininterruptamente, com olhares tímidos e envergonhados. Alexei coraria, se pudesse. Ignácio Cruz coçava a nuca, com um sorriso meio de lado. Roman Medina mordiscava o próprio colar.

− Então... – Alexei disse, num tom meio tímido – Quem vai me ajudar a preparar esse bolo? – questionou, sem saber exatamente como conduzir a conversa. Roman e Ignácio se prontificaram, se aproximando da bancada – Separem as claras das gemas, por favor – Alexei pediu, lhes entregando uma tigela cheia de ovos e indicando onde botar cada uma das partes deles. – Acho que precisamos conversar sobre muita coisa, no fim – Alexei afirmou, convicto.

− Nem me diga – Ignácio Cruz complementou – Também precisava falar com você sobre, bem, coisas que mudam tudo.

− Também tô nessa – Roman interveio, quebrando o primeiro ovo e colocando entre os dedos para separar da gema a clara.

− Acho melhor eu começar, tudo bem? – eles anuíram. Alexei suspirou, buscando as melhores palavras. Num rompante de instante lembrou-se de tudo, momentaneamente, todas as memórias boas, ruins, afetivas... Se preencheu de todas as dúvidas e de todas as certezas, fechou os olhos e sorriu – Queria me desculpar pelas minhas atitudes, sabe, antes de tudo isso, de me fechar no meu próprio vazio... Quando não tinha confiança nem para enxergar como cada um de vocês era especial pra mim – afirmou, sorridente. Roman e Ignácio observavam atentos, com os corações palpitando em curiosidade, mas sem perder o ritmo da separação de clara-gema – Eu... Ah... Eu fugi do amor por muito tempo... E, pelo que eu sinto e pelo que eu sei, vocês dois também... Vocês tem tanto parecido, sabe. Acho que a maior semelhança entre vocês é o fato de que compartilham carinho pelo mesmo vampiro confeiteiro e sem confiança de sempre – e riu – Eu espero, ao menos. Vocês dois são, sabe, tudo que alguém poderia desejar para ser feliz. E eu... ah... Eu tenho certeza que tudo que eu quero agora é isso: Ser feliz.

− No fim, acho que é o que todos buscamos – Ignácio Cruz interveio, com um olhar mais confiante e menos cheio de receios – Eu conversei muito com a Teresa e com a Versa, sabe... Elas abriram meus olhos pra perceber como o tempo passa e as oportunidades de ser feliz também... Como é importante, sempre, se agarrar a elas na primeira oportunidade... – lembrou-se, momentaneamente, da imagem da mãe – E não deixar que nenhuma dúvida, nem nenhum medo te prive delas – afirmou. Alexei sorriu, com o coração quentinho em amor.

− Eu concordo com o Cruz – Roman respondeu, com seu sorriso amigável, apertando o ombro de Ignácio com a mão que estava limpa – Bem, não tive conversas tão interessantes e esclarecedoras, mas acho que percebi como eu estive botando minha felicidade para escanteio por tempo demais... Não que eu deixe de ter preocupações com, bem, você sabe – Alexei pensou se tratar de Tori – Mas, sabe, acho que agora que eu sei que ela não está sozinha... Posso, finalmente, me assegurar que eu também não fique mais – afirmou. Alexei suspirou. Ficava cada vez mais difícil escolher entre um deles.

− Vamos pro glacê? – questionou, pegando as claras da tigela e botando na batedeira, pensativo – Eu não sei, exatamente, como e o que fazer daqui pra frente... Mas, uma certeza que eu tenho, é que quero vocês do meu lado – afirmou, recostando-se na mesa e encarando os dois homens com um olhar sério – Sabe, eu vivi cento e cinquenta anos, caras, preso a coisas que nunca me fizeram feliz de verdade. Não quero ter que me privar de nada, nunca mais. Vocês me fazem tão bem, mas se o amor de vocês for do tipo que limita... – suspirou – eu quero bem longe de mim.

Ignácio Cruz e Roman Medina se entreolharam, preocupados.

− Nem em sonho – responderam em uníssono. Alexei sorriu.

− Esse tempo todo com medo do ciclo de relacionamentos abusivos reiniciar e eu só precisava perguntar – afirmou para si mesmo, irritado – Cada um de vocês me faz tão bem, sabe... Ignácio me fez perceber como não precisava ser perfeito, já que ninguém é... Roman me fez sentir que poderia ser protegido, ter colo, que não era vergonha alguma – Alexei suspirou – Isso é cada vez mais difícil, meu deus...

Ignácio Cruz mordiscou o próprio lábio e coçou a cabeça. Roman suspirou.

− Vocês querem ir além do bolo... comigo? – questionou, meio tímido. Ignácio e Roman se entreolharam, assustados – Bolo literalmente, gente, o que estamos fazendo agora... – ele informou, observando o duplo sentido na frase. Os homens suspiraram, aliviados.

− Acho que eu estou pronto pra isso agora... Esperei tempo demais – Ignácio disse.

− Esperamos − Roman interveio, sorridente.

Alexei suspirou, encarou os próprios pés e observou os dois homens com um olhar envergonhado, talvez até um pouco devasso.

− Estão abertos para propostas... diferentes? – questionou, com um olhar diabólico. Roman e Ignácio se entreolharam, engoliram seco e anuíram, meio desconfiados, mas entrando no jogo. Alexei arqueou as sobrancelhas e sentiu suas bochechas corarem... O que era vampiricamente impossível... Talvez fosse como quando se perde um braço, mas continua sentindo a presença fantasma dele. Suspirou e olhou para o forno – Então vamos botar para assar. Em meia hora tá pronto! – afirmou, como se estivesse mudando de assunto. Ignácio e Roman se entreolharam, novamente. Alexei riu e continuou preparando o bolo.

Era meio que inevitável fingir que não havia curiosidade geral em saber com qual dos dois pretendentes Alexei ficaria, após tantos dias e tantas desventuras. Ainda que tentassem se ocupar de outras tarefas relativas a festa de mais tarde, todos aguardavam, ansiosos, que o amigo saísse daquela porta de mãos dadas com aquele que chamaria de amor, finalmente, após tanto se privar desse sentimento. Teresa e Versa eram as que menos podiam disfarçar sua curiosidade, tendo sido testemunhas tão diretas e tão essenciais da história de Alexei, Ignácio e Roman. As duas estavam sentadas diante da entrada para a cozinha, tentando comer e descansar o nervosismo, enquanto observavam, atentamente, qualquer movimento naquela porta.

− Tá torcendo por quem? – Edric questionou, se aproximando silenciosamente e assustando Teresa, que lhe deu um tapa leve – Ai!

− Gente, vamos parar com esse tipo de pensamento – Versa interveio em um tom sério – Isso aqui não é um jogo. Todo mundo sabe que o Ignácio é perfeito para ele – afirmou convicta.

− Concordo – Teresa afirmou. Edric torceu o nariz.

− Pois eu conheço muito bem o Roman e prefiro ele – afirmou... O que era uma mentira, pois o conhecia há alguns dias.

− Vocês não estão apostando com quem o Alexei vai ficar, né? – Ramona questionou se aproximando do trio – Por que é óbvio que é com o Roman – afirmou. Teresa cerrou os olhos, odiosa.

− Vocês dois estão loucos, isso sim – Teresa afirmou irritada – Ignácio Cruz é o cara. E pronto.

− Talvez eu devesse dizer o que eu acho – a voz de Alexei cortou os pensamentos de todos, que estavam distraídos demais para perceber sua presença. Teresa e Versa ergueram os olhos para o amigo, surpresas, enquanto o resto do salão se aproximava para saber das boas novas, com exceção de Dominic que parecia meio enciumado. – Bem, acho que é mais complicado que se imagina – afirmou.

Estava diante deles. Os dois pretendentes o flanqueavam: o homenzarrão de corpo escultural e sorriso herege e o homem alto de olhares amistosos e apaixonantes. Ignácio e Roman pareciam ligeiramente envergonhados, mas igualmente convictos em suas decisões. Alexei lhes encarou, um por um, e abriu um tremendo sorriso, erguendo os dois braços e mostrando que segurava as mãos dos dois. Todos no salão ficaram boquiabertos.

− Acho que decidimos abrir a relação – Alexei afirmou, sorridente. Teresa caiu com a surpresa, a boca de Edric foi ao chão, Ramona arregalou os olhos, Sehu pareceu não entender, Leia e Vivi cochicharam uma no ouvido da outra... e Versa Coumarine parecia satisfeita. – Ou algo desse tipo... Eu não podia escolher entre os dois... Por que eu os amava, igualmente – afirmou.

− É... E o Roman é bem, sabe, bonitão – Ignácio Cruz disse, meio tímido.

− Acho que vai ser bem mais divertido assim, no fim – Roman afirmou, sorridente – Nós três nos privamos de tanta coisa... Vai levar um tempo para conseguirmos tudo, de novo, mas em conjunto... – afirmou.

− Isso é muito fofo, mas desconstruído demais pra mim – Edric afirmou, meio confuso – Preciso de vodca – disse. Todos no salão encararam o "trisal" do vampiro com seus amantes, sorriram e aplaudiram freneticamente. Alexei se sentia mais feliz do que nunca em toda sua vida, rodeado pelos amigos e pelos homens que amava. Ignácio ou Roman... No fim, os dois. Como o recheio, a cobertura e a cereja do bolo; como o sol, a lua e o eclipse.

O forno apitou na cozinha. Alexei sorriu.

− O bolo tá pronto – afirmou – Fiz um especial: Veludo Vermelho com glacê-rosa e cerejas... E quando começa essa festa?

As quatorze horas, como divulgado por Dayana Flores no seu site de escritora de romances sobre vampiros, as pessoas começaram a chegar, de todos os lados, todos os jeitos, cores, rostos e gêneros. Se amonturaram na rua em frente à confeitaria, que, consequentemente, era também caminho para a casa de bingo, onde o grupo de terceira idade se reunia para discutir seus ideais preconceituosos e retrógrados.

Um tumulto de pessoas caminhava, usando camisetas estilizadas, com frases de apoio aos vampiros, imagens de paz, felicidade e compadecimento. Garotas distribuíam balões rosados e algodão-doce azul, enquanto um grande grupo ostentava cartazes e faixas sobre a importância da inclusão social dos vampiros e o retrocesso de que se tratava o preconceito entre raças. Vampiros conhecidos de Alexei caminhavam entre os humanos e pareciam se sentirem amados, finalmente, após tantos anos sendo tratados como escória da sociedade.

Havia uma banda orquestral se preparando para tocar, próxima à Alexei, Ramona e Edric, que conversavam sobre o futuro de Oliver, Nimbus e todo aquele problema envolvendo transformação. Alex comia algodão doce, com o coração faltando saltar da boca de tanta felicidade ao lembrar de como havia conseguido resolver quase tudo, finalmente.

− Nem tive oportunidade de perguntar o Nimbus sobre as coisas que ele mandou para a confeitaria – Alexei afirmou aos amigos, meio surpreso – Cheguei a achar que ele estava envolvido com a Dulla Swanna, pela bíblia, sabe, mas eu duvido muito.

− Bem, Alexei, então será que foi o pessoal dela que mandou aquelas coisas? – Edric questionou, surpreso.

− Duvido muito... Como ela saberia que sou descendente de portugueses? Poucas pessoas sabem disso, no fim... Só gente do meu passado, Versa, Nimbus... – Ramona suspirou.

− Acho que já posso voltar pra casa, mano – ela afirmou convicta. Alexei arregalou os olhos e franziu o cenho, irritado.

− Mas é nunca – afirmou – Você não é doída e nem louca! Agora que nossa família, finalmente, cresceu eu quero TODO mundo debaixo da minha asa! Você, Edric, Ignácio, Roman, Teresa, Versa, Leia, Sehu... Até o Nimbus, talvez... Não se lembra do que a Anika disse? Eu encontrei minha felicidade... Agora é a sua vez de encontrar também! – afirmou convicto. Ramona estava meio contrariada, mas ia acabar cedendo. A vampira suspirou e sorriu.

− Desculpe... Algum de vocês é Alexei? – um dos homens da banda questionou, próximo ao trio. Alex ergueu a mão, meio surpreso. O homem sorriu – Fomos contratados para tocar no seu evento – e riu, amigavelmente – Gostaria que tocássemos alguma música em especial? – Alexei sorriu, pensativo, revirou as memórias e se perdeu nas lembranças.

Aceitei meus erros, me reinventei e virei a página... Agora tô em outra.

− A que eu quero duvido que vocês saibam, no fim – afirmou. O homem riu baixinho.

− Experimente – ele desafiou. Alexei cerrou os olhos, meio desconfiado.

− "Tô Nem Aí", conhecem? Aquela música famosa, antiga – questionou. O homem anuiu, confiante.

− É pra já – afirmou – Senhor Vanzeller— sussurrou, baixo o bastante para que nem Alexei pudesse ouvir claramente. O homem havia lhe chamado pelo sobrenome que ninguém que era vivo conhecia, nem mesmo Dominic... O sobrenome que ele havia apagado da própria existência, bem como todos que o portavam. O sobrenome de quem sabia exatamente de sua descendência portuguesa...

A banda se afastou, aos comandos do maestro, e começaram a tocar a melodia sugerida por Alexei, deixando todos na parada eufóricos.

A banda marchou e Alexei foi atrás, tal qual todas as pessoas presentes no fatídico evento que foi apelidado de passeata dos vampiros. Havia gente demais ali, além das pessoas convidadas por Dayana Flores, alguns curiosos que viam aquela agitação e se juntavam, interessados em farra, doces de graça e música alta e divertida. Alex se contentou em ficar no meio, junto aos amigos, invisível diante de todos, mesmo que soubesse que, no fim, o evento era seu, feito para si pelas pessoas que mais amava na vida. Queria ser só mais um, ainda que soubesse que nunca mais se sentiria assim, não mais depois de enxergar quem ele era e quem havia nascido para ser: alguém muito azarado, meio sem confiança, mas altamente beijado pela bondade do destino, que sempre conspirou para que tudo convergisse para sua felicidade, num mundo onde tudo parecia extremamente caótico e altamente odioso para si.

Anika estava certa, no fim, Alexei sempre teve sua vida controlada por um poder maior, que conduziu todos os seus dias, assistiu todas as suas desventuras e foi plateia de todas as suas noites de choro, para que um dia, finalmente, pudesse ser testemunha de toda sua felicidade ardente, açucarada, apimentada, doce, salgada, com gotas de chocolate, glacê, frutas cristalizadas, mel, nozes e até abacaxi.

Alexei demorou cento e cinquenta anos, mas finalmente poderia encher o peito, orgulhoso, e dizer que era feliz. Era amado. Era adorado... E nem precisava ser o centro das atenções para isso, só precisava estar ali, no meio de tantos estranhos que o amavam, sem saber exatamente quem ele era, que não odiavam sua condição de vampiro, seu apetite por sangue ou seus sentimentos conturbados, que só queriam que ele fosse feliz... sem nem saber quem diabos era Alexei Boaventura Vanzeller, já humano, atual vampiro, francês, meio português, meio romeno e com coração brasileiro, com um passado esquecível e doloroso, grandes decepções amorosas e anos e mais anos não enxergando como era ser amado, verdadeiramente, se prendendo a amarras obsessivas e doentes.

Ah! E a música não podia faltar. Cantar Tô Nem Aí nunca havia feito tanto sentido quanto naquele momento, então Alexei agradeceu a deus por ter trazido seus fones de ouvido e poder escutar a voz original da cantora Luka, quando a banda acabava de tocar sua versão da música e voltar as marchinhas clássicas e orquestrais. Colocou logo em um loop eterno, sentindo por cada segundo o poder daquelas palavras consumindo seu ser e lhe impregnando com um frenesi desenfreado de energia, felicidade e, bem, sensação de trabalho completo, após tanta reinvenção, aceitação e páginas viradas. Caramba... Alexei havia virado tanta página que poderia se chamar de bibliotecário.

Os amados! Claro! Não podiam faltar. Estar lado a lado com eles, dançando, beijando e sentindo todo amor percorrer de um corpo para o outro, num ciclo inquebrável e apaixonante era de uma magia sem igual no mundo. Alexei nunca se sentiu tão apaixonado como naquele momento – e tão feliz por ter tido a decisão de não se limitar a um, mas poder se entregar ao amor dos dois... Afinal, havia ficado tanto tempo preso a relações quase sem amor, pautadas em autoritários regimes de relacionamento, que não queria mais se obrigar a nada... Queria amar e ser amado e isso bastava demais! Ignácio Cruz e Roman Medina o completavam de uma maneira descomunal que música alguma no mundo pudesse descrever... De uma maneira que nunca havia sentido com ninguém, nem Nico, nem Elijah, seu namorado francês pós transformação, nem Dominic.

E, por fim, os amigos: eram tudo que ele precisava. Eram a cura para todo ódio, toda raiva, toda negação, com seu amor sincero, seu esmero factual e sua amizade intensa e incessante. Alexei não passaria por nenhuma fossa, não fosse todos que sempre estavam do seu lado, segurando suas pernas para que não pudesse cair e planejando festas exageradamente extravagantes, em que podia se esbaldar na eternidade de uma amizade, que desconhecia as barreiras do tempo, da vida, da morte, da imortalidade... Não havia nada mais imortal que a amizade sincera entre duas almas, nem mesmo os vampiros, nem mesmo os deuses. Teresa, Ramona, Edric, Sehu, Leia, Versa... e todos os outros que tanto fizeram para que ele estivesse ali, finalmente, amado, adorado, feliz e completo.

Mas a história não começa e nem termina aqui, afinal, Alexei não seria Alexei se não tivesse alguma desventura no seu momento mais feliz de toda vida.

A passeata parou, com um murmurinho coletivo na parte da frente. Alexei encarou os amados e os amigos, confuso, e começou a abrir caminho por entre todos e tentar chegar à comissão de frente da marcha pelos vampiros, os amigos foram atrás, flanqueando o vampiro.

Era ela. Era óbvio que era ela. Dulla Swanna! Sempre comendo pelas beiradas, planejando, astutamente, sua próxima jogada sórdida e recheada de veneno. Metida a youtuber, reclamona e altamente preconceituosa. Era tudo que Alexei não queria ver naquele dia. Era o algoz de seus pesadelos, de sua tristeza e de suas lágrimas mais dolorosas, alguém que o odiava sem ter motivo... mas, exatamente como quando encarou seus traumas com Dominic, se preencheu por toda a força que seus amigos lhe deram e não abaixou a cabeça. Não mais.

Ellen Guttenberg, a loira fascista da meia idade, Dona Consuela e alguns outros manifestantes pró ideais de supremacia humana estavam junto da mulher baixinha, que segurava seu poodle e um cartaz com uma fake news de que vampiros recebiam uma bolsa do governo por serem vampiros. O grupo, cinzento e amargo, emanava ódio, preconceito e hipocrisia, impedindo a passagem da marcha de Alexei pelos vampiros.

− Dulla Swanna – Alexei disse, em tom odioso, quando deu de cara com a mulherzinha ardilosa. Ela sorriu, diabolicamente.

− Alexei. O vampiro – ela respondeu, meio enojada. Ellen Guttenberg arregalou os olhos, surpresa e indignada, por saber daquele detalhe de Alexei que vinha ignorando.

− Vam... vampiro? – ela questionou, surpresa. Alexei riu.

− Pegando muito "hemo-idiota-filia", Ellen? – Alexei debochou, sorridente. A mulher se encolheu na própria raiva e se calou – O que vocês pensam que estão fazendo?

Os amigos chegaram às costas de Alexei, para lhe flanquearem e oferecerem apoio emocional. Ignácio engoliu seco ao ver a mãe no meio daquelas senhoras, se encolheu por um segundo, suspirou e encontrou a própria confiança, permanecendo forte e corajoso ao lado do amado.

− Impedindo que essa caminhada do pecado marche sobre nossas casas cristãs imaculadas – Dulla Swanna interveio, irritada – É um absurdo uma coisa dessas! Já não basta todo trabalho que vocês dão, ainda querem contaminar as pessoas de bem?

Alexei riu da situação.

− Ninguém quer contaminar alguém como você, Dulla, pode ter certeza – afirmou convicto – E você não pode nos impedir. Estamos no nosso direito – respondeu. Dulla riu indignada.

− Direitos? Direitos são para humanos, não gentinha como você! – ela afirmou – Direitos são para nós, senhoras e senhores de idade, que estávamos aqui desde sempre, desde antes de vocês chegarem com esse seu cheiro de pecado e sangue.

Alexei não podia crer que seria obrigado a ouvir tudo aquilo. Suspirou e aguardou o momento certo para responder.

− Não somos obrigados a aturar nenhuma perversidade perto de nossas casas, dentro de nossas vidas, nossos lares – afirmou odiosa – Nem de ter nosso bom sangue misturado com esse veneno pecaminoso que é a carne de vocês, seres que não são naturais – ela gritou irritada. Todos atrás de si concordaram, com uma vaia mútua. Alexei permaneceu de braços cruzados, com um olhar zombador – Nós só somos pessoas boas que querem proteger nossos filhos, netos, primos, irmãos e tios de toda essa perversidade que vocês trazem.

− Perversidade? Perversidade, Dulla Swanna? – era demais para se aguentar calado. Alexei estava extremamente irritado, quase explodindo – DULLA SWANNA! Eu faço BOLOS e DOCES! Se tem uma coisa que eu não sou é perverso, pode ter certeza. Ai cara, que discursinho mais água com açúcar... Devia tentar ser mais original, sabia? Já ouvi essa merda tantas vezes na minha vida que não tem graça nenhuma mais, nem me irrita tanto – e riu num tom debochado – Ou você acha mesmo que é a primeira pessoa a me encarar, assim? Ou melhor... Isso eu achei engraçadíssimo! Vocês se intitulando senhores e senhoras que estavam aqui antes... – Alexei gargalhou. Dulla engoliu seco – Minha filha... Eu posso te chamar disso, porque você poderia sim, ser minha filha, sabia? Eu tenho cento e cinquenta anos de vida. Quando eu nasci, provavelmente nem a avó de vocês existia ainda – e riu – EU estive nesse bairro por mais de cinquenta anos, sabiam? Eu cheguei aqui antes da maioria de vocês – olhou para todos os rostos odiosos, cheios de rugas e marcas da idade – Eu vi vocês crianças, eu vendi bolos para vocês, eu vi vocês adolescentes, e vendi bolos para vocês... Vi vocês adultos, idosos, mas nunca mais entraram na minha confeitaria... Por que será? Será que a idade faz vocês ficarem tão amargos assim... Ou será que é a inveja? – questionou. Dulla Swanna arregalou os olhos.

− Inveja??? De você??

− É a única explicação possível, no fim – Alexei respondeu, convicto – Inveja do fato que os anos passam e eu continuo como sempre fui, enquanto vocês envelhecem, mudam e se tornam gente cinza e amarga, que não aceita a felicidade alheia e vive para atrapalhar todos que desejam ter uma vida digna depois de certa idade... Eu entendo porque também passei por isso, sabe, como eu tinha baixa confiança por ter mais de um século de vida... Até que eu percebi que seria assim e pronto, não havia nada a se fazer para isso. Eu sempre vou ter cento e cinquenta anos, até fazer cento e cinquenta e um – Alexei riu e coçou os olhos – E vocês aí usando a desculpinha safada de serem idosos, nos seus cinquenta, sessenta, setenta anos, para poderem destilar veneno e preconceito... Meu deus. Aceitem a idade de vocês, amados, é tudo que nos resta no fim. Não existe fonte da juventude – afirmou confiante. Os amigos sorriram, em compadecimento, e as pessoas da marcha o aplaudiram. Dulla Swanna tinha olhos vermelhos de puro ódio.

− Eu não tenho inveja de você! – gritou irritada – Ninguém tem! Não fique se achando o bambambam! Você é só mais um infectado, nojento, que fica mamando nas tetas do governo e tentando acabar com nossos lares, nossas famílias.

− Ai, Dulla, troca o disco – Alexei disse, num tom debochado e entediado – Já cansei desse papo de "você está tentando destruir da família tradicional"... – ele riu e olhou para os amigos, buscando os amados – Eu quero que a família tradicional se lasque... Eu tenho a minha própria família, grande, disfuncional, meio maluca, mas cheia de amor e felicidade – Alexei envolveu seus braços ao redor de Ignácio e Roman, cheio de confiança, e deu um selinho em cada um, para a surpresa e o choque de todos os conservadores... Foi como ver o diabo em pessoa. Todos ficaram exaustivamente surpresos. Dona Consuela parecia extremamente entediada e não se importou nada ao ver o filho aos beijos com um vampiro, como se estivesse ali só de corpo. Ellen permanecia calada, ainda surpresa com o fato de Alexei ser um vampiro.

− Isso não muda o que vocês são! Gente que só traz desgraçada para as pessoas da nossa sociedade... – Dulla tentou dizer, sendo interrompida por...

− Agora já chega – Versa Coumarine afirmou, com sua voz icônica, meio esganiçada e cheia de classe e elegância. Dulla arregalou os olhos, surpresa, com o coração acelerado em medo.

− VERÔNICA? – ela gritou surpresa. Alexei cerrou os cenhos, confuso, e encarou a terapeuta.

− Tá bom, tem mais alguém aqui que você conheça e a gente deva saber? – Alexei interveio, surpreso. Versa sorriu – E... Verônica?

− Verônica Swanna Coumarine – ela respondeu, sorridente – VerSwa... Versa. Você não é o único com várias versões de si mesmo, Alexei. Foi o nome que eu adotei quando resolvi voltar a atender pacientes, depois de ficar anos afastada por ter perdido um deles – Versa suspirou, meio entristecida – Carlos Cruz – afirmou, observando Consuela e Ignácio. Alexei arregalou os olhos, surpresa – Como vai, Consuela? – questionou, amigavelmente, a senhorinha esboçou um sorriso.

− Entediada – afirmou – Disseram que teriam canapés aqui... Mas até agora nada. Vim só por eles – respondeu, meio amargurada. Versa sorriu. E as respostas para as dúvidas de Ignácio e Alexei estavam sanadas.

− Bom te ver também, irmã – Versa disse à Dulla, sem sequer olhar em seus olhos. A mulher baixinha estava estupefata, calada como uma pedra – Achou que nunca mais ia te ver, não é? Que ia ficar pra sempre presa em casa, reclusa – Versa riu – Também pensei que seria assim... Até um amigo meu me convencer a atender um de seus pacientes, um vampiro altamente ansioso e com uma autoestima bem baixa... Mas isso é assunto para outra história, de vinte capítulos, provavelmente... – e riu.

− Mas... você... – Dulla tentou dizer.

− Mas eu estou aqui... Vendo toda a sua hipocrisia e preconceito – afirmou ela, convicta. Alexei queria ter pipoca para assistir aquilo de camarote. – Como você ousa criticar alguém, dizer que só traz desgraças para a sociedade, que "mamam nas tetas do governo"? Meu deus... Logo você – Versa riu – Quando eu vi aquele vídeo eu tive CERTEZA que você ia fazer alguma cosia além... E nossa, isso me deu a força que precisava para botar os pés pra fora do consultório e tomar uma atitude... Meu deus você é tão hipócrita! VOCÊ se dizendo uma senhora de bem... Em que mundo? Primeiro que você nem sequer é uma senhora, você não deve ter nem quarenta e cinco, e segundo que você não é de bem, jamais! Fraudou a própria idade para se aposentar mais cedo, fraudou o INSS... e a cereja do bolo – Versa sorriu diabolicamente – Roubou sua irmã e fugiu no momento que ela mais precisava de ajuda. Você é uma víbora hipócrita, mal-amada e totalmente falsa!

− Jantando tão cedo, Versa? – Edric sussurrou, aos risinhos.

Todos ao redor ficaram admirados com as revelações sobre a autointitulada santa Dulla Swanna, que nunca havia cometido erros, segundo a mesma, e vestindo, orgulhosamente, toda sua dignidade como defensora das pessoas de bem... E no fim ela era só mais uma hipócrita, como a maioria.

− Você é uma safada Dulla, uma safada!!! – Versa gritou – E agora que eu sei onde você está, pode ter certeza que vou buscar meus direitos e vou fazer uma queixa sobre tudo que você fez! – gritou.

− É mentira... gente... – Dulla deu um risinho sínico, tentando não parecer exageradamente culpada, ainda que a culpa estivesse estampada em seu rosto – É óbvio que é mentira... Nem conheço essa doida! – e riu novamente. As pessoas a seu redor pareceram meio desconfiadas e decepcionadas.

− Bom, já que estamos falando de direitos e queixas – Roman Medina interveio, com sua voz amigável e apaziguadora – Bem, você sabe que tudo que você disse se encaixa como crime de injuria e preconceito, não é? – questionou à Dulla Swanna – Ainda que você se negue a crer, a lei também protege os vampiros... E, bem, você é uma criminosa... Está cercada de testemunhas que ouviram tudo que você disse... E não vamos hesitar em abrir uma queixa denúncia contra você.... Só pra deixar registrado – afirmou e se voltou ao amado Alexei, com um sorriso confiante.

Dulla estava meio atônita, sem saber o que fazer. Alguns dos seus seguidores foram saindo de fininho, deixando o grupo menor e menos ameaçador.

− Acabou, Dulla. Seu preconceito não tem lugar nessa sociedade – Alexei afirmou, convicto.

− É, volta uns cento e cinquenta anos... – Ramona interveio – Talvez no passado alguém concorde com você.

− Talvez Hitler, quem sabe – Edric sussurrou, num tom debochado único.

As pessoas ao redor, que acompanhavam tão empenhadamente o evento de Alexei, começaram a gritar e vaiar a senhorinha hipócrita de um metro e meio, que buscou apoio nos colegas, seguidores e apoiadores conservadores, mas não havia mais que meia dúzia de pessoas, após a grande maioria ter dispersado na surdina. Dulla engoliu seco, meio surpresa, meio admirada e meio assustada. Seu rosto enrubesceu como um pimentão. Alexei a encarou com um olhar de satisfação único no mundo, sem nada precisar dizer, pensar ou agir. Apenas olhar para ela despencando do próprio pedestal era a maior e melhor das sensações do mundo.

− Eu vou voltar! – com um olhar diabólico de ódio e raiva, Dulla sussurrou à Alexei, bufando de raiva como um touro vendo a cor vermelha. Sua aura estava pesada e repleta de sentimentos terríveis e assustadores. Alex engoliu seco, meio assustado, mas não se deixou abalar, permanecendo firme e forte.

− Volte quando quiser. Da próxima vez trago um bolo pra você – respondeu confiante, sem se deixar levar pelo medo ou pela inconstância do momento. Dulla olhou para ele uma última vez, o fuzilando com seu olhar branco e assustador, antes de desaparecer no meio da própria multidão, numa fuga desesperada, sendo flanqueada pelos olhares de decepção da irmã.

− Ela ainda se vê comigo, pode ter certeza – Versa afirmou para si mesma – Deixou de ser minha irmã há anos – disse, se voltando à Alexei com um olhar sorridente e confiante – Acho que devemos continuar, enfim? A história não para!

− Nem um instante – Alexei respondeu, sorridente. As pessoas do evento comemoraram de alegria, jogaram confetes e sopraram buzinas, tocaram músicas e dançaram ao som da banda que voltava a tocar "Tô Nem Aí" em comemoração ao dia do vampiro mais doce do mundo. A marcha continuou sagaz, em frente, pela rua, mais pessoas foram se juntando e deixando aquele momento cada vez maior e mais poderoso... Para ficar pra história, definitivamente, o dia que o humanos se uniram pelos vampiros e pela seus direitos como cidadãos. Algo tão significativo que nem mil versões de Dulla Swanna poderiam apagar.

Alexei se sentiu completo: conseguiu se amar, novamente, e sentir o amor de todas as pessoas que estavam ao seu redor... E esse sentimento era tão, mais tão, mais tão poderoso... Que sentimento nenhum no mundo poderia se opor.

E a música continuava, trabalhando mancomunada com o destino, sempre trazendo suas indiretas nada implícitas de tudo que precisava – e viria − acontecer. Tô Nem Aí? Bem, talvez ele esteja um pouquinho aí. O importante era se amar. Se aceitar. Se reinventar. Virar a página... E não deixar a vida estagnar num sentimento ruim.

...

Savine Laurent arrastou o primo, Killian, para a passeata pró direitos dos vampiros sem dizer exatamente para onde o levava. O jovem rapaz de cabelos longos e pretos, com olhos verdes escuros e pele em tom de pão francês moreninho, não parecia alegre naquele passeio entediante por aquela cidade mais entediante ainda. A moça de traços nipônicos, com cabelos cheios de mechas coloridas e um estilo kpoper-otaku-egirl, parecia exageradamente contente em conseguir chegar ao evento antes do fim.

− Savine, para onde a gente vai, afinal? Não aguento mais andar! – afirmou Killian, irritado, sentindo os pés arderem de tanto andar. Savine bufou, irritada.

− Já estamos chegando – ela respondeu, adentrando na multidão e puxando Killian pelo braço – Com licença, por favor – ela dizia a todos que congestionavam sua passagem, depois de já ter os empurrado pra longe, sem acanhamento algum. Killian estava corado de vergonha. Ele, definitivamente, não era um vampiro. – Falei que encontraria com a Vivi por aqui – afirmou. O primo revirou os olhos.

− A gente tinha que estar ajudando o Levi a finalizar a mudança – Killian afirmou a contragosto. Savine revirou os olhos.

− Ah, ele consegue se virar – ela afirmou convicta, colocando alguns corpos para o lado e nadando naquele oceano de desconhecidos – O novo bairro do consultório dele... Você soube onde vai ser?

Killian suspirou, meio desanimado com toda aquela correria.

− Ele disse que seria no Eros Moment— respondeu, meio surpreso.

− Aquele bairro cheio de monstros? – Savine questionou, surpresa, parando e encarando o primo com um olhar assustado.

− O próprio – Killian respondeu – mas, bem, não são monstros... Ele disse que só não são seres humanos... E que eles têm problemas como qualquer pessoa comum – afirmou – Ele meio que foi enganado pela corretora de imóveis... Mas acabou se interessando em ser um psicólogo para eles.

Savine riu com a ironia do destino.

− Logo o medroso do Levi sendo um psicólogo de... monstros? Vampiros, lobisomens, essas coisas – afirmou – Isso não vai terminar bem. Tenho certeza.

− Daria uma boa história, no fim – Killian respondeu – O psicólogo de casais sobrenaturais, que tal? – questionou sorridente. Savine chacoalhou a cabeça.

− Péssimo – afirmou – Vamos logo, a Vivi ainda tá esperando a gente – disse, puxando o primo pelo braço e correndo pela multidão.

− Como chama o cara que organizou essa passeata mesmo?

− Alexei? Acho que isso. 

 


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