Tô Nem Aí escrita por Youth


Capítulo 14
014. O Fantasma do Passado




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Ignácio havia trazido uma toalha limpa e algumas roupas suas para que Alexei se secasse e usasse. A chuva continuava a cair, ininterruptamente, fazendo o barulho da tempestade ressoar por toda residência e acalentar seus corações ansiosos. O vampiro havia permanecido em silêncio, batendo o queixo e tremendo pelo frio tremendo que acompanhava a caminhada sob a chuva repentina.

− Você é muito maluco – Ignácio disse, ajudando a enxugar as costas molhadas de Alexei, num tom de irritação típico de quem se preocupava demais – Meu deus! Quem pega chuva de graça, assim? – questionou. Alexei sorriu.

− Precisava saber como você estava – afirmou convicto das próprias ideias.

− É, e por isso quase pegou uma pneumonia – respondeu, jogando a toalha na cabeça de Alexei e enxugando seus cabelos rosados – Mas por que hoje? – questionou. Alexei engoliu seco. Ele não havia visto o vídeo, supôs. Suspirou profundamente, procurando as melhores palavras.

− Eu estava tentando não ser invasivo nos últimos dias, sabe e... – suspirou. Não ia conseguir mentir assim para alguém que já havia magoado demais – Eu queria te dar um tempo... Que seria bom pra mim também, sabe, para pensar no que eu fiz... No que eu sinto – contou. Ignácio se afastou de Alexei, pegou uma garrafa térmica e despejou um pouco de café num copo, com um olhar preocupado.

− Acho que eu também precisava de um tempo, no fim... Pra entender melhor tudo... – afirmou, envolvendo o copo delicadamente nas mãos de Alexei – Bebe, vai te fazer bem... – se afastou e recostou na bancada da cozinha, cruzando os braços – Mas enfim... O que te preocupou tanto para você esquecer desse tempo que você queria dar? – questionou. Alexei engoliu seco, fechou os olhos e pensou nas melhores palavras.

"Sua mãe é uma protofascita", "sua mãe é amiga da Dulla Swanna" ou "Sua mãe odeia minorias" não pareciam as melhores opções.

− Alexei? – Ignácio questionou, impaciente. Alexei bebericou um pouco do café e se sorveu daquele labor amargo e quente.

− Você viu o vídeo? Da sua mãe com a Dulla Swanna e a Ellen... – questionou. O olhar de Ignácio ficou confuso e perdido.

− Dulla? O que minha mãe ia querer com ela? E quem diabos é Ellen? – questionou. Alexei lembrou-se que havia deixado o celular em casa, então não poderia mostrar o vídeo para Ignácio e se poupar de dar detalhes sórdidos. O homem estava impaciente com os rodeios do vampiro.

− Foi um vídeo atacando, implicitamente, os vampiros... e outras minorias – Alexei respondeu, entristecido. Percebeu o olhar de Ignácio se tornar mais confuso, envergonhado e triste – Algo no maior estilo "o nascimento de uma nação", sabe? Falando de patriotismo e tudo... – Alexei riu, lembrando do cinismo das mulheres no vídeo – Com aquele discurso "não sou racista", mas só falando coisas racistas... Chamaram os vampiros de raça amarga... Disseram que passamos doenças e essas coisas... – suspirou e bebeu mais um pouco de café.

Ignácio estava boquiaberto, com um olhar absurdamente desapontado, entristecido e magoado. Alexei pôde sentir a tristeza percorrer no corpo do homem e fazer seu coração obscurecer em desamor e desesperança, e percebia lágrimas rebeldes tentando escapar pelos cantos dos olhos.

− Eu... – Ignácio tentou dizer, antes de ser interrompido pelas próprias lágrimas e pelo próprio nervosismo. Se virou, tentando evitar que Alexei as visse, envergonhado – Eu sinto muito... Eu... Eu...

Alexei se compadeceu pelo homem. Suspirou, deixou a toalha de lado, se aproximou e lhe envolveu em um caloroso abraço, agora que já estava praticamente seco e com a pele mais quente, graças ao café, as toalhas e as roupas secas. Ignácio chorava copiosamente, chegando a soluçar diversas vezes. Alex nada dizia, apenas o acalentava com todo calor de seu carinho e afeto, o deixando se envolver pelo abraço e conduzir seus pensamentos para um local em que não houvessem tantos problemas pendentes. Conhecia muito bem essa sensação: a de se decepcionar descomunalmente com alguém que tanto amava. Havia experimentado isso com Nico, com Ramona, com a mãe, com o pai, com Dominic...

Ficaram ali, envoltos naquela imensidão de caos sentimental, num abraço super protetor e afetuoso, num compartilhamento intenso e constante de bons sentimentos, pensamentos e boas energias, acalentados pelo poder do compadecimento e da compaixão. Havia um silêncio tremendo. Era tudo que precisavam: contemplar um o carinho do outro, sem mais palavras, sem mais problemas, sem mais complicações e contratempos e artimanhas do destino. Só um homem, seu vampiro e a troca de calor entre dois corpos frios pela tempestade lá fora e também pela tempestade dentro de seus corações. Alexei sabia o que era estar numa intempérie emocional e conhecia muito bem o caminho que Ignácio passaria... Então não foi difícil compreender que o que ele mais precisava naquele momento era, no fim de tudo, além de sua busca interminável pelo contrário, colo. No fim das contas, ao contrário das palavras de Versa, ter o colo de alguém, de vez em quando, é tudo que alguém precisa para poder tomar as decisões mais certeiras e conseguir solucionar sua infinidade de problemas intrínsecos e extrínsecos. Colo em excesso vicia, mas colo, em situações tão dolorosas, é essencial.

Ignácio virou-se, após alguns minutos envolto naquele chamego, ficou cara a cara com Alexei, com um olhar profundo e ausente. Não se podia dizer o que passava em seus pensamentos. O vampiro acreditava que nem Ramona teria o poder de ler sua mente. Estavam rosto a rosto, olhos nos olhos. Uma energia descomunal, como poder de um imã, fazia com que suas bocas se atraíssem, com o poder dos dois polos, negativo e positivo. Os olhos de Ignácio não resguardavam tanta magia e rebeldia como outrora. Estavam mais negros que o normal, tristes, machucados. Seu cheiro era... estranhamente triste. Mas, ainda assim, Alexei sentia vontade de provar de toda sua virtude.

− Desculpe – Ignácio disse, num tom cabisbaixo e envergonhado, se desentrelaçando de Alexei e se afastando, enquanto alisava a nuca – Agora acho que eu preciso de um tempo – afirmou, envergonhado. Alexei podia sentir o sangue do homem correr lentamente, quase como em desamor, arrependimento, medo e angústia.

− Ele tem medo... Mais medo de se assumir agora do que antes— Alexei pensou, entristecido — É claro... E isso mais uma vez vai nos impedir de ficar juntos.— Alexei suspirou, engoliu seco, deu uma última olhada, envergonhado, na clínica e questionou, meio tímido.

− Me empresta o guarda-chuva? – Ignácio anuiu, com um chacoalhar de cabeça, sem sequer encontrar seus olhos nos do vampiro. Alexei se preencheu por uma tristeza e uma desesperança monstruosas, fez o possível para não cair em lágrimas diante dele e fez menção a sair, mas deu meia volta – Você não está sozinho nisso. Por mais mal que eu tenha te feito... Eu sempre vou estar aqui – afirmou, com toda convicção que ainda guardava no coração, e saiu.

Ignácio continuou estático, preenchido pela vergonha, pelo medo e pela desesperança, enquanto chorava por não ter tido coragem o suficiente de enfrentar todos os seus demônios para poder ser feliz por inteiro.

Alexei havia acabado de chegar ao prédio, quando encontrou Leia e Sehu no caminho e aceitou um convite para tomar um chá e conversar. O casal percebeu que o vampiro não estava nos melhores momentos, visivelmente, e insistiram para poder conversar e ouvir tudo que o afligia.

Sehu serviu chá de camomila com maracujá e biscoitos de aveia zero açúcar que tinham gosto e textura de sola de sapato velho.

− Eu realmente não sei o que fazer mais, sabe? Parece que eu já tentei de tudo para tirar minha vida desse buraco que eu entrei desde que eu e o Dominic terminamos... Mas nada funciona – Alexei afirmou, absurdamente triste – Quando as coisas parecem estar entrando nos eixos, quando tudo parece estar próximo a se resolver, aparece algum fato novo e dificulta tudo de novo.

Leia suspirou. Sehu cruzou as pernas.

− Esse fato novo seria Dulla Swanna, eu acredito – Leia acertou em cheio. Alexei bufou. Meu deus, como aquela mulher era ardilosa! Sempre comendo pelas beiradas, esperando o momento certo para atacar.

− Mano, aquele vídeo dela... Que sinistro – Sehu afirmou, comendo dois biscoitos de uma única vez – Sério, até eu que nem eu que sou de uma minoria, senti que aquela mensagem era pra mim... Fiquei com medo real – contou. Leia passou a mão nas costas do namorado, em compadecimento.

− É, eu acho que toda pessoa boa, independentemente de ser parte ou não de uma minoria, viria a ficar mal com aquele vídeo – Leia afirmou, convicta – Meu deus... Aquilo é de um retrocesso tão grande! Parece que voltamos a época das fogueiras dos anos noventa! – Alexei engoliu seco, lembrando-se vagamente da terrível onda de "caça" aos vampiros promovidas por iniciativas populares de justiceiros locais. Muitas pessoas inocentes foram queimadas vivas unicamente por serem vampiras... Só pararam mesmo quando descobriram que alguns humanos foram confundidos e assassinados também. Nessa época havia tirado férias de anos, com Ramona e Dominic, para uma ilhazinha do Caribe. – Esse discursinho de "querem corromper nossas famílias" é tão fajuto... – afirmou, bebericando um pouco de chá.

Alexei suspirou, encarando o reflexo no chã dourado na xícara em suas mãos, entristecido. Ignácio o preocupava mais do que a menção de qualquer coisa que pudesse acontecer como consequência do vídeo de Dulla Swanna e Ellen.

− Mas acho que não é isso que tá te deixando triste, né Alex? – Leia afirmou. Alexei anuiu.

− É alguém... Alguém com que eu me importo... – afirmou, deixando a xícara de lado e fixando seu olhar os amigos – Eu demorei tanto para perceber que me importava com ele, sabe? Pra perceber como ele é especial pra mim... – e foi a primeira vez que conseguiu dizer aquilo por fruto da própria vontade.

Sim. Ignácio Cruz era especial para Alexei Boaventura. E não há medo, baixa autoestima, falta de confiança, Consuelas, Ellens, ou Dullas Swannas no mundo que poderiam mudar isso.

− E quando percebeu era tarde demais? – Sehu questionou, jogando os longos cabelos negros para o lado. Alexei riu.

− Não sei se é tarde... Mas também não sei se é o que ele quer mais... – afirmou, com um sorriso melancólico – Ele tem medo de machucar alguém... Se continuar insistindo em ser quem ele é.

− Então ele simplesmente tem que fingir ser uma pessoa só pra preservar alguém? – o tom de Leia era indignado e irritado, segurando a xícara com o dedinho levantado – Gente? Que falta de empatia da pessoa!

− Nossa, cara, eu nem imagino como deve ser isso – Sehu afirmou, distante em divagações – Ter que fazer a vida de teatro só pra agradar uma pessoa... Caramba...

Alexei riu baixinho. Havia vivido teatros por tantos anos de sua vida, sempre com medo de ser descoberto. Só pôde se aliviar minimamente quando vampiros foram integrados na sociedade mundial, no comecinho dos anos dois mil... E, até hoje, sente como se fosse ser atacado a qualquer momento por ser quem era... E de certa forma foi:

"Existe uma nação inteira de pessoas patriotas de bem ao seu lado, para lutar contra todo esse mal maior." — recordou-se e engoliu seco, assustado.

− Eu não sei quem é essa pessoa e prefiro que você nem me conte pra preservar ela, Alexei – Leia começou, num tom confiante e livre de hesitações – Mas tem uma coisa que você tem que dizer pra ela: não se vive plenamente... – Leia se aproximou de Alexei – enquanto não se enfrenta todas as amarras que querem limitar seu voo – se afastou novamente e bebeu um pouco de chá – É assim, sempre foi. A liberdade não se conquista com paciência, mas sim com coragem. Me diz você, Alex, conquistou sua liberdade para com Dominic perdoando ele mais uma vez, ou tendo coragem o suficiente para dar um basta em tudo, independentemente de tudo que haviam vivido antes? – Alexei engoliu seco. Ela estava certa. Não só com Dominic, mas também com Nico: poderia ter continuado como mais um fantoche dele, não tivesse tido coragem o suficiente pra fugir com Ramona e recomeçar sua vida longe dali.

− Caralho, amor, como você fica sexy quando fala essas coisas inteligentes – Sehu disse, hipnotizado pela beleza de sua namorada. Leia ficou cheia de si, com um olhar confiante, e sorriu – Parece minha antiga professora Dona Melina – sussurrou, fazendo com que a namorada revirasse os olhos e arqueasse as sobrancelhas, enciumada. Alexei riu baixinho, deixou a xícara de lado e observou como os dois se completavam perfeitamente, como ele achou que era com Dominic em outros tempos: Leia era a inteligência, a racionalidade, Sehu era o instinto, o alívio cômico.

− Me digam – Alexei começou mudando severamente de assunto – Vocês acham que depender de alguém que se ama... É estar preso? – questionou. Sehu e Leia se entreolharam por longos instantes, como se lessem a mente um do outro.

− Acho que depende – Leia disse, Sehu concordou – Acho que o amor não prende... Ele só liberta – afirmou. Sehu murmurou.

− É... O que prende acho que é o medo, não sei, saca? – completou perfeitamente a fala da namorada – O que nem sempre é algo ruim... Meu medo de viver sem a Leia me prende à ela, mas isso não é tóxico pra mim... Por que eu e ela sabemos nos dar liberdade nos limites necessários – afirmou. Leia concordou.

− É, exatamente, sabe – ela continuou – Depender alguém tão te torna um "cativo do amor", talvez um viciado, mas não um cativo... Não. Definitivamente – a moça suspirou e alisou os cabelos – Um filho depende de uma mãe mesmo depois de velho, por exemplo, quando precisa de colo – afirmou. Alexei lembrou-se de imediato de Ignácio e Consuela – E isso não o torna cativo do amor dela, mas, uma mãe que prende o filho em casa, não o deixa crescer, não o deixa viver a própria vida e coloca ele dentro de um "quadrado funcional", limitando toda sua existência... Isso sim é estar cativo de um amor obsessivo.

− Eu estar preso à um relacionamento, em que era traído sucessivas vezes, não podia fazer minhas próprias escolhas, estava sempre me moldando para encaixar nos padrões e agradar meu ex, limitando minhas próprias escolhas e me privando de liberdades... Isso é ser vítima de uma obsessão? – Alexei questionou.

− Definitivamente – o casal respondeu em uníssono. Alexei suspirou.

− Deixa eu adivinhar: agora que você tem a chance de viver algo diferente você tem medo que tudo se repita? – Sehu questionou, numa iluminação de razão inesperada, inclusive. Alexei, surpreso, anuiu. Leia arqueou as sobrancelhas.

− É normal – afirmou Leia – Devia conversar com sua terapeuta sobre isso. É um trauma, Alexei, e ele roubou as chaves da sua liberdade do Dominic – disse convicta, enquanto bebia o último gole de chá – Agora ele quem te vigia na sua cela e te impede de seguir em frente.

Alexei engoliu seco.

− E como eu me livro disso? – questionou impaciente. Leia e Sehu se entreolharam.

− Não faço ideia – ela afirmou.

− Bom, eu fiz dois semestres de faculdade de psicologia – e isso era informação exaustivamente inesperada, que fez o queixo de Alexei cair no chão às palavras de Sehu – Um trauma não acaba até que você o enfrente – afirmou. Alexei suspirou.

− Então eu devo enfrentar o Dominic? – questionou, sendo que no fundo ele já sabia a resposta. Leia e Sehu se entreolharam, novamente, e sorriram. Alexei pigarreou, alisou a nuca e deixou a xícara de chá sobre a mesinha.

− Boa sorte – eles disseram, quando Alexei já estava de saída, disposto a enfrentar seus demônios.

Alexei atendeu a ligação de Roman quando já estava embarcando no ônibus, com a chuva já cedido espaço para o tempo se abrir, finalmente. Estava convicto com a ideia de ir até Dominic e encarar o algoz de seus traumas.

− A procuração já foi aprovada – Roman disse, animado – Vou entrar com o processo no fórum. Vou pedir restituição do que foi pego e correção monetária. Posso pedir também multa por constrangimento – contou. Alexei suspirou.

− Pede tudo que for possível, por favor – afirmou – Queria mesmo era saber o que o Dominic fez com cinquenta mil... – sussurrou.

− Já vou colocar um pedido de quebra de sigilo bancário na petição – afirmou, meio ofegante, como se estivesse correndo – Meu deus, as escadas do fórum são um inferno. Por isso preferi trabalhar em delegacias.

Alexei riu baixinho.

− Pede isso sim, por favor, mas hoje mesmo eu descubro o que aquele filho da mãe tá planejando – Alexei afirmou. Roman pigarreou, confuso.

− O que você pretende?

− Enfrentar meus fantasmas do passado.

Vivi não demorou para abrir a porta quando percebeu quem tocava o interfone. Alexei teve a impressão de ver um sorriso de alívio no rosto da garota, como se passasse por um grande sufoco. O vampiro não duvidava que Dominic estava irredutivelmente irritante nos últimos dias. Suspirou.

A moça nipônica pegou Alex pelo braço e o puxou para um canto antes que ele entrasse por completo no estúdio.

− Por favor... Não conte que foi eu quem te falou! – suplicou. Alexei sorriu, compadecido, e anuiu. Vivi suspirou aliviada novamente e o deixou seguir.

O caminho para o estúdio era um corredor escuro e frio. Tantas vezes Alexei disse para Dominic colocar iluminação ali, para que não parecesse tão morto e obscuro, mas ele nunca o escutava. Lembrou-se da última vez que havia tomado aquele caminho, quando voltou mais cedo de uma viagem de negócios e resolveu fazer uma surpresa para o amado... Mal sabia ele que quem teria a surpresa era si próprio. A imagem de Edric e Dominic se atracando como dois apaixonados nunca poderia sair de suas memórias... E era justamente isso, o fato de que tais lembranças nunca serem superadas e sempre moldarem suas decisões, que estagnava sua vida num momento em que ele não podia viver plenamente, sempre preso as amarras do medo, do trauma. Alexei engoliu seco, parou por alguns instantes, suspirou profundamente procurando suas forças e seguiu. Sentia seu estômago arder como em lava, seu sangue queimar numa corrida frenética e interminável, causando atrito com as paredes de suas veias. O coração pulsava mais rápido que nunca: estava mais vivo do que nunca havia estado antes.

Não bateu na porta. Empurrou com as duas mãos, com um olhar forçosamente entediado e irritado, e um sorriso exageradamente elegante. Dominic estava centrando em sua câmera, analisando fotos que havia acabado de tirar. Levou um susto tão grande com o som das portas se abrindo que quase caiu. Quando seus olhos se encontraram com a imagem confiante de Alexei, engoliu seco e tentou transparecer a maior calma possível.

− Eu diria que é bom te ver – Alexei afirmou, adentrando o estúdio em passos confiantes, quase como o melhor do "catwalk" das modelos do Victória Secrets. Levava um braço em arco na cintura – Mas eu ia estar mentindo – completou, se aproximando de Dominic o suficiente para ficar, finalmente, cara a cara com o algoz de todas as suas dores.

Estavam ali: rosto a rosto, nariz a nariz, olhos a olhos. Tão próximos que um podia sentir o cheiro do outro. A tensão estava tão pesada que podia ser cortada por uma faca. Alexei tinha um sorriso confiante tão grande, exalando indignação, raiva e arrependimento. O olhar de Dominic era puro ódio, amargura e desamor.

Tal qual mais cedo, quando procurava as melhores palavras para cativar Ignácio Cruz, Alexei sentiu todos seus momentos, todas as suas memórias, seus arrependimentos, seus sentimentos e seus medos voltarem num milésimo de segundo que pareceu durar uma eternidade. Sentiu seu corpo estremecer pelo ardor das lembranças invadindo sua mente e tentando corromper sua confiança, tentando lhe obrigar a se encolher no próprio medo e ficar com o rabo entre as pernas, enquanto voltava para a gaiola que pertenceu a Dominic, também a Nico e agora estava nas mãos dos traumas. Fechou os olhos, suspirou profundamente e se preencheu de tudo que havia aprendido nos últimos dias:

"Porque você não sabe ser suficiente para si mesmo e procura sempre alguma coisa para preencher essa sua vidinha e esse seu coraçãozinho fragilizado de merda"... "Quando é o momento quando se tem a eternidade por completo pela frente?"... "Não deixa o medo te privar das coisas, cara, você já ficou muito tempo privado de tudo"... "Aproveite sua vida. Essa é a única loucura com que você deve se preocupar em cumprir."... "É um trauma, Alexei, e ele roubou as chaves da sua liberdade do Dominic, agora ele quem te vigia na sua cela e te impede de seguir em frente".

"Não adianta viver cinquenta anos, se você não foi feliz verdadeiramente nem sequer em um" – as palavras de Teresa em suas memórias arrebataram as últimas dúvidas que permaneciam no coração de Alexei. O vampiro abriu os olhos, sorriu e disse para si mesmo:

− Não mais.

− Alexei? O que você quer? – Dominic questionou, com um olhar surpreso e confuso. Alexei se afastou e caminhou pelo estúdio, com uma risada num tom cínico e irritado.

− E você ainda pergunta? – Dominic cruzou os braços – Achou que fosse esconder por quanto tempo? – questionou. Dominic coçou os cabelos, confuso – Engraçado como essa fala poderia ser usada hoje, como também há o que... Dois, três meses atrás? Quando te peguei aqui com Edric – e riu, encontrando a graça e a ironia do destino. Essa lembrança, pela primeira vez, não lhe trouxe dor... Só uma sensação estranha de livramento. Sentiu-se grato por Edric.

− Então é por isso? – Dominic sentenciou, deixando a câmera de lado – Três meses que me deixou e ainda quer explicações? – questionou irritado. Alexei fechou a cara.

− Eu caguei para suas explicações – respondeu – Demorei muito, confesso, mas percebi o quão insignificante isso era pra mim. (− Posso dizer que demorei tanto que só percebi mesmo na hora H, pensou) – e se sentou numa das cadeiras no estúdio, de couro, dura como pedra.

− Então o que você quer? Não tenho tempo pra suas maluquices – afirmou Dominic, com um olhar impaciente. Alexei se levantou de supetão, se aproximou e olhou o ex no fundo dos olhos.

− Eu quero o dinheiro que você roubou de mim! – gritou, irritado. Dominic se afastou, com uma risada cínica. Alexei engoliu seco.

− Ah, era por isso – disse em tom de zombação – Bem, tecnicamente eu não roubei nada porque a conta era minha também... – respondeu cinicamente. Alexei cerrou os olhos, irritado.

− Meu deus como você é repulsivo – afirmou – ERA NOSSA! Nossa! Isso não te dá o direito de ir até lá e rapar noventa por cento do que tinha! – Dominic deu de ombros.

− Eu ia te devolver de qualquer jeito, não precisa se estressar tanto – afirmou – Soube que você tem estado muito instável, em? Até fazendo terapia... – e riu, amargamente. Alexei se questionou como alguém poderia ser tão sujo ao ponto de fazer piada de um mal mental que ele mesmo semeou. Todavia, não ia se deixar abalar pela provocação de Domi. Suspirou e sorriu.

− Acho que você devia fazer também, sabe – respondeu – Com certeza algum psicólogo vai explicar por que você não consegue ficar com seu pau dentro da calça quando vê um homem... Ah isso, claro, se antes você não tentar comer ele – disse. Dominic revirou os olhos.

− Você mudou bastante, em? Falou dois palavrões numa mesma frase – e riu, olhando Alexei de cima a baixo – Daqui a pouco vai conseguir ter coragem o suficiente pra tentar arrumar outro – Alex sorriu, empolgado, com um sorriso que podia significar mil e uma coisas. Dominic se contentou a entender como um "você não faz ideia do quanto de coragem tenho tido"— Espera... Já encontrou outro cara? – ele questionou, mais num tom amargurado que irritado.

− Não te devo satisfações – "não mais", Alexei pensou. Dominic coçou os olhos e forçou um riso.

− Não me importa de qualquer forma... Não deve durar. Você é doido demais pra isso.

− Sim, a gente durou só cinquenta anos, não é? – Alexei riu e cruzou as pernas – Se bem que isso só prova que sou doido mesmo... Pra te aguentar por tanto tempo. Agora... Meu dinheiro. Para de enrolação.

Dominic coçou a nuca e suspirou.

− Gastei – respondeu. Alexei arregalou os olhos, irritado.

− O que? Como se gasta cinquenta mil em tão pouco tempo? – questionou.

− Comprei um imóvel... – respondeu, com um ar irônico – Bem perto da sua confeitaria, inclusive...

"Não sei se você se interessa tanto por isso, mas tinham deixado à venda a casa da antiga Padaria Sonhos de Mel..." "Já venderam, amor" — lembrou-se da conversa com Sehu e Leia. Alexei ficou boquiaberto tom tamanha surpresa.

− Meu deus como você é sujo! – Alexei afirmou, com ódio nos olhos – Foi você quem comprou o imóvel da Sonhos de Mel! Você sabia que eu estava de olho nele faziam meses! É óbvio! Comprou só pra fazer birra! – disse, com a voz quase esganiçada de tanto fazer esforço para passar toda sua raiva e inconformidade. Dominic riu.

− Não exagera – respondeu, com um olhar cínico – Era um ótimo local para meu negócio – respondeu. Alexei quem riu agora, de pura raiva condensada.

− Você sabe muito bem que as porcarias das suas fotografias só vendem aqui no centro, imbecil – afirmou – Você já tentou abrir um estúdio na rua uma vez, lembra? Não fez sequer UM cliente!

E Dominic sorriu diabolicamente, deixando evidente que estava escondendo alguma coisa.

− Não que seja do seu interesse, mas eu me referia ao meu outro negócio – afirmou, com uma grande ênfase no outro.

− Que diabo de outro negócio? – questionou, irritado. Dominic se preparou para falar, mas foi interrompido por uma chegada às costas de Alexei.

− Morceguinho? – Alexei não conhecia aquela voz. Se virou de imediato e encontrou um rosto jovem, pele bronzeada e olhos redondos. Essa pessoa, sim, ele conhecia.

Kol? – Alexei exclamou surpreso, se lembrando do rapaz que havia lhe bloqueado no aplicativo de pegação. Desviou o olhar para Dominic, de olhos arregalados e sobrancelhas arqueadas – Que porra é essa? – questionou. Domi riu, se aproximando de Kol, lhe envolvendo num beijo frenético. O rapaz tinha um olhar vilanesco e confiante.

− Não sabia que vocês já se conheciam – Dominic afirmou – De qualquer forma, é o meu novo sócio... Para a vida e para minha nova empreitada – respondeu. Alexei ficou atônito demais com a ironia do destino para poder responder – Vamos abrir uma confeitaria.

 

 

 


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