Nos teus olhos enxerguei o infinito escrita por Sebastian


Capítulo 5
Poeira de Estrela


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Adam 

Adam ficou no cemitério até o cair da noite, sentado ao lado do túmulo, tendo  o silêncio como seu melhor amigo. Quando as primeiras estrelas brilharam, iniciou o caminho de volta para casa. O ar refrescante de verão invadiu seus pulmões, enquanto retorna para a carruagem e ao entrar sente seu corpo doer por inteiro — não é físico, é uma dor nos ossos e articulações que vai além do seu ser. Não há uma posição confortável para ficar ali ou em qualquer outro lugar, a vida parece ter perdido o sentido. Não é a primeira vez que encara o luto, quando enterrou seus pais sentiu a mesma coisa, mas agora é diferente — de alguma forma se sente culpado. Deveria ter deixado Helena partir, seguir com seus deveres e tê-la esquecido, mas que diferença faria? Ela ainda estaria nas mãos daquele monstro. Adam não sabe, cada vez que pensa, tudo se torna mais confuso. Acabou. Não há porquê pensar no que foi ou no que poderia ter sido, cada “e se” faz seu cérebro dilatar e um nó se forma em sua garganta. 

Ele sabe que, apesar da falta de menções, a mãe de Helena o culpa de alguma maneira, como foi tolo — cedeu uma parte de Hillton, fez acordos políticos e tudo o que estava em seu alcance para desmanchar o casamento a qual ela havia sido prometida. Nada adiantou. Harold ainda se sentiu lesado e desonrado, as fofocas que rodavam por todo reino e boatos de traição. No entanto, sabe que nada disso importou para aquele abutre, tudo o que ele mais desejava eram os benefícios após o casamento com Helena — afinal, ela veio de um lugar tão promissor quanto Hillton — a promessa de poder quase firmou aquele matrimônio. A balança da justiça pesa sobre sua cabeça, o que mais quer agora é provar o envolvimento de Harold no crime, nem que custe sua vida.

A carruagem para, Adam sente um enorme arrepio junto com o vazio que o preenche por inteiro, o pesadelo se torna real mais uma vez: sua amada não estará lá, esperando-o para um abraço e mais uma leitura ou observação de estrelas. A parte terrível sobre perder alguém são os dias que se seguem depois — tristes, vazios e sem a menor graça — é se acostumar com a morte. Ele nunca vai se habituar, tudo naquele lugar o faz lembrar dela, até mesmo olhar para o céu. 

O cocheiro abre a porta e o ar se torna frio. 

— Senhor. — O homem o cumprimenta. 

— Obrigado, Luther — fala com a voz um tanto baixa. 

Neste momento, segue pelo jardim de entrada devagar e vislumbra as luzes acesas da mansão, tia Louise ainda está em casa. Ele continua a caminhar, dando a volta pela residência, passa pelo chafariz e pelo labirinto que o levaria até o jardim secreto. No entanto, permanece andando — a mansão fica localizada no alto de uma colina e abaixo dela, o mar se estende. Perto da trilha que leva até a praia há um banco que fica de frente para o horizonte e a imensidão azul, lembra-se de passar dias com Helena por lá. Há alguém sentado ali, tia Louise. Adam se aproxima, sentando-se ao lado dela. O silêncio permanece como um hóspede indesejado entre os dois. 

— Achei que estivesse dormindo. — Ele dá a primeira palavra. 

— Hoje não é um bom dia para dormir. — Ela parece estável. — A cabeça não para. — Há algo leve em sua voz. 

O rapaz permanece quieto e vislumbra a bela paisagem noturna com o vento salgado batendo em seu rosto. 

— Como está Anna? — Adam indaga com medo da resposta. 

— Como qualquer mãe nesta situação, inconformada. 

— Ela está me culpando, não é?

Louise o encara com seus olhos gentis e um sorriso leve aparece no canto de sua boca. 

— Não, querido. — A senhora entrelaça suas mãos na dele, beijando-a. — Isso é você quem está falando. Anna nunca irá culpá-lo pelo que aconteceu. Foi uma tragédia quase evitável, mas não previsível. — Mais um minuto de silêncio. — Acho melhor passar um tempo comigo em Stanfield, lá o ar é puro. 

— É um convite muito adorável, mas não vou conseguir sair daqui. 

— Ainda é jovem, Adam, a vida continua, por mais difícil que pareça a jornada. Eu a amava tanto quanto você, ela tinha o mesmo espírito livre do meu irmão e depois do meu sobrinho. — Ela sorriu com a lembranças. — Poeira de estrela que voa para todos os lados e pertence a todos os lugares, pessoas assim tendem a nos ensinar muitas coisas, mas não ficam por muito tempo. 

Louise era tia-avó de Helena, era como uma filha e uma parte de si, embora não a visse com tanta frequência. A família dela sempre foi muito unida, cheia de irmãos e irmãs, tios e tias, as festividades eram sempre muito animadas. Adam foi adotado por seu irmão mais velho, Leo e Helena era filha de Nicolau, o irmão do meio. As crianças cresceram e conheceram o amor um do outro, Louise sempre foi a maior entusiasta do romance apesar do trágico fim. Ainda que tenha amado a sobrinha com todas as suas forças, sabe que não foi justo tê-la perdido tão cedo.

— Ela não partiu simplesmente, foi abatida como um animal. 

— Adam. — Louise o repreendeu, a forma como o rapaz falou a machucou por dentro. — Não diga mais uma palavra, a dor transforma as pessoas. 

— Desculpa, eu não quis te magoar. — Ele levanta, irritado consigo mesmo e envergonhado. — Só quero justiça, que saibam quem fez isso. 

— Está nas entrelinhas, não precisa ser dito. Derrube-o Adam, mas como uma lebre esperta e não como uma raposa traiçoeira. — Ela ergue o corpo do banco, aproxima-se do rapaz e toca seu rosto. — Faça sua justiça, jogue aquele cão na sarjeta. 

Tia Louise tem um jeito engraçado e estranho de dizer o que é necessário, todos sabem o que aconteceu no casamento e a razão, o nome de Morghan Harold está na cabeça deles, acontece que pensar não é provar. Adam fica instantaneamente mais calmo, um fio de esperança e coragem preenchem seu coração. Ele contempla seus olhos, cheios d' água, mas ela se esforça para não chorar. Está destruída por dentro, mesmo que não queira mostrar vulnerabilidade. 

— Tente descansar, querido. — A mulher se retira do lugar, com passos curtos. 

Adam fica mais uma vez sozinho com seus pensamentos, senta-se novamente e passa a noite contemplando o céu até que as estrelas desaparecem, dando lugar aos tons róseos e alaranjados da alvorada. 


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