CRY BABY - The Storyfic escrita por puremelodrama


Capítulo 5
Alphabet Boy




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/784997/chapter/5

 Nos dias que se seguiram, a cabeça de Melanie focara unicamente naquele fatídico dia. Durante a noite, não conseguia conter suas lágrimas, se recordando do terror que fora submetida, e do maldito carrossel. Ainda sentia arrepios na pele quando se lembrava. O sonho da noite passada lhe amedrontara tanto que não conseguiu voltar a dormir.

 Novamente, estava no festival. A princípio, estava sozinha. Sua única companhia eram as milhares de placas e setas indicando caminhos por quais seguir. Olhou ao redor, o festival estava escuro e sombrio, não havia uma única alma viva e nenhum brinquedo funcionava. Correu para onde as placas lhe mandavam ir e avistou uma única fonte de luz em todo o parque. O carrossel estava funcionando normalmente, e, à sua frente, Alexandre, claramente esperando por Melanie. Seu corpo era atraído por ele, como um ímã, sua mente, porém, gritava para que corresse para longe dali. Alexandre estendeu a mão e o carrossel parou de girar. Melanie segurou a mão do garoto, contra a sua vontade, e ele a puxou para dentro do brinquedo. Alex a sentou em um dos cavalos e ficou em pé, fitando o rosto dela, enquanto o brinquedo voltava a girar.

 Melanie sabia que não deveria estar ali, e lutava o máximo que conseguia para escapar, mas era como se alguma coisa estivesse prendendo-a ao cavalo de plástico, como uma cola. Não tinha ideia de como havia acontecido, mas, quando notou, suas mãos estavam presas a uma corda na barra de ferro do cavalo. Debateu-se. Seus pés também estavam presos.

 Tentou gritar para que Alexandre a tirasse dali, mas sua voz havia sumido, assim como Alexandre. O carrossel continuava girando, parecia que nunca iria parar. Melanie ouviu alguns risos e olhou na direção de onde vinham. Fora do carrossel, avistou as duas meninas mais velhas que vira no festival. As meninas apontavam em direção à Melanie, risos debochados escapavam de seus lábios. Do outro lado, o homem fantasma, a fitando de modo aterrorizante, o mesmo sorriso fino de seus pesadelos lhe perseguindo mais uma vez. O carrossel girou mais um pouco. Alexandre. Parado do lado de fora, lhe dirigia um olhar maldoso e um sorriso de escárnio. Os quatro continuavam a observá-la, todos com expressões parecidas.

 Melanie continuava a se debater. Era impossível sair dali. Sentiu súbita tontura e enjoo, e, depois de voltas sem fim, colocou tudo para fora, sentindo a garganta doer. Nesse instante, o carrossel parou e se apagou. As cordas haviam sumido, assim como aqueles quatro pesadelos. Melanie viu-se livre e pôs-se a correr sem parar, mas não encontrava saída alguma.

 As placas que antes lhe indicavam apenas uma direção, agora apontavam para todas elas, para cima, para baixo, lados e diagonais. Melanie rodeava o festival com os olhos. Não havia saída, somente uma infinidade de placas e direções sem caminho. Então, o chão começou a se abrir aos seus pés. Melanie caiu gritando na escuridão, tendo um último vislumbre do homem fantasma lhe dando um aceno lá de cima.

 Acordou sobressaltada e imediatamente desceu à cozinha para beber um copo d'água. Quando voltou, não sentia mais sono, e não se incomodava, pelo menos não sonharia mais. Porém, quando Melanie não ia até os sonhos escuros, eles vinham até ela, pois, na manhã seguinte, uma visita batendo à porta a fizera gelar. Richard Thomson. Ao seu lado, Alexandre Thomson. Ninguém ali parecia feliz.

 O primeiro ato de Richard Thomson diante das garotas Martinez foi tirar a cartola como sinal de respeito, ou luto, ou seja lá o que quisesse transmitir. Pediu desculpas pelo incômodo, e, com a voz falha, questionou Murcy a respeito de seu marido.

 — Me desculpe mais uma vez, senhora Martinez, mas não tenho visto Jose nos últimos dias. A última vez que nos falamos fora no jantar em sua bela casa. O que aconteceu? Está doente?

 Melanie podia apostar que, naquele momento, ela esbanjava tensão, e, caso alguém tivesse dúvidas, seus dedos trêmulos confirmariam. Fitou a mãe (habitualmente bem arrumada e bastante maquiada), que arqueara uma sobrancelha, como se o desaparecimento de Jose fosse alguma novidade.

 — Queira me perdoar, Sr. Thomson, mas creio que tenha se esquecido de que mandara Jose em uma viagem a negócios.

 Richard pareceu confuso. Respondeu que não havia lhe mandando em viagem alguma. Murcy, quase convincente, assumiu um ar de preocupação.

 — Oh! ­— Murcy colocou uma das mãos no peito. Melanie quase esqueceu que estava tensa quando uma súbita vontade de revirar os olhos lhe invadiu. — Mas foi isso o que ele me disse antes de partir dias atrás...

 Melanie se permitiu olhar de relance para o Thomson menor. Alexandre fitava Melanie fixamente com expressão de tédio. Rapidamente desviou o olhar, já se sentindo assustada novamente, recordando o festival e o carrossel.

 — Ah, meu Deus... — o tom na voz de Richard Thomson denunciava a sua vontade de chorar. — Primeiro, minha esposa desaparece, em seguida meu empregado... Mas que diabos está acontecendo nessa cidade?

 Murcy começou a choramingar, uma das mãos tampando a boca, como se não conseguisse acreditar. Em seguida, pulou no senhor Thomson e lhe deu um forte abraço, esperando ser consolada. Richard, assustado com o ato repentino, deu-lhe apenas alguns tapinhas nas costas e rapidamente a afastou.

 Antes de partir, Richard Thomson jurou à Murcy que não descansaria até que Jane e Jose fossem encontrados, e prometeu que a avisaria imediatamente quando soubesse de algo. Alexandre saiu segundos depois do pai, sem dizer uma palavra. Murcy despediu-se de voz chorosa e, logo em seguida, trancou a porta, qualquer sinal de tristeza e preocupação evaporando no ar.

 — Nem precisa se dar ao trabalho, queridinho — Murcy disse, saindo saltitante.

 Apesar de saber que, algum dia, Murcy seria descoberta, Mel sentia alívio por ter ganhado tempo. Se continuasse sendo quase convincente, talvez a descobrissem somente quando Melanie já tivesse idade e estivesse fora de casa, sem qualquer risco de ser mandada para um orfanato.

 Decidiu que iria logo para o colégio, antes que mais alguém aparecesse em sua porta.

 Para sua surpresa, Francis Walter não lhe perturbara quando passara pelo portão da escola. Permitiu-se até se perguntar onde ele poderia estar. Ao correr os olhos pelo pátio, viu que ele discutia com um menino que Melanie nunca vira antes. Uma turminha de alunos os circundava, observando a cena.

 O menino era muito mais baixo e magro do que Francis, uma verdadeira criancinha, mas parecia carregar um ar de superioridade maior do que qualquer um por ali. O menininho falava sem medo do gigante à sua frente, o que fez Melanie se perguntar que tipo de coragem aquela criança possuía. Walter aparentava querer pular na garganta do menino, mas logo uma das professoras apareceu e empurrou todos para dentro da escola.

 Melanie correu para a sala e sentou-se em seu lugar. O sinal tocou, indicando que a aula começaria naquele instante. Num piscar de olhos, a sala se encheu dos outros alunos, e, logo depois, a professora chegou. Amelie McGee era uma jovem alta e magra, tinha cabelos curtos cor de mel e simpáticos olhos verdes por trás de óculos de aros redondos. Seus olhos resplandeciam beleza, como se, apesar de tudo, ainda tivesse a capacidade de enxergar o lado bom da mais terrível situação, e, como se fosse justamente por esse motivo, seu olhar também esbanjava cansaço.

 Melanie havia simpatizado com a professora desde o primeiro segundo em que passara a lecionar para a sua turma. Amelie era a única que emanava alguma confiança e simpatia para Melanie em meio àquela gente. A garota sentia que a professora a via mais do que como aluna e que realmente gostava dela, este era motivo suficiente para que se dispusesse a tirar as notas mais altas da classe, buscando oferecer algum orgulho à mulher.

 Quando toda a sala se aquietou, Amelie McGee pôs-se a falar.

 — Bom dia, alunos. Antes de começar, quero dizer que temos um novo colega transferido na classe e queria apresentá-lo a vocês. Lewis, pode vir à frente, por favor?

 Alguém ao lado de Melanie se levantou, não havia notado antes, mas era o mesmo menino que discutia com Francis no pátio. Aquele garoto, com toda a certeza, era muito mais novo que o restante da classe, o que ele estaria fazendo ali, então?

 Lewis parou ao lado da professora.

 — Lewis Ward Cooper — disse o menino numa voz metida. – Um ano adiantado e eleito "Melhor Aluno de Classe" por três anos consecutivos.

 Alguém no fundo da sala soltou um "Ui, ui, ui" que arrancou risadas do resto da turma. Melanie não rira, mas certamente não gostara do menino. Lewis andava de nariz erguido e era óbvio que adorava se gabar para os outros. A professora pediu silêncio e continuou.

 — Estamos muito felizes por estar aqui conosco, Lewis. Espero que se sinta à vontade — Amelie se virou para a classe. — E espero que todos vocês o façam se sentir acolhido aqui.

 — Certamente — respondeu Cooper, indo se sentar com uma arrogância que irritou Melanie profundamente.

 — Muito bem, turma, por favor, abram os cadernos, precisamos revisar antes do teste de amanhã. Ah, e Lewis, querido, não se preocupe, já conversei com a diretora e poderá realizá-lo dep...

 — Não será necessário, senhorita McGee — Amelie foi cortada pelo menino. —, estou perfeitamente preparado para qualquer teste. Não seria justo com os alunos de capacidade inferior que logo eu tivesse uma vantagem deste tipo.

 A sala inteira se encheu de burburinhos, todos lançavam olhares fuzilantes a Lewis, que parecia não dar a mínima. Até mesmo Francis fitava o garoto com ódio, o que surpreendeu Melanie um pouco, não o fato de ele estar com raiva, mas sim de ter entendido um linguajar como o de Cooper. Francis havia repetido a mesma classe duas vezes. Os sentimentos de Melanie pelo garoto novo não eram diferentes dos de qualquer outra pessoa no ambiente, mas em se tratando de Francis Walter, ela compreendia um pouco o seu comentário.

 Amelie fitava o novato, surpresa, parecia querer dizer algo, mas não conseguia. Por fim, deu só um sorriso amigável.

 — Tudo bem, Lewis. Acredito que se sairá bem.

 Melanie detestava pessoas exibidas, e convencidas, e arrogantes. Lewis era a perfeita junção dos três em um só, sendo capaz de dizer qualquer coisa sem o mínimo de medo ou arrependimento. Era tão confiante a ponto de se colocar acima de todos ali, agindo daquela maneira ridícula.

 Até mesmo em sua aparência o garoto parecia preocupar-se em demonstrar superioridade, com seu terno bem escovado e seus sapatos de marca parecia mais uma criança vestida numa fantasia de executivo. Seus cabelos castanhos escuros eram bem penteados e lambuzados de gel, e seus olhos verdes opacos fitavam com tédio e ao mesmo tempo atenção o rosto da professora, esperando pelas suas próximas palavras.

 Amelie McGee iniciou a revisão, orientando que quem levantasse o braço primeiro poderia responder à pergunta. Melanie preparou-se parar ser a primeira, não que precisasse de grande esforço para isso. Ninguém da sala gostava da fama de "espertalhão", a não ser, claro, ela.

 — Na última aula estávamos estudando o planeta e os seus sistemas de linhas, que são...? — ninguém na sala disse uma só palavra. Os olhos simpáticos de Amelie, então, foram de encontro a Melanie, que sempre tinha a resposta na ponta da língua. — Melanie? Poderia responder?

 — Hã... Latitude e longitude, uma é a distância até o Equador e a outra até o Meridiano.

 — Está corre...

 — Errado — e, novamente, a professora foi interrompida pela irritante voz de Lewis Ward Cooper.

 Melanie olhou incrédula para o garoto ao seu lado, que ao notar o seu olhar, devolveu o mesmo com arrogância e um toque de repugnância. Não podia acreditar na audácia do garoto, contrariando a própria professora.

 — Me perdoe, Lewis — respondeu Amelie, com perceptível impaciência na voz. —, a resposta está correta.

 — Me perdoe, senhorita McGee. Eu não acho que deva aceitar essa resposta como válida.

 — E por que não? — Amelie cruzou os braços.

 Lewis Cooper encheu os pulmões de ar, com sua típica postura arrogante, junto a um sorrisinho convencido. Melanie revirou os olhos assim que ele deu a primeira palavra.

 — Latitude é a distância ao Equador, que é medido ao longo do Meridiano. A longitude, a distância do Meridiano, também conhecido como Linhas de Greenwich, é medido ao longo do Equador. Uma informação relevante que a nossa... colega deixou de ressaltar é que a unidade de medida usada são graus — Lewis não se preocupou em esconder o tom de ironia ao pronunciar a palavra "colega", nem o seu olhar debochado em cima de Melanie. — Sendo que a latitude varia de 0 a 90 graus para o norte ou sul, e a longitude é variante entre 0 e 180 graus para leste ou oeste. É importante que um bom aluno saiba dar respostas com informações completas e precisas nas salas de aula. Assim como um bom professor deveria aceitar somente este tipo de respostas. Eu não recomendaria essa jovem como uma fonte de informação confiável, deveria tomar providências, senhorita McGee.

 "Jovem? Sou mais velha que você". Aquele menino estava ultrapassando todos os limites que poderiam existir, Melanie nunca sentira tanta raiva de alguém. Quem ele pensava que era para lhe corrigir daquela maneira? Era visível nos rostos dos outros alunos, e também no da professora, que Melanie não era a única a odiar as atitudes do menino. Era somente patético, uma criança ridícula bancando um adulto ridículo. "Vou lhe mostrar a informação completa e precisa, seu filho da..."

 — Não é necessário julgar as respostas de seus colegas, Lewis — respondeu Amelie. — Eu sugiro que deixe essa responsabilidade comigo, sugiro também que não questione meu profissionalismo.

 — Ah, me perdoe, eu a ofendi? — o tom de Cooper não deixou claro se estava sendo sarcástico ou não. — Não foi a minha intenção.

 Melanie não respondera a mais nenhuma pergunta o resto da aula, ao contrário de Lewis, que respondera cada uma com mais detalhes do que o necessário, e com palavras que ela nem mesmo conhecia. Completo e preciso. O garoto mantinha seu habitual ar de superioridade e arrogância o tempo todo, como se fosse já uma coisa natural, o que era cômico para um menino que aparentava ter nove ou dez anos de idade.

 Melanie pensou nos pais do garoto, e quem seriam eles. Pensou se fora confiança e autoestima exagerada passada por eles ou se o haviam criado dessa maneira de propósito. Um mero reflexo de suas vidas frustradas e insatisfatórias. Uma tentativa de compensarem seu próprio fracasso. Quem sabe.

 Durante a aula de literatura, Amelie havia proposto que cada um escrevesse um poema e depois fosse à frente ler para toda a turma. Melanie, como sempre, saíra-se muito bem. Havia escrito um bom poema, Amelie elogiara e lhe dera a nota máxima. Era realmente boa nisso. Transcrever seus sentimentos mais profundos para um pedaço de papel. Era mais fácil do que falar, afinal, essas tentativas sempre vinham acompanhadas de lágrimas.

 Já Lewis Ward Cooper escrevera um poema tão ridículo que até Amelie teve que se segurar para não rir. O garoto inserira vários conceitos e fatos científicos e os colocara em rima. Fora tão ruim que era visível que não levava o mínimo jeito para a coisa. Melanie sentiu-se menos enfurecida e alegre ao saber que Lewis não poderia ser bom em tudo, e que em uma coisa, pelo menos, ele não poderia se gabar. Porém, a raiva voltou a dominá-la quando Lewis julgara tal atividade como "sem utilidade e improdutiva" quando os alunos estavam rindo.

 Depois de várias horas suportando o garoto sabichão, o som do sinal indicando o fim da aula causou alívio à Melanie. Guardou todo o seu material, sendo a última a sair da sala. No meio do pátio, avistou Francis e sua gangue encurralando Cooper, que não exibia nenhum indício de medo. Seus olhos reproduzindo o mesmo olhar tedioso que demonstrava nas aulas.

 — Eu não vou te avisar de novo, seu almofadinha — Francis apontava no rosto do garoto. — Fique se fazendo de esperto de novo e eu te garanto que vai fazer os testes no hospital.

 — E eu te garanto que se não sair do meu caminho vai receber uma advertência diretamente da nossa diretora — respondeu Cooper.

 Melanie, mesmo sabendo que não havia motivo para que o fizesse, resolveu se aproximar. Sabia muito bem no que estava se metendo, mas não perderia qualquer oportunidade de falar umas poucas e boas para aquele menino, se conseguisse.

 — Não tenho medo nenhum de você — retrucou Francis. —, muito menos daquela velha. Se eu receber advertência, será por outra coisa — Walter ergueu o punho fechado frente ao rosto do garoto menor.

 — Como ousar me ameaçar? Não é dessa maneira que deve tratar seus superiores, te garanto que até o meu histórico escolar do primário desbancaria a sua posição atual aqui. Deve se lembrar de que sou mais inteligente do que jamais será mesmo que passe a vida inteira estudando.

 — Cala a boca — a voz de Melanie saiu involuntariamente. Todos que estavam ali, que até então nem haviam notado a sua presença, olharam para ela.

 — O que disse? — perguntou Lewis, incrédulo.

 — Está surdo? — retrucou Melanie.

 — Saia daqui, Martinez — disse Francis. — Vou cuidar de você depois, primeiro me deixe acabar com esse filhinho de papai aqui.

 — Quem você pensa que é para se dirigir a mim dessa forma? — perguntou Lewis para Melanie, ignorando Francis completamente. — Não devia ser tão audaciosa assim depois da forma vergonhosa que respondeu àquela pergunta.

 — Não, quem você pensa que é para se achar tão melhor que nós? — Melanie se aproximava lentamente dele. — Você é ridículo, menino, é só uma criança boba.

 — Eu fui eleito o melhor aluno da classe por três anos consecutivos! — Lewis levantara a voz, que apresentava pequenas falhas, enquanto batia fortemente os pés no chão. — Ninguém está à altura de competir comigo, ninguém!

 Vendo o escândalo de Lewis, ele quase parecera uma criança normal aos olhos de Melanie. E por um mísero segundo, sentiu alguma pena do garoto. Naquele momento, ele, por descuido, demonstrara uma parte dele que Melanie não podia imaginar que existia. Ali, naquele pátio, ele não era mais o novato irritante e sabichão, era uma criança que não aprendera a ser criança. Apenas uma pequena alma que crescera rápido demais. Um coração que nunca tivera o instinto natural e exclusivo das crianças de se importar e amar. Uma infância roubada.

 — Não devia se gabar tanto depois do que aconteceu na aula de literatura — respondeu Melanie, expulsando qualquer vestígio de rancor e ódio de sua voz e dando lugar a algo como indiferença. — Você não consegue escrever um simples poema, mas e daí? Você não tem que ser bom em tudo, ninguém é bom em tudo.

 Lewis deu um sorrisinho debochado.

 — Está enganada. Eu sou. Eu sou bom em tudo. Eu tenho que ser. Se não soubermos tudo, então de que servimos? E, aliás, eu vou exigir uma reavaliação daquela professora medíocre, é um absurdo que esteja nos exigindo poemas e rimas patéticas nas aulas.

 — Ser inteligente e sábio não se resume a fatos e cálculos — respondeu Melanie, já com uma quantidade razoável de raiva dominando-a novamente pelo modo como Lewis falara de Amelie. — Vai muito além disso.

 — Isso é o que os burros dizem para se sentirem melhor. Olhem para vocês, nenhum de vocês tem capacidade alguma de serem alguém, não como eu serei. Podem ter certeza que daqui a alguns anos vocês todos estarão me servindo, ou engraxando meus sapatos. E agora, se me dá licença, vou à diretoria denunciá-los, onde já se viu? O ogro e a menina feia tentando intimidar alguém como eu.

 Numa fração de segundo depois, Lewis estava caído no chão. Mel, no início, não viu quando havia caído e o porquê, mas entendeu o que se passara assim que sentiu uma dor em sua mão fechada. Ao redor, várias pessoas de várias turmas se reuniam em volta para observar. Lewis choramingava no chão com a mão no rosto, quando a retirou, pôde vê-la coberta de líquido vermelho e com o nariz inchado.

 Os alunos cochichavam e apontavam sem a menor discrição. Francis fitava a garota chocado. Melanie, por mais que tivesse agido inconscientemente, sentiu algum arrependimento, afinal, Lewis era apenas uma criança. A garota repreendeu-se ao sentir alguns vestígios de prazer manifestando-se em seu corpo ao ter realizado aquele ato hediondo. Lewis Cooper gritou com a voz falha:

 — Você é louca! O meu pai vai levar esse caso ao tribunal!

 — Se eu fosse você eu não ousaria — respondeu Melanie, em tom baixo, para que somente Lewis escutasse.

 Uma das professoras veio correndo e ajudou Lewis a se levantar. O garoto demonstrava certa repulsa pelo toque da mesma, mas mesmo assim, aceitou a ajuda e foram para dentro da escola. As pessoas em volta começaram a se dispersar, ainda cochichando e lançando olhares a Melanie. Francis Walter ficou parado no lugar onde estava por um momento, somente fitando a menina, depois virou as costas e foi embora.

 Melanie pensou na burrada que acabara de fazer. Sua família inteira já estava envolvida no caso do "desaparecimento" do pai, a última coisa de que precisavam era de mais problemas. Mas, agora, já estava feito, só podia esperar que tivesse conseguido causar algum medo em Lewis, para que ele tivesse receio o bastante para não contar a alguém.

 Antes que pudesse ir embora, duas pessoas se aproximaram dela. Um garoto e uma garota. Ambos eram um pouco mais altos que ela, então deduziu que fossem de uma série acima. A garota tinha um rosto delicado, bonitos olhos azuis, longos cabelos louros, bochechas rosadas, exatamente o tipo de garota que fazia Melanie se odiar por completo. O menino possuía certa semelhança com a garota, no entanto, seus cabelos eram castanhos.

 Quando chegaram perto o suficiente, Melanie surpreendeu-se. Era o mesmo garoto do festival! Aquele com quem batera antes de Alexandre aparecer e lhe tirar de onde estava. Sim, era ele mesmo, Melanie tinha certeza. Porém, não recordava-lhe o nome, era algo semelhante à John. O que aqueles dois poderiam querer com ela?

 — Deveria cuidar disso — disse a garota, apontando para a mão que Melanie socara Lewis. Mel não soube o que responder. Dois estranhos haviam se aproximado apenas para reparar em sua mão? Sentiu-se constrangida. — Você teve muita coragem. Aquele menino é mesmo um babaca, como se chama mesmo? Larry? Algo assim. Não gostei dele desde a primeira vez que o vi, ele me viu passando as minhas respostas das lições a uma amiga e veio me repreender dizendo que era errôneo e antiético. Bem, eu teria dado uma resposta à altura se soubesse o que significam essas palavras — a garota riu e Melanie deu um sorriso fraco. — Me desculpe, eu falo demais. Muito prazer, meu nome é Elizabeth Anne. Me chame de Beth.

 A menina estendeu a mão para Melanie apertar. Mel o fez com certo receio. Até o momento, nenhum deles havia demonstrado quais seriam suas intenções, o que fazia Melanie desconfiar, ninguém daquela escola já havia se aproximado dela para qualquer coisa que não fosse lhe xingar.

 — Melanie — respondeu baixinho.

 — Esse aqui é Johnny, meu primo — disse Beth Anne, anunciando o menino ao seu lado. Johnny deu um simples acento de cabeça para Melanie. E mesmo já tendo se encontrado antes e a cumprimentado, parecia tão constrangido quanto ela. — Nós temos que ir agora, mas a gente se vê por aí. Bem, adeus, Melanie.

 Os dois foram embora e Melanie ficou sozinha tentando entender o que acabara de acontecer. Johnny e Beth Anne pretendiam ser seus amigos? Somente porque ela batera em um menino boboca da escola? Se fosse assim tão fácil, já teria dado um jeito de enfrentar Francis Walter há muito tempo.

 Porém, longe dela reclamar da situação, havia pessoas que não a odiavam, e isso era o bastante. Voltou para casa com um meio sorriso, sentindo certo orgulho de si mesma, mesmo sem refletir se era merecedora de tal ou não.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "CRY BABY - The Storyfic" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.