Gentileza escrita por Necromi


Capítulo 1
Estrela e Lobo


Notas iniciais do capítulo

Oii, gente!! Finalmente postando um wolfstar, esse belíssimo OTP zero defeitos. ♥ Estou muito feliz com a ideia que me veio de repente e espero que gostem, porque foi bem prazeroso escrever. :)

Haverão algumas pequenas referências ao velho safado nesse cap, mais conhecido como Charles Bukowski. Bukowski foi um escritor alemão de conteúdo bem... Nu e cru. Imaginei que combinasse com nosso querido lobisomem. ♥

Enfim, boa leitura!



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Remus lia Charles Bukowski no ponto de ônibus quando percebeu, pelo canto do olho, alguém se sentando ao seu lado. Riu discretamente com o parágrafo do humor mórbido típico do velho safado, só depois tendo a curiosidade de levantar os olhos para o recém-chegado. Qualquer mero movimento naquela rua àquela hora da noite era bem incomum, embora não tanto a ponto de ficar incomodado.

Quando mirou a pessoa, demorou a perceber que não era um adolescente. Só conseguindo ver a diferente por conta da barba bem-feita, mas todo o restante parecia destoar. Com os braços magros expostos pela regata preta, Remus podia ver bem as tatuagens desenhadas ali, o que combinou com o jeans rasgado e o bracelete de espinhos. Também havia os piercings nas orelhas, que pôde ver graças ao coque mal feito e desalinhado. Parecia alguém na casa dos vintes, com uma carranca e uma enorme garrafa de vinho na mão. E a julgar pelo saco de papel ao chão com mais três iguais, Remus deduziu que a noite dele só estava começando.

Pensou primeiro no fato dele ser muito bonito, embora isso não significasse mais do que isso. Sabia que as pessoas costumavam ter suas paixonites do ônibus, mas não experienciava muito daquilo, em especial aos vinte e seis. Se precisasse chutar, diria que ele e o moreno tinham a mesma idade, o que chegava a ser engraçado, já que parecia ter uns sete anos a mais se fosse comparar. Olheiras e cabelo bagunçado caíam bem em jovens, mas não em Remus. Com certeza não em Remus.

─ Boa noite ─ cumprimentou com simpatia oferecendo um sorriso gentil. Ele sequer retribuiu o olhar, o que fez Remus dar de ombros e voltar o para o livro de bolso.

Em Você Fica Tão Sozinho Às Vezes que Até Faz Sentido, Charles chega no poema Não Tem Remédio para Isso onde fala sobre a vazio incurável do coração, a solidão que nunca era preenchida. Um sorriso humorado e desgostoso inclina levemente seus lábios, o amargor começando a diverti-lo quando teve a impressão de estar sendo observado. Sentia o cheiro do vinho por trás do livro, mas imaginou que não deveria se preocupar. O rapaz provavelmente estava bêbado e nem deveria ter percebido sua mesura.

Depois de quatro minutos com a mesma sensação, não conseguiu mais se concentrar nos versos indelicados do poema, se rendendo a curiosidade de olhar o moreno pela segunda vez. Tinha se assustado; não porque o rapaz realmente o encarava, e sim porque estava tão perto que agora podia reparar melhor nos seus detalhes. O imenso roxo que rodeava o olho cinzento foi o que mais chamou sua atenção, mas o sangue descendo do nariz não ganhou por bem pouco. Ele parecia ter levado uma bela surra, porque até suas roupas estavam surradas.

─ Senhor... Tudo bem? ─ Pigarreou, desconfortável com o olhar vidrado. Ele nem piscava. Poderia estar mais do que bêbado, talvez? Abriu a boca para tentar mais uma vez, sendo impedido pela voz embargada:

─ Sua família é boa?

─ O quê?

A testa dele se enrugou.

─ Sua família! Seus pais, sua mãe! ─ Ele se exaltou por um segundo e se recolheu na mesma hora. Estranhamente achou bonito a forma como ele mexeu nos cabelos com nervosismo. ─ Eles são bons para você? ─ perguntou ainda enraivecido, mesmo que a voz fosse mais baixa agora.

─ Sim. Eles são ótimos ─ respondeu. Estava um pouco perdido ali ─ e com razão. ─ Está tudo bem? Eu posso ligar para alguém se precisar.

Chegava a ser engraçado como Remus não se intimidava por um bêbado, tampouco se amedrontava. Era a reação mais comum e instantânea de alguém quando se deparava com um homem alcoolizado. As marcas onduladas e esbranquiçadas em sua pele pareciam aumentar sua tolerância ao medo. Um cara com uma garrafa quase vazia não faria nem seus pelos se arrepiarem.

─ Não... Não ligue para ninguém. ─ Houve uma firmeza na voz dele que fez Remus pensar que ele não deveria estar tão alterado assim. Provavelmente ainda conseguia andar sozinho sem tropeçar nas próprias pernas. ─ Não tem ninguém para ligar.

Oh. Frustração, álcool e olho roxo? De repente aquilo parecia que renderia alguma história além dos dramas da rebeldia jovem. Infelizmente Remus estava certo.

─ Entendo. Noite ruim?

─ Vida ruim.

Remus soltou um riso baixo. O ruído nasal chamou a atenção do moreno, que cravou os olhos prateados nele.

─ Não é para rir ─ resmungou. A sombra de um bico cruzou seu rosto antes de dar mais um gole no vinho.

─ Tudo bem, desculpe. ─ Ergueu a mão num sinal de paz. ─ Por que não pega isso? Vai te fazer melhor.

O rapaz observou a barrinha de chocolate ser tirada do bolso remendado, demorando um pouco a reagir quando ele o ofereceu. Pegou com um ar desconfiado, mas foi desfazendo da embalagem num instante para enfiar o doce na boca.

Por um longo minuto nenhum dos dois disse nada. O desconhecido encarava Remus enquanto comia o chocolate com a mesma carranca de antes, recebendo só um sorriso gentil em resposta. Em algum momento ele perdeu a atenção dos olhos verdes para o livro, o que o incomodou.

─ Sirius ─ disse de repente, puxando o livro para baixo. Arrepiou-se quando recebeu aquele olhar morno de novo, preferindo pensar que foi pela noite fria. ─ Meu nome é Sirius.

─ Como a estrela?

─ É.

─ É bonito. ─ Uma pausa rápida antes daquele sorriso gentil reaparecer. ─ Meu nome é Lupin. Remus Lupin.

─ Lupin? Como lobo?

─ Isso.

─ Legal.

Eles ficaram calados mais uma vez, mas Remus não voltou a ler. Conseguia perceber os movimentos inquietos de Sirius, prevendo a conversa voltando a se desenrolar mais logo. Tinha achado curioso como ele conseguiu associar Lupin ao significado original, no latim. Seria um conhecimento aleatório ou ele sabia alguma coisa da língua morta? Ele não parecia ser o tipo que dormia tarde por estar confinado em livros, embora as roupas e os ornamentos pretos o fazia se lembrar do grupo dos chamados góticos da sua antiga faculdade. Um deles vivia se gabando pelo o seu conhecimento em latim, alegando que assim poderia se comunicar com o próprio diabo. Sinceramente, Remus se via rindo daquilo e das inflamações em excesso dos piercings.

Por outro lado, Sirius não se parecia tanto assim com o grupo esquisito da faculdade. Havia algo que realmente transparecia caos nele, diferente da bagunça postiça dos seus ex-colegas. O curso de filosofia juntava muitas pessoas peculiares para conseguir perceber a diferença.

─ Seu ônibus vai demorar? ─ Sirius perguntou com menos mau humor. Olhava para Remus de esguelha.

─ Uma hora ainda provavelmente.

─ Uma hora?! ─ Ele arregalou os olhos. ─ Você não morre de tédio não?

Como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, Remus deu duas batidinhas na capa do livro, mostrando sua melhor fonte de diversão. Riu quando Sirius ficou acanhado com a resposta.

─ E o seu? Acho que só passam dois ônibus aqui a essa hora.

Sirius meneou.

─ Eu só vim sentar. Não tenho para onde ir.

─ Uh. ─ Remus franziu levemente a testa, transparecendo uma preocupação genuína. ─ Eu sinto muito.

E sentia mesmo. Sua boa e velha mania em desejar ver e preencher as lacunas das pessoas. Viu Sirius menear e virar o gargalo de novo, percebendo não ter mais vinho lá. Ele não abriu mais nenhuma garrafa no entanto.

─ Foi meu irmão que fez isso. ─ Apontou o machucado no olho. Não parecia ter sido feito minutos atrás, mesmo que fosse recente. Ele riu com desgosto. ─ Regulus não é muito violento, sabe? Ele é mais de acabar com você só com os olhos e as palavras. Mas ele se exaltou... Pequeno Rei metido. ─ Riu de novo, falhando dessa vez. ─ Eu poderia ter dado uma bela surra nele, mas não consigo. Droga, ele é meu irmãozinho.

Um aglomerado de lágrimas silenciosas se formou nos olhos claros, e no segundo que começaram a rolar pelas bochechas manchadas em roxo, Sirius se forçou a limpá-las como se aquilo fosse mudar alguma coisa. Estava chorando na frente de um desconhecido, bebendo, parecendo ter saído de uma briga com gambás, sem teto, sem porra nenhuma. Deveria estar no mínimo ridículo ou inconveniente, mas não conseguia se importar o suficiente. O álcool já tinha feito seu efeito primário: a arte do foda-se.

Na verdade, não sabia nem por que estava fazendo aquilo. Tinha deixado suas coisas para trás no impulso da raiva, seus cartões ficaram no apartamento e o pouco dinheiro que pegou torrou com vinho barato. Não tinha um plano B a não ser voltar de onde saiu e buscar sua carteira, mas não tinha estômago para aquilo agora. Não naquela noite. Era cedo demais para encerar o ex-colega de apartamento. Um dia dormindo na rua não seria nenhuma novidade no meio dos seus  típicos atos impensados.

Na posição de Remus, só havia duas coisas óbvias a se fazer: começar a ignorar o rapaz e as coisas que ele falava ou só falar sinto muito de novo repetidas vezes. Em vez disso, seus dedos subiram com suavidade pela franja preta até o olho roxo ficar exposto. O arrepio lhe correu de novo e dessa vez foi percebido, porque um sorriso gentil se misturou ao toque.

─ Está bem feio. ─ Viu o rosto alvo ruborizar levemente. Apesar da vontade, não riu. ─ Presumo que não vá ter gelo para isso?

─ Não.

Assentiu antes de vasculhou a bolsa surrada e pegar uma pomada lá, oferecendo a ele. Quando Sirius pegou, viu que era algo manipulado, feito para ter ação anestésica. Ia perguntar por que ele levava aquilo na bolsa, mas parou antes de abrir a boca, percebendo melhor as cicatrizes. Se fosse contar, veria mais do que um cidadão de bem teria. Eram muitas e bem feias.

─ Obrigado... Você foi à guerra? ─ disse apontando a cicatriz maior entre o nariz e a bochecha esquerda.

─ Tipo isso.

Percebeu, enquanto abria a pomada, que Remus nunca deixava o sorriso morrer. Era um gesto simples na verdade, quase imperceptível se você fosse desatento, e era isso que deixava Sirius confuso. Não precisava estar completamente sóbrio para imaginar que estava sendo inconveniente e ele gentil demais. Poderia haver alguma intenção naquilo, sabia, mas Deus, se sentia tão aquecido com cada movimento dele. Estava tanto tempo em lugares hostis que aquela bondade chegava a parecer algo quase sobrenatural. Teve até a impressão estúpida de Remus lhe parecer algo etéreo. Que bosta desespero, pensou.

Forçou a tirar aquilo da cabeça.

─ Você sempre pega ônibus aqui? ─ Viu ele assentir. ─ Sempre no mesmo horário? ─ Ele repetiu o gesto. ─ Sei... Eu sei que pode parecer estranho, mas pode me emprestar quinze dólares? Para eu me virar em algum albergue hoje. Eu prometo que apareço aqui amanhã de novo para devolver. Depois de amanhã no máximo.

Diferente de outrora, Remus pareceu ponderar sobre as palavras de Sirius daquela vez. Claro, ele poderia ser gentil, mas emprestar dinheiro a um desconhecido? Até Sirius enxergava sua abordagem abusada. Àquela altura do campeonato, pensou se não estava parecendo com um mendigo maluco. Não um mendigo como os que sofriam de verdade, mas esses “sem teto” adolescentes que agiam por mera rebeldia. Por algum motivo, não gostou da ideia de ser visto assim. Droga, tinha gasto seu dinheiro com bebida! Quanta idiotice pedir por grana.

─ Quer saber? Esquece. ─ Piscou com força, sentindo o vinho começar a circular suas veias. ─ ‘Tô abusando demais da sua boa von...

─ Tudo bem.

─ O quê?

─ Quinze dólares não é muita coisa, não é?

─ Está falando sério? Você nem me conhece!

Remus riu, fazendo Sirius perceber o tom agressivo como respondeu.

─ Acho que prefiro dar sorte ao azar. Se por ventura eu soubesse que acharam seu corpo por aí no frio, provavelmente me pesaria muito mais do que quinze dólares.

É. Fazia sentido, pensou, ainda confuso. Estava mesmo frio. Começavam a se aproximar do inverno e os termômetros só caíam cada vez mais desde a semana passada. Naquela cidade, em particular, as madrugas raramente perdoavam. Mesmo assim... Deus, aquilo era tão inesperado que quando pegou o dinheiro se sentiu mesmo constrangido.

─ Lupin... Muito obrigado mesmo. ─ Sentia o vinho descendo cada vez mais, mas ainda não o suficiente para deixá-lo completamente bêbado. Ficava feliz. ─ Eu juro que pago você. Nesse mesmo horário, não é?

Remus assentiu despreocupado.

Não houve mais nenhuma caridade nos minutos restantes. O ônibus não demorou a chegar, mais cedo do que o normal, mas ambos continuaram conversando. Às vezes Sirius deixava escapar mais algo sobre seu desgosto com a família, mas acabaram caindo no assunto de literatura gótica, que foi onde seus interesses colidiram. Remus contou como o amigo Pettigrew desenvolvia bem histórias de terror em seus livros, e como sua mãe Hope sempre amou ler, sendo sua maior inspiração para se apaixonar por literatura.

Sirius pensou o quão atento ficava quando Remus falava um pouco sobre sua vida pessoal, sobretudo, das coisas que gostava. A imagem etérea foi se dissolvendo para algo mais humano ao mesmo tempo gentil. E Deus, via nele tanto o que via na sua confidente ruiva e sorridente. Sentia quase o mesmo calor de quando Lily agia graciosamente por natureza, o consolando apesar de todas as merdas que fazia.

Talvez pudesse vencer o cansaço e passar o restante da noite ali, só jogando papo fora. Porém, quando o ônibus surgiu ao fim da rua, Remus se levantou e fez sinal, se despedindo com um sorriso terno que ressaltou a cicatriz no canto da boca. Houve um aviso ou dois de “cuide-se” e “procure descansar essa noite” antes dele subir e ir embora.

Cinco minutos depois, não havia mais uma viva-alma na rua. Sirius suspirou ao se levantar, sentindo a frieza voltar por suas entranhas. Com a mesma solidão com que veio, seguiu o caminho silenciosamente, começando já a falhar na direção motora.

Aconchegado no dormitório do albergue, com mais meia garrafa de vinho no estômago, Sirius não se sentiu menos sozinho, nem com a recepção simpática da balconista da hospedagem. Mas a raiva tinha diminuído assim como o vazio que o acompanhava há duas semanas. Conforme a consciência foi sumindo pouco a pouco, teve pequenos vislumbres dos sorrisos leves de Remus. E os de Lily também. Junto do álcool, foram detalhes que o trouxeram uma calma quase confortante. E Deus, eram sorrisos tão gentis. Quando menos esperou, apagou por completo, deixando a frustração para trás.

Na tarde seguinte, quando o mau humor da ressaca passou, Sirius ansiou ver Remus mais uma vez. Sem nenhuma intenção ruim, só a pura vontade de conhecer mais dele, saber da história sobre as cicatrizes e como era ser professor de filosofia com alunos tão ranhentos. E, por Deus, por que levava aquela pomada na bolsa?

Foram horas pensando no assunto que fizeram Sirius tomar coragem de voltar para o apartamento e buscar suas coisas. Nem a discussão com o ex-colega o afetou tanto assim. Deixando um soco nele para trás, saiu de lá com sua mochila e um destino em mente. Estava animado para ver Remus de novo.

E assim o fez. Todos os dias, dez de noite, Sirius estava lá, sentado no ponto esperando Remus chegar. Em algum momento poderia ter passado a impressão errada, como a de ser um maluco carente. Mas, bem, talvez não fosse tão errado assim.

Todas as noites, de segunda à sexta, Remus foi receptivo e acolhedor. Ele era sempre gentil, não importava quão invasivo fosse. Foi no segundo mês que ele demonstrou estar gostando mesmo das conversas, e não só fingindo simpatia.

─ Uh, Remus. ─ Sirius o chamou. Estavam ambos cheios de agalhados, dois pontos escuros no meio da rua branca e cheia de neve. ─ Você... Quer sair pra beber comigo?

Ele sorriu diante do olhar penetrante de Sirius. Oh, se havia algo que nenhum Black escapava era da intensidade indiscreta quase genética. E Deus, Remus parecia gostar tanto daquilo.

─ Um café seria bom.

Sirius riu.

─ Ok, um café. Amanhã, pode ser? ─ Fechava os punhos em animação ao mesmo tempo que parecia satisfeito.

─ Claro. Talvez um chocolate quente também.

Ambos sorriram. Finalmente um encontro de verdade.


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Notas finais do capítulo

E aí? O que acharam? ♥ Sintam-se livre a deixarem suas opiniões, sejam elas positivas ou críticas construtivas. Caso prefira o anonimato, fique com o meu agradecimento por ler. ♥

Ah! Caso alguém não entendeu o diálogo sobre os nomes, Sirius é o nome de uma estrela e Lupin vem do latim, que significa "lobo". :)

Um grande beijo no coração. ♥



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