As Crônicas de Ainsworth escrita por Fore Project


Capítulo 8
Capítulo 07




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— Pronto, terminei – Raleigh falou, após terminar de tratar os ferimentos do garoto franzino na enfermeira da academia. – Curei os ferimentos mais sérios e profundos, o resto são apenas pequenos arranhões que vão sarar em pouco tempo.

Ele ergueu sua mão direita, onde havia uma pequena chama pálida flutuando sobre a palma. Ela não queimava, muito menos era quente, estava mais próximo de um calor aconchegante como o de um abraço. Raleigh a aplicou diretamente sobre os ferimentos e, em questão de poucos segundos, eles começavam a se fechar, regenerando completamente a pele sem deixar qualquer cicatriz ou resquícios de que ali já houve um ferimento algum dia.

— Estou surpresa – comentou Helena guardando os curativos de volta. – Não sabia que você também era capaz de usar magia de cura.

Raleigh estava começando a se perguntar se ela realmente ficava surpresa com as coisas ou apenas gostava de usar aquela frase mesmo. Por muitos motivos, os outros garotos que estavam bem mais feridos foram deixados no outro quarto e seriam tratados pela equipe de enfermaria da academia.

— Bom, é um feitiço simples de primeiros socorros que qualquer um pode executar.

— Compreendo.

— E quanto a você, está sentindo dor em algum lugar?

Raleigh se dirigiu a Nina, sentada em uma das camas. Aparentemente ela não possuía outros ferimentos além daqueles causados pela perca de alguns botões de flores. Era um caso curioso para ele, pois era uma tiara com flores de verdade.

Como será que ela funciona? – perguntou-se ele.

Quando Nina a tirou para que ele curasse seus ferimentos, ela não sofreu qualquer espécie de dano, mas quando os agressores arrancaram alguns botões e flores dela, ela mostrou sentir dor e um grande desconforto. Raleigh também encontrou um pouco de sangue em meio aos cabelos dela, mesmo não havendo ferimentos em sua cabeça.

— Eu estou bem. A dor também passou – respondeu ela, passando a mão levemente pelos cabelos curtos e lisos. – Agradeço pelos cuidados e preocupação.

Nina baixou a cabeça em agradecimento, o qual Raleigh sentiu ser um gesto totalmente sincero e genuíno. Ele apenas coçou a parte de trás da cabeça sem saber como responder de volta.

— Posso te perguntar uma coisa? As flores nessa tiara, elas são de uma materialização orgânica?

— Materialização orgânica? – Nina inclinou a cabeça num gesto de confusão e duvida.

Vendo que ela estava realmente confusa e parecia não saber do que ele estava falando, Raleigh apenas suspirou e massageou o pescoço.

— É quando um mago usa magia para materializar um objeto vivo ou orgânico... não é?

Raleigh estava prestes a explicar, mas foi pego de surpresa quando o garoto franzino foi quem respondeu em seu lugar.

— É um dos três principais fundamentos da magia.

— Correto – Raleigh falou. – Então vocês não aprenderam nem mesmo a respeito disso? – comentou, mais para si mesmo do que para os outros. – Bom, se você não sabe do que se trata, não tem problema.

— Agora eu entendi – Nebrissa se manifestou, escorada no canto do quarto.

Como ela não tinha ferimentos visíveis, ela não precisou passar pelo tratamento de Raleigh. Embora ele tenha notado que os braços dela estavam enfaixados com bandagens sob o tecido do uniforme, além do esforço aparente para não mostrar qualquer sinal de dor ou desconforto. Como ninguém além dele parecia ter percebido, ele preferiu não se envolver e se manteve em silêncio sobre aquilo.

— Você é o novo professor. Aquele que expulsou todos da turma secundária.

Raleigh a observou por alguns instantes.

Ela o encarava de forma frívola, mas também analítica – parecendo o estudar, se mantendo alerta a cada movimento que ele fazia ou ao que dizia. Helena se manteve calada, esperando pelo que Raleigh faria naquela situação, o que acabou por arrancar um suspiro dele.

Parece que ela não vai me ajudar dessa vez, não é... — pensou ele.

— Então é isso, né – disse por fim, encarando-a de volta. – Você também é daquela turma, por isso tive a impressão de que já tinha a visto em algum lugar.

— Que irônico, não? Expulsar toda uma turma, mas não lembrar o rosto dos alunos que estavam nela – Nebrissa o provocou com certa hostilidade em sua voz.

— Irônico é ouvir isso de alguém que estava cabulando aula quando tudo aconteceu – Raleigh respondeu de maneira indiferente.

Helena apenas sorriu de maneira discreta daquela resposta. Ela notou um brilho de raiva nos olhos de Nebrissa, mas a garota de cabelos negros soube disfarçar aquilo e se manteve em silêncio ainda observando o homem com calma – Raleigh também tinha percebido, mas não a provocou mais do que aquilo.

— Bom, você deveria perguntar aos outros o restante da história. A mocinha aí estava presente, então ela pode te explicar – ele apontou para Nina. – Agora, como já terminei aqui, preciso ir. Ainda tenho várias coisas para resolver hoje e, pelo que parece, tempo é algo do qual não disponho de muito. Então se me dão licença...

Ele abriu a porta e estavas prestes a sair quando acabou por se deparar com um trio de alunos. Eles pareciam ter acabado de chegar e estavam prestes a abrir a porta, mas Raleigh foi mais rápido que eles e a abriu antes, deixando um deles com uma expressão de surpresa no rosto.

— Perdão – disse a garota de cabelos vermelhos.

Raleigh deu espaço para que eles pudessem passar e entrar no quarto. E, assim que os três passaram por ele, algo dentro de si o fez sentir um calafrio por todo o corpo.

Era a mesma sensação que sentia quando se deparava com um inimigo forte ou poderoso no campo de batalha, por causa disso seus instintos como um humano e como um mago lhe diziam a mesma coisa: aqueles três não eram simples alunos. Principalmente a garota de cabelos prateados, ela exalava um cheiro que Raleigh nunca esqueceria enquanto vivesse: o cheiro de morte.

— Ora, Helena, não sabia que estava aqui – saudou a garota de cabelos vermelhos assim que entrou no quarto. – Isso facilita bastante as coisas.

— O que gostaria de tratar comigo, presidente?

— Apenas lidando com o trabalho do conselho estudantil, como de costume – respondeu, olhando para Nebrissa com o canto dos olhos. – Recebemos o relato de que um grupo de alunos iniciou um confronto não autorizado há poucos minutos.

— Por que não nos poupa dos detalhes e diz logo que eu fui a responsável por aquilo? – questionou Nebrissa, seu tom um tanto hostil, porém, calmo. – Afinal, toda vez que isso acontece a culpa é minha, não é?

— Nós ainda estamos investigando o que realmente aconteceu. Ainda não definimos quem foram os responsáveis e quem apenas foi envolvido...

— Já fomos informados a respeito do que aconteceu – falou o garoto de cabelos castanhos. – Sabemos sobre a agressão contra Nina Klaus vinda de Ethan Regulus e seu grupo. A punição para eles já foi definida.

Ele informou de forma cordial e educada, não se importando com a expressão incrédula da garota de cabelos vermelhos logo a sua frente sendo interrompida enquanto ainda falava.

— Por que você disse logo de cara assim, Lytton, seu maldito?! – a presidente o segurou pelas bochechas. – Eu estava indo tão bem aqui. Estava conseguindo passar a imagem de uma presidente confiante, mas você teve que estragar tudo!

— Bem, é que... Isso ia ser um saco. Por que deveríamos ter mais trabalho fazendo isso ao invés de simplesmente informar o que aconteceu?

Ele virou o rosto para o outro lado enquanto respondia, seus olhos vazios pela falta de interesse. A garota recuou alguns passos assustada com aquele questionamento, pois ele fazia todo o sentido.

— Aliás, nós ainda nem terminamos de assinar os documentos para a pré-seleção do Festival da Colheita. Tínhamos decidido que faríamos isso hoje, mas você apenas bateu na mesa dizendo “Isso é muito chato, vamos fazer uma patrulha pela academia!”, e então saiu correndo.

— Mas, mas... Eu estou cansada de apenas ficar assinando documentos o dia todo! Eles nunca terminam, e quando eu finalmente penso que estou acabando, chegam mais! Eu quero fazer um trabalho diferente daquilo apenas uma vez ou outra pelo menos!

— Bom, não podemos fazer nada, pois esse é o trabalho do conselho estudantil. E você, presidente, é a presidente do conselho estudantil.

Os dois acabaram começando uma discussão, onde toda a imagem que a garota tinha passado até então fora destruída num único instante, mostrando como ela realmente era. Todos presentes ali se mantiveram em silêncio com expressões confusas, com exceção de Helena. Nenhum deles sabia como reagir diante daquela cena.

A atual presidente do conselho estudantil da academia Bellfort era conhecida por ser uma bela garota de cabelos vermelhos e olhos castanhos, dotada de um ótimo poder de liderança e rápido raciocínio na escolha de decisões difíceis, dedicada ao seu trabalho e com um forte senso de justiça. Mas essa imagem, a qual aqueles que não a conheciam pessoalmente tinham, logo era destruída assim que a garota mostrava como realmente era.

— Idiota! Idiota! Lytton, seu idiota! – gritou batendo os pés e erguendo as mãos em protesto contra a atitude fria que ele usava para falar com ela, sendo que ela era superior a ele. – Seu demônio lógico e racionalista!

— Presidente, você faz ideia de que isso não é um insulto de verdade, não é?

Era admirável como ele conseguia manter toda sua calma e paciência diante de tal comportamento infantil. Até mesmo seu tom de voz continuava inalterado quando se dirigia à garota ou respondia as ações dela.

— Rita, me ajuda aqui – pediu ela à garota de cabelos prateados, com lágrimas nos olhos. – O Lytton está sendo indiferente comigo de novo.

— Vejo que não tem jeito então – murmurou Rita, exalando um profundo suspiro. – Presidente.

— Euzinha aqui.

— Se você fizer seu trabalho corretamente, eu diminuo sua carga horaria de trabalho após o fim das aulas e aumento suas folgas aos fins de semana.

— Sério?!

— Sério.

— Beleza! É isso aí!!! – exclamou com toda sua força.

Lytton se aproximou de Rita e cochichou próximo ao ouvida dela, de forma que apenas ela podia escutar o que ele dizia, e então perguntou:

—  Você não vai fazer isso de verdade, não é?

— Não vou – respondeu sem qualquer hesitação. – Mas a presidente é meio ingênua, então é fácil enganar ela com propostas simples assim.

— Entendo. Nesse caso, que tal aumentar a carga horária dela nos fins de semana e remover o intervalo para o “chá com bolo” das terças e quintas?

— Isso parece ser interessante – ponderou ela. – Se tentarmos fazer isso rapidamente, ela vai perceber. O melhor jeito é ir aumentando sua carga horário de trabalho aos poucos enquanto seus intervalos são diminuídos gradativamente. Posso tentar fazer isso.

— Ótimo. Desse jeito podemos conseguir terminar de assinar os documentos até o prazo de entrega.

Helena, que apesar de não revelar isso aos outros, possuía uma audição impecável e podia escutar perfeitamente os dois membros cochichando entre si com sorrisos obscuros, conspirando para aumentar a carga de trabalho da presidente do conselho estudantil, enquanto a mesma ainda comemorava sem fazer ideia dos planos sombrios que a aguardavam futuramente.

— Quanto besteira – resmungou Nebrissa. – Eu não tenho intenção de ficar perdendo meu tempo aqui com essas asneiras sem sentido dessa mulher.

Ela passou pelo trio os ignorando completamente e se dirigiu à porta.

— Acredito que ainda não tenhamos terminado de conversar.

Mas congelou no mesmo instante no lugar em que estava.

Não apenas ela, todos os outros ali sentiram seus corpos estremecerem com tais palavras ditas pela garota de cabelos vermelhos. Ela disse aquilo não como a garota excêntrica e espalhafatosa de antes, mas como a presidente do conselho estudantil daquela academia. Embora houvesse um sorriso cordial em seu rosto, havia algo por detrás daquilo que a tornava incrivelmente assustadora.

— O que é que você ainda tem a tratar comigo? – Nebrissa olhou para ela sobre o ombro.

— Os outros já foram punidos pelo que fizeram. Além disso, eles também foram responsáveis por certos incidentes que aconteceram antes, por isso a punição deles será um pouco mais severa que a de costume.

— Presidente Leysritt, espero que não tenha exagerado – comentou Helena, arrumando os óculos com a ponta de seu dedo. – Não esqueça que eles ainda são filhos de nobres.

— Não precisa se preocupar com isso, Helena – respondeu Leysritt com um tom totalmente calmo, porém, firme. – Não pretendo fazer nada que vá além de meu poder.

Helena se conteve com aquela resposta e então se calou.

Nebrissa, no entanto, olhava para a presidente da mesma forma que fez com Raleigh antes – estava a analisando. Ela sabia há algum tempo que apesar de ter aquela atitude excêntrica, Leysritt não era alguém que chegou aonde está por causa de sua família ou status. Ela teve grandes participações em eventos passados, além de sempre estar no topo daquela academia, fossem em estudos ou habilidades.

— Por que está me contando isso?

— Porque apesar do outro grupo ser o responsável pelo que aconteceu mais cedo, você também teve seu envolvimento. Há outros relatos de que também esteve envolvida em brigas com alguns alunos mais velhos, assim como a descumprimento de diversas normas do dormitório.

Nebrissa se manteve em silêncio.

Não porque se sentiu ameaçada por aqueles olhos calmos, porém rígidos, que a encaravam, mas sim porque ainda havia algo mais que a presidente queria dizer. Ela só não esperava que Raleigh se colocasse a frente dela, como se estivesse a defendendo daquele olhar opressor.

— Acredito que nesse caso eu também tenha certo envolvimento nisso – disse ele, as mãos no bolso de seu casaco esfarrapado.

Leysritt arqueou as sobrancelhas num claro gesto de surpresa.

— E você é?

— Raleigh Rivaille. E apesar de não me dar bem com esses pirralhos mimados, atualmente sou o professor responsável pela turma das duas garotinhas aí.

Assim que se apresentou, Raleigh viu que os três membros do conselho estudantil tiveram um leve sobressalto, principalmente Leysritt. Ela ficou o encarando com certo espanto em seus olhos.

— Entendo, entendo – disse ela, virando-se em direção a Helena. – Tome.

Leysritt entregou uma pequena carta com letras douradas a Helena. Ela a pegou gentilmente e leu seu conteúdo, depois virou para Raleigh com um sorriso singelo em seu rosto e disse:

— Minhas sinceras desculpas por isso, professor Rivaille.

— Hã? Desculpas pelo quê?

— Por isso...

No instante seguinte, um estrondo, destroços e uma cortina de poeira invadiram o cômodo. Tudo o que se conseguiu enxergar além daquilo foi o corpo de Raleigh sendo arremessado com força através da janela para fora do quarto.

 

◊◊◊

 

— Parece que ela realmente o atacou.

Aurélio observava tudo através da esfera de cristal sobre sua mesa. Ele não demonstrava qualquer emoção em seu rosto, mas Flamel podia facilmente perceber que ele estava se divertindo com aquela situação.

— Tem certeza de que está tudo bem dar uma carta branca a ela? – perguntou Flamel com um cigarro apagado na boca. – Você sabe que ela não se segura quando fica empolgada.

— Está tudo bem, podemos reconstruir o que ela destruir depois. Helena já foi informada da situação.

—  Não, não foi exatamente isso o que eu quis dizer. Estava me referindo a ele.

— Nesse caso, não precisa se preocupar. Ele não vai morrer com apenas alguns golpes de pura força bruta. Não, acredito que ela nem mesmo seja capaz de conseguir acertar ele tão fácil assim.

— Você tem tanta crença nele assim?

— Não. Mas já tive a oportunidade de ver bem de perto o que ele é realmente é capaz de fazer, por isso, sei que aquela garota não tem quaisquer chances contra ele. A diferença de nível e experiência é tão grande quanto o céu e a terra. A não ser que algo inesperado aconteça...

Flamel encarou a esfera com seus olhos verdes e preguiçosos. Ele ouvira algumas coisas a respeito daquele homem contadas por Corona, e a conhecendo como ele a conhecia, ela não era o tipo de pessoa que elogiava ou falava bem dos outros tão facilmente – principalmente se esse alguém era um dos seus antigos alunos que virou as costas para seus deveres e obrigações.

— Mas afinal, por que é que ela pediu permissão para enfrenta-lo? – questionou logo em seguida.

— Ela tem uma personalidade parecida com a de Baltar, onde só se convence sobre algo após testemunhar com os próprios olhos – explicou Aurélio, ainda com os olhos fixos na esfera. – Há também o forte senso de justiça dela. Após saber sobre o que aconteceu mais cedo, ela decidiu comprovar pessoalmente se a escolha de Baltar, de acreditar na decisão de Raleigh, foi certa ou não.

— Ela possui uma personalidade forte.

— Sim, e é exatamente por isso que ela é umas das peças fundamentais para esta academia. Ela não se importa se é um nobre ou plebeu, os dois estarão sujeitos aos mesmos direitos e as mesmas responsabilidades.

 

◊◊◊

 

A brisa estava realmente agradável.

Depois que o frio matinal passou e o sol começou a surgir entre as nuvens, o clima havia se tornada bastante aconchegante para se tirar um cochilo sobre a grama recém cortada e limpa. Era como a união entre o homem e mãe natureza, um chamado da alma para os campos verdejantes onde o calor do sol era tão aconchegante quanto o colo de alguém que se ama.

Isso está realmente bom...— pensou Raleigh deitado sobre a grama. O calor do sol está bem agradável. As longas nuvens passando lentamente, fazendo com o que próprio tempo pareça correr de forma suave e branda...

Ele estava prestes a fechar os olhos e finalmente se entregar aquele chamado tentador e sedutor da natureza para um longo cochilo, mas uma sombra surgiu lá no alto, bem na sua linha de visão, e se aproximou de uma maneira feroz.

Raleigh exalou um longo e profundo suspiro.

— É por isso que odeio ter que lidar com pirralhos...

A terra tremeu num poderoso estrondo. Poeira, terra e grama explodiram e foram lançadas para o céu sem qualquer piedade. O lugar, que instantes atrás era um belíssimo gramado recém cortado e limpo, agora havia se tornado apenas um buraco.

— Tsc! Escapou de novo... – Leysritt estalou a língua e murmurou.

Olhou ao redor a procura dele.

— Sabe, eu sei que costumo irritar bastante as pessoas com alguns comentários, mas acredito que esta seja a primeira vez que nos conhecemos, certo? – perguntou Raleigh, preso pelos pés nos galhos de uma árvore próxima dali. – Não me lembro de ter dito qualquer coisa que pudesse fazer alguém querer me acertar tanto assim. Bom, talvez umas duas ou três vezes... ou será que foram quatro?

— Não está enganado – respondeu Leysritt o encarando. – Esta é a primeira vez que nos encontramos.

Eu achei que tivesse o acertado em cheio, mas ele nem sequer se arranhou... — pensou ela.

Leysritt mirou e acertou com seus punhos no peito de Raleigh, o lançando para fora do quarto através da janela, abrindo um buraco na parede da enfermaria. Assim que a cortina de poeira baixou, ela viu a figura do homem caído na grama – embora fosse mais certo afirmar que ele estava deitado aproveitando a brisa agradável.

Não consegui ver quando ele se moveu agora há pouco — ela observou o homem pendurado pelos pés nos galhos da árvore.

— Entendo... Essa é a primeira vez que nos conhecemos, né... Então posso saber por que é que você parece tão determinada a me acertar? Aliás, dá pra ver embaixo da sua saia quando você faz esses movimentos. Sim, sim. Esses movimentos aí mesmos.

Leysritt tentou acertar Raleigh com um chute, mas tudo o que suas pernas acertaram foi o tronco da árvore. O impacto e a força foram tão grandes que fizeram a madeira rachar, a árvore tombando logo em seguida.

Um pouco distante dali, Helena e os outros observavam tudo.

— Tem certeza de que não deve fazer nada? – perguntou Nina, preocupada. – Ela está atacando um professor.

— Tudo bem, ela tem permissão para isso – Helena mostrou um cartão com bordas e letras douradas. –  O diretor aprovou o pedido dela para enfrentar o professor Rivaille. Ela também pode destruir a propriedade da academia sem qualquer consequência.

— Que estranho, não? O diretor dar uma permissão assim a alguém como ela – disse Nebrissa, com ironia.

— O Sr. Aurélio deposita uma alta confiança na presidente Leysritt, principalmente pelo trabalho que ela tem feito no conselho estudantil nos últimos dois anos – respondeu Helena sem se dar ao trabalho de olhar para Nebrissa.

— Apesar da personalidade dela, a presidente é bem séria quando se trata dos valores do caráter de alguém – Lytton falou. – Ela tem ciência do que aconteceu com a turma secundária, por isso ela pediu permissão para enfrentá-lo.

— Ela acredita que as pessoas podem demonstrar suas verdadeiras intenções através dos punhos – continuou Rita, arrumando a armação dos óculos. – Embora isso não faça sentido, ela realmente consegue compreender as intenções de alguém quando o confronta numa luta. Essa é uma peculiaridade bem forte dela.

Assim que árvore caiu e levantou uma cortina de poeira, Raleigh havia desaparecido mais uma vez.

— Tsc! Fugiu novamente.

Leysritt limpou o suor que escorria por sua testa com a costa da mão, estava começando a ficar cansada por ter de usar uma grande força nos punhos e pernas. Apesar de ter aumentado temporariamente sua força e velocidade para enfrentar aquele homem, ela não havia conseguido sequer tocar nele nas últimas tentativas.

— Bom, é o natural a se fazer nessas situações.

Leysritt arregalou os olhos enquanto sentia todo o sangue de seu corpo congelar. Ela não foi capaz de sentir qualquer movimento, muito menos sentiu a presença dele, mas ali estava Raleigh, parado atrás dela coçando o pescoço.

— Ninguém em sã consciência se deixaria ser acertado assim – afirmou ele.

Eu não consegui perceber quando ele se aproximou — Leysritt o viu com o canto dos olhos.

— Seus movimentos não são ruins – a elogiou. – O problema é que acaba deixando várias aberturas em sua defesa. Além disso, sua calcinha também fica bem exposta quando usa as pernas para atacar, então deve tentar tomar mais cuidado com isso.

— Agradeço pelo conselho, mas costumo usar roupas íntimas discretas para o caso de ter de lutar num momento inesperado – ela o respondeu com um sorriso desafiador, porém, repleto de nervosismo.

— Eu já percebi que você está aumentando sua força temporariamente e que está usando aceleração dupla, e, por causa disso, está ficando cada vez cansada. Tem certeza de que não quer uma pausa para o descanso?

— Não. Ainda tenho energia de sobra para continuar.

Leysritt virou-se rapidamente numa investida com sua perna direita. Raleigh já esperava que ela fosse tentar fazer um movimento como aquele, por isso ergueu os braços em posição de defesa, mas havia duas coisas que ele não esperava...

A primeira delas foi a sensação repentina de ter todas as forças do corpo exauridas.

Por um breve instante sentiu sua consciência desaparecer, seu corpo ficou pesado, os braços e pernas não respondiam mais a sua vontade, era difícil até mesmo para respirar. Ele já havia notado que seu corpo chegara um estado de exaustão devido à falta de sono nos últimos dias e, além disso, as marcas negras em seu corpo fizeram com que todo o seu poder mágico fosse dissipado, o levando a um estado de exaustão extrema.

A segundas delas, foi a força do chute que ele levou.

Mesmo tendo perdido todas as forças de seu corpo e seu poder mágico se dissipado, Raleigh ainda seria capaz de defender um golpe daqueles e sem receber muitos danos, mas isso aconteceu. O chute de Leysritt era muito mais poderoso do que ele achou que fosse. Sentiu os ossos de seus braços se estilhaçando após ter defendido um único golpe e, em seguida, foi lançado para longe com uma força absurda.

O que foi aquilo?! Aquelas marcas...? — perguntou-se ele após ser lançado para longe. Naquele instante, as pernas e os braços dela...

Um pouco antes de ser atingido pelo chute de Leysritt, Raleigh viu que os braços e pernas da garota foram cobertos por padrões vermelhos. Ele também notou que o poder mágico dela aumentou rapidamente no mesmo instante em que os padrões surgiram.

Magia de reforço...? Não. Não parece ter sido isso — analisou ele. Mas é a única coisa que explica esse poder destrutivo. Apesar de não ter quebrado, sinto que os ossos dos meus braços foram estilhaçados com aquele ataque.

— É melhor desviar direito na próxima – avisou Leysritt, se posicionando para o próximo ataque. – Não pretendo me segurar dessa vez.

Antes que Raleigh sequer pudesse se mover e se posicionar, Leysritt avançou num único impulso que deixou um rastro de impacto para trás. Num breve instante ela já estava sobre Raleigh com os punhos preparados para desferir seu ataque, e, mais uma vez, aqueles padrões vermelhos surgiram nos braços e pernas dela.

Merda!!!

Raleigh usou o pouco de poder mágico que ainda havia lhe restado e saltou para longe, ganhando distância entre ele e a garota. Como ela parecia ser do tipo que ataca a curta distância, ele concluiu que o melhor a se fazer era ganhar distância entre eles e evitar de ser acertado por qualquer golpe dela.

— Fugindo de novo?! – Leysritt surgiu atrás de Raleigh ainda no ar. – Eu já percebi que é a única coisa que você sabe fazer. Então não tem como você ter derrotado o professor Baltar!

Ela mirou o peito dele com um soco de esquerda, mas Raleigh conseguiu esquivar e usar o corpo dela como apoio para se afastar. Ambos pousaram de pés a uma boa distância um do outro, Raleigh mostrando estar bem mais ofegante e cansado do que Leysritt – ele sentia sua energia se esvaindo cada vez mais conforme enfrentava a garota.

— Então é por isso – disse ele.

— Como?

— É por isso que veio me enfrentar, por causa do Baltar. Aquele maldito é um mau perdedor por acaso? Não gostou de perder e mandou alguém pra se vingar?

— Não ouse falar mal do professor Baltar assim! – Leysritt exclamou. – Ele é alguém que eu almejo ser. É alguém que se esforça mais que qualquer um, alguém que segue as regras e tem um ideal justo. Alguém que faz o que tem que ser feito sem se importar se vai ser odiado ou não. Por isso, não tem como ele ter perdido para alguém que só sabe fugir.

Entendi — pensou Raleigh escutando o que garota dizia. Baltar deve ser alguém importante pra ela. Quando ela soube que ele foi derrotado mais cedo, foi atrás de quem o derrotou... Ou é isso o que eu imagino. Provavelmente ele nem deve saber que ela está fazendo isso por ele. Nesse caso, vamos testar uma coisa...

— Mandando uma pirralha esquentadinha assim – Raleigh suspirou decepcionado. – Aquele maldito realmente não sabe perder. É por isso que não gosto de ter que lidar com pessoas corretas demais. Elas nunca aceitam que foram derrotadas por alguém com ideais e pensamentos opostos. No fim, sempre procuram por uma desculpa que os faça se sentir melhor.

— O que? – Leysritt o encarou com olhos frios.

— “Ele usou algum truque sujo para me vencer.”, “Ele me enganou, por isso eu perdi.”, “Não tem como eu ter perdido numa luta justa contra alguém assim, por isso ele deve ter usado alguma trapaça.”, “Eu não preciso vencer essa luta para provar que estou correto contra um mero plebeu.”. Maus perdedores são assim, eles nunca reconhecem que perderam porque foram mais fracos ou porque estavam errados. Foi mal, mas Baltar perdeu para alguém como eu e isso não vai mudar mesmo que ele mande uma pirralha esquentadinha para fazer o que ele não conseguiu – Raleigh sorriu com deboche.

Se eu estiver certo, apenas isso vai bastar— pensou ele enquanto observava a garota com os punhos cerrados.

Leysritt baixou a cabeça, os cabelos ocultando sua expressão. Cerrou os punhos até que o sangue começasse a escorrer por entre os dedos, as veias nas costas das mãos pulsando. De repente, seu poder magico explodiu de uma única vez criando uma onda de choque que fez com todas as janelas de vidro próximas dali fossem destruídas.

Os tipos esquentadinhos assim são os mais fáceis de se provocar durante uma luta. Eles acabam se deixando levar pelo impulso da raiva e deixam de pensar direito quando avançam.

— Maldito... – murmurou a garota ainda com a cabeça baixa. – Seu maldito!

Parece que eu estava certo sobre ela, mas tenho que admitir... A pressão esmagadora desse poder mágico é absurda. Essa garota realmente é apenas uma aluna?

— Farei com que se arrependa dessas palavras!

Leysritt se posicionou mais uma vez, fazendo com que Raleigh rapidamente adotasse uma posição de guarda, assim poderia se esquivar ou se afastar quando a garota avançasse sobre ele. Raleigh arregalou os olhos Leysritt desapareceu e, no instante seguinte, surgiu por detrás dele com o punho já preparado para lhe acertar em cheio.

O chão tremeu e fez com tudo o que estivesse próximo fosse jogado para longe pelo impacto e ondas de choque. As árvores perto dali foram arrancadas do solo e arremessadas para o alto, as passagens de concreto se partiram juntamente com o chão, parte de trás do prédio principal da academia foi derrubado pelo tremor.

— Ela realmente foi com tudo dessa vez – comentou Lytton. – Se não fosse pela permissão especial do diretor, teríamos outra pilha de documentos para preencher de novo.

— Obrigada pela barreira, Helena – agradeceu Rita, limpando um pouco de poeira que havia caído sobre os óculos.

Diante do grupo estava Helena com as duas mãos erguidas para frente e em volta deles havia uma esfera cintilante que os envolvia de forma calorosa. O quarto em que estavam até poucos instantes atrás já não existia mais, havendo apenas um amontoado de destroços.

— Seria muito bom se a presidente soubesse se segurar – reclamou Rita. – Assim não teríamos que ficar assinando documentos de desculpas e solicitações de reformas todas as vezes que ela se empolga.

— O que foi que ela aprontou daquela vez mesmo? – Lytton segurou a ponta do queixo entre os dedos. – Ah, lembrei. Ela tentou fazer um evento de inverno no meio do verão porque estava sentindo calor demais e por isso queria alguma coisa refrescante.

— Ela também tentou construir uma piscina no pátio principal da academia. Por causa disso tivemos de ficar três dias escrevendo pedidos de desculpas, e ela também acabou escapando no terceiro dia.

— Acredito que vocês tenham mais problemas lidando com a presidente do conselho estudantil do que com os assuntos da academia – comentou Helena com certa pena daqueles dois.

Lytton e Rita acabaram por soltar um longo e profundo suspiro que estava carregado pelo cansaço de terem de lidar com diariamente com os surtos e ataques inesperados daquela garota.

— Por que.... Por que é que vocês três estão tão calmos assim?! – exclamou Nebrissa.

Os três olharam para ela sem entender o motivo para estar nervosa daquele jeito. Parecia estar em pânico, como se sua vida corresse perigo. Só depois de alguns segundos eles compreenderem que a garota se referia ao que se passava ao redor. Ela estava perguntando como eles conseguiam se manter calmos diante de toda aquela destruição sem sentido que podia facilmente envolver qualquer um deles de forma indiscriminada.

— Por que...? Bem, ninguém se machucou e a barreira da Helena é quase impenetrável. Ela não vai quebrar facilmente por algo assim – respondeu Lytton. – Além disso, eu e a Rita estamos aqui. Isso é mais que o suficiente para ficarem tranquilos.

Nebrissa engoliu em seco diante daquela resposta.

Os olhos daquele garoto estavam calmos, não havendo qualquer dúvida ou hesitação em sua resposta. Nebrissa entendeu no mesmo momento que ele não estava sendo arrogante ou tentando parecer confiante na frente deles, ele tinha a mais plena certeza daquilo que estava falando. Rita e Helena não discordaram daquela resposta, possuindo os mesmos olhos calmos que ele e mostrando que aquilo não era uma mentira.

Assim que a cortina de fumaça e destroços se desfez, Leysritt saltou do meio da cratera que havia criado com seu ataque e pousou a certa distância. Seu corpo se tornou pesado e ela foi obrigada a ficar de joelhos, apoiou as mãos no chão para que não caísse totalmente e ofegou de forma violenta. Sua garganta estava seca, seus ossos rangiam e os músculos doíam; mal tinha forças para ficar de pé, não conseguindo se mover um único centímetro de onde estava.

Eu consegui acerta-lo direito dessa vez...? — perguntou-se ofegante. Não consegui ver o que aconteceu no último instante, mas tenho certeza de que o acertei...

— O que?!

Correntes brotaram do chão e se enroscaram em seus braços e pernas, restringindo seus movimentos e impedindo que ela pudesse se mover de onde estava. Ela tentou se livrar das correntes, mas não tinhas mais forças para quebra-las. E também, quanto mais ela tentava se livrar das correntes, mas elas eram puxadas para o chão.

— Arte Mística de N°. 6: Correntes de Restrição.

— Maldito, o que foi que você...!

— Apesar de ser um feitiço simples, ele é bem resistente – disse Raleigh. – E também, quanto mais se debater nessas correntes, mas elas irão restringir seus movimentos até que fique totalmente imóvel.

Leysritt virou-se para Raleigh e arregalou os olhos. Uma mistura de pânico e desespero surgiram em seu rosto, onde gotas de um suor frio começavam a surgir. As palavras não conseguiam sair corretamente de sua boca e tudo o que conseguia dizer eram murmúrios inaudíveis.

— Não precisa ficar assustada. Já recebi ferimentos piores. Isso aqui não é nada demais.

Não apenas ela, todos os outros presentes ali ficaram horrorizados diante daquela cena.

Nina cobriu a boca com as mãos enquanto fechava os olhos para não ter de ver mais. Lytton e Rita tinham expressões tensas como se aquilo fosse algo totalmente inesperado a eles. Helena e Nebrissa tinham os olhos tomados por horror. O garoto franzino que ainda estava junto apenas engoliu em seco enquanto via aquilo, embora seu corpo todo tremesse.

— Isso não... Isso não era... – gaguejava a garota enquanto tentava fazer com que as palavras presas em sua garganta fossem colocadas para fora. – Isso não era para acontecer...

Em pé, parado a sua frente, estava Raleigh, cujo braço direito havia se tornado irreconhecível. Estava totalmente desfigurado: o sangue escorria sem cessar, os músculos e carne estavam expostos, assim como ossos, os quais foram triturados. Era incrível, e ao mesmo tempo grotesco, como ele conseguia manter a calma com o braço naquele estado.

— Arte Sagrada de N°. 11: Fios Celestiais da Deusa da Lua.

Ele fez um gesto com os dedos da mão esquerda e os colocou sobre o braço direito. Fios de luz surgiram sobre o braço destruído, entrelaçando-se nele, cobrindo-o lentamente. Após terminar, os fios cobriram totalmente seu braço até a altura do ombro, emitindo uma aura calorosa enquanto cintilavam.

— Libertar.

Raleigh fez outro gesto com os dedos da mão esquerda na direção de Leysritt e as correntes que a prendiam foram estilhaçadas em várias partes, se tornando pequenos feixes de luz que logo desapareceram no ar.

Assim que foi libertada das correntes ela permaneceu onde estava, ficando de joelhos. Já possuía forças o suficiente para se levantar, mas por alguma razão, tanto sua mente quanto seu corpo não conseguiam a fazer ficar de pé. Ela somente ficou ali parada e estática, encarando o homem diante dela com olhos trêmulos e sem saber o que fazer.

Não havia hostilidade, raiva, repreensão, pena, indignação ou surpresa nos olhos dele. Ele apenas a encarava como se encarasse qualquer outra pessoa, de uma forma totalmente indiferente.

— Eu avisei que você costuma deixar várias aberturas. Além disso, você também deixa bem evidente onde está mirando e pretende atacar, por isso é bem fácil revidar seus ataques.

Raleigh se agachou perto dela.

— Agora, será que pode me dizer por que é que estava tão determinada em me enfrentar? Apesar de não parecer, eu não gosto de ser odiado sem motivo.

— Por que... – disse ela com sua voz fraca e quase inaudível.

— Hum?

— Por que você não está com raiva...?

O que acontecera antes não era algo que ela esperava, por isso ela ficou tão chocada e horrorizada quanto os outros quando viu o estado em que estava o braço de Raleigh. Embora tenha dito que não iria se segurar, seus ataques podiam causar somente alguns danos físicos – no máximo alguns ossos quebrados. Era algo que poderia ser facilmente tratado na enfermaria da academia, mas aquilo foi muito diferente. Era um ferimento grave, talvez até fatal numa situação de risco, um ferimento causado para matar. Por isso, ela sentia uma mistura de culpa, medo e confusão naquele momento.

— Só estou um pouco incomodado – respondeu e estalou o pescoço em seguida. – Se eu perdesse a calma contra uma criança, certamente não estaria preparado para ser um adulto.

Leysritt o escutou com certo espanto em seus olhos. Ela esperava que o homem fosse gritar com ela, fosse julgá-la, fosse culpa-la por aquilo, mas nada disso aconteceu. Pelo contrário, Raleigh apenas olhava para ela de uma forma tranquila e ao mesmo tempo indiferente, exatamente como se olhasse para uma criança.

— Foi por causa do professor Baltar...

Ela virou seu rosto para o lado para não ter de encará-lo nos olhos.

— Eu soube sobre o que aconteceu com a turma secundária ontem, por isso fui perguntar ao diretor o que havia acontecido. Quando cheguei a sala dele, vi o professor Baltar e descobri que ele o havia enfrentado num duelo, mas que tinha perdido. Então decidi ver por mim mesmo que tipo de homem você era.

— Uma atitude muito admirável. Mas você que não tinha a necessidade me atacar.

— Eu acredito que as pessoas conseguem entender o caráter de alguém através dos punhos – Leysritt continuou a falar sem conseguir encara-lo.

— E que foi que descobriu?

— Nada... – murmurou ela. – Eu não consegui ver qualquer coisa que pudesse me dizer que tipo de pessoa você é.

— Você precisa treinar mais uns dez anos para conseguir entender alguém quebrado como eu – disse ele, apontando com o polegar para si mesmo.

Leysritt não soube como reagir e ficou com uma expressão ainda mais confusa do que estava. Raleigh se levantou e olhou para o céu por algum tempo, as nuvens refletindo em seus olhos lentamente conforme passavam. A brisa estava agradável, ótima para se tirar um cochilo à sombra de uma árvore e sobre a grama recém cortada.

Seus ouvidos não eram capazes de captar qualquer som, seu nariz não era capaz se sentir qualquer cheiro, seus olhos não eram capazes de ver qualquer imagem, seus braços e pernas não eram capazes de mover. Raleigh tombou para frente com todo o seu peso e foi ao chão.

— Certo, certo. Acho que você se forçou um pouco demais dessa vez.

Todos ali foram tomados por um espanto repentino ao mesmo tempo.

Eles não foram capazes de compreender o que tinha acabado de acontecer naquele instante. Flamel surgiu logo em frente a Raleigh e o segurou pelo ombro esquerdo, impedindo assim que o homem tocasse o chão, só que ninguém ali havia o notado, ou melhor, ninguém tinha sequer percebido sua presença até que ele aparecesse. Era como se ele houvesse surgido instantemente ali.

— Parece que ele está apenas exausto pela privação de sono. Quanto ao braço dele, não precisam se preocupar. Esses fios de luz servem para selar temporariamente o ferimento como se fosse uma bandagem. Eles impedem que o ferimento continue a sangrar, assim como cessam temporariamente a dor que emite.

O homem pegou Raleigh e o colocou sobre o ombro. Parecia ser fisicamente bem mais forte do que aparentava por conseguir erguer alguém daquele tamanho e peso com apenas um dos braços.

— Eu vou trata-lo pessoalmente, já que isso parece um pouco grave demais para ser tratado pela equipe da academia – falou e colou a mão livre no bolso de seu jaleco. – Helena, você foi de grande ajuda. Se não fosse pela sua barreira, os danos à academia poderiam ter sido muito maiores. Por isso, bom trabalho.

— Agradeço o elogio, professor Flamel – disse ela, fazendo uma breve mesura como agradecimento.

Helena estalou os dedos e todo o cenário ao redor foi se dissolvendo como cinzas ao vento. A paisagem que fora destruída logo se desfez e deu lugar a paisagem de antes, como se o que aconteceu ali nunca houvesse existido. As crateras no chão sumiram, as arvores que foram arrancas e jogadas para longe estavam de volta no mesmo lugar, a parte do prédio que fora destruído antes, agora estava intacta.

— O que está havendo...? – Nina arregalou os olhos, uma gota de suor frio descendo pelo rosto. – Por que está tudo voltando ao normal como se nada houvesse sido destruído?

— É por causa da barreira que eu coloquei um pouco antes da presidente Leysritt avançar sobre o professor Rivaille – respondeu Helena. – Ela recria a réplica de uma área num espaço dimensional separado. Tudo o que aconteceu desde o momento em que li a carta do diretor Aurélio até o momento em que o professor Flamel apareceu, assim como toda a destruição causada aqui, foram eventos que aconteceram dentro da minha barreira.

Não tem como algo daquela escala acontecer e ninguém notar. Então foi por isso que mesmo após aquilo tudo nem uma única pessoa apareceu para ver o que estava acontecendo — observou Nebrissa enquanto olhava para a secretária de assuntos gerais da academia com espanto. Essa mulher é perigosa — foi o que ela concluiu por si mesma.

— É uma magia surpreende – comentou Lytton, assobiando.

— Agora, se me dão licença. Tenho algumas coisas para reportar ao diretor Aurélio.

Helena fez uma mesura e se retirou logo em seguida.

— Vocês três aí estão liberados – Flamel apontou para Nebrissa, Nina e o garoto franzino. – Podem voltar para suas respectivas salas. Quanto a vocês dois, tenho certeza de que o conselho estudantil pode lidar com a sua presidente por conta própria, correto? É bom vocês a fazerem trabalhar bastante depois disso.

Ele os encarou com um olhar extremamente sombrio e intimidador para alguém que costumava ter uma expressão preguiçosa no rosto a maior parte do tempo.

— Não quero ter que enviar outro pedido de desculpas para o comitê de eventos do Festival da Colheita porque os documentos de solicitação necessários não foram enviados dentro do prazo de entrega. Entenderam?

Lytton e Rita engoliram em seco, uma gota de suor frio escorrendo por seus rostos diante daquele olhar ameaçador e aura sombria que cercava o professor de jaleco. Eles o conheciam muito bem para saber que ele podia ser extremamente amedrontador quando queria.

— Sim, senhor! – exclamaram em uníssono e bateram continência.

— Estou contando com vocês. É melhor não me decepcionarem – falou com um tom tão amedrontador quanto seu olhar. – Agora, preciso levar o professor Rivaille para tratar seus ferimentos o quanto antes.


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