Detetive Potiguar escrita por Helen


Capítulo 3
Capítulo 3 — Minha linda Kátia.




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No dia seguinte eu voltei ao trabalho dele. Aproveitei para fazer umas perguntas ao dono do cachorro quente e ao pessoal do restaurante. Eles não sabiam muito.

Perguntei a Mixele se ele tinha voltado tarde no último dia. Ela disse que não, que ele tinha voltado até rápido demais. Isso me soou estranho. Ele saiu para comprar pão, não foi visto e depois aparece mais rápido do que de costume?

Umas quatro da tarde, fui na vizinhança do casal e enquanto rondava, descobri que havia uma nova padaria bem ali perto, recém aberta. Tomei um café com cuscuz e perguntei a moça do balcão se ela tinha visto o tal de Linaldo. Ela não sabia de nomes, mas reconheceu quando eu o descrevi. Ele tinha passado por lá no dia anterior.

Logo após ter me dito aquilo, Linaldo apareceu. A moça falou que eu estava procurando por ele e nesse momento eu gelei. Linaldo olhou pra mim, sem entender direito o que minha regata branca e a bermuda vermelha tinham a ver com o chapéu e o sobretudo. Eu apertei sua mão e disse a ele que estava procurando um modelo para um comercial de arroz integral. Foi a primeira coisa que veio a minha mente.

Ele recusou (GLÓRIA AO PAI), mas disse que poderia me dar o número de alguém que conhecia. Eu recusei, dizendo que já tinha outros candidatos, e então fui embora. Nem tive tempo de dar um cascudo na mulher do balcão. Deixei para outro dia.

Voltando ao carro, concordei comigo mesmo que aquele tinha sido um dia muito emocionante, e que eu merecia um dogão pra me acalmar. Dirigi alguns metros até me tocar que eu tinha chegado no ponto do circular universitário. Eu já ia dar meia volta até que meus olhos perceberam a pequena cigarreira bem em frente ao ponto de ônibus. Como eu fui me esquecer que o Hot Dog do Magão ficava bem ali?!

Desci do carro, animado, e sentei em uma das mesas de plástico branco, olhando para a árvore do lado da bancada e a BR, o shopping e um grande outdoor no fundo. Pedi um cachorro quente e uma coca, e esperei. Fiquei mexendo no celular enquanto isso, fazendo coisas muito importantes para o avanço do caso, como mexer no face e mandar figurinha no zap. Quando o pedido chegou, guardei o celular dentro do sobretudo (poder fazer isso é uma das melhores coisas de se ter um sobretudo) e abri a coca, olhando para uma TV de tubo que ficava em cima do balcão.

Estava passando uma novela. Eu nunca fui muito de assistir novela, mas o enredo parecia legal. Tinha uma mulher perseguindo uma outra mulher, e depois as duas se olharam como se fosse um velho oeste, e aí chegou um carro e atropelou uma das duas. Uma pena que eu não estava entendendo o motivo para tudo aquilo estar rolando.

Depois de terminar o cachorro quente e deixar a coca pela metade, paguei e resolvi voltar para casa. No entanto, naquela rápida conferida no celular antes de dirigir, eu recebi uma notificação de Mixele. Ela disse que o marido estava saindo, e não tinha avisado nada. Agora era a minha hora de brilhar! Tinha que ser!

Acelerei o carro como se estivesse num filme de Velozes e Furiosos e fui correndo até a rua deles. Eu devo ter pego umas dez multas nessa brincadeira, mas não importava. Tudo no final ia valer a pena, ou era isso que eu pensava.

Cheguei antes mesmo do carro sair da garagem. Fiquei de tocaia, atento a qualquer movimento suspeito, e quando ele saiu, eu o segui discretamente, com os faróis desligados.

Começou a chover de repente, e eu só conseguia pensar: "É agora! É agora! O auge da minha carreira!". Tudo estava perfeito: a chuva, meu carro quadrado, a calma perseguição em ruas cheias de.... buracos?

É. Buracos. Não sei onde aquele desgraçado daquele Linaldo estava indo, mas eu sabia que não queria ser seguido, porque nenhum ser humano em sã consciência pega uma estrada de terra num dia de chuva apenas por querer.

A cada lagoa que meu carro atravessava de ladinho eu tinha que diminuir a velocidade. Digo, diminuir MAIS do que eu já tinha diminuído. Eu estava ficando pra trás. O carro de Linaldo quase sumia na chuva.

Mas eu não podia desistir! Um defensor da verdade jamais desiste! Acelerei e tentei atravessar os buracos mais rápido, apesar de estar morrendo de medo daquela minha belezinha afundar naquela lama.

Depois de uns dez minutos de sofrimento e agonia, consegui atravessar aquela rua. Eu mal conseguia ver o carro de Linaldo, por isso pisei no acelerador e tentei diminuir a distância. Deu certo. Linaldo também parecia ter desistido de viver a vida perigosamente, pois pegou uma rua de pedra, facilitando a vida de todo mundo.

Eu o segui até um motel. Todo esse caminho de dor e sofrimento pra chegar num motelzinho caindo aos pedaços. Deixei para pensar nisso depois, quando estivesse explicando a história para a dona Mixele. Continuei seguindo ele e, quando ele entrou, eu comecei a por em prática as estratégias que eu pensei em usar em casos assim.

Subi numa árvore, só para me tocar de que espionar assim não iria dar certo. Já deviam ser umas seis e pouca da tarde, e o tempo chuvoso não me ajudava. Desci e tentei minha segunda opção: um disfarce. Eu sempre levava no porta malas do carro uma peruca morena longa e um vestido vermelho, desses com um bojo que até Jojo Toddynho acharia grande. Era pra compensar minha grande masculinidade.

Eu também tinha roubado um dos estojos de maquiagem da minha irmã. Ela deve ter uns vinte, então não deve ter se tocado até hoje. Depois de fazer um trabalho digno de um pintor da renascença no meu rosto, eu peguei minha bolsa falsificada da Gucci e parti para a guerra.

Não tinha ninguém na recepção. Suspirei por não poder por em prática todas as minhas aulas de teatro no youtube, mas vida que segue. O problema agora era achar o quarto onde estava aquele desgraçado.
Vasculhei os corredores procurando alguém que trabalhasse ali, mas não achei ninguém. Eu devo ter passado uns vinte minutos procurando alguém, só que ninguém apareceu. Cheguei a abrir a porta de um dos poucos quartos daquela espelunca e não tinha alma viva ali dentro.

Comecei a imaginar que não houvesse ninguém ali. Mas por que as luzes estavam todas acesas? E por que Linaldo iria para um motel se não fosse para trair a mulher?

Voltei a recepção e lá estava a secretária. Respirei fundo e incorporei meu personagem Kátia, uma garota de programa que aos doze anos perdeu a mãe por causa da AIDS. O pai dela era um cafetão e não gostava de crianças, por isso a inseriu no mesmo mundo da mãe. Kátia não conhece o amor, só conhece os prazeres mundanos, e esse é o centro de sua vida... O resto da história eu não desenvolvi ainda.

— Oinn, curiçença. – comecei afinando minha voz, tentando manter a personagem. – É qui eu ton aquii pra um trabalhuu, sabii?

A recepcionista me olhou com desinteresse, dizendo: – Tá, moça. Seu cliente pediu pra se encontrar aqui, é?

— É qui, assiiim... Ele mim disse que ia fazer uma surpresinha pra mim né? – forcei a risada mais esquisita que eu podia fazer. – Ain, néhh...

— Ele não te deu o número do quarto?

— Pois ehh, ném? Meion burrinhow ele, sabi?

— É cada uma, meu deus... Qual o nome dele?

— Linaldoow. Linaldo Jusciano. – mesmo na voz da minha linda Kátia, aquele nome continuava horrível.

— Olha... – ela disse, depois de olhar o computador – Quarto 5. Fica no final do corredor, na esquerda.

— Brigadoow linda. – fiz um aceno característico da Kátia – Esperow que você tenha mais sorte do que eow na vida.

— Certo...

Dirigi-me até o quarto, que ironicamente ficava bem em frente àquele que eu tinha aberto. Pus meu ouvido na porta, como um bom curioso, e consegui ouvir a voz de Linaldo ali dentro. Puxei um gravador com microfone super sensível do bojo do meu vestido, coloquei meus fones e comecei meu trabalho de investigação. A conversa lá dentro foi a seguinte:

Mulher Desconhecida: "Você sabia que hoje é o meu aniversário?"

Linaldo: "Sabia não. Meus parabéns."

Mulher Desconhecida: "O que é que você vai me dar de presente?".

Linaldo: "O que você quer?"

Os dois ficaram em silêncio por algum tempo. Eu já imaginava os sons que viriam em seguida, até que meus pensamentos impuros foram surpreendidos pela resposta da mulher: "Quero que você vá para o Estados Unidos comigo. Já não aguento mais ter que ouvir você falando daquela quenga da sua mulher."

Linaldo: "Você sabe que eu não posso fazer isso. Mixele ia nos rastrear rapidinho. Ela tem contatos que nem o Beirute conseguiria peitar. Tu sabe como eles são".

Mais silêncio. Eu estava surpreso. O cara estava realmente traindo a mulher. O meu caso era de verdade verdadeira, e eu quase não conseguia me conter de felicidade. Eu estava louco para mandar aquela gravação para a Mixele e conseguir o resto do pagamento.

A mulher desconhecida retrucou: "Você não era tão medroso assim quando nos conhecemos".

Linaldo: "Pra sobreviver precisa jogar de acordo com as regras."

Mulher Desconhecida: "Desde quando você liga pra regras, Paulo?"

Linaldo: "Desde que ameaçaram te matar, Kátia".

Agora eu estava duplamente chocado. Primeiro, porque aparentemente Linaldo não era de fato Linaldo. E segundo porque estavam roubando minha personagem na cara dura. Ninguém mais respeita os direitos de um detetive particular???

Kátia continuou: "Você ficou frouxo com aquela ameaça? Eu já sofri coisa muito pior, mas aguentei tudo, ao invés de fugir como você fez."

Linaldo: "Vamos parar de falar disso, ok? Não vim aqui pra ficar discutindo o passado com você."

Silêncio. Ouvi o som de lençóis e tirei os fones, por respeito a privacidade dos dois. Mas o gravador continuou seu trabalho.

Passei alguns minutos ali, ouvindo bem baixinho os sons característicos dos frequentadores de um lugar como aquele, e quando pensei ter o suficiente, parei de gravar, guardei meu equipamento no bojo novamente e saí pela entrada. A recepcionista estava mexendo no celular e por isso não me viu sair, o que eu achei bom.

Entrei no carro e mandei uma mensagem para Mixele dizendo que estava com as respostas que ela queria. Marquei um encontro no dia seguinte, na praça de alimentação do Natal shopping, às três da tarde. Fui pra casa com uma ansiedade de ver tudo aquilo resolvido. Fiz um pão com ovo como janta e treinei algumas falas da Kátia (a MINHA  Kátia) na frente do espelho. Quando achei que estava bom, desliguei as luzes do quarto e fui dormir.


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