Espera escrita por Honeyzinho


Capítulo 1
Destino?


Notas iniciais do capítulo

Sou apaixonada pela Coreia do Sul e pela ideia de almas gêmeas. Esse breve conto eu escrevi num surto de criatividade, e demorei muito tempo pra decidir se deveria postar aqui.

Mas cá estamos nós, não é mesmo?

Portanto, só me resta agora desejar uma excelente leitura a todos!



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Deixei o escritório tarde da noite, abraçando meu sobretudo marrom favorito e erguendo o pulso para conferir a hora.

O relógio ainda marcava três da tarde. Tinha travado.

Era o terceiro em menos de dois meses, e aquilo só reforçou o fato de que eu precisava parar de gastar meu dinheiro com tralhas e investir logo em um produto confiável e com mais alguns zeros à direita.

Ignorei a morte de mais um eletrônico meu e apressei os passos. Sem saber a hora exata, corria sérios riscos de perder o próximo ônibus – e, honestamente, essa era a última coisa que eu gostaria que acontecesse comigo naquela noite. Estava exausta e meus pés não aguentariam aqueles saltos por muito mais tempo.

Tec, tec, tec, tec.

Acelerando na medida do possível, cheguei ao ponto, que estava quase vazio – mas, felizmente, um rosto ou outro eram familiares. Assim, se eu houvesse perdido minha condução, pelo menos não passaria mais uma hora sozinha esperando pelo próximo ônibus.

Não que eu tivesse medo de algo. Seul sempre fora um lugar tranquilo nesse aspecto. A única coisa realmente caótica na cidade eram os carros que circulavam de lá pra cá.

Sentei ao lado de uma senhora, que lia um livro antigo e gasto, ajeitando os óculos sucessivas vezes. Parecia interessante, já que ela sequer piscava. Aquilo me fez lembrar de quando eu costumava ser mais ligada à literatura.

Engolia livros no Ensino Médio mais fácil do que comprimidos para dor de cabeça. Sempre fora encantada com a ideia de viver um romance fantasiosamente fascinante. Porém, é claro, nunca aconteceu.

Saltando de um relacionamento a outro, e sempre me envolvendo em situações complicadas e desgastantes demais, acabei engolindo, dessa vez, todo sonho que eu costumava cultivar dentro de mim a respeito de viver uma aventura amorosa que me tirasse o fôlego.

Estava muito claro pra mim que, nessa vida, eu tinha missões a cumprir, desafios a enfrentar e etapas a concretizar – menos a que dizia respeito ao amor romântico. Nesse aspecto, parecia fadada a nunca encontrar aquele alguém que de fato fizesse sentido em pertencer à minha vida, e vice-versa.

Mais algumas pessoas chegaram ao ponto de ônibus, sempre atentas ao fim da rua, aguardando o transporte que as levariam de volta ao conforto de suas casas. Eu fiz o mesmo, mas o que esperava ansiosa era um pouco diferente.

Não se tratava apenas do meu ônibus àquela altura do campeonato. O vazio de uma vida solitária disfarçada de solitude começou a me acertar em cheio – como vira e mexe era comum de acontecer.

Eu tinha tudo, e ao mesmo tempo não tinha nada. Havia visitado países, construído uma carreira, ganhando sucessivas promoções e aumentos salariais. Tinha enfim realizado meu sonho de morar na cidade mais moderna, agitada e empolgante de toda a Coreia do Sul. Era o ápice da minha vida.

Mas eu ainda estava lá, jogada na vala do descontentamento e frustração. Eu só queria ter alguém para abraçar e ser abraçada. Um beijo sem malícia, apenas zelo. Uma palavra de conforto pelas manhãs.

Alguém com quem eu pudesse dividir a vida.

Talvez meus pais estivessem certos: eu sempre escolhi demais. Seletiva ao extremo. Olhando mais uma vez para a senhora, que agora já havia fechado seu livro e o guardado dentro de uma de suas sacolas, comecei a me questionar se tinha valido a pena ser assim com tudo.

Quero dizer, minhas exigências tiveram total responsabilidade nas minhas conquistas profissionais. Meu padrão de vida era fruto da minha famosa seletividade – e por isso eu seria realmente e eternamente grata.

Mas, ao mesmo tempo, aquele vazio e completa necessidade de viver uma dessas paixões de filmes hollywoodianos também eram consequência dessa minha postura detalhista demais.

Eu só queria que ele aparecesse, como um passe de mágica. Olharia em seus olhos e teria plena certeza da nossa ligação. Estaríamos juntos antes mesmo de estarmos.

Era por isto que eu esperava.

As pessoas ao meu redor começaram a se movimentar. Como se acordasse de um devaneio, mirei a rua ainda agitada. O nosso ônibus vinha rapidamente, desacelerando à medida em que se aproximava do nosso ponto.

Ele parou e nós entramos. Eu me ajeitei num dos bancos mais ao meio, escorando minha cabeça no vidro da janela. Seul parecia nunca dormir. Diziam que Nova York também não, mas ainda não tivera a chance de visitar.

Talvez eu devesse programar minha próxima viagem.

O ônibus se preparou para arrancar e sair logo dali. As pessoas carregavam o cansaço em seus rostos. A senhora, que estava um pouco mais à frente, tornou a tirar seu livro da sacola. Aquela devia ser uma trama e tanto.

Respirei fundo mais uma vez, certa de que continuaria trilhando minha jornada tal qual vinha fazendo nos últimos quase dez anos.

Mas então algo aconteceu.

Ouvimos uma voz desesperada, num coreano audível, pedindo que o ônibus o esperasse. O motorista pareceu irritado, mas assim o fez, freando a condução e abrindo a porta para que o novo passageiro pudesse embarcar.

Ele passou pela roleta, ajeitando seu casaco preto e a bolsa lateral, que pendia sobre um de seus ombros. Agradeceu, aparentemente sem graça, e caminhou pelo corredor estreito. Seu cabelo era escuro, a boca estava vermelha devido ao frio.

Ele olhou de um lado para o outro, observando onde se sentaria. Nenhum dos assentos estava completamente vazio, então de um jeito ou outro ele teria que ficar longe da janela.

Tentei não encarar mais. Ser estrangeira num país asiático já era uma tremenda complicação. Comer pessoas aleatórias com os olhos só tornaria tudo mais esquisito para mim.

Distraída, voltei a encarar a rua. O ônibus já tinha começado a se movimentar, pegando o ritmo dos outros veículos. Precisava arrumar meu quarto quando eu chegasse. E lavar minhas roupas. E ligar para meus pais, que provavelmente estariam almoçando àquela hora.

— Com licença – foi o que a voz disse, me fazendo encarar a pessoa que tinha acabado de se juntar a mim. Era o cara atrasado.

O cara atrasado de cabelos escuros, casaco preto, boca vermelha e olhos perfeitamente traçados, que me encaravam com certa curiosidade – e ao mesmo tempo inquietação.

Meu coração acelerou tanto, que fiquei com medo de que pudessem ouvir. O sangue bombeava em meus ouvidos. Que sensação maluca era aquela?

E por que ele tinha se sentado justo ao meu lado, quando nos outros bancos havia apenas coreanos presentes? Quero dizer, não era isso que costumava rolar comigo. Os nativos pareciam correr dos estrangeiros, como se fôssemos alienígenas.

Mas ele escolheu se sentar ao meu lado.

— F-Fique à vontade! – respondi, em meio a um gaguejo embaraçoso, porém e ainda assim, colocando em ação toda a cordialidade da minha terra verde e amarela.

Ele sorriu em resposta e agradeceu. Um sorriso bonito pra caramba, que só conseguiu me deixar ainda mais desconcertada e tímida. Aquele cara era diferente. A energia que ele emanava não tinha nada a ver com o que eu estava habituada.

De soslaio, e durante todo o caminho, nós nos encaramos. E digo nós com convicção, porque sempre fui esperta quanto a isso de perceber se as pessoas estavam ou não reparando em mim – ainda que fosse apenas pelo fato de eu ter vindo de outro país.

Pressionando uma mão contra a outra, prendi a respiração diversas vezes. O trajeto parecia ter se tornado mais longo do que o usual, enquanto o corpo dele esbarrava no meu de acordo com o movimento que o motorista fazia.

Era sutil, mas meu estômago congelava a cada curva.

Continuamos nos olhando disfarçadamente, até que ele pareceu reunir toda a coragem possível para virar um pouco mais o pescoço, deixando claro que ele queria olhar nos meus olhos. Fiz o mesmo em resposta.

— Me desculpe. Eu não costumo fazer isso. Mas, não sei, eu acho que te conheço – foi o que ele disse, baixinho, curioso e inquieto. Seu olhar estava preso ao meu, e eu podia sentir exatamente a mesma coisa, embora tivesse certeza de jamais tê-lo visto antes.

Pelo menos não nessa vida.

— Eu sinto o mesmo – foi o que consegui responder, e ele abriu mais uma vez aquele sorriso.

Era por isso que eu tinha esperado tanto.


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Notas finais do capítulo

E aí?

Me conta o que mais gostou nesse conto e diz se devo postar mais coisas nesse estilo - ou nem.

rsrsrs

Vejo vocês em breve lá em Mudança de Planos.



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