Conto de Bruxas escrita por Laurus Nobilis


Capítulo 3
Fim


Notas iniciais do capítulo

Demorei bem menos dessa vez :)

Tenho coisas estudantis para fazer, mas a inspiração bateu forte. Como o título sugere, é aqui que a história termina. Espero que tenham gostado. Escrevi com muito carinho.



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Os passos rápidos converteram-se em uma corrida à medida em que Liora se afastava daquele terrível salão de banquetes. Não percebia como alguns metros atrás, alguém a seguia.

Talvez fosse melhor não perceber. Lágrimas escorriam por seu rosto. A trança chicoteava sua pele e ela quis desfazê-la até devolver seus cabelos ao estado usual, porém se conteve.

Enfim, atravessou o hall vazio e alcançou um grande portão. O portão principal. Empurrou-o com determinação, contemplando a liberdade.

Se diante dela estivesse o reino, certamente fugiria. No entanto, deparou-se com o jardim. Balançada por um choro cada vez mais intenso, Liora sentou em um banco de ferro e esfregou os olhos.

Tudo dera errado, como ela sabia que podia acontecer. Deixou-se levar pelo sorriso bonito do príncipe. Esperava mais de si mesma. Bruxas deveriam ser espertas.

Levou um susto com o aproximar de passos.

— Você? – perguntou em retórica, encarando o rapaz que habitava seus pensamentos um segundo antes.

— Eu mesmo. Príncipe Theo de Wynnsbur, o primeiro. – respondeu ele, tentando disfarçar um pouco seu constrangimento. – Você estava chorando?

— Não estava. – replicou a donzela, de olhos repletos de lágrimas.

— Tudo bem chorar. Eu choro de raiva com alguma frequência. Meu pai, você sabe… – disse Theo com uma risadinha. Ele sentou ao lado de Liora e ergueu a cabeça. – A lua está bonita. Sentiu falta dela?

— Não… – suspirou ela. – Eu sonhava com a lua. Sonhava com muitas coisas.

— Talvez você possa me contar dos seus sonhos, depois.

— Não, não. Sem charme para cima de mim, príncipe Theo. – ralhou a moça, cruzando os braços para encará-lo, que pareceu assustado. – A culpa é sua. Você me trouxe aqui.

Theo concordou com a cabeça; o ar taciturno.

— A culpa é minha. Fiquei otimista. Eu realmente não esperava que…

— Ela é sempre assim? – murmurou Liora.

— Alyssa não tem uma personalidade das mais afáveis. – informou o príncipe. – Mas tenho minhas suspeitas de que hoje, foi pior do que o normal. Não porque ela de fato desconfia de você. Talvez porque nós a deixamos com ciúme.

— Ciúme? – ecoou Liora, esboçando um sorriso irônico.

O príncipe riu constrangido antes de revelar:

— Ela é apaixonada por mim. Há anos.

Liora sentiu uma onda desconfortável de calor preenchendo o peito. Sua própria carga de ciúme.

— Então tem muita gente apaixonada por você?

— Se for contabilizar… – respondeu Theo, enrubescendo. – Umas três pessoas? Enfim, não posso sequer considerar casar com uma delas. Sou o herdeiro do trono.

— E o que isso implica? – quis saber a jovem bruxa, ainda leiga sobre as normas reais.

— Isso implica – esclareceu o príncipe, audivelmente chateado. – Que é conveniente, por várias razões, que eu resgate a princesa Lilian e a traga até aqui. Vamos ser pressionados a nos casar, e eu preciso me casar com alguém da alta nobreza. Baixa nobreza não serve. Uma plebeia, então…?

Liora ficou em silêncio por um segundo. Sua mão pequena e calejada buscou a de Theo.

— Posso entender porque isso tudo tanto lhe incomoda. – declarou.

No escuro, o rapaz sorriu. Era bom finalmente ser ouvido.

De mãos dadas ali, aproveitaram a quietude. Liora olhava o jardim silencioso e úmido com orvalho, onde permeavam o suave cricrilar de grilos e coaxar de sapos. Sem que ela notasse, Theo a olhava. O brilho prateado da lua parecia realçar sua beleza.

— Aqui fora, quase me sinto de volta à minha floresta. – comentou Liora, de repente, nostálgica.

— Você gostaria de estar lá? Se arrepende de ter vindo? – indagou o príncipe com cautela.

Seus olhares se encontraram.

— Acho que sim. O castelo é encantador, e eu adoraria me sentir bem-vinda aqui, mas… É difícil. Na floresta, não existe ninguém. Na solidão, ninguém pode me julgar.

Sob o impacto daquelas palavras, Theo amolecia por inteiro. Uma ideia impulsiva dominava sua mente enquanto Liora continuava a falar.

— ...No entanto, poderia ser pior. Tenho você e Jessamine. Sei que não estou sozinha.

De repente, ela sentiu uma mão em seu queixo.

— Liora, eu amo você.

— O quê? – reagiu a moça, pura perplexidade.

Theo respondeu com um beijo cálido e apaixonado. O segundo beijo que compartilhavam, na verdade.

Demorou até que se separassem. Eram dois pares de olhos brilhando intensamente na noite.

— Mas você não estava dizendo…?

— Sim, eu estava. E não ligo. – afirmou o príncipe.

O casal pulou sobre o banco diante do ligeiro som de alguém adentrando o jardim.

— Theo e Liora – chamou a voz delicada e firme da rainha Eleanor. Como ela sabia que os encontraria ali, era um mistério. Seus olhos se estreitaram, tentando localizá-los nas sombras. – Sei que vocês estão chateados, e é compreensível, mas seria bom voltarem para a sobremesa. Por educação, sabe? Um príncipe tem seus deveres.

“Um príncipe tem seus deveres.” Muito pertinente.

Com as mãos entrelaçadas nas de Liora, Theo alocou perto de seu ouvido um beijo e uma promessa.

Em seguida, eles se apresentaram à rainha Eleanor. Pareciam estar qualquer coisa além de chateados, e se a dama percebeu algo, preferiu guardar para si. Diferente do rei, ela se lembrava de ter 16 anos.

***

O fim do jantar seguiu de forma tranquila, sem que o ocorrido turbulento fosse mencionado em um momento algum. Mesmo Alyssa estava em silêncio. Parecia notar como seus esforços para perturbar a paz da forasteira não teriam mais sucesso.

A cada breve oportunidade, Theo olhava para aquela Fulana de cabelos escuros como jamais olharia para ela.

Ainda poderia torcer para que desse errado. Obviamente daria.

Ela concordava com o rei. Apesar da condescendência da rainha e do desinteresse do príncipe mais novo, Harold estava claramente aborrecido com seu primogênito rebelde, que não fora criado para agir assim.

Nesses humores contrastantes, todos ouviram o ressoar do sino que anunciava o encerramento do banquete. Era hora de se recolher. Theo quis se despedir de maneira apropriada de Liora, embora logo percebesse como sua família o conduzia com pouca delicadeza na direção oposta. Teve tempo apenas de apertar sua mão e oferecer um sorriso.

Esse sorriso bastou para que a jovem bruxa subisse as escadas quase saltitando. Ela encontrou o caminho de volta aos seus aposentos e, cansada depois de tantas emoções, dormiu como uma pedra.

Despertou com raios de sol sobre seu rosto e com a voz animada de Jess:

— Bom dia, dorminhoca! Já é hora. Eu trouxe seu café da manhã.

Liora sentou-se na cama, igualmente animada.

— Jess, você não vai acreditar!

— No quê? Como foi o jantar? – replicou a criada, sentando-se.

— Bem, o jantar em si foi péssimo. Tive problemas com Alyssa. Conhece?

Jess grunhiu.

— Sim. Não gosto muito dela. Mimada que só, e não me diz “por favor” ou “obrigada.”

Liora deu uma risadinha.

— Isso mesmo. Parece que ela é apaixonada pelo príncipe e ficou com ciúme, descontando tudo em mim. Ah, o príncipe!

— Me conte logo!

Liora deixou escapar um suspiro.

— Depois da discussão com Alyssa, eu me aborreci muito e fui até o jardim. Ele me seguiu. E, conversa vai, conversa vem, depois de ele ter me contado sobre não ter permissão para casar com alguém que não seja uma princesa, nos beijamos.

Jess deu um gritinho.

— Oh meu Deus! Eu sabia. Apesar de toda a sua resistência, eu sabia.

— Talvez não seja bom se empolgar tanto assim – interviu Liora, recolhendo os braços. – Não tenho um bom pressentimento.

— Por causa de todas essas regras? – perguntou Jess, em tom descrente. – Ao longo da história deste reino, vocês não seriam os primeiros a romper com isso. Se tem algo que não falta ao príncipe Theo, é coragem. E eu sei que você gosta dele.

Liora se sentiu um tanto invadida com essa afirmação.

— Não é só isso. Eu… Eu vim da floresta.

— Qual o problema? – retrucou Jess. – A tonta da Alyssa pode achar que é um problema, mas Theo não acha. Isso que importa.

Qual o problema? O problema era mais grave do que alguém poderia imaginar. Liora apenas sorriu, grata pelo apoio. Ela tomou seu requintado café da manhã, servido em uma travessa com rodinhas. Vestiu um novo bonito vestido que fora posto à sua disposição e passou o dia circulando pelo castelo, de início amedrontada, embora logo mais confortável. Uniu-se às damas e donzelas que costuravam na mobiliada sala de recreação e para a sua surpresa, foi recebida muito bem. Suas habilidades de bordado e tecelagem foram consideradas impressionantes.

Para seu alívio, não encontrou Alyssa. E para sua inquietação, também não encontrou o príncipe Theo, que não abandonava seus pensamentos por um segundo sequer.

Passeou sozinha pelo mesmo jardim onde, sob o olhar confidente da lua, ela e o príncipe trocaram um beijo. Por uma frágil certeza, sabia não ter sido um sonho.

Ao anoitecer, jantou no salão de banquetes, ainda sem vê-lo. Estava começando a parecer estranho. Finalmente, já deitada em sua cama, de camisola, encarando a escuridão sem conseguir adormecer, ela ouviu uma batida persistente em sua porta. Levantou-se e antes de abrir, perguntou:

— Quem é?

— Sou eu! – respondeu uma voz esbaforida que ela desejava muito ouvir.

Assim que abriu a porta, o príncipe Theo a tomou nos braços e a cobriu de beijos, ao que Liora reagiu rindo muito. Então, mais sério, ele fechou a porta atrás de si e acendeu um candeeiro.

— Onde você esteve o dia todo? E até durante o jantar? Senti sua falta. – murmurou Liora. Suas resistências se dissolviam como neve ao primeiro calor da primavera.

— Meu bem, eu estive… Em cárcere privado. Não foi muito fácil vir até aqui. Mas foi necessário.

— Como assim? – indagou Liora, assustada.

— Meu pai ficou aborrecido com a forma como andei agindo. Muito aborrecido. – descreveu o rapaz, parecendo exaurido. – Ele decidiu que seria melhor, por hoje, me privar de quaisquer distrações. Ou seja, fiquei trancafiado na sala de estudos. E amanhã, em teoria, não terei escolha além de partir outra vez para o reino de Rysamir, resgatar a maldita princesa.

— E você vai? – quis saber Liora, contendo um soluço.

— Claro que não. Vou fugir com você. Já pode organizar seus pertences. Partiremos o quanto antes.

A moça abriu um largo sorriso. No entanto, sua racionalidade falou mais alto:

— Não podemos.

— O que nos impede, meu amor? – insistiu Theo, encerrando os braços em torno dela.

Liora apoiou o queixo em seu ombro, reunindo forças antes de confessar:

— Theo, eu venho mentindo para você. Quer dizer, omiti algumas coisas… Mas uma omissão tão grave vale por uma mentira.

Em choque, o príncipe se afastou um pouco.

— O que quer dizer?

— A floresta nos limites de Wynnsbur é realmente empesteada de bruxas. – admitiu Liora, enfim. – Pode-se dizer que sim. E eu sou uma delas. Assim como eram minha avó e minha mãe. Todas bruxas.

Na meia-luz, a perplexidade de Theo era quase audível.

— Você… Você me enfeitiçou? Como acusava Alyssa?

— Não! – exclamou Liora, contrariada. – Eu jamais faria isso. É contra os princípios de uma bruxa boa. Minha família pratica apenas magia branca. Somos o tipo de bruxa que desfaz maldições; que busca a cura para doenças. Ou deveríamos ser. Eu ainda estou estudando.

Theo parecia menos tenso. Podia perceber a sinceridade em suas palavras.

— Por aqui, desde sempre, ouvimos histórias terríveis sobre bruxas. – disse ele.

— Eu sei. Por que acha que minha família vive isolada…?

— Mas eu acredito em você. E continuo te amando.

Para reforçar suas palavras, ele a beijou longamente. Foi um beijo longo e terno o suficiente para que Liora esquecesse todos os seus receios, e também, quase esquecesse o próprio nome.

— Então vamos fugir? – perguntou ela.

— Claro.

Acendendo outro candeeiro, Liora começou a guardar seus poucos pertences, preocupada com os mantimentos para a viagem. Theo revelou que já os havia providenciado, discretamente, na cozinha. Até que ela se lembrou:

— Não seria bom deixar um bilhete?

— Talvez sim… – concordou Theo. Estava tão irritado com seu pai que poderia ir embora sem trocar uma palavra com ele. Porém, ainda havia sua mãe e seu irmão mais novo. Apoiando a fonte de luz em uma escrivaninha e alcançando um pergaminho e uma caneta-tinteiro, esboçou uma carta. Mais tarde, sem explicações detalhadas, ele entregaria esta carta ao primeiro lacaio à paisana que encontrasse, com instruções de que o envelope fosse entregue à família real apenas ao amanhecer.

O pobre lacaio jamais questionaria uma ordem vinda do príncipe. Isso viria a lhe render um puxão de orelha, assim que a carta alcançasse as mãos do rei.

O rei Harold percebeu algo de errado no momento em que foi até os aposentos de seu filho, esperando encontrá-lo amedrontado e obediente lá dentro. Não o encontrou. Logo o infeliz lacaio lhe entregou uma carta, que dizia:

Cara família

De início, eu gostaria de dizer que o tratamento absurdo ao qual vocês – especialmente meu pai – me submeteram ontem não adiantou de muita coisa, além de reafirmar meus sentimentos.

Mesmo não sendo uma opção, de acordo com aquela antiga profecia que ninguém sabe quem escreveu, eu não quero ir ao reino de Rysamir. Não quero resgatar a princesa Lilian. Com toda a certeza, não quero me casar com ela. E ultimamente, nem sequer sei se quero herdar o trono.

A boa notícia é que não sou filho único. Tenho certeza de que meu irmão assumiria todas essas responsabilidades de bom grado, quando chegar a hora.

Estou apaixonado por Liora, e como sei que vocês jamais aceitariam nossa união, não me darei ao trabalho de perguntar. Vamos fugir. Na verdade, quando esta carta for entregue, já estaremos longe.

Podem enviar toda a patrulha atrás de nós, caso achem necessário. É apenas ao lado dela que serei feliz. Minha felicidade parece ser algo muito difícil de aceitar, certo?

Um dia voltaremos para visitar, quando o clima parecer menos hostil.

Atenciosamente,

Theo, o Príncipe Herdeiro (caso esse título ainda me caiba.)”

De mãos trêmulas, o rei percebeu que havia ainda algo escrito no verso:

PS: Liora é uma bruxa. A razão de ela ter passado cem anos dormindo é ter enfeitiçado a si mesma por acidente. No entanto, ela é uma bruxa boa. Bruxas boas existem. Isso implica que não, eu não estou sob um encantamento. Mas podem tirar suas próprias conclusões. Eu não me importo. Nunca me importei.”

Se o rei tivesse a saúde um pouco mais fragilizada, sua vida teria se encerrado em um ataque cardíaco ali mesmo. A rainha Eleanor estava por perto e, ao notar o quão alterado seu marido ficou lendo aquela carta, logo se aproximou para averiguar.

— Então… O que você vai fazer? – perguntou ela, hesitante, depois de ler toda a mensagem.

O rei Harold estava vermelho e trêmulo como um tomate possuído.

— Obviamente… Nosso filho foi enfeitiçado, e está tão em transe que acredita estar fazendo tudo isso porque quer. É preciso enviar a patrulha atrás deles antes que aquela bruxa lhe faça algum mal mais grave. E então… Vamos aplicar uma punição severa em Theo, e executar a criatura maléfica, como ela merece.

— Criatura maléfica…? – murmurou a rainha, confusa. – Você quer dizer Liora? Não! Se alguém machucar a menina, eu fujo também. Você vai ficar sem esposa e sem filho.

Aquilo desanuviou um pouco o ataque de fúria do rei. Ele amava a rainha. E amava também Theo, embora seus conceitos se confundissem um pouco.

— Tudo bem… Talvez a deixemos só no calabouço.

Eleanor revirou os olhos. Alguém bateu à porta do quarto vazio de Theo. Era o príncipe Michael, de olhos arregalados e curiosos.

— Mãe, eu sei que não devo bisbilhotar atrás de portas, mas não pude resistir. Onde está meu irmão?

A rainha suspirou e apoiou uma mão no ombro do filho caçula enquanto elaborava uma resposta.

— Com razão, Theo não vinha gostando da forma como o tratamos. – explicou. – Ou melhor, como seu pai o tratava. É difícil argumentar contra suas ordens. E como era visível, aquela moça que ele resgatou roubou seu coração. Ele juntou as duas coisas… E fugiu com ela. Mas prometeu visitar, quando a situação estiver mais tranquila.

O príncipe Michael não ficou tão assustado. Alguém já havia lhe dito que o cavalo Sunrise desapareceu do estábulo durante a noite, e aquela seria uma das poucas explicações para isso.

— Então… – emendou ele. – Quem vai resgatar a princesa Lilian, e tudo o mais? Não pode ser eu.

A rainha passou um segundo pensativa, e então se reclinou:

— Pode sim, querido. Pode sim. A profecia não é lá tão específica. Você deve passar mais dois anos treinando esgrima, e então pode ir, caso seu irmão não retorne. Não acho que ele vá retornar. Estava soando muito determinado na carta que deixou.

Michael ficou sério, de início, pois a situação lhe parecia grave. Então esboçou um sorriso. Era tudo o que ele queria, e tudo o que seu irmão jamais quis de verdade.

Junto à mãe, ele foi tranquilamente fazer seu desjejum. Deixaram para trás o rei, que, ainda muito nervoso, gritava ordens a vários grupos de funcionários, tentando reaver, contra a vontade, seu filho mais velho.

***

No tempo em que a patrulha de cavaleiros ficou parada diante da Floresta Sombria, tentando reunir coragem para entrar em um lugar tão ameaçador, Theo e Liora já estavam muito longe. Tiveram tempo de passar pela velha cabana de Liora para juntar à bagagem seu caldeirão e livros de encantamentos, embora não pretendessem ficar por ali.

— Não acredito que este caldeirão estava bem na minha frente quando cheguei aqui e eu não associei a nada. – comentou o príncipe, ajudando a espanar a grossa poeira que cobria os instrumentos de magia.

— Acho que você não quis associar, meu amor. – opinou Liora com um sorriso.

À essa altura, ela acreditava em destino. E em sua tola função de unir casais.

Enquanto eles cavalgavam para longe, montados em Sunrise, a jovem bruxa quase adormecia apoiada nas costas do príncipe. Não chegou a dormir durante a noite.

— Para onde iremos? Tem ideia? – perguntou ele suavemente. O sol da tarde projetava sombras geométricas ao atingir as árvores acima.

— Ah… Tenho, sim! – exclamou Liora, afastando o sono. – Talvez eu não seja tão sozinha no mundo quanto pareço. Lembro de quando minha avó comentava sobre meu tio em segundo grau, que mora em um vilarejo a alguns dias de viagem daqui. Tudo bem que agora isso foi há cem anos, mas a magia dele é tão poderosa que o permite viver por um longo tempo. Se não o encontrarmos, encontraremos seus descendentes. Nesse vilarejo, os bruxos e bruxas são melhor aceitos. Meu tio é muito respeitado, devido aos benefícios que trouxe ao povo. Acho que poderemos nos situar por lá.

Theo abriu um sorriso. Parecia uma ótima ideia. Cavalgaram em silêncio por mais alguns minutos, enquanto ele sentia a presença quente da amada reclinada sobre seu corpo. Ela podia ser uma bruxa, mas era a princesa que sempre procurou.

— Ei… – chamou, outra vez arrancando-a de seu quase adormecer. – Quando nos situarmos e casarmos, você vai querer ter filhos?

Liora corou. Não esperava por essa pergunta. Pensando bem… Sim, ela adoraria. Seria maravilhoso ser mãe de muitos filhos, para compensar a família que perdeu tão jovem.

— Se você quiser, não tenho objeções. – respondeu com falso recato. Então inclinou-se de mau jeito para beijá-lo, e os dois quase caíram do cavalo, aos risos.

Esse seria o maior risco que correriam em toda a viagem.

E foram felizes para sempre, ou por tanto tempo quanto a vida permitiu.


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Notas finais do capítulo

Esse final foi tão bonitinho que até eu fiquei sorrindo.

Os problemas familiares do Theo são vagamente inspirados nos meus. Também tenho um pai como esse. Depois de muito choro e tretas, dá tudo certo. A gente pensa em fugir de casa, mas não precisa.