Piedade escrita por EsterNW


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Olá, povo!
Acho que esse é o mês da songfic, essa é a segunda que posto em menos de duas semanas xD
Mas, essa foi feita exclusivamente para o Desafio de Férias — Álbuns Musicais do grupo do Nyah no Facebook. A música selecionada para mim foi Mercy do Shawn Mendes, deixarei o link dela nas notas finais, para quem quiser ouvir.
Boa leitura ;)



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— Pronto. Aqui está bom. — O humano coloca o objeto de metal sobre uma superfície plana de madeira.

Seus olhos escuros olham fixamente para mim, analisando-me com minúcia. Tento não me encolher no meu pouco espaço. Não mostrarei medo para ele.

— Carlos! Venha ver, venha ver o que o vovô trouxe pra você — ele grita para alguém e tomo poucos segundos para observar o ambiente fora das barras que me prendem.

A luz do sol de fim de tarde ilumina um ponto no chão próximo a mim, porém, não o bastante para que chegue até a superfície onde estou enclausurado. Bato as asas na tentativa de chegar até o brilho solar, mas as barras duras impedem meu objetivo. Estou preso.

— Que foi, vovô? — O filhote humano aparece perto o suficiente para que eu o veja. A criança coça os olhos, talvez com sono. Os cabelos escuros bagunçados e os olhos grandes logo pousam em mim, arregalando-se. 

— Que você acha? — O humano questiona para a criança, que, a este ponto, está mais preocupado em me observar com curiosidade. — É um canário, uma das melhores memórias musicais do mundo dos pássaros.

— Posso segurar?

Com o pedido da criança, o humano abre um pedaço da barra, que eu sequer percebera formar um quadrado perfeito. Vejo como minha chance de escapar e tento ser o mais rápido possível, contudo, a mão enorme do homem toma conta do pouco espaço, me segurando e não me dando chance alguma para mais nada. O humano de cabelos claríssimos me segura em suas mãos e eu me debato, na intenção de ser solto, mas isso faz com que ele preste ainda mais atenção em mim.

— O que foi, passarinho? — A criança dirige a mim, com os filhos fixos e brilhantes em minha forma.

— É melhor deixá-lo na gaiola, Carlos. — O humano mais velho põe a mão comigo para dentro do objeto chamado gaiola, fechando com rapidez o quadrado de metal, a única saída daquela prisão. — É melhor deixá-lo se acostumar com a gente por alguns dias, sim? — A criança balança a cabeça para cima e para baixo, sem parar de olhar para mim por um segundo sequer. — Toca uma música pro seu avô?

Ele coloca a mão sobre o ombro do pequeno, que quase dá um pulo de alegria. O mais velho, que se denomina como avô, senta-se em algo estranho de uma textura verde, do qual não sou capaz de identificar. Talvez seja algo com a finalidade de descanso, como um galho de árvore.

A criança vai até uma coisa de madeira que eu nunca tive a oportunidade de ver antes em minha vida. Ele é grande e brilhante, em um formato retangular. A criança puxa um pedaço, revelando tiras brancas, em certas partes intercaladas com tiras pretas.

— Eu aprendi uma música nova com a professora — ele anuncia para o avô, que assente com os lábios curvados para cima. Faço a única coisa que posso naquele momento e ponho-me como observador.

O pequeno começa a apertar as peças brancas e um pouco das pretas, fazendo com que delas saía o som de uma melodia. É algo bonito de se ouvir e encaro o objeto estranho, capaz de produzir algo tão bonito. Como os humanos são capazes de criar algo do qual se faça música?

— Muito bem, muito bem, Carlos. — O avô bate as palmas das mãos, levantando-se de seu assento verde, indo até Carlos e colocando seus braços em volta dele. — Vovô está orgulhoso de você, logo logo conseguirá tocar essa peça completa.

O pequeno humano sorri com dentes limpos e brilhantes, passando seus braços pequenos em volta do mais velho. 

Os dois dialogam por mais um tempo e o avô sai do ambiente, deixando-me sozinho com Carlos e seus olhinhos curiosos e seu objeto que faz música.

A criança apoia as mãozinhas na superfície plana de madeira, a qual está por baixo de minha gaiola. Carlos observa-me com proximidade e eu finalmente abro o bico na tentativa de me comunicar. Peço que ele tenha piedade e me tire dali.

— Você sabe cantar? — A criança põe a mãozinha nas barras de metal, ficando extremamente próximo a mim, o suficiente para que eu possa vê-lo em detalhes, com apenas o metal nos separando. — Vovô disse que trouxe você pra cantar pra mim enquanto eu toco o piano.

Continuo a piar, clamando a ele para que me solte.

— Carlos! Vem tomar banho! 

Uma voz fina chama ao longe e Carlos solta as barras de metal e se afasta, não sem antes dar uma última olhada para mim. Por fim, ele também some, deixando-me sozinho com o silêncio de minha prisão.

O tempo passa e o sol se põe, deixando o ambiente fechado em meia penumbra, fazendo com que objetos enormes e desconhecidos lancem sombras assustadoras no chão. Encaro aquilo o qual Carlos chamou de piano, do qual música saía mais cedo. Pergunto-me como os humanos são capazes de criar coisas que produzem algo que deveria vir naturalmente… Não deveria me espantar, afinal, são capazes de replicar qualquer coisa, desde que seja para seu próprio conforto.

Encaro um ponto que chamou minha atenção o tempo inteiro: uma saída. Ela é grande e quadrada. Os humanos parecem gostar de coisas quadradas e retangulares, vi inúmeras até aqui. Por ela posso ver a noite e as estrelas no céu me chamando para a liberdade. Ah, se eu pudesse passar por entre essas barras… Encolho-me em um canto. Com fome, bico os grãos que o avô deixou horas mais cedo, junto de um quadradinho com água. Ao menos, sua intenção não era minha inanição.

O alimento tem gosto artificial, como tudo aqui parece ser. Desisto de bicar e olho mais uma vez para o quadrado que mostra o exterior. Se eu pudesse bater minhas asas para fora...

 

 

— Por que você não canta? — Carlos encara-me com seu rosto grudado às barras. Seus olhos não são mais curiosos como dias antes. Eles demonstram irritação. Eu não tenho culpa se o confinamento tira toda e qualquer vontade de me expressar. Não poderia cantar nada além de uma canção de tristeza e exílio.

— Não brigue com ele, Carlos. É tudo uma questão de hábito. — O avô bate os dedos por entre as barras, estremecendo a gaiola. Canto qualquer melodia por entre o bico, temeroso do que pode acontecer. — Viu?

— Ele tá com medo! — a criança exclama. 

Nos dias que se passaram, Carlos parece ser o único capaz de, pelo menos um pouco, perceber o que sinto. O único com alguma sensibilidade o suficiente. Porém, ele não é capaz de compreender meu clamor por liberdade. Minha saudade do meu lar na natureza. 

— Bobagem, bobagem. — O avô abana a mão, entretanto, é assolado por um acesso de tosse tão forte que faz seu corpo se curvar.

Não é a primeira vez que testemunho essa cena acontecer.

— Vovô! — Carlos tenta acudir o mais velho, mas ele apenas abana a mão, tentando mostrar que está tudo bem. A verdade é que não está. Eu mesmo sei disso.

— Tá tudo bem com o vovô, Carlos. — O avô se endireita, com o acesso diminuído, mesmo que ele ainda tussa um pouco. — Toca aquela música pra mim? 

Com o pedido, logo o menino se senta ao piano, abrindo-o para que aquilo que eles chamam de teclas apareçam. Carlos tira sua música das tiras brancas e pretas e o avô se senta no sofá — outro nome que aprendi — para observar a criança. O adulto ainda tosse muitas vezes, fato que não passa despercebido pelo mais novo. Entretanto, como eu, ele nada pode fazer. 

A criança olha com seus olhos brilhantes para mim uma última vez, temeroso. Eu sou incapaz de qualquer coisa, preso em minha gaiola. Carlos parece ter um pouco de piedade em seu olhar, porém, com o chamar do avô, ele sai, acompanhado do mais velho e a companhia constante da tosse.

 

 

Os dias passam e não vejo mais o avô. A decoração mudou e vi novas pessoas no ambiente, decorando-o com lírios. As flores trazem-me certa nostalgia, sendo a única coisa natural que posso ver além do pequeno quadrado de céu. 

Carlos aparece e senta-se ao piano, contudo, ele não o toca. O ambiente é de uma aura sepulcral. 

Vejo lágrimas descerem pelo rosto da criança e seu corpinho tremer com soluços. Apiedo-me dele, mesmo sem saber o que se passa.

Pio, numa tentativa de dizer que estou ali. Canto, na tentativa de animá-lo. Pela primeira em dias sem fim, canto algo feliz para tentar alegrá-lo, mesmo que não seja assim que eu esteja. 

A atenção da criança volta-se para mim e vejo seus olhinhos brilhando com lágrimas que ainda não caíram. Ele se aproxima de mim, em frente à gaiola. Seus dedos brincam por entre as barrinhas de metal.

— Você quer voltar pra sua casa, não quer? — Carlos mexe no quadrado, que apenas era aberto para que por ele passasse minha água e os grãos artificiais. — Eu vou voltar pra minha, agora que o vovô… — Ele interrompe sua fala e seu rostinho se contorce em dor. Lágrimas vêm e eu tento piar algo, mesmo que não seja capaz de ser entendido. — Você vai voltar pra sua também.

Carlos abre o quadrado, deixando-o escancarado. Encaro-o, tentando compreender suas intenções. A criança me pega com suas mãozinhas, indo em direção ao quadrado grande que mostra o lado de fora. Ele puxa algo, fazendo com que um vento quente sopre em nós.

— Volta pra casa, passarinho. — Com suas mãozinhas em volta de mim, ele faz um movimento para cima e eu entendo o seu pedido.

Olhando para ele uma última vez, agradeço, mesmo que Carlos não entenda meu piar. Para ele, e apenas para ele, eu canto uma canção feliz. Carlos sorri minimamente e tomo isso como minha despedida. Voo de suas mãos em direção ao céu azul e limpo.

Eu danço sentimentos, danço o gosto de liberdade no ar. Eu agradeço a piedade da criança e, para Carlos, eu dedico a minha canção da natureza.


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Notas finais do capítulo

Mercy, Shawn Mendes: https://youtu.be/KkGVmN68ByU
A tradução dela: https://m.letras.mus.br/shawn-mendes/mercy/traducao.html
Drama, drama e mais drama, mas ao menos temos um final feliz ♥
E então, o que acharam? Gostaram? Sim? Não? Vamos bater um papo nos comentários ♥
Até mais, povo o/