Vampires will never hurt you escrita por manasama677


Capítulo 3
Capítulo 3 - Vampires will never hurt you




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Após caminhar por várias horas, Helena conseguiu voltar para casa. Por todo o trajeto, ficou rememorando, perturbada, a grande sorte que teve, e o argumento que o meio vampiro deu para poupá-la, quando ela perguntou se ele iria matá-la:

 

— Eu prometi a mim mesmo que jamais te machucaria.

 

Para ela, aquilo não fazia nenhum sentido. Tudo o que ela teve vontade de fazer, fez: rir. Mas seu humor logo se converteu em irritação quando ela distorceu mais uma vez na cabeça tudo o que tinha escutado. Viu-se, num primeiro momento, subestimada. Em seguida, creditou a frase a alguma paixão instantânea, pueril e vulgar. Coisa de crianças iniciando a puberdade. Pegou-se enojada e com raiva. Richard levara meses para falar com ela, enquanto aquele pretensioso, em menos de doze horas após conhecê-la, prometia dispensá-la da morte. Que atrevimento!

 

Aquele dia não tinha sido generoso para a caçadora. Apanhada pela sua família, fora imediatamente castigada pela fuga do vampiro, em boa parte por influência da versão dada por Angela. Mais do que nunca, ela tinha a missão de trazê-lo para casa, pois o ultimato era de que só poderia voltar para dormir se o arrastasse consigo.

 

(...)

 

— Você demorou, Arthur - disse ao meio vampiro um de seus semelhantes, igualmente pálido. Parecia indiferente às graves feridas que o jovem tinha pelo corpo.

— Por onde estiveste? - questionou uma de suas irmãs.

— Estive pesquisando sobre os caçadores de vampiros desta cidade, conforme o pedido de Vince, o atual líder de nosso clã.

 

Os demais ao redor dele riram. Estavam em cerca de onze, doze criaturas. Todos, homens e mulheres, aparentavam ser mais velhos do que Arthur, e provavelmente o eram, e muito. Havia somente duas mulheres; o restante dos parasitas eram do sexo masculino.

 

— Ele levou a sério nossas exigências de tratarmos hierarquicamente uns aos outros - comentou uma das mulheres, agitando o leque.

 

Arthur ignorou seu tom hostil e prosseguiu:

 

— Me deixei capturar, conforme o solicitado. Descobri algumas coisas.

— Conte-nos - exigiu o tal Vince, sentado em uma cadeira ornamentada que lembrava o trono de um rei.

— São poucos...um número bem reduzido. Havia um velho, dois varões e duas mulheres jovens.

— Como membro mais novo de nossa família, é importante que tu saibas de algo, Arthur. Em alguns momentos, é verdade que entraremos em conflito com os caçadores. Porém, como somos poucos, é mais prudente atacá-los primeiro. E a forma mais segura de fazer isso é atraí-los para a noite, a não ser que você mesmo, o único capaz disso, decida atacá-los de dia...

— Eles não parecem informados a respeito de quantos somos. De qualquer maneira, poucos são os que se prontificam a nos combater. Fiquei sabendo de duas famílias: o clã Martinelli e a quase extinta família Lee Rush.

— Você parece bem informado.

— Obviamente. Fui capturado por estes últimos. Dos Martinellis, ouvi dizer que são donos de grandes propriedades de terra, imóveis variados, hotéis, espaços para locação e coisas do gênero. Mas tudo isso, na verdade, serve para mascarar sua renda principal: o tráfico de vampiros para colecionadores.

— Isso deve justificar por que nossos amigos estão diminuindo em número – observou o atual líder do clã.

— Os Lee Rush, que me capturaram, também entraram para o segmento de tráfico de vampiros vivos. Estive entre ser vendido a um colecionador que iria me empalhar e um circo que pretenda me expor ao seu público.

— Eu o venderia ao circo – disse uma de suas irmãs – Combina com você.

Helena não era a única a estar fora de casa. Todos os outros se empenhavam em espalhar pela cidade a descrição precisa de como seria o jovem meio vampiro, o que estaria vestindo, a cor de seus cabelos e olhos e, por fim, sua possível idade. De acordo com os Lee Rush, o garoto devia ter entre catorze e dezesseis anos.

 

A caçadora estava exausta e faminta, e para completar não tinha pregado o olho o dia inteiro. Começava a amargar um ódio real por aquela criatura dissimulada que lhe fugira do alcance das mãos, com sua fala mansa e olhar inocente. Ela chegava a se perguntar o que significava aquela conversa de não feri-la, e tentava se convencer de que isso era um truque para cativá-la, mantendo-a de mãos presas e cumplicidade assegurada.

 

— Não me deixarei confundir - ela pensava consigo mesma, ao dobrar uma viela - Além disso, meu verdadeiro amor é Richard! Richard, o mesmo que se sacrificou para me livrar das garras dos Seingalt!

 

Ela estava certa de que o inimigo, seja lá qual fosse suas pretensões, voltaria a aparecer na metrópole. A noite se aproximava e a garota, sem esperanças de voltar para casa, quase se sentiu tentada a entrar na fila da sopa dos desvalidos que umas fieis distribuíam na frente da catedral. Mas suas roupas, apesar de velhas, não estavam desgastadas nem sujas o bastante para que ela convencesse no papel de necessitada, por isso Helena se desviou dali logo que sentiu os primeiros olhares atravessados pesando em sua direção. Apelando para sua intuição, pensou que talvez o vampiro fosse para o cemitério mais uma vez, quando escutou grande confusão se aproximando, e trotes de cavalo e muita gritaria anunciaram a novidade:

 

— É ele! Detenham-no!

 

Helena acompanhou a multidão com o olhar, e logo saiu correndo atrás da criatura perseguida, como todos os outros.

 

— Pelo bem desta cidade, alguém tem que acabar com isso! - ela disparou, enquanto se desviava, ora também empurrava, os que estavam em seu caminho.

— Pobre tola! Que força pensa que terá contra um homem, menina!? Deixe o malfeitor por conta dos homens aguerridos! - esbravejou um transeunte empurrado pela caçadora.

 

Ela não rebateu o insulto, até porque estava apressada demais em alcançar seu direito a comer e deitar numa cama. Sua determinação foi tamanha que, poucos minutos depois, se deu conta de que não havia mais ninguém se interpondo entre ela e o monstro que escapava, como ela adivinhou, no rumo do cemitério.

Helena reconheceu a silhueta do jovem Seingalt correndo por entre as sepulturas e monumentos póstumos. Num dado momento, viu que ele desacelerava a corrida. Para ficar a uma distância segura dele, ela fez o mesmo. Porém, viu algo que não tinha prestado atenção antes: Arthur não estava sozinho. Mais um passo e ela serviria de janta para ele e o outro monstro ali presente. Olhou para o alto para conferir as horas, pois duvidava que na família do meio-vampiro houvesse outro como ele. Como ela suspeitava, já não havia mais sol naquele céu nublado de seis e meia da tarde. Estava decididamente tarde, e seu corpo implorava por comida e descanso. Uma ideia suicida ocorreu-lhe, e ela imediatamente a seguiu: apresentar-se.

— Estás acompanhado desta vez, monstro? Isso explica algumas coisas. Como, por exemplo, me recusaste, por ter compromisso com esta mulher. Ou estou enganada?

A caçadora engoliu seco quando viu o busto da garota que acompanhava Arthur empapado de sangue. O olhar que ela dirigiu para ele foi como o de quem cobrasse uma explicação. Os olhos de Helena se estreitaram quando ela viu pés femininos deitados à revelia atrás de um jazigo.

— Vá embora, minha irmã - Arthur orientou a bela mulher loira atrás dele, interpondo-se entre a humana e ela - Eu me encarregarei de distraí-la.

— Se está dizendo... - a outra deu de ombros, lambendo os dedos sujos - Por mim, eu devoraria esta aos meus pés e a impertinente que me incomoda durante meu malfadado jantar!

— Fique onde está! - Helena ameaçou, pegando um galho seco do chão para improvisar uma estaca - Quem é esta mulher morta? Não me digam que os dois...

— Vejo que entendes muito pouco do comportamento libertino das mulheres daqui. Como seus desejos superam as diretrizes ortodoxas da sociedade em que vivemos...! Esta que morreu, por exemplo, era uma mulher para daqui a três séculos! Por isso aqui jaz, por não ter pudores!...Acredite ou não, o trabalho foi todo meu.

Arthur agitou a cabeça, sinalizando que a irmã partisse, sem nada dizer. A criatura, debandando-se com ares de deboche, não deu crédito à exigência de Helena, de permanecer.

— Aonde pensa que vai? - a caçadora esbravejou, mas com a voz hesitante e trêmula - Não te atrevas a ir embora após cometer este crime terrível!

— O que pretendes com isso? Não me diga que também gostaria de me ter entre suas pernas - a outra desviou do assunto sem titubear - Ó, és jovem demais, isto não me agrada. Gosto das que já produziram leite. Mas meu irmão mais novo dará conta de ti, criança. Por isso, não fique desconsolada com minha partida.

A sinistra e sedutora vampira despediu-se do irmão selando seus lábios nos dele, num gesto que Helena entendeu quase como um cumprimento. O meio vampiro cerrou os olhos diante do prazer de sentir na boca da irmã o gosto de sangue. Lambeu-a em retribuição, e a visão deixou Helena estarrecida, como se toda a impressão do inimigo inocente tivesse desmoronado diante de seus olhos. Mas, para manter a pose, se esforçou para ignorar o que tinha acabado de ver.

— O que fazias na cidade? - Helena inquiriu - Não estavam saciados o suficiente? Buscavam outra vítima? Tu te encarregaste de seduzir esta mulher para trazê-la à presença daquela maldita que fugiu? Responda!!

— O que deseja saber, caçadora?

— Temos uma conversa a encerrar - e Helena ficou em base de luta - E eu tenho uma infinidade de coisas a dizer-te!

Dito isto, ela avançou nele com a arma que havia improvisado.

 

Arthur se desviou dela com facilidade, até porque Helena estava muito fraca.

 

— Pare de brincar com isso, pode acabar se machucando - ele recomendou, num tom arrogante que a caçadora odiou.

 

Em vez de esmorecer, ela ficou duas vezes mais agressiva, mas não dava conta de acompanhá-lo. Todos os seus golpes eram bloqueados ou malsucedidos. Num certo momento do combate, o vampiro se posicionou atrás dela e disse:

 

— Tente outra vez.

— Maldito...Eu irei tentar mesmo!

 

Por faltar forças ao ataque ou por Seingalt colocar um dos pés no meio, a garota só não caiu no chão porque ele a agarrou antes que ela se esborrachasse. Faltou fôlego para que ela entendesse o que tinha realmente acontecido, até que viu as pálidas mãos do quiróptero em torno de seus braços. Um silêncio constrangido se estendeu entre os dois por alguns segundos, e Arthur quebrou o gelo:

 

— Peguei você.

 

Ela o empurrou com todas as forças que lhe restavam. Sem apoio, bambeou para trás, e só não caiu sentada porque deu com as costas em uma estátua de anjo, onde se apoiou, tentando inibir a dor que a queda sem cálculo lhe provocara. Seu corpo perdia o controle numa velocidade arrebatadora. Helena podia ver a si mesma abatida, em ruínas. Sua visão se perdia em trevas. O estômago reclamava o pão, e cada segundo que passava ela percebia que não tinha mais tempo a perder. Já não respirava mais; arquejava furiosamente. Pensou consigo que, considerando a velocidade e a força do inimigo, ela não teria chance nenhuma em um combate corpo a corpo. Ia ter que mudar de tática. Forjou uma indisposição, e de forma sedutora sentou-se ao chão. Puxou as saias de forma que as pernas magras ficassem em evidência, e afastou os fartos cabelos negros do modesto decote de menina. Maravilhado diante de sua presença, o vampiro desencontrava o verbo; as palavras lhe escaparam, bem como a capacidade de manifestar qualquer ato sarcástico.

 

— Arthur...é este o seu nome, certo?

— S...sim...

— Aproxime-se.

— Por quê?

— Venha.

 

Ele deu um passo hesitante para a frente.

 

— Mais. Ajoelhe-se. Chegue mais perto.

 

Inocentemente, e sem nada questionar, ele obedeceu. A pedido de Helena, engatinhou mais para perto dela. A menina enlaçou seu ombro, e tomando uma de suas mãos, o incentivou a tocar o seu rosto perfeito. Pouco familiarizado com o gesto, ele ficou sem entender e, portanto, sem retribuir.

 

— A senhorita não se sente bem? O que deseja que eu faça? Não sente mais raiva? O que houve? Está machucada?

— Eu não, você sim.

 

Helena se aproveitou da proximidade para atacá-lo com o galho que tinha em mãos, cravando-o no pescoço. O meio vampiro imediatamente agarrou a ferida com as duas mãos. Seus olhos revelavam pavor, surpresa, raiva, decepção, desespero. Sentia-se traído, mas percebeu que não estava em condições de expressar seu descontentamento. A vista escurecia-lhe e a língua parecia-lhe seca e grossa - tudo isso num repente. A caçadora não vinha de mãos abanando: atado à cintura, ela trazia um poderoso veneno capaz de tombar qualquer criatura mágica. Ao perfurá-lo com o galho besuntado daquilo, ela fez com que o organismo do vampiro manifestasse imediatamente os efeitos negativos da substância.

 

— Ótimo - sorriu a caçadora, sem acreditar no próprio triunfo - Ótimo! Como se sente? Não consegue se mexer, respirar? Perfeito! São os efeitos desse veneno que sempre trago comigo! Sabia? Vampiros, como seres mortos que são, são imunes aos efeitos de substâncias como essa...mas, sendo meio humano, achei que valia a pena arriscar em você. E eu acertei! Eu venci. É o seu fim.

 

— Quei...mando...! Está queimando! - queixava-se o quiróptero, dentro do que era possível entender.

— Deve ser porque eu misturei a solução com um pouco de água benta! - vangloriou-se a caçadora, espalmando as mãos de alegria - Vejam só! Estás rendendo mais do que os teus irmãos, mortos antes de ti. Por outro lado, não me lembro de nenhum outro que tenha chorado como uma mulherzinha!

 

Arthur Seingalt parecia torturado por algo invisível. Suas mãos agarraram a gola de sua camisa para desfazê-la em pedaços, como se ele precisasse de ar com urgência. Helena montou por cima dele para impedir que ele se mexesse, e nesse acesso sádico de inibi-lo de qualquer providência em relação a si mesmo, agarrou seus pulsos, pressionando-os em cima da sepultura que servia de assento a ambos. Enquanto chorava, ele tentava puxar ar com a boca.

 

— Quanto tempo isto vai durar? Que maçante - disse a caçadora, friamente - Terei que apressar o processo?

 

Dito isto, ela se levantou de cima dele e buscou a alguns passos dali o galho com que fez a perfuração, que, ela percebeu, sequer foi tão profunda para resultar naquela histeria toda.

 

— Que tal um ferimento à altura do seu pranto?

 

Como uma boa lunática, Helena mostrou a ele a parte mais afiada do galho com que pretendia feri-lo. Porém, em vez de fazer um ferimento em seu corpo como anunciou, apenas o engatou na frente da roupa dele, produzindo um talho aberto no tecido; o vampiro a encarou uma última vez com os olhos desfocados antes de desfalecer, talvez acreditando ter sido realmente afetado no processo.

 

— Da próxima vez, não rasgarei apenas a roupa. Criatura amaldiçoada - rosnou, tentando convencer a si mesma de que precisava reunir coragem para acabar de vez com ele.

 

Olhou para as pernas da vítima a umas duas sepulturas dela, única coisa visível em seu campo de visão, para reforçar sua convicção. Pensou também que teria que ser rápida. Se Arthur e sua irmã estavam por ali, outros deles poderiam estar também. Pensar na irmã mais velha do vampiro a fez lembrar do desconcertante contato entre eles. Suspirou, baixando as mãos que seguravam a arma improvisada. Veio-lhe à mente quando ele disse que havia prometido a si mesmo jamais machucá-la. Sua hesitação aumentava a cada segundo. Então, ela se recordou de um detalhe definitivo: ninguém em momento algum havia dito que ela poderia matar o monstro. Se ele, valioso objeto de troca, morresse ali, perderia totalmente seu valor comercial, pois não seria mais disputado entre dois compradores, e sim apenas um. Seu triunfo começava a se transformar em preocupação.

 

— Abra os olhos, vampiro. Faça isso - ela pedia, dando batidinhas no rosto dele. Nada. Ela sabia que era impossível, considerando o que havia aplicado nele.

 

Apesar disso, ele ainda respirava, mesmo com dificuldade, e seu coração batia normalmente. Helena abriu a frente da roupa dele obedecendo o cronograma imposto pelos cordões, sem rasgar mais nada. Quando conferiu as muitas e profundas cicatrizes que ele tinha, apertou os olhos e virou o rosto. Não era o momento mais adequado para ter qualquer tipo de piedade, mas, pensando com lógica, ele não poderia, de qualquer maneira, morrer, ou seu tio a mataria logo em seguida.

 

— Alguém como você deve ter tido problemas tanto no nosso mundo quando no mundo deles, não é?

 

Seus dedos trêmulos tocaram no rosto desacordado da misteriosa criatura sombria, que agora parecia indefesa como nunca. A promessa dele de não feri-la mais uma vez atingiu o juízo de Helena, que atendeu o clamor de sua consciência. Debruçada por cima do monstro, ela sugou o veneno de seu pescoço.

Enquanto procedia de modo a tentar salvar a vida do inimigo, a garota tentava refazer as possibilidades: se o vampiro simplesmente morresse ali, bastaria escapar do local que ninguém saberia que ela foi a autora do atentado. É verdade que ela estava com medo de ser punida, porque ainda vigorava a acusação de que ela era culpada pela fuga da mercadoria, mas alguma coisa dentro dela acusava que sua tentativa desesperada de livrar o jovem vampiro da morte tinha outro motivo. Após limpar a boca mais uma vez, ela se preparava para sugar a ferida novamente, quando sentiu as mãos do rapaz agarrarem as mangas do seu vestido. Assustada e temendo retaliações, ela recuou. Em vez de avançar nela, o vampiro tomou a direção oposta, recolhendo-se, de cabeça baixa.

— Você está vivo - Helena disse, sem entonação significativa na voz. Expressava mais surpresa do que alegria, mas isso era insondável naquele momento - O que houve? - ela perguntou, pois estranhava o jeito dele.

— É a primeira vez que alguém faz isso em mim.

— Não entendo. Do que está falando?

— O beijo de um vampiro...a mordida. É a primeira vez. A senhorita conhece esse costume? Sabe o que significa?

Helena queria mentir para segurá-lo com ela, mas não conseguiu disfarçar sua ignorância junto ao tema.

— Isso chega a ser um problema? Eu só quis livrá-lo da morte.

— Não, mas...a senhorita me ama? É o que representa este gesto.

A garota comprimiu os lábios diante dessa conclusão equivocada; quis evitar o riso. Seu coração palpitou com uma força inesperada. Ela temia pela sua segurança, considerando que desonrá-lo poderia ofendê-lo. Mas, fora isso, alguma emoção desconhecida lhe causara um certo estremecimento ao pensar na simplicidade daquele inocente diante dela. "Quase perco o controle e acabo com ele", pensou a caçadora. "Agora, preciso arranjar um jeito de levá-lo comigo".

— Sim, eu o amei desde o instante que o conheci - ela mentiu descaradamente - É impossível ficar sem vê-lo novamente. Não peço nada demais, apenas fique comigo.

Antes que Arthur Seingalt pudesse se manifestar a favor ou contra qualquer coisa, Helena abriu a frente de sua roupa, revelando os dois seios pequenos, quase impúberes. Afastou os cabelos que caíam por cima daquela amostra de sua feminilidade, e, tomando as mãos do vampiro, o fez agarrá-los.

— Mostre o quanto me ama, Seingalt...! Você pode me tocar onde quiser - a moça convidou, inclinando generosamente a cabeça para trás, arqueando a coluna para deixar visível toda a contemplação de seu tórax pequeno e adorável - Eu quero arder em seus braços. És capaz de me dar isso?

Em vez de agarrá-la como ela esperava, o rapaz tomou seu rosto entre as mãos e perdeu-se, fitando-a afetuosamente. Helena ficou internamente aborrecida com tamanha perda de tempo, então ordenou:

— Vamos, Arthur, feche os olhos. Tenho algo para mostrar-te.

— Hã? Ah, claro.

Ele cobriu o rosto com as mãos, e Helena teve trabalho para disfarçar sua irritação. Cautelosamente, orientou o inexperiente rapaz a baixar os membros, mas conservar os olhos fechados. Ao olhar para o rosto dele, quase não conseguia acreditar que alguém com aquela aparência poderia não conhecer mulher. Era um desperdício da natureza, um ultraje, uma aberração. Ciente da honra que compete a alguém que estreia um virgem com tantos requisitos, Helena buscou ser veloz e precisa, mas sua boca não teve tempo de alcançar a dele. Os olhos curiosos a encaravam e a voz jovial preenchia o silêncio do cemitério com a pergunta inevitável:

— Já posso abrir os olhos?

 

Helena recuou de susto. Seus lábios forjaram um palavrão que ela, por cautela, não proferiu. Contentou-se em inspirar fundo.

 

— Desculpe-me. Eu assustei a senhorita, não é verdade? Eu sempre faço coisas inesperadas e acabo assustando as pessoas à minha volta...eu sou meio...

— ...estabanado - Helena falou de um jeito rígido, mas não absolutamente intolerante.

 

Arthur baixou os olhos e assentiu.

 

— Perdão. De verdade, não foi minha intenção.

 

De forma incalculada, Helena sorriu do excesso de preocupação do vampiro. Era curioso encontrar alguém fora Richard que se preocupasse com o que ela estava sentindo. Percebendo nesse sorriso uma forma de aproximação, o vampiro a abraçou e por algum tempo riu de alívio ao perceber que Helena não estava zangada. Devagar, Helena se afastou de Arthur e, mais uma vez, entre incrédula e inebriada, observou suas belas feições. Queria ter algo para falar, e as ideias que tomavam sua cabeça não lhe soavam adequadas para serem proferidas em voz alta. Essas observações pairavam sobre a inocência que a criatura tinha no olhar e o fato de ele inteiro não se assemelhar a um monstro, nem em modos, e tampouco em aparência.

 

(...)

 

— Então, quer dizer que o meio-vampiro fugiu mesmo? - inquiriu à bela circense Margarida, um de seus colegas do circo.

— Uma pena. Já tinha me acostumado à ideia de tê-lo no circo conosco...e de tê-lo por perto - confidenciou, travessa.

 

Angela entrou na sala pigarreando, fazendo com que os dois interrompessem o diálogo.

 

— Boas noites.

— O jantar está à mesa.

— Muito agradecida. Já estamos indo.

 

E assim, guiados pela única anfitriã presente na casa, eles se sentaram à mesa.

 

— Novidades sobre a caçada? - inquiriu o colega de Margarida.

— Nenhuma. E estou preocupada. Nem o tio Karl, nem os demais retornaram. E aquela irresponsável da Helena saiu há muito tempo atrás daquela coisa...que, numa hora dessas, está à solta. Não me surpreenderia se os dois estivessem juntos.

— Você não parece gostar muito de sua prima Helena - disse o rapaz, se sentando à mesa.

— Eu apenas a conheço - sentenciou Angela, servindo uma concha de sopa ao convidado.

 

(...)

 

Sem saber o que Helena fazia olhando tanto para sua cara, a tímida criatura recuou, constrangida. A caçadora, em vez disso, se aproximou, repousando a cabeça em seu peitoral. Arthur não se animou a tirá-la dali.

 

— O seu coração também bate... - ela observou, maravilhada, fechando os olhos para melhor apurar os ouvidos.

 

"Como posso estar me sentindo mais protegida nos braços dele, o inimigo, do que junto à minha própria família?", ela pensou, sem se dar conta de que falava em voz alta.

 

— Eles não são bons para você? - o vampiro perguntou, confuso.

 

Sentindo-se quase espionada, Helena o empurrou imediatamente.

 

— Eu não fui treinada para isso! - relutou - É isso! Você está usando seu poder para me atrair para suas garras, não é mesmo?

— O quê? Não! Eu não fiz nada disso...

— Eu não posso deixar isso acontecer! - Helena, como que recuperada de um transe, balançou vigorosamente a cabeça e se levantou - Não...eu não estou aqui para isso...! Eu estou aqui para acabar com você! Eu deveria ter acabado com você naquela hora...! Afinal, todos na minha família contavam com isso! Uma isca só tem essa finalidade! Eu estou aqui para seduzir e encaminhar para a morte vampiros como você! Não importa se são meio humanos ou não!

— Eu sei que você não quer fazer isso - Arthur disse, recuando um pouco assustado.

— O que acha que sabe sobre mim? Você não deixa de ser um sanguessuga apenas por ser um meio-humano. Segue sendo a mesma criatura amaldiçoada que me cabe combater! Você é uma criatura das trevas, logo, não há como ser bom; vieste a este mundo apenas para ser morto pelos humanos, este é o seu destino. E eu serei aquela que irá te mandar para o inferno de onde nunca deverias ter saído!

 

Helena agarrou o vampiro pelo colarinho e, usando toda sua força, o empurrou em direção ao chão. Como havia acabado de se recuperar de um envenenamento, a criatura enfraquecida cedeu.

 

— É verdade...! Alguém que, tão exagerada e rapidamente, me faz sentir desta forma, não pode ser normal...Você deve morrer!!! - urrou a caçadora, tentando empurrar a cabeça da criatura contra um jazigo.

— Pare, Helena! Está me machucando!

 

Controlando sua força para não ferir Helena, Arthur conseguiu finalmente inverter as posições e ficou por cima dela. Um de seus joelhos afastou as pernas da jovem e ao mesmo tempo prendeu seu vestido, impedindo sua livre movimentação. Frustrada, ela gritava sem parar para que o meio vampiro a soltasse.

 

— É um feitiço...um de seus dons malditos - ela dizia, para ninguém em específico - Só existiu para mim um único...e ele não está mais neste mundo...por causa de criaturas como vocês! É o meu dever acabar com a sua raça...Solte-me!

 

Arthur Seingalt retirou as mãos de cima de Helena cautelosamente, apreensivo com o estado dos frágeis pulsos da amada. Mesmo se esforçando para não machucá-los, ele conseguiu deixá-los profundamente avermelhados. Levou as mãos à boca, em choque, ao constatar o que fez.

 

— Me desculpe - ele sussurrou, tocando no rosto dela.

— Não, não se aproxime, ou eu...

— Se tem medo deles, pode ficar ao meu lado. Eu cuidaria de você.

 

Helena não conseguia focar os olhos nele, pois suas palavras soavam inacreditáveis.

 

— Você acredita em mim? Você ficaria comigo?

— Eu não preciso da sua abominável piedade! - ela quis empurrá-lo, mas o vampiro a puxou ao seu encontro.

— Mas eu preciso...eu preciso muito de você.

 

A caçadora não estava pronta para esse tipo de investida. O monstro, instintivamente, aproximou seu rosto do dela. Era como se a natureza reclamasse que algo deveria acontecer a partir dali, mas ele era ignorante demais para entender a própria necessidade, e contentou-se em depositar apenas um casto beijo na testa da garota, que, impotente, sequer conseguiu impedi-lo. Por fim, os braços dele a envolveram, e aí sim ela se viu perdida de vez na falta de reação.

 

— Eu asseguro que jamais a tocaria no sentido de produzir qualquer ofensa ou avaria. Dentre todas, você é a única que eu jamais conseguiria ferir. Quando a vejo, sequer consigo dar nome às sensações que tenho. Não consigo tolerar a ideia de que alguém possa machucá-la ou fazê-la chorar...eu não consigo imaginar que alguém seria capaz de fazer mal àquela que é a minha favorita em absoluto, tudo aquilo que meus olhos viram de mais precioso sobre este mundo!

 

Com o rosto escondido no peitoral do vampiro, Helena sorriu de satisfação. O monstro havia se afeiçoado a ela, como ela poderia não se sentir uma vitoriosa? Metade de seu trabalho estava feito.

 

— Você é adorável - disse a perversa, afagando o rosto imberbe da inocente criatura, enquanto calculava seus próximos passos.

— Podemos fazer um pacto - Arthur propôs.

— Que pacto?

— Uma promessa de que nunca iremos ferir um ao outro. Nós podemos fazer isso?

Helena deu de ombros, depois assentiu apenas com a cabeça, sem dizer nem uma palavra. Tentou sorrir de forma dócil, mas sua falsidade era quase palpável. Retirando um alfinete que prendia um lenço ao pescoço do inimigo, ela perfurou o dedo, e depois o convidou a fazer o mesmo. Seingalt se assustou com o gesto dela, o que o pôs praticamente imóvel. A jovem se aproveitou disso para ela mesma tomar sua mão e realizar o procedimento. Arthur balançou levemente a mão, reclamando de dor.

— Nunca ouviu falar de pacto de sangue? - Helena indagou, levando uma das mãos aos cabelos dele, enquanto a outra segurava a mão cujo dedo havia sido perfurado - É feito somente entre pessoas que confiam muito uma na outra.

Os dois se entreolharam por alguns segundos, que a menina usou para avançar. Mas, antes que seus lábios pudessem se tocar, Arthur Seingalt colocou mais uma objeção:

— Helena...não segure minha mão. Nossos sangues não podem se misturar. O seu sangue não me provoca nenhum efeito, mas não estou certo quanto ao contrário.

Ela bufou, exasperada, mas foi surpreendida por um gesto inesperado do vampiro, que se inclinou em sua direção e repousou a cabeça em seu busto. A primeira ideia que passou na mente da moça era a de que ele estaria disposto a se aproveitar de seu corpo como todos os outros. Engolindo seco, ela fechou os olhos e fingiu correspondê-lo, passeando a mão pelas suas costas. "Esses asquerosos sempre acabam mortos porque querem tirar alguma vantagem", Helena pensou consigo. Mas foi apenas isso, Arthur Seingalt não se mexeu mais. E então, ela sabia que tinha vencido.

"É inacreditável a estupidez deste ser. Como pode confiar numa caçadora a este ponto?", refletiu.

— Se confia em mim a ponto de depositar sua vida nas minhas mãos desta forma, eu nada posso fazer a não ser aproveitar. Desde que cruzou o meu caminho, tu não tens feito outra coisa que não fosse implorar para morrer. Não posso perder a oportunidade de mostrar a todos que eu sou capaz de capturá-lo. Sei que não és como os outros, mas continuas pertencendo àquela família. É verdade, eu nunca quis machucá-lo, mas está no meu destino entregá-lo àqueles que se encarregarão disso. As coisas seriam mais fáceis para mim se tu fosses igual a todos os teus antecessores, mas vejo que és incapaz de raciocinar. Não posso fazer nada por ti, a não ser lamentá-lo...

(...)

 

Horas depois, Helena estava em casa, e seus familiares celebravam o sucesso da caça em generosos goles de bebida.

— Finalmente, posso congratular Helena por um bom trabalho - Angela disse amargamente.

— Agradeço pelo incentivo, prima - a caçadora respondeu com ira e ironia.

Sem ter quem lhe aconselhasse ou moldasse o comportamento, bebia junto com os homens e ergueu a garrafa em brinde ao que disse a outra.

— No lugar de vocês, eu não o deixaria aí solto - disse um dos companheiros circenses da jovem Margarida. Ele pode escapar antes que o negociemos.

— Vamos carregá-lo para o porão - Vincent solicitou a Bernard.

Quando cada um segurava um dos braços de Arthur para erguê-lo, ele acordou.

— Helena! O que está...acontecendo?

— Adormeceste e foste capturado, não o vês?

— Como?...

— Quando acreditaste que eu me feria, eu, na realidade, preparava uma forma de capturá-lo. Viste apenas o que desejavas ver.

Sem o menor pudor e para o deleite dos rapazes em volta, ela levantou a saia e mostrou preso à coxa o seu vasto arsenal de venenos.

 

— Mas e a nossa promessa?

 

Os bêbados em volta riram do vampiro, assim como os dois caçadores que o seguravam.

 

— Deixe de tolices - disse Vincent - Claramente, desconheces aquela com quem estavas trocando palavras!

— Preciso lhe falar! - Seingalt insistiu, ignorando-o - Não posso acreditar que sigas ao lado deles depois de tudo o que conversamos! Helena! Por favor!

 

O líder dos Lee Rush gargalhou.

 

— Mais um tolo a cair na conversa da isca! - disse de forma impessoal, como se não estivesse se referindo à filha de sua irmã.

 

Helena, que tinha sido puxada para o colo de um dos hóspedes do cortiço, ergueu mais uma vez sua garrafa e bebeu seu conteúdo, sem perder contato visual com o apaixonado que gritava pelo seu nome. Depositou a garrafa em cima da mesa e, aos tropeços, caminhou na direção do iludido.

 

— Diga a eles para me soltarem! - implorou a criatura, fragilizada e mal governando as próprias pernas - Diga a eles que nós vamos embora juntos!

 

A garota riu de forma tão incisiva que a bebida que ela tinha na boca escapou toda para o rosto do vampiro. Outros seguiram seu exemplo, batendo as mãos na mesa, os pés no chão. Alguns repetiam suas exclamações e riam novamente.

 

— Como é deprimente - ela se vangloriou, enxugando os lábios. Queria se desassociar daquilo tudo, no fundo estava envergonhada do que o monstro revelava sobre o diálogo dos dois.

— Vamos, antes que seja pior! - Vincent ponderou, tentando convencê-lo.

— Já nos deu trabalho demais! - Bernard completou, puxando-o violentamente.

— Esta não é você! Eu sei que não és assim...Apenas sente medo...! - Arthur se debatia, no intuito de se aproximar da garota indiferente que horas antes era a Julieta dos seus sonhos.

— Medo de quem...? Da minha família? Tu foste logrado como o que és, um tolo. Apenas isso.

 

Sem dizer mais nada, o vampiro derrubou algumas lágrimas. Margarida protestou com um rapaz ao seu lado, estapeando-o no braço:

 

— Parem de rir dele! Pobrezinho...

 

Quando Arthur Seingalt foi carregado para o porão e o leilão da criatura começou a ser discutido com os maiores interessados na peça, isto é, o dono do circo e o curador do museu, numa sala à parte, Helena não viu mais necessidade de fingir o sorriso confiante que ostentava no rosto. Subiu alguns degraus da escada que dava para o segundo andar e ficou sentada ali, olhando a movimentação no salão principal através da grade rendada.

 

— Mais um que caiu nos encantos da poderosa Helena!

— Eu sabia que essa caça não seria gratuita - disse Bernard, puxando um tamborete para sentar - Dá até pena pensar no que o pobre diabo deve ter escutado para declinar de forma tão vergonhosa!

— O importante é que Helena conseguiu - Vincent lembrou, de forma amena.

— Que não se subestime o potencial de uma mulher pequena e graciosa - um dos homens disse de forma afetada e até poética.

— Mulheres belas carregam consigo o dom da traição!

— São como escorpiões!

— Por favor, não fale de todas as mulheres - Vencent interrompeu os amigos - Angela não procede deste modo. É casta e pura, detentora de todo o recato que a prima não possui! É séria, honrada e confiável, diferente da outra, que logra os homens sem piedade!

— Só peca por não ser tão bela quanto a serpente traidora!

— Amigos, idolatrais em demasia as características superficiais de uma mulher! A beleza exterior é a maior riqueza de Helena, porém a única. Angela carrega em si a fidelidade da mãe, da esposa e da serva; Helena é vil e fria como um cadáver.

 

Vincent prosseguiu:

— Esta menina que nos serve de isca está morta em vida; seu coração perece junto com o noivo falecido, nosso saudoso Richard.

Bernard que, como a irmã, adorava insultar aquela que era considerada a vergonha da família, a desonrosa herança da tia que conheceu e amou nos primeiros anos de vida, sorvia essas palavras com orgulho de sua irmã, como se o rebaixamento da outra a elevasse.

— Ainda assim, há tolos o bastante para dar crédito ao falso amor que ela oferece - observou - É uma entrega vazia de bons sentimentos.

— Pelo Deus que nos guarda - disse um dos homens - Quisera eu ter nascido um demônio da noite apenas para ter a sorte de possuí-la!

— Não creio que precisarias ser um vampiro para usufruir da graça, companheiro - Bernard confidenciou ao outro - Por poucas moedas ou mesmo nenhuma, a deténs consigo na noite que quiseres, posso assegurar.

— Como pode saber? Como instrumento precioso de caça, ocorre-me que seu tio devesse preservá-la apenas para os monstros.

— Engana-te! Helena é livre, e meu tio prefere que seja deste modo, pois assim desenvolve melhor suas "habilidades" e sustenta a si mesma.

— Isto é verdade?

Arthur, trancado no porão da casa, conseguia escutar tudo, pois uma grade cuja serventia original era escoar a poeira das botas dos hóspedes também servia como uma pequena janela de contato dos prisioneiros com o mundo externo. Mais do que o mal estar provocado pela droga que a caçadora lhe deu, as lágrimas turvavam-lhe a vista e os sentidos. Ele estava inteiramente consumido pela dor e pelo luto.

(...)

Helena não aguentou mais que falassem dela como se ela não estivesse presente, retirando-se. Invadiu a sala das armas onde, além de devolver seus venenos, teve acesso a outros instrumentos de batalha. Tomou facas de arremesso para treinar, e reconheceu entre elas uma que lhe foi dada de presente por Richard. Cerrando os olhos para que as lágrimas fossem contidas, obteve sucesso em refrear os sentimentos. Sem saber precisamente em que parte do porão o monstro havia sido aprisionado, esgueirou-se para uma sala subterrânea vizinha à cela do vampiro. Deixara aberta a porta por onde entrara, para que tivesse acesso ao mínimo de claridade. Disposta a metros de um grande alvo na parede, iniciou os arremessos. Os golpes na madeira eram precisos e próximos, e as facas cravavam profundamente na superfície. Porém, ao escutar um ruído qualquer, que ela atribuiu aos ratos do local, saltou de susto, e percebeu que havia colidido com alguém.

— Muito bem, "senhorita" Lee Rush - elogiou o homem que falava com seus primos à mesa de jantar da estância - Tens boa aptidão à caça. Agora, mostre-me outra habilidade sua...

As mãos dele contornaram a cintura estreita da órfã, que não ofereceu resistência, apenas permitiu que ele continuasse.

— O que você faz para distrair os vampiros, mostre-me.

Enquanto o hóspede subia a saia por suas coxas, Helena fazia suas reflexões depreciativas de sempre acerca do sexo oposto. Ela os via como vermes, tanto os humanos quanto os malditos vampiros. O princípio da luxúria se aplicava a ambos com igual intensidade. Diante do corpo de uma mulher, era como se o raciocínio lhes escapasse a todos e deixasse no lugar somente um buraco vazio e estéril.

— Eu ainda tenho armas comigo - ela disse, sem esconder a ojeriza pelo sujeito - Quer que eu mostre o que faço para matá-los? - blefou.

— Uma criança como tu não deveria se prestar a esse tipo de coisa.

— Sou adulta o suficiente para ser mulher em seus braços?

— São coisas completamente diferentes, tu o sabes.

— Sei - ela concordou, fingindo rir, enquanto era virada de frente para ele - Seria pedir muito esperar até que chegássemos aos teus aposentos?

— Que perigo eu correria em caso de ser apanhado contigo? - indagou o hóspede, cobrindo o pescoço de Helena de beijos e mordidas.

— Isto faz cócegas! - gemeu a garota, entre risos.

— Responda! O que teu tio faria se eu fosse apanhado contigo?

— Não puxe meu cabelo! Isto machuca.

 

O homem a fitou com agonia, esperando uma resposta.

 

— Tens tanto medo dele assim?

— Logo se vê que não mereces a minha cama - o homem concluiu, atacando-a ali mesmo.

 

Helena achou graça de sua covardia e riu com as graças de uma menina perversa. Louco de desejo, seu parceiro de escapada calou sua boca com beijos quentes e arrojados. Em algum momento ela teve que protestar, pois estava sendo sufocada. Ele não a obedeceu: Helena só foi liberta mediante a satisfação do outro. Isso implica dizer que ela quase desfaleceu em seus braços. Os cordões que encerravam a frente de seu vestido já haviam sido feitos em pedaços, e a roupa escorregava facilmente por seu tórax estreito e desprovido de seios. Esse detalhe enlouqueceu o viajante: Helena poderia ser uma perdida, mas as suas formas lembravam as de uma criança que acabava de encontrar a adolescência: um corpo virgem.

 

— Quantos anos tens, menina?

— Alguma coisa entre quinze e dezesseis...eu não o sei, senhor. Que importa? Os mal nascidos não têm idade.

 

De forma rude, o homem tornou a beijá-la até fazê-la perder o controle da própria salivação. A mão que suspendia a barra do vestido da jovem meretriz agora desatava os laços de sua peça íntima. Livre dela, passou a contornar a sutil curva de sua nádega nua; os dedos buscavam qualquer uma de suas duas entradas. Cansado do curto ritual de pré-acasalamento, o homem virou Helena de cara para a parede e agarrou seu quadril. Um barulho de ferramenta caindo chamou a atenção de ambos. Então, eles viram algo que não tinham prestado atenção antes: um atento par de faróis dourados reluzentes os miravam, apesar de desfocados por um fino cobertor que dividia o lugar em duas alas. Aquela luz sobrenatural não poderia ter outra origem:

 

— Ele está aqui... - Helena sussurrou, apontando com a cabeça para a direção das luzes, que se assemelhavam ao brilho dos olhos de um felino.

— Quem? - o hóspede perguntou, temeroso da resposta.

— O vampiro...ele está olhando para nós.

 

Imediatamente, o homem, que já tinha as calças arriadas, pôs a se vestir. Ele praguejava em gírias depravadas do período.

 

— Não me diga que está com medo!

 

Helena insistiu para que continuassem. Agora, estava mais do que determinada em prosseguir o ato íntimo: beijava-o continuamente nos lábios, pela barba, pelo peitoral, sequenciando propostas e desafios sexuais.

 

— Chega! Basta! Não aqui! Estás louca? Encontre-me em meu quarto. Deixarei a porta encostada e estarei à tua espera; mas aqui, não.

— Por que não? Deixe-o aí, ele está acorrentado e neutralizado pelo veneno que injetei. Sem falar que é incapaz de compreender metade do que estamos fazendo!

 

Brutalmente, o homem arrancou de si os magros braços que o envolviam; Helena acariciou um dos membros lesionados. Havia sido empurrada com tanta força que sua cabeça colidiu com a parede de pedra. O conhecido de seu primo lhe deu as costas e alcançou a saída em segundos; ela não foi socorrida em nenhum momento.

Helena passou a mão pela cabeça para verificar se estava machucada, o que não sabia ao certo.

— Helena...

Ela, que havia se esquecido momentaneamente de que estava acompanhada, assustou-se diante daquela voz rouca, enfraquecida pela enfermidade. Sem nada dizer, a jovem se aproximou de Arthur Seingalt, baixando discretamente a saia e caminhando com certa dificuldade, pois sua peça íntima estava nos joelhos. Com a altivez que lhe era comum, ergueu bem o rosto, como se fizesse questão de ser vista e reconhecida naquele tipo de situação; quanto mais fosse desprezada por ele, mais fácil seria reagir de forma equivalente, mantendo o afastamento necessário para sua sobrevivência.

— O que deseja, monstro? Quer notícias acerca de teu destino? Eu nada sei; meu tio e teus possíveis compradores discutem na câmara acima.

— Você está bem? Ele a empurrou com muita força. Eu consigo sentir o cheiro do seu sangue...

A caçadora mais uma vez passou a mão por entre os cabelos, e então detectou um ponto molhado.

— Ah...isto não é nada.

— Como pode...?

Ela olhou para ele, cujo rosto indignado e triste recebia um feixe de luz vindo da grade já mencionada acima.

— Como pode se permitir tratar dessa maneira?

— Não é só isso que eu costumo fazer. Eu faço coisas bem piores - disse a moça, na defensiva - Eu fui treinada para isso desde meus primeiros anos de vida, para ser o brinquedo de criaturas como você enquanto os verdadeiros caçadores não aparecem. Mas não são apenas as criaturas da noite que usam este corpo.

— Por quê? - Arthur indagou, remoído de ciúmes.

— Porque eu tenho que provocar vocês - ela respondeu, aproximando o rosto do dele e tocando em seu peitoral, esmagando o tecido de sua roupa, deslocando-o para cima. Arthur não podia reagir, pois estava pendurado pelas mãos - Fazer com que tenham o melhor sonho de suas vidas antes de acabarem nas mãos habilidosas daqueles a quem sirvo, aqueles que são realmente capazes.

— I-isso é horrível!

Helena, que passeava a outra mão debaixo de sua camisa, visando arrancar alguma reação, deu de ombros. Virou de costas para ele.

— O quê? Do que está falando? Quem é você para me dizer isso? Um vampiro assassino. Matar vocês deveria ser e é considerado um ato de heroísmo! Existimos porque criaturas como tu assolam a nós, os humanos, os únicos que deveriam caminhar por esta terra! Ainda que, para atingir meus objetivos, eu tenha que fazer tudo o que faço, não me arrependo. Não tenho do que me envergonhar. Minha habilidade o trouxe aqui. Tua cabeça fará a tranquilidade de minha família, pelo menos por uns tempos.

O discurso dela foi interrompido pela curiosidade de escutar o que ele dizia:

— Eu sou...alguém que já caiu em sua armadilha. Alguém que, contrariando a própria natureza, sequer consegue machucá-la. Eu sou alguém que já se considera morto só de pensar que você faz essas coisas com meus companheiros. Eu sou infeliz por vê-la pertencer a outro homem diante de meus olhos! Eu não quero mais viver, o futuro não me importa! - exclamou a criatura, às lágrimas.

De cabeça baixa, por entre os cabelos, Helena encarava o vampiro de soslaio. Este chorava sua decepção com o despudor de um inocente que ainda não compreendia as regras de comportamento do universo masculino. Seu sentimento a tocou de alguma forma, a ponto de ela decidir, por si mesma, adoçar o triste fim da criatura com mentiras.

— É mentira...isto tudo. Eu não queria fazer isso. Você é diferente dos outros. Não sabes como eu o sinto…

— Basta - Arthur protestou, desviando-se das carícias da megera - Pare! Por que precisas me enganar? Não posso permitir que sigas a me humilhar e dominar. Quando falas de nós a teus humanos, o que fazem juntos? Riem de nós, do engodo que representas a todos da minha espécie? Por que tamanha crueldade? Eu não entendo, meu coração não a aceita desta maneira! Não és nada do que eu esperava! Enganei a mim mesmo, mas neste momento carrego a obrigação de ser atento e vigilante, pois agora a conheço.

— Tu nada sabes a meu respeito, criatura do mundo inferior - Helena respondeu, irritada, ao ver que sua sedução havia falhado - Não me conheces e nem me conhecerás. Nada temos a ver um com o outro. O teu destino não me diz respeito! Estamos em extremos opostos. Estás certo ao me lembrar de meu lugar: lamentar seu destino seria uma falha minha - como mulher, como humana, como caçadora e sobretudo como um membro da família Lee Rush!

— Eu amaldiçoo o instante que a conheci! Abjeta, vil, vergonhosa, desprezível é o que és! Meu maior consolo como morto é estar ciente de que não tornarei a vê-la!

— Olhe bem para mim - a garota avançou dois passos em direção a ele, encostando seus corpos e encarando-o face a face - Se meu tio o vender ao colecionador, eu serei uma das últimas coisas que tu verás! Então, aproveite, monstro, aproveite enquanto ainda tem olhos!

 

A constatação de que a isca lançava verdades ao vento gerou um choque opressor em ambos, e o silêncio roubou todas as palavras que qualquer um deles poderia dizer. Da parte dele, moço e no início da puberdade, era um blefe dizer que não se importava mais com a vida após uma desilusão. E, para ela, Helena, era impossível fingir indiferença ao futuro daquele jovem sanguessuga que sequer havia conhecido as delícias do corpo feminino. Por mais imaturo que parecesse, ser ignorante em absoluto fazia parte de seu charme. As vestes caras, a pele translúcida, os cabelos sedosos e seu baixo talento para a fuga denotavam que Arthur Seingalt era o tipo de elemento criado em uma redoma. Apesar de tudo, as cicatrizes serviam para provar que nem assim ele havia escapado à maldade dos homens. Agora, Helena somava feridas ao seu coração. E, mesmo ciente de sua traição, da terrível missão que ela carregava, o meio vampiro não conseguia ignorar aquele corpo pequeno cujas formas delicadas se encaixavam com perfeição nas suas. Diante dela, ele, a criança dos Seingalt parecia maior, mais adulto, como se a miudeza de Helena o apresentasse à consciência sua própria virilidade. Os olhos azuis e crueis da menina o fitaram primeiro com triunfo, em seguida com uma reverência quase hipnotizada. Ele, também guiado por princípios automáticos da natureza dos homens, apenas olhava para aqueles lábios insolentes e vermelhos que anunciaram sua sentença de morte de forma tão trivial e despiedada. Sim, ele queria calá-los, imitando o que o homem antes dele havia feito, mas sua dignidade refreava esse impulso. Ele a amava, mas também a odiava, e não sabia o que fazer com essas duas informações, não sabia sequer o que fazer com os alarmes naturais que seu corpo lhe enviava. Helena também passava por um dilema parecido: queria apresentar àquele inexperiente o mundo, mas temia que qualquer prática imprudente representasse uma traição maior à memória do noivo Richard. Diante da dúvida, só restou aos dois a contemplação frustrada pela falta de atitude.

 

— Está decidido o destino do monstro! - eles escutaram uma voz dizer à porta.

 

Imediatamente, Helena se arrancou de perto dele.


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