A luta a ser travada escrita por MT


Capítulo 14
Capitulo 14- Aquele que foge


Notas iniciais do capítulo

Voltamos ao perdedor...



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Gritos animados instigando a matança começaram a crescer vigorosamente sobre o estádio. Minha mente estava turva e meu corpo parecia resumir-se a cabeça deitada em grama e sangue. Mas lembrava da luta, do soco que atirou-me ao ar e depois ao chão, de Boneco, de onde estava e do plano que seria posto em prática aquela noite. E do que aconteceria quando houvesse um vencedor entre os lutadores, das armas sendo empunhadas por homens posicionados atrás das linhas laterais do campo. Da morte vindo sob o som do engatilhar de espingardas.

Ouvi o coração arremetendo ferozmente contra a caixa torácica em batidas violentas, senti o cheiro pungente de sangue e o odor fresco da grama. Os derrotados eram erguidos e segurados por trás, a maioria inconsciente com sangue e hematomas na face. Tentei mover os braços e a dor que faltava surgiu dando uma punhalada nas entranhas. Minha vista piscou em preto e depois branco, um som agudo perfurou-me os tímpanos. Por um instante acreditei estar morto ou tão perto disso que não faria diferença.

Quando voltei a mim estava sendo amarrado a um tronco no centro do gramado e parte da multidão se encontrava a poucos metros, atrás de rústicas mesas de madeira repletas de armas medievais. Arcos brancos como osso polido, espadas de prata e ouro, machados de lâmina simples e dupla, maças, lanças, dardos e mais uma enorme variedade. Os outros que tinham caído em batalha encontravam-se atados a troncos a esquerda. Assim que terminaram com as cordas um dos homens que me amarrou veio até a minha frente. Fitou minhas íris brevemente, gritou ´´já tá acordado``,  e saiu andando. 

Um sujeito de roupas brancas e brilhantes tomou a frente com um microfone na mão esquerda. Senti as pálpebras pesarem e os pensamentos fugirem fracos e cansados para suas tocas sob a escuridão. As pessoas silenciaram-se quase por completo, a noite incidindo contra as faces abaixo das máscaras.

 — Agora senhores e senhoras começaremos o festival de armas medievais! - a voz alta emergiu tanto do pequeno homem a frente quanto das caixas de som do estádio. - Escolham uma e sintam como é ser um verdadeiro guerreiro medieval! Façam fila atrás dos sacos de treino improvisados! Um golpe por pessoa e, se puderem, tentem mantê-los vivos pelo máximo de tempo!

O barulho de metal tintilando, os murmúrios excitados, as piadas sujas, homens e mulheres se dirigindo até mim com espadas e lanças as mãos. Dexei que as pálpebras caíssem e a mente parasse de tentar segurar os pensamentos. Por um momento tudo estava escuro, silencioso, sem dor. 

 

— Levanta, os pratos não vão se lavar sozinhos. - a voz me pareceu familiar, um timbre firme, infantil e sério. Havia o odor de limão e o vislumbre de fios dourados. Lágrimas encheram meus olhos, mas antes de vê-la, a noite e o estádio caíram com o estouro de armas sobre mim.

Pessoas corriam gritando enquanto outras eram trespassadas por balas e desabavam no chão. Chamas subiam da arquibancada e do gramado, tiros soavam, vi homens fardados como policiais trocarem fogo com outros que usavam terno. Estes últimos estavam em desvatangem gritante, mas continuavam atirando de cima da arquibancada e do solo, a medida que os seus oponentes adentravam por todas as rotas que poderiam ser usadas para fuga.  Um corte surgiu na minha perna liberando um pequeno espinar de sangue, um tiro acertou a tora numa área pouco acima da minha cabeça fazendo lascas voarem. Sentia a boca grudenta e repleta de um sabor metálico. Recordava que algo assim era esperado, uma investida armada havia sido planejada e arquitetada para aquela noite. Mas os detalhes eram ratos fugindo para debaixo dos móveis.

A fumaça começava a entrar pelo nariz, espirrei e tossi. Estava ficando nublado e meu corpo começava a suar. A luz dos disparos ascendiam-se a distância junto ao som dos gritos e os passos apressados para fugir de alguém ou perseguir alguém. 

Então os sons reduziram-se até o nada e o cinza tornou-se negro.



— Ah, certo. - falei saindo do banco e lançando um rápido olhar aos outros garotos brincando no jardim. 

A menina agarrou minha mão, seu toque era quente e a pele macia, mas apertava com vigor suficiente para meus dedos ruborizarem junto às bochechas. Ela correu comigo cambaleando nos seus calcanhares. Estava com pressa. Os corredores passaram num flash de azul e branco. Quando paramos na frente de uma porta ao fundo de um beco sem saída interligado à sala de estar, eu puxava o ar com dificuldade, mas não a disse nada. Ergui a mão para a maçaneta velha e enferrujada. Fui repelido, um tapa da garota afastou meus dedos do metal marcado pelo laranja avermelhado.

— Ainda fugindo? - ela perguntou.

A observei com a testa franzinda, aquilo não parecia ter relação com os pratos.

— Se fugir nada de bom vai acontecer. Fugiu de mim e agora está só. Decidiu fugir do boxe e criou arrependimentos. Se continuar fugindo as coisas irão piorar.

Meu punho fechou-se e o sangue ferveu. Os olhos dela eram da cor do mel. Abri a boca, mas antes que dissesse algo outra voz soou e outro cenário surgiu.

 

— Rápido o paciente está acordando!

Vi pessoas trajando branco, máscaras que cobriam os lábios e bochechas, íris tensas em peles úmidas de suor e manchas escuras abaixo de seus olhos. Acima o teto passava numa rajada luminosa e alva. Tentei me levantar, mas um solavanco fez minha cabeça  chacoalhar deixando um borrão onde estivera o mundo. Aos poucos percebi o que estava ocorrendo em meio a velocidade com que me moviam e o conteúdo de suas falas. Tinha sido nocauteado por alguém e aqueles eram médicos ou enfermeiros ou ambos, presumi, mas não recordava nada da luta ou do oponente. Fragmentos de socos desferidos , do som da plateia e de fogo queimando enquanto gritos ressoavam por cima da grama iam e vinham. Forcei a cabeça a juntar os pedaços, mas a imagem final com chamas estourando enquanto as pessoas na arquibancada deliravam observando os homens no gramado parecia mais um show de rock do que uma partida de boxe. 

Atravessamos uma porta e fui realocado numa cama, cada osso e carne gritando e queimando enquanto era tocado. Choquei os dentes de cima com os de baixo para conter o grito. Mas ele escapou como um rugido alto e agonizante. Alguém correu até um balcão e voltou armado com seringas, uma delas teve a agulha enterrada no meu braço e seu conteúdo deslizou para minha corrente sanguínea. Houve dor e mais dor, depois peguei-me dormindo outra vez.

 

Estávamos na rua, sobre a calçada, caminhando com os ombros em paralelo. Podia sentir alguns fios de cabelos roçarem em mim enquanto nos moviamos. Eram dourados e refletiam o brilho do sol. Minhas bochechas ardiam um pouco e calor espalhava-se abaixo das roupas íntimas, um ímpeto sexual que lutava para conter. Íamos a academia de pugilismo, porque a garota tinha um olhar intenso e habilidade no manejo das palavras o bastante para me dobrar a sua vontade. Ela não me escutara antes quando sob um teto disse que iria desistir do boxe, que não tinha talento e que só faria desperdiçar tempo insistindo naquilo. A menina havia fitado-me, as íris castanhas ameaçando derrubar sua cor no branco dos olhos como mel que expande-se fluindo lentamente numa colher, e com a boca recitou uma pergunta.

— Você gostaria de ser um boxeador um dia?

— Sim, mas…

Ela pegou minha mão antes que as palavras que eu prentendera dizer saíssem. 

— Então não fuja. - disse enquanto seus dedos fechavam-se com mais vigor. Tentei desvencilhar-me do seu toque, mas não existia um.

 

De um instante para outro o passado tornou-se uma cama de hospital com janela que permitia um vislumbre de casas de cimento e aço, prédios robustos pintados de cores primárias e pessoas andando entre carros e edifícios. Havia agulhas inseridas no meu corpo, uma máscara para auxiliar na respiração e um estranho equipamento zunindo a minha esquerda. ´´Não fuja``, as palavras vieram antes de qualquer outra lembrança que pudesse nortear-me quanto aos acontecimentos. A garota de olhos castanhos e cabelos longos que me fez ir atrás do que eu queria quando não era forte o bastante para fazê-lo sozinho parecia estar ali, naquele quarto, escondida sob a cama ou a vista num dos cantos. Mariana sabia que no fundo tudo que eu queria era ter segurado seu braço e dito que iria junto a ela ao enterro de seu pai ou ao fim do mundo. Mas fugi e fingi encarar Boneco quando nossos caminhos se cruzaram e larguei a esperança de estar com Mariana de novo ao almejar tornar-me mais íntimo das outras pessoas a minha volta. Fugira tanto que meu pulmão doía.

Na mesa à direita havia uma carta branca lacrada com um selo vermelho em forma de um emoji feliz. Senti o estômago revirar e os punhos tensionarem. Não conseguia pensar em mais do que um sujeito que usaria aquele símbolo zombeteiro. O rosto de pele caucasiana, o cabelo e a barba dourada, as íris negras, a boca torcendo-se num sorriso cheio de si enquanto anunciava o que queria que fizesse para ele, a torção divertida dos lábios que deve ter feito quando mandou destruirem o ginásio de boxe e depois quando ordenou a morte do garoto vieram à tona como uma lufada de ar podre. Ouvi a máquina que monitorava meu coração apitar mais velozmente à medida que o sangue se locomovia em velocidade crescente por minhas artérias e veias. A perspectiva de que aquele homem ainda andava livre por aí era suficiente para que relaxar fosse uma ideia tola. 

Estiquei o braço para pegar o papel e rompi o lacre. O movimento foi lento e pontadas dolorosas escorreram por meu peito, mas não hesitei diante isto.

Passei os olhos sobre o conteúdo digerindo vagarosamente o que via. Realmente pertencia a quem supus a princípio e era repleta de auto vangloria e desdém. Mas as palavras simplesmente tiraram o ar de meus pulmões. Reli outra vez e depois mais outra, um estranho arrepio arranhando minha espinha.

O que ele quis dizer com aquilo além do que tinha dito era como uma serpente se enroscando lentamente no meu corpo. A porta foi aberta e uma mulher trajando jaleco irrompeu por ela antes que a questão fincasse-se ainda mais fundo. Seus olhos eram grandes e tinham o mesmo castanho mel dos de Mariana. De repente soube o que faria ao me recuperar e estar andando novamente pelas ruas. 

Não seria mais aquele que foge.

— Ah, vejo que já está acordado, isso é ótimo. - disse enquanto se aproximava com um sorriso simpático nos lábios e uma prancheta nas mãos.


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Notas finais do capítulo

It´s so... cute?



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