O Leitor escrita por Cláudia Batiston


Capítulo 4
Capítulo 4




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Maze acordou com a sensação de que havia comido algo muito ruim, sua boca estava amarga e parecia que havia perdido muito tempo dormindo. Abriu os olhos e demorou para reconhecer o local que se encontrava, ao se virar, viu que estava em um dos quartos de visitas, com sua amiga de trabalho, Anne, bordando em uma cadeira de frente para a cama de casal que ocupava.

Ficou assustada ao saber que tinha dormidor por três dias, alternando entre a consciência e a inconsciência. Mas o pior foi descobrir que tinha sido colocada sob a proteção imediata de Modred.

Ela não tinha forças para lutar contra tal decisão, sabia que se permanecesse muito tempo junto a ele acabaria se apaixonando pelo homem mais poderoso que já tinha conhecido.

Mesmo se sentindo fraca, levantou-se e obrigou Anne a ajudá-la a se vestir, queria muito ir trabalhar e pretendia manter seu lugar dentro da cozinha da casa.

— Acalme-se, Maze. Vossa Alteza não vai gostar nem um pouco de saber que você já está de pé. Ele a encontrou desmaiada debaixo do carvalho que fica em seu jardim pessoal. A trouxe para este quarto, colocou sua tia pra cuidar pessoalmente de você.

Maze levou as mãos a boca, arregalou os olhos ao saber que Sua Alteza a tinha visto desmaiada. Ela não poderia perder aquele emprego, não agora que começava a se afeiçoar tanto com todos, inclusive ao jovem duque. Muito menos agora que começava a confiar nas pessoas a sua volta, especialmente com ele.

Depois do que lhe havia acontecido, abrir-se para permitir a presença de outras pessoas em sua vida tinha sido difícil. Até mesmo o seu filho, seu maior segredo, ela tinha dificuldades em permitir que se aproximasse demais do seu coração.

Não era certo, ela sabia disso. Nunca tinha sentido interesse por homem nenhum, mas Modred conseguia mexer com algo dentro dela que ia além da razão e das palavras. Em alguns momentos ele parecia sua alma gêmea.

Havia se tornado um hábito os dois sentarem para lerem juntos, conversarem sobre os mais diversos assuntos e quando ela tinha que sair correndo para realizar uma tarefa, ele lhe beijava o rosto.

Eram beijos inocentes, mas para ela eram cheios de sentidos. Ela sempre se perguntava se um dia seria algo mais do que aquilo, mas também sabia que enquanto ela era uma serva, ele era um duque. E como seu tio Alfred fazia questão de lembrar, Modred Wherlocke fazia parte de uma safra seleta, onde a maioria dos parentes já tinham sofrido muito e que o duque sofrera mais do que os outros.

Além do mais, temia nunca conseguir superar o triste passado e as marcas deixadas em sua alma. Era bom ter a companhia de alguém como ele, mas ainda temia o que havia acontecido.

Ainda recordava o primeiro beijo que ele havia lhe dado no rosto. Estavam em pé, parados lado a lado, conversando no escritório dele sobre questões políticas envolvendo antigas disputas entre o reino e a França, quando ela viu o horário e sabia que estava atrasada para começar a ajudar com o jantar.

Quando ela pediu licença para sair, ele abaixou a cabeça e lhe beijou o rosto inesperadamente e ficou olhando sua reação, que foi um sorriso tímido e bochechas rosadas. Após este primeiro, todas as conversas que tiveram se encerravam assim, com um simples beijo no rosto.

Era uma atitude intima, que apenas os namorados deveriam permitir, isto poderia causar-lhe muito mal estar, caso todos ficassem sabendo. Mas ela tinha certeza de que ele não iria permitir que alguém soubesse dessa história. Ele era discreto, não permitia que outros vissem suas ações e a colocasse em risco.

— E tem mais. Ele disse a senhora Ethel que após você se recuperar irá trabalhar ao lado dele, cuidando da administração e das finanças do ducado. - Se fosse possível, Maze arregalaria ainda mais os olhos. Nunca se sentira tão compelida a fazer algo e, ao mesmo tempo, tão cuidada.

— Ele não pode fazer isso, não pode. - Era tudo que conseguia murmurar.

Olhava para as paredes cremes do quarto e lembrava de uma conversa de semanas atrás, onde ela havia confessado que se pudesse escolher o que fazer da vida seria advogada, com poderes para administrar os bens, cuidar das finanças e ainda lidar com as leis. Ela sabia que seria capaz de fazer tudo isto, tinha recebido treinamento para tanto. Havia aprendido a lidar com números e finanças, contratos e muito mais, tanto quanto aprendera a se portar como uma dama da sociedade.

Havia confessado a Modred que era o que desejava, mas sabia que nunca iria ter uma oportunidade, só porque era uma mulher. O fato dele ter dado esta oportunidade, significava que ele não só sabia de suas qualidades, como confiava nela.

Isto não iria afastá-la de problemas, ao contrário, a proximidade com o duque poderia abalar ainda mais seu pobre e humilde coração, cansado de tantas amarguras.

— Sim, ele fez isto sim.

— Preciso ir falar com ele agora, Anne. Não quero que ele ache que estou o querendo escalar alguma posição na sociedade por meio dessa função.

— Ele sabe que você não almejava isto, mas também sabe que você é capaz de assumir tal responsabilidade. Tente. Se não der certo ao menos você tentou. Agora acalme-se. Sir Orion com a família estará chegando em breve e iremos precisar de toda ajuda possível para lidar com aquela família de bastardos.

 - Anne! Não fale assim! Como pode?

— E é mentira? Um filho de cada mulher. O caçula foi criado pelas ruas de Londres, os dois mais velhos pela Milady Penélope. E ainda tem a esposa dele, Lady Catrin com o filho do primeiro casamento. – O tom de sarcasmo em sua voz era impressionante, sua amiga era uma boa pessoa, mas não raro dizia o que pensava de uma forma um tanto mesquinha. - Se essa casa não fosse tão grande, acho que poderíamos ouvir aqueles bastardos correndo de um lado a outro.

— Preciso ir falar com sua alteza. E ir a cozinha ver se a senhora Ethel precisa de alguma coisa.

— Senhora Ethel ficou furiosa ao saber da decisão do duque, mas manteve a língua atrás dos dentes, ele disse que não ia tolerar nenhum tipo de fofoca sobre a decisão que havia tomado.

O vestido azul dado por Olímpia, tinha uma pequena renda ao redor dos fartos seios, realçava seus olhos, ajustado com cintura alta, seria perfeito para exercer a função dada por ele, caso não conseguisse tirar aquela ideia da cabeça dele.

Anne trançou seus fartos cabelos ruivos e os prendeu na nuca em um coque baixo e discreto.

Na cozinha pode sentir que nem todos estavam felizes com a decisão de Sua Alteza, pensou em explicar a verdade, mas sabia que a maioria iria ignorar e continuar falando por suas costas, por isto que manteve a distância de todos eles. A fofoca era o combustível preferido da maioria.

Na verdade, mesmo gostando de todos, ela nunca se sentiu parte da cozinha, do borralho, sua instrução era superior a deles, conhecia bem os meandros da política e do governo e sabia que poderia fazer a diferença em qualquer lugar e não apenas na cozinha.

Parou diante da imensa porta escura do escritório, suspirou profundamente, antes de bater. Precisava conversar com ele e entender o que ele queria de fato com ela. Sentia que morreria se de alguma forma o passado repetisse, mas ao mesmo tempo desejava se feliz, mesmo que isto fosse apenas alguns beijos delicados no final do expediente. Bateu na porta, e espero que ele mandasse entrar.

 Inclinou ligeiramente os joelhos em cumprimento: - Vossa Alteza.

— Maze! O que você faz fora da cama? Não deveria já estar de pé. O médico não te liberou ainda. – Ficou surpreso ao vê-la entrando pelo escritório e reparou que o decote do vestido dela expunha muito daquela pele branquinha e das diversas sardas que tanto o encantava, Modred fez de tudo para manter os olhos afastados do decote e focou no que ela estava lhe dizendo.

— Vossa Alteza, precisa me ouvir. Não sei se seria certo me colocar na função atual.

— Como você está se sentindo, Maze? Melhor?

— Sim, Vossa Alteza. Estou me sentindo melhor, obrigada por sua ajuda. – Respirando fundo, tentando se acalmar e colocar as ideias em ordem, prosseguiu. – Eu sou apenas uma serva que foi treinada para ser dama de companhia de alguma lady, possuo uma excelente formação, mas ainda assim, não posso ocupar um cargo tipicamente masculino, não sei se terei condições de assumir uma responsabilidade tão grande quanto ser a administradora de seu ducado. Além do mais, os boatos já estão correndo pela cozinha.

Enquanto ela falava sobre os porquês de não ocupar o cargo que havia lhe dado, Modred só conseguia pensar em como ela era inteligente e capaz de argumentar com tanta precisão sobre algo tão complicado e ao mesmo tempo se perdia na vontade de lhe dar um beijo. Sabia que era impróprio, mas cada vez que ficava perto dela, mais aumentava seu desejo.

— Vossa Alteza está ouvindo o que eu falei?

— Ouvi tudo Maze, ouvi. Mas acho que a decisão foi tomada não apenas porque gosto de sua companhia. Sei que é capaz de me ajudar a cuidar daqui, das finanças, receber os alugueis e, mais importante, sei que não irá me roubar. – Como ela abriu a boca para contra argumentar, ele levantou a mão pedindo silêncio – E mais, antes de decidir o que faria, consultei Olímpia, já que ela a conhece muito bem. E a opinião dela é que seria muito bom eu dar uma oportunidade a uma mulher que está muito acima da posição social que nasceu e que tem uma educação tão formal quanto a dela.

Ele sabia que era golpe baixo, mas não estava mentindo, ela era capaz de assumir as responsabilidades que estava lhe dando. E a possibilidade de trabalharem tão próximos poderia ajudá-lo a decidir o que queria com ela.

— Vossa Alteza...

 - Modred, me chame apenas de Modred quando estivermos tratando de negócios ou na informalidade de nosso lar. Odeio este tratamento e você sabe disso.

— Modred, tem certeza de que sua decisão é correta? De que não irá causar maiores transtornos para você ou para todos do ducado? – Usar seu nome era algo muito pessoal, e ele sabia que estava forçando os limites. Mas iria respeitar a vontade dele, até porque gostava como era o som do nome dele em seus lábios.

— Não irá. Já somos considerados estranhos. Não tem uma pessoa que não me considere um velho recluso e nada do que eu possa fazer poderá me afastar mais ainda daquela odiosa sociedade de Londres.

Levantando-se e segurando-a pela mão, sentiu a pele macia e os poucos calos que ela tinha na palma da mão. A proximidade permitia sentir o cheiro de limpeza, de sabonete, que emanava dela. Manteve a mão entre a sua e a levou para o outro canto da biblioteca.

Maze passou a mão sobre a fina madeira da mesa de madeira clara, com várias gavetas, papéis timbrado, tinteiro de prata e uma linda pena que ornava a superfície. Estava posicionada perto da janela que recebia o sol da manhã, meio escondida entre algumas estantes, longe dos olhares curiosos dos que passavam pelo jardim da casa.

Logo se deu conta de que era um local excelente para se esconder dele e ao mesmo tempo para se esconder com ele. Isto lhe causou um ligeiro rubor nas faces.

Não era um local para encontros românticos, não era fechado, mas era reservado o suficiente para que ela pudesse se entregar ao trabalho e ao mesmo tempo ficar admirando-o à distância.

Emocionada com a confiança e o carinho que ele estava lhe dando, agiu de forma impulsiva e lhe deu um beijo no rosto. Já estava se afastando quando ele a segurou pela cintura e a encostou em seu corpo, seus olhos se encontraram por um breve momento.

Ela sabia o que ele faria, mas decidiu ficar. Queria sentir o gosto dele, sentir se estava certa ao temer a proximidade com aquele homem tão acima de sua posição social.

Quando Modred a beijou descobriu que não poderia resistir, ela era mais doce que o melhor dos vinhos que ele já havia provado. O cheiro dela era delicioso e seu corpo cabia perfeitamente em seus braços. Era possível se afogar em seus beijos.

Mordiscou seu lábio inferior e ela abriu a boca permitindo que ele roçasse suavemente a língua pelo interior. Ela retribuiu o beijo e ele esqueceu de vez que aquilo não era sensato. Não foi um beijo calmo, o gosto dela era de quero mais e se viu perdido na vontade de descobrir o que mais ela poderia lhe dar. A puxou para mais junto do seu corpo e a manteve firme nos seus braços. Sentindo o calor do corpo dela.

Quando se viu dentro dos braços de Modred e sentiu a boca dele na sua, Maze soube que estava correndo um grave erro, era a realização de um desejo que há muito tempo ela queria. O beijo dele era sensual e másculo. Segurava a lapela de seu casaco marrom e permitiu que a língua dele adentrasse sua boca, enquanto sentia seu corpo pegando fogo.

Modred se afastou dela com relutância e olhou para ela como se estivesse diante de um anjo.

— Maze, perdão, eu não pretendia, me...

Mas mesmo quando falava não conseguia se separar dela, e a mantinha em seus braços.

Ela o olhava com desejo, sentia o calor vindo daquele corpo másculo, seu cheiro delicioso e sabia que estava entrando em uma perigosa aventura, mas sabia que agora seria mais difícil manter-se distante dele.

E de repente ela teve certeza de que havia se apaixonado por ele, entre os cuidados e a atenção que ele havia lhe dado, havia, também, conquistado seu coração.

Com relutância, ela afastou-se dele, o coração acelerado, olhou em seus olhos e colocou a mão em sua boca.

— Não diga que foi um erro e não peça novamente desculpas. Apenas deixe como está. Se foi um erro ou não iremos descobrir depois. Agora não tire a beleza do momento.

Saiu se sentindo leve e sabia que seria impossível manter-se distante dele dali pra frente. Estava nas nuvens, o beijo dele era tudo que sempre sonhara. Havia uma promessa de que ele ainda a procuraria, mesmo que suas palavras fossem de desculpas. Sabia que que não era a única a desejar beijos e mais atenção.


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